TRILHA DA MUSICA ORIENTACOES PEDAGOGICAS

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Orientações Pedagógicas Cecília Cavalieri França


TEXTO E ILUSTRAÇõES © Cecília Cavalieri França Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ F881o França, Cecília Cavalieri Trilha da música: orientações pedagógicas / Cecília Cavalieri França. - 1. ed. Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2013. 296 p. : il. ISBN 978-85-8054-136-6 1. Música - Instrução e estudo - Literatura infantojuvenil. I. Título. 13-04631

CDD: 780.7 CDU: 78(07)

28/08/2013 30/08/2013 rança. - 1. ed. -

COORDENAÇãO EDITORIAL Cláudia Rajão PRODUÇãO EDITORIAL Maíra Nassif REVISãO DE TEXTOS Erick Ramalho REVISãO DE PROVAS Cláudia Rajão PROJETO GRáFICO E DIAGRAMAÇãO Raíssa Baptista e Carmen Barbi

Fino Traço Editora ltda. Av. do Contorno, 9317 A | 2 andar | Prado Belo Horizonte. MG. Brasil | Telefax: (31) 3212 9444 finotracoeditora.com.br


Cecília Cavalieri França

Foto: Foca Lisboa

Para Keith Swanwick, Professor Emérito da Universidade de Londres, que derrama música em palavras, gestos e sons.

“The sound doesn’t change. We change.”


Índice

Trilha da Música

Para percorrer a trilha da música

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Fundamentos 7 1. Materiais sonoros, caráter expressivo e forma como conceitos fundantes em música

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2. A integração de composição, apreciação e performance

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3. Conceitos fundantes x modalidades

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Os volumes da coleção

18

Sobre planejamento

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Estrutura deste livro

20

A matriz de orientação para planejamento, ensino e avaliação

22

Site da autora

24

Volume 1

25

Capítulo 1

O meu carango

26

Capítulo 2

O hipopótamo e a joaninha

34

Capítulo 3

Valsa da aranha

42

Capítulo 4

O palhaço e a bailarina

50

Bolso Guarda-tudo

58

Matriz de orientação para planejamento, ensino e avaliação

60

Volume 2

71

Capítulo 1

Quadrinhos

72

Capítulo 2

Noite no castelo

78

Capítulo 3

Pele e palha

84

Capítulo 4

Pão de açúcar

90

Capítulo 5

Maria Fumaça

96

Capítulo 6

Tempo

102

Scrapbook

108

Matriz de orientação para planejamento, ensino e avaliação

110

Volume 3

121

Capítulo 1

Quadrinhos

122

Capítulo 2

Noite no castelo

128


Cecília Cavalieri França

Capítulo 3

Pele e palha

134

Capítulo 4

Pão de açúcar

140

Capítulo 5

Maria Fumaça

146

Capítulo 6

Tempo

152

Scrapbook

158

Matriz de orientação para planejamento, ensino e avaliação

160

171

Volume 4 Capítulo 1

Na cozinha

Capítulo 2

Blue

180

Capítulo 3

Quadrinhos

188

Capítulo 4

Quebra-cabeças

196

Capítulo 5

Um guri, um sambinha, um violão

204

Capítulo 6

Estrada Real

212

Scrapbook

220

Matriz de orientação para planejamento, ensino e avaliação

222

Volume 5

172

233

Capítulo 1

Na cozinha

235

Capítulo 2

Blue

242

Capítulo 3

Quadrinhos

250

Capítulo 4

Quebra-cabeças

258

Capítulo 5

Um guri, um sambinha, um violão

266

Capítulo 6

Estrada Real

274

Scrapbook

282

Matriz de orientação para planejamento, ensino e avaliação

284

Referências

294

Bibliografia

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PARA PERCORRER A TRILHA DA MÚSICA A proposta deste livro é apresentar os fundamentos teóricos que embasam a Coleção Trilha da Música, os quais implicam em escolhas metodológicas que são aqui traduzidas em inúmeras atividades práticas. A partir de uma concepção clara a respeito da música e do fazer musical, pretendo compartilhar caminhos para facilitar o aprendizado significativo de conteúdos e competências musicais, visando enriquecer a prática pedagógica realizada nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Escrever cada página foi um exercício de escolha, pois, no instante seguinte já me ocorriam outras tantas possibilidades. Cada proposta apresentada nos volumes da Coleção pode percorrer diversos caminhos. Portanto, para que você possa aproveitar ao máximo a Coleção Trilha da Música, é importante que utilize este livro como orientação e encare as sugestões como opções. Traga sua vivência e suas crenças para dialogar com o texto. Reflita sobre cada proposta, mergulhe em cada peça ou estímulo musical, entregue-se a cada criação e dedique-se a cada performance. E, principalmente, considere a singularidade de cada contexto, de cada turma, de cada criança e do universo musical no qual ela está inserida. A música é uma prática imersa no cotidiano. A criança traz para a escola uma vivência musical que inclui práticas, repertórios, habilidades, preferências e conceitos e até preconceitos aprendidos e apropriados em diferentes situações da vida. No entanto, o crescente acesso à música propiciado pelas tecnologias nem sempre implica em diversidade de repertório. A moda e a mídia ditam modos de escuta pasteurizados e redundantes. Nosso papel é proporcionar a expansão dos horizontes e dos saberes musicais da criança para que ela possa fazer escolhas autônomas, com base no conhecimento de si e na leitura crítica do mundo. Igual postura reflexiva deve prevalecer em sua leitura deste livro. Desse diálogo com o texto, com a música e com as crianças, irá brotar a sua leitura pessoal da Coleção Trilha da Música. Torço para que transforme esse trabalho em um exercício crítico, sensível ao seu contexto, às suas crianças e à música, para que você possa tomar decisões que incidam de maneira efetiva em suas aulas e para além delas.

Trilha da Música não é o livro, é o caminho a ser percorrido por você e suas crianças.

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Cecília Cavalieri Cavalieri França França Cecília

FUNDAMENTOS A concepção de ensino que permeia a Coleção Trilha da Música prioriza o fazer musical ativo e expressivo por meio de atividades de criação, performance e apreciação. Através delas, os conteúdos são vivenciados, reconhecidos e internalizados, e as competências pertinentes são gradativamente desenvolvidas. Por meio da exploração sonora, da criação e do arranjo, da performance vocal e instrumental, dos jogos, brinquedos cantados e parlendas, da apreciação de obras de diferentes gêneros e tradições, da reflexão e análise com suporte da notação analógica1 ou tradicional, a criança trava contato com os conteúdos musicais e os elabora, reelabora e sistematiza gradativamente. Conhecimento e habilidades podem ser ampliados de forma integrada com as práticas musicais do cotidiano, imprimindo à música novos significados. As bases da educação musical contemporânea se estabeleceram a partir de contribuições de pedagogos cujas ideias convergem quanto à importância da vivência sensorial, afetiva, corporal e lúdica dos elementos musicais, como é o caso de Dalcroze, Willems, Kodály, Orff, Martenot, Liddy Mignone e outros, e da criação como atividade central do fazer musical, como Swanwick, Schafer, Paynter, Aston, Koellreuter entre outros2 . Apesar de tais preceitos serem amplamente divulgados entre os educadores musicais, muitos programas ainda hoje adotam como princípio organizador do ensino (implícita ou explicitamente) os conhecidos parâmetros do som - altura e duração, principalmente, timbre e intensidade. Os conteúdos dos anos consecutivos são demarcados pelos níveis progressivos de leitura e solfejo praticados ou, no caso do ensino de instrumentos, pelo domínio técnico apoiado na notação musical tradicional. Obras musicais são apresentadas, geralmente, como “exemplos” de padrões rítmicos, melódicos e outros, e não como expressões singulares do universo musical. Tal concepção de ensino repercute em uma prática musical fragmentada e, não raro, desprovida de sentido musical e oportunidades para a tomada de decisões criativas. Esse modelo de ensino só será superado a partir do entendimento de que sons, para se tornarem música, precisam ser imbuídos de sentido musical e expressividade, realizados em andamento fluente, com fraseado definido, nuances de dinâmica e agógica, caraterização estilística e articulação clara da forma (França, 2003). Saber ler ritmos e melodias não significa apropriar-se deles musicalmente, da mesma forma que para se apreender poesia é preciso mais do que decorar o alfabeto ou conhecer regras gramaticais. Por isso, dentre as contribuições dos grandes pedagogos, considero o legado de Keith Swanwick especial; não pela Teoria Espiral (1988), não pelo Modelo C(L)A(S)P (1979), mas pela sua visão sobre música (1999; 1994), pela sua coragem em explicitar o que torna a música essencial em nossas vidas: seu impacto expressivo. Essas questões nos remetem aos fundamentos que sustentam a proposta de ensino da Coleção.

1 Notação analógica é aquela que se baseia na analogia entre propriedades do campo auditivo e do visual. 2 Ver, por exemplo, Mateiro; Ilari (2011). 7


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1. MATERIAIS SONOROS, CARÁTER EXPRESSIVO E FORMA COMO CONCEITOS FUNDANTES EM MÚSICA Conceitos fundantes são conceitos estruturadores de uma área do conhecimento, aqueles que determinam sua essência, sua natureza simbólica e seu modo de operar na prática. Em torno dos conceitos fundantes (estruturadores), mais abrangentes e complexos, gravitam conceitos estruturantes, de menor complexidade. No decorrer dos anos escolares, eles vão sendo construídos e aprofundados de maneira interligada e recorrente. Uma investigação superficial do objeto da nossa disciplina poderia nos levar a eleger os parâmetros do som (altura, duração, timbre e intensidade) como conceitos fundantes em música. No entanto, estes são matéria-prima da qual a música é constituída. Outras formas simbólicas, como a linguagem verbal ou alguns códigos sonoros também empregam sons, mas de maneiras não musicais. Trabalhar com parâmetros do som não significa trabalhar com música em seu sentido pleno. Não são os materiais sonoros que definem por si a música, mas a maneira como eles são combinados, determinando o caráter expressivo de gestos, motivos, temas, frases, passagens e movimentos de uma peça; estes, sucedendo-se no tempo, articulam a forma musical. Logo, percebo os conceitos materiais sonoros, caráter expressivo e forma, amplamente discutidos por Swanwick (1988, 1994, 1999), como conceitos fundantes em música.

Materiais sonoros O primeiro conceito fundante, materiais sonoros, engloba conceitos estruturantes correspondentes aos parâmetros do som: duração, altura, timbre e intensidade. A duração inclui a relação entre “curto” e “longo” (duração relativa entre os sons), os modos rítmicos (pulso, apoio, ritmo real, divisão), os padrões rítmicos básicos e a métrica (compassos). Altura engloba os conceitos “grave” e “agudo” (relativos entre si, e não absolutos), o movimento sonoro (subidas e descidas) e padrões melódicos básicos (padrões escalares). Timbre é a característica de um som que o distingue dos demais; compreende timbres musicais (instrumentais, vocais) e não musicais (objetos do cotidiano, paisagens sonoras etc.). Intensidade é o conceito que trata da amplitude sonora, que percebemos como mais “forte” ou mais “piano”. A presença desses elementos nos programas de ensino é ponto pacífico. Sem novidades até aqui.

Caráter expressivo Caráter expressivo, segundo conceito fundante, define o efeito expressivo das obras musicais, determinado pelas combinações sonoras utilizadas: variações de altura, andamento, articulação, timbre, métrica, textura e outros (Swanwick; Taylor, 1982; Swanwick, 1994). Essas escolhas incorporam níveis de expressividade específicos, denotando impressões e sensações. Graus conjuntos tocados lentamente em legato no registro agudo, por exemplo, produzem uma sensação espacial e psicológica bastante diferente de saltos irregulares e imprevisíveis executados no grave, rapidamente e em staccato. Assim, uma música pode denotar impressões de graciosidade ou de peso; pode

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soar enérgica ou expansiva, retraída ou agressiva (Swanwick; Taylor, 1982). Essas características expressivas são propriedades dinâmicas e fluidas, e não denotações cristalizadas ou fixas. Tratar de caráter expressivo não significa simplesmente classificar uma peça em “alegre” ou “triste”: caráter diz respeito à identidade expressiva da música - grosso modo, é a “cara” que a música tem. Esse aspecto tão imprescindível em música é muitas vezes ignorado nos programas de ensino, que assim disseminam uma prática mecânica, desprovida de musicalidade.

Forma O terceiro conceito fundante trata das relações de unidade e contraste entre motivos, frases, seções, movimentos. Estes se encadeiam, estabelecendo repetições, variações, contrastes, posições, simultaneidades e deslocamentos. Ao contrário do caráter expressivo, a forma musical é amplamente abordada nos programas de ensino; fala-se sobre forma ABA, rondó, forma sonata, fuga. No entanto, essas formas são geralmente apresentadas como “fôrmas” que enquadram peças completamente diferentes entre si: “aqui termina a parte A, ali começa a parte B, aqui inicia o desenvolvimento”, e assim por diante. A articulação estrutural de trechos ou obras musicais envolve muito mais do que “fôrmas”. Implica em inventar e revelar relações que tornam cada peça única. A experiência musical ocorre no tempo e é construída na memória. A expectativa, a confirmação e a novidade são eventos que mantêm nossa atenção em estado de prontidão. A experiência da forma musical se aproxima mais do jogo lúdico de se enxergar imagens nas nuvens do que da tarefa previsível de preencher estruturas prémoldadas com tijolos e cimento.

Enfim, considero materiais sonoros, caráter expressivo e forma como conceitos fundantes em música, pois determinam sua essência e natureza simbólica e definem seu modo de operar na prática. Eles abraçam os conteúdos da disciplina de maneira extremamente musical e interconectada.

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Como esse fundamento repercute na prática Vamos considerar a canção O palhaço e a bailarina, apresentada às páginas 56 e 57 do Volume 1 da Coleção.

Essa canção promove a vivência da forma musical a partir de contrastes bastante evidentes, que captam de imediato o interesse da criança. A forma é associada à alternância entre os dois personagens. A introdução cria expectativa para a entrada da parte A, referente ao palhaço. Nela, o andamento é rápido; os sons do acompanhamento são curtos e articulados em staccato, o que a torna vibrante e “saltitante”. O uso de cromatismos no contratempo, reforçados pelo trombone, contribui para tornar o caráter irreverente e jocoso. Na seção B, referente à bailarina, ocorre uma mudança radical para um caráter expressivo melancólico, doce, delicado, dengoso. O andamento recua, os sons curtos e articulados cedem lugar a sons ligados, mais longos, em frases maiores que começam em anacruse. O acompanhamento contém deslocamentos rítmicos (síncopes) no baixo dos arpejos, como se eles não quisessem dançar. As vozes se dividem e a bailarina entoa seu solo, que é enfeitado pelo timbre da marimba. A melodia vai caminhando para o agudo, seguindo a intensidade expressiva da letra, até repousar na tônica, que se transforma em preparação para o retorno da parte A. Esse contraste entre as duas seções articula claramente a forma ABA’BA (o A’ deve-se à ausência da letra nessa parte). Em síntese: a forma da canção é determinada pelo evidente contraste de caráter expressivo, por sua vez determinado pela combinação de materiais sonoros. Agora veja um trecho das sugestões de atividades a partir dessa canção, extraído da página 51 deste livro:

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> Coloque a gravação da canção. Deixe as crianças se movimentarem livremente. Observe sua reação à entrada da seção da bailarina, com o drástico contraste de caráter expressivo: como é sua reação corporal? E quando volta a seção do palhaço, ainda que sem letra? Esses contrastes são poderosamente expressivos; elas devem pedir para ouvir de novo e de novo... > Conversem sobre a surpresa que ocorre na música. Como é a bailarina, animada como o palhaço? Como é a música nas partes referentes a ela? O corpo já expressara a forma com suas mudanças de caráter, ritmo, articulação etc. É importante descrever tais mudanças, para elas compreenderem o que gera a expressividade em música.

A percepção da forma, do caráter expressivo e dos materiais sonoros – ainda que intuitiva – será expressa, primeiramente, por meio do movimento, pela vivência sensorial, afetiva e lúdica. Nas atividades subsequentes, as crianças serão convidadas a relatar o que perceberam sobre as partes da música e a produzir, elas mesmas, variações de caráter expressivo por meio do movimento e da criação. Vejamos outra situação. Em música, nenhum elemento ocorre isolado: um padrão rítmico, por exemplo, contém, simultaneamente, informações sobre altura, timbre, textura e intensidade. Juntos, esses aspectos implicam em caráter expressivo, gênero, estilo e contexto. Nas diferentes obras musicais, tal padrão rítmico pode ocorrer de maneiras singulares e atingir níveis de expressividade distintos. Um padrão melódico também se transforma e assume significados completamente diferentes se apresentado pela voz ou pelas cordas, em andamento presto ou adágio, crescendo ou pianíssimo, com ataque legato ou staccato, com som vocal áspero ou aveludado. Nesse sentido, a página 39 do Volume 4 da Coleção propõe uma experiência contundente.

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O foco da proposta é a transformação radical do caráter expressivo de um tema a partir da mudança na combinação dos materiais sonoros. Trata-se da peça Tartarugas, movimento de O Carnaval dos Animais, na qual o compositor Camile Saint-Saëns toma emprestado o tema da conhecida melodia do Can-Can, de Offenbach. Esta tem andamento rápido, bem articulado, intensidade meio forte, caráter dançante e afirmativo. Saint- Saëns transformou completamente o tema, vestindo-o de um caráter contemplativo e delicado, ao colocar o tema nas cordas graves, em frases longas de intensidade piano. Sobre essa melodia, o piano realiza acordes em um padrão rítmico regular e pulsante. Tamanha é a distância entre as duas “versões” do mesmo tema, que é difícil reconhecê-lo de imediato. Leia um trecho das sugestões de atividades, extraído da página 192 deste livro:

> Coloque a gravação da peça Tartarugas. Analise a música com as crianças, enfatizando as escolhas feitas pelo compositor as quais determinaram o caráter doce e misterioso da peça. O piano inicia no registro médio, fazendo acordes em sons curtos, num ritmo constante; este é o acompanhamento. Surgem as cordas, mais graves, bem piano, tocando uma melodia tranquila, com notas longas, ligadas, em frases bem lentas. A última frase é uma escala maior descendente. > Forme dois grupos, como indicado nas figuras. Esse trabalho deve ser feito com bastante calma e concentração.Coloque a faixa 9 do CD que acompanha o livro, o Can-can, de Offenbach. Pergunte se eles conhecem essa música, e o que ela tem a ver com a atividade que estão fazendo. É possível que ninguém perceba que é a mesma melodia! Então toque ou cante o tema, gradativamente desacelerando o andamento e mudando o caráter, até que se aproxime do clima de Tartarugas. É mágico reconhecer o tema rápido e articulado dando lugar às frases longas, graves e serenas. > A atividade culmina com a pergunta: que aspectos Saint-Saëns mudou para transformar o Can-can em algo tão diferente?

Nosso primeiro fundamento nos lembra de que materiais sonoros são matéria-prima e que é imprescindível fazê-los se tornarem musicais, imbuindo-os de expressividade e articulandoos em estruturas coerentes. Sugiro que ouça as músicas citadas para que possa compreender a força desse fundamento. Há inúmeras oportunidades semelhantes distribuídas nos cinco volumes da Coleção.

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2. A INTEGRAÇÃO DE COMPOSIÇÃO, APRECIAÇÃO E PERFORMANCE Nosso segundo fundamento consiste na centralidade do fazer musical ativo através das modalidades de composição, apreciação e performance. Cada uma dessas modalidades envolve procedimentos e produtos específicos e promove diferentes níveis de engajamento cognitivo com a música (Swanwick; França, 1999). Elas envolvem também processos psicológicos essenciais, como o jogo imaginativo, a imitação e o domínio, respectivamente (Swanwick, 1983). Quando cria, o indivíduo desenvolve o pensamento abstrato, transporta-se para mundos imaginários, estruturando os sons conforme sua intenção expressiva. Ao ouvir música, ele é levado a sintonizar-se com aquelas combinações sonoras, imitando-as internamente. Ao realizar a performance musical, vocal ou instrumental, mobiliza um conjunto de habilidades sensoriais, físicas e intelectuais. Integrar essas modalidades na educação musical significa equilibrar tendências imitativas e imaginativas, contribuindo para o desenvolvimento integral da criança.

Criação Optei, neste texto, pelo termo criação, pelo fato deste se aproximar mais, conceitualmente, da prática intuitiva e espontânea da criança e menos da composição em nível profissional realizada sob regras técnicas e estilísticas. A criação é um meio poderoso para desenvolver a compreensão sobre o funcionamento das ideias musicais, pois permite tomar decisões expressivas a partir da matériaprima sonora. Para tanto, é importante que a criança possa experimentar instrumentos e objetos, bem como suas próprias vozes, com confiança e liberdade. O processo de criação também colabora para promover o domínio progressivo da técnica instrumental, pois, ao tocar suas peças, a criança é levada a descobrir a maneira mais eficaz de expressar sua concepção musical (Mills, 1991). A criação musical é também uma excelente oportunidade para se avaliar o que ela já realiza de maneira independente e como organiza os materiais a ela disponibilizados. As criações feitas em sala de aula podem variar muito em duração e complexidade, abrangendo desde pequenas improvisações (instantâneas) até projetos mais elaborados que podem ocupar várias aulas para serem concluídos. Em classes numerosas, a criação pode ser viabilizada em pequenos grupos, dentro dos quais cada criança tenha oportunidade de tomar decisões musicais. Cabe ao professor identificar, refinar e aprimorar as qualidades artísticas e o impacto expressivo das peças.

Performance A performance instrumental ou vocal deve ser promovida por meio de propostas acessíveis através das quais a criança tenha oportunidade de se expressar musicalmente. Em contextos de ensino musical não especialista, ela pode acontecer de inúmeras maneiras, incluindo o canto e a realização em musical com sons corporais, instrumentos de percussão, fontes sonoras diversas e instrumentos convencionais. É importante promover experiências musicalmente ricas e tecnicamente acessíveis, para que o domínio técnico não se apresente como uma barreira à expressão

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musical. Desde os estágios iniciais, habilidades técnicas devem ser abordadas gradativamente e à medida que se fizerem necessárias. Seja qual for o nível de complexidade, é preciso buscar a melhor qualidade artística possível na realização das peças, para que a performance resulte expressiva e estilisticamente consistente. É preciso, portanto, cuidar da qualidade sonora dos instrumentos, para que estes permitam a exploração de detalhes expressivos como mudanças sutis de tempo, timbre e intensidade, assim como novas combinações e experimentações sonoras.

Apreciação A apreciação é uma modalidade imprescindível ao aprendizado e ao desenvolvimento musical. Ouvir uma grande variedade de músicas alimenta o leque de possibilidades sobre as quais pode-se agir criativamente, transformando, reconstruindo e reintegrando-as em novas formas e dando-lhes novos significados. Ampliar a escuta das crianças implica também em conhecer o universo musical no qual elas estão inseridas e compartilhar essa escuta com elas. Se, por um lado, devemos evitar emitir julgamentos de valor, por outro, podemos focar as discussões em aspectos artísticos como coerência, variedade, novidade, arranjo e impacto expressivo, por exemplo. Esses mesmos aspectos podem balizar a apresentação de novos gêneros e peças.

A inter-relação e a integração das modalidades Criação, apreciação e performance se relacionam, na prática, de maneira recíproca. A criação musical em sala de aula ocorre sempre vinculada à performance, pois trata-se de um processo prático e instantâneo, e não um tipo de composição por notação que nem sempre culmina em performance. A apreciação está presente quando a criança realiza uma performance ou criação, uma vez que ela esteja se ouvindo atentamente; essas produções serão, também, oportunidades de apreciação para os colegas, que poderão contribuir com comentários críticos. Ou seja, as modalidades se farão presentes o tempo todo, ainda que a ênfase seja em uma ou duas delas. Além disso, as vantagens de cada uma das modalidades são otimizadas em uma abordagem que as integre cuidadosamente. Isso se dá por duas razões. Primeiro: ao focalizar um elemento ou aspecto musical em uma atividade, cria-se a condição de se reconhecer o mesmo elemento em outra modalidade, tornando mais fácil sua percepção, apreensão e realização. Segundo: acredita-se que elas operem de maneira interativa, podendo se enriquecer reciprocamente e fomentar o desenvolvimento musical das crianças (Swanwick, 1979; Mills, 1991; Plummeridge, 1997; Leonhard e House, 1972; Gane, 1996; Preston, 1994 e outros). Quando cria, a criança toma decisões como ouvinte e atua como performer; quando ouve música, alimenta seu repertório de ideias criativas e aprende sobre sua realização; quando toca ou canta, exercita a apreciação, refinando o resultado sonoro e expressivo, e aprende também como compositor. Portanto, toda atividade pode levar ao aprendizado sobre o funcionamento das ideias musicais, que pode ser aplicado nas atividades subsequentes.

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Como esse fundamento repercute nas atividades Veja, na página 55 do volume 2, a peça O menino toca choro, de Ricardo Nakamura. Ela é apresentada em duas versões: com piano a quatro mãos e com formação de grupo de choro (com violão, cavaquinho, flauta e percussão). As sugestões apresentadas à página 100 deste livro percorrem as modalidades de apreciação, criação e performance, com suporte da notação analógica, e envolvem a comparação entre os dois arranjos. > Coloque a gravação da música O menino toca choro. Pergunte como é a música, e se elas sabem identificar o gênero (faça a conexão com as atividades da página 49). Conversem sobre o ritmo dançante, sobre o instrumento, a melodia, as frases, as repetições. Verifique se elas reconhecem a sequência melódica em graus conjuntos. > Trabalhe então a percepção das quatro frases da melodia, refazendo-a uma a uma: a primeira apresenta e sequência das quatro notas vizinhas, subindo e descendo; a segunda frase termina com um salto ascendente; a terceira é cheia de saltos, assim como o início da quarta frase. Construam um gráfico dessas frases mostrando os sons vizinhos e os saltos. > Diga para as crianças abrirem o livro. Leiam os textos e trabalhem as questões apresentadas à esquerda da página. Conte que o choro nasceu no Rio de Janeiro em meados do século XIX. Pergunte quais instrumentos as crianças reconhecem no trecho ouvido. Comente sobre Chiquinha Gongaza, que foi a primeira «chorona». > Forme grupos de quatro crianças para fazerem a atividade de improvisação: três crianças fazem as duas primeiras frases, e a outra criança improvisa nas outras duas frases. Cada grupo deverá se apresentar junto com a gravação. [...] > Coloque a gravação do arranjo tocado pelo grupo de choro. Comentem sobre os instrumentos e o efeito do conjunto dos timbres desses instrumentos. Procure criar oportunidades de ação que contemplem o universo musical da criança em suas preferências e idiossincrasias. Mas faça isso de maneira criteriosa, procurando desvelar as qualidades artísticas das músicas. Estas qualidades consistem em uma parte do significado musical; a outra parte, é subjetiva, pessoal e intransferível.

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Trilha da Música

CONCEITOS FUNDANTES X MODALIDADES A Coleção Trilha da Música tem como referencial metodológico a proposta apresentada por Swanwick em sua obra Musical Knowledge: intuition, analysis and music education (1994, p.161). Em um quadro sintético, o autor apresenta a essência do seu pensamento a respeito do ensino de música. Nele vemos, na horizontal, as modalidades do fazer musical (composição, apreciação e performance) e, na vertical, as “camadas” do discurso musical amplamente discutidas por ele (1994, 2002), que aqui são consideradas “produtos da aprendizagem”: a sensibilidade a / controle dos materiais sonoros, do caráter expressivo e da forma musical.

Produtos da aprendizagem

Modalidades do fazer musical Sensibilidade a / controle de Forma

Composição

Apreciação

Performance

Caráter expressivo

Materiais sonoros

• Fonte: Swanwick, 1994, p.161

Das interseções entre as modalidades e as “camadas” surgem diferentes pontos de partida e inúmeros trajetos possíveis para o planejamento pedagógico. Pode-se iniciar uma aula com a performance de um padrão rítmico e sua exploração expressiva pela variação de andamento, intensidade e articulação; depois, pode-se seguir com a apreciação de peças onde o padrão apareça de diferentes maneiras expressivas e estruturais, na melodia ou no acompanhamento; por fim, podese passar à criação (e performance) a partir dessas sugestões com, por exemplo, a exploração de contraste estrutural pela transformação súbita ou gradual do padrão, e assim por diante. Nessa metodologia encontrei a maneira mais simples, rica, musical e eficaz de fazer música e de promover o desenvolvimento musical das crianças. Ela inspira a explorar as possibilidades musicais de cada atividade proposta, percorrendo-se o maior território musical possível e interligando reciprocamente os conteúdos. Veja, por exemplo, a proposta na página 71 do Volume 5 (transcrita da página 276 deste livro).

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> Antes de apresentar a canção, trabalhe elementos rítmicos e melódicos com as crianças. > Faça batimentos corporais (ou utilize instrumentos) utilizando pulso e apoio em compasso binário; inclua os padrões rítmicos que aparecem na canção Garimpeiro (contratempo, síncope). > Trabalhe a escuta e o canto da escala modal em Ré Dórico (nas teclas brancas, de ré a ré), em movimento ascendente. > Produzam um pequeno arranjo em forma ABA, utilizando os batimentos na seção A e o canto modal na seção B. Enfeitem com percussão e ensaiem a performance. > Coloque a gravação da música Garimpeiro. Observe a reação das crianças com relação ao resultado expressivo do contraste entre as seções (ABA’). Pergunte a elas o que acharam da música e porquê. > Faça uma apreciação detalhada dos elementos musicais que caracterizam as duas seções. O pulso e o apoio (acento métrico) são bem marcados na seção A e flutuantes na seção B, ao sabor do lamento do garimpeiro. Os padrões rítmicos diferentes (contratempo e síncope na primeira seção e colcheias na segunda) realçam o contraste de caráter e de fluxo rítmico entre as duas seções. O aspecto melódico também apresenta grandes contrastes. Na primeira seção prevalecem notas repetidas dentro de uma extensão pequena; as duas vozes cantam em movimento paralelo ou contrário. Na seção B, o garimpeiro canta, solo, uma melodia que sobe e desce mais livremente. Na seção A, a harmonia permanece no acorde de Ré Dórico; na seção B, o violão passeia dentro do ambiente modal. A seção A tem uma textura mais densa, e a B, mais leve. Diferenças de timbres também caracterizam as duas seções. Na seção A’, a surpresa é a mudança repentina de tom, além do final súbito.

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Trilha da Música

> Os elementos rítmicos podem ser realizados por instrumentos e batimentos corporais, em ação combinada entre pés e palmas. A melodia da seção A pode ser cantada a duas vozes, mais grave e mais aguda; o solo da seção B pode ser realizado por um «solista», com suporte de um instrumento. > As crianças deverão anotar na página 71 todos os elementos trabalhados.

Essas sugestões incluem a performance de elementos rítmicos e melódicos; escuta do padrão escalar; criação de arranjo e performance em forma ABA; apreciação da canção em forma ABA’; performance de elementos da canção. As páginas seguintes (73 e 75 do volume 5) propõem a criação a partir de efeitos sugeridos pelo tema da canção e criação de arranjo; trabalha a performance e a apreciação do padrão rítmico de síncope dentro de diferentes caracterizações expressivas; a performance de ritmos, ostinatos e melodias da canção. Como você pode constatar, cada proposta pode abrir um amplo leque de atividades. Sugiro que você navegue pelas páginas deste livro e, sempre que julgar necessário, retorne à leitura desses fundamentos. Acredito que logo tudo se tornará simples e claro. Você se surpreenderá com a extraordinária maneira como o aprendizado é otimizado a partir da observação desses fundamentos, os quais sintetizo no seguinte propósito:

> que a criança se aproprie da música em sua riqueza expressiva por meio da compreensão dos seus conceitos fundantes – materiais sonoros, caráter expressivo e forma, catalisada pela integração das modalidades de composição, apreciação e performance. Com esses fundamentos em mente, você poderá adaptar, ajustar, ampliar, desmembrar, conectar e recriar as sugestões de atividades aqui apresentadas, seguindo com as crianças pela Trilha da Música.

OS VOLUMES DA COLEÇÃO A Coleção Trilha da Música é composta por cinco volumes que atendem aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Eles são compostos por capítulos temáticos que incluem diversas atividades apoiadas em estímulos musicais, visuais, literários ou conceituais. A página de abertura de cada capítulo lança o seu conteúdo central de uma maneira instigante que integra temas transversais e outros de cultura geral e artística. Todos os volumes incluem um CD com músicas para apreciação musical e fichas para jogos de criação, performance, fixação de conceitos e outros. A notação musical permeia todos os volumes da Coleção como ferramenta para o registro das ideias musicais, combinando notação musical analógica e tradicional. Observe que, nas atividades de leitura e solfejo, fiz coincidir a tônica com o dó, o que permite que elas sejam realizadas tanto dentro da metodologia do “dó móvel” quanto da metodologia do “dó fixo”. Na fase inicial do aprendizado da escrita rítmica, é empregada a semínima como unidade de tempo; a utilização de outras unidades de tempo é bem compreendida pela criança a partir dos nove anos de idade, quando a ela é capaz de perceber relações múltiplas entre elementos.

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SOBRE PLANEJAMENTO A sequência dos capítulos e páginas dos livros não é linear. As atividades permitem traçar inúmeras combinações de planejamento, uma vez que os conteúdos são interligados e não lineares. Ao longo da Coleção eles são vivenciados de maneira recorrente, englobando desde a vivência sensorial até sua sistematização. A partir do trabalho inicial de sensibilização musical, avança-se em direção à compreensão funcional dos conteúdos. A criança passa a operar com eles nas práticas musicais rotineiras e a estabelecer relações, discriminar, interpretar, avaliar e generalizar conceitos e conteúdos. Gradualmente, as conexões entre eles se tornam mais consistentes e as atividades, mais refinadas musical e tecnicamente. Você pode planejar a sequência de uma aula considerando alguns pontos, como a progressividade dos conteúdos, a continuidade do assunto, o equilíbrio de ênfase em determinada(s) modalidade(s) e conteúdos, e a diversidade do tipo de aula. Vejamos um exemplo de cada situação, tomando o Volume 4 como referência. Progressividade: alguns conteúdos subtendem uma sequência linear de apresentação, como a notação musical tradicional. O capítulo 4 do Volume 4, que trata desse conteúdo, pode seguir a sequência das páginas. No entanto, antes de realizar a atividade da página 53, que inclui a leitura do padrão rítmico de duas colcheias, você pode fazer a página 25, onde esse ritmo é apresentado. Continuidade: você pode encontrar inúmeras conexões entre as atividades. As páginas 39 e 53 são conectadas pela melodia do Can-can, que termina com uma escala maior descendente, que é trabalhada também na página 49. Um padrão escalar aparece também na canção da página 15. Essas são conexões explícitas, mas você encontrará outras implícitas ou circunstanciais. Considere, por exemplo, a atividade da página 35 (ainda do Volume 4). Com suporte da notação analógica, são trabalhadas variações de duração, intensidade, altura, textura e densidade. Alguns cartões sugerem uma leitura linear; em outras, ocorrem simultaneidades, que devem ser realizadas a duas vozes. A escolha da ordem dos cartões irá produzir relações de continuidade, coerência, contraste e surpresa. Na performance, as crianças irão produzir diferenças marcantes de caráter expressivo, podendo utilizar instrumentos para reforçar a intenção musical. A performance dos grupos em sequência resultará em uma forma musical mais elaborada. Essa atividade é muito rica. Um caminho é planejar a continuidade a partir de aspectos que mais chamaram a atenção das crianças: se foram as nuances de caráter, siga para a página 71; se foi a forma, pode ir para a 61; ou se foi a notação, vá para a página 43, que deve ser feita depois da 31. Entre as aulas deve haver um equilíbrio entre as modalidade de criação, apreciação e performance. Grande parte das páginas trazem atividades que envolvem as três modalidades. Quando isso não ocorrer, é importante alterná-las. O equilíbrio também se refere aos conteúdos. Evite fragmentar o território da música em regiões desconexas (o oposto do que a Coleção propõe), dividindo o programa em blocos tais como “ritmo”; depois, “alturas”, pois os conteúdos são interconectados. Observe também a diversidade da dinâmica das aulas. Alterne atividades mais movimentadas com outras menos movimentadas; mais intuitivas e mais analíticas; partindo da notação e terminando com a notação; repertório proposto no livro e repertório trazido pelas crianças; cultura local e cultura geral, e assim por diante. As atividades de pesquisa de repertório de Villa-Lobos, a da Bossa Nova e das serestas não devem ser muito próximas. É interessante colocar cada uma em uma etapa letiva, transformando-as em projetos de maior duração. Como você pode notar, o planejamento será um exercício criativo e sensível da sua parte. Diferentes turmas poderão percorrer trilhas bem diferentes.

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Trilha da Música

ESTRUTURA DESTE LIVRO Este livro reúne as descrições e sugestões de atividades dos cinco volumes da Coleção. Ao final da seção respectiva a cada volume, é apresentada uma matriz com um mapeamento das habilidades e conteúdos abordados (veja a seção relativa à matriz, nas páginas 21 a 24). Ela o ajudará no planejamento das aulas e na avaliação das crianças.

Descrição das atividades A borda superior de cada página traz a indicação do volume, capítulo e página aos quais se refere. A página inicial de cada capítulo apresenta o respectivo conceito temático e o sumário. As páginas seguintes contêm sugestões de preparação e de condução das atividades propriamente ditas.

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Os post-its e os fundamentos Ao lado das colunas de sugestões de atividades, há inúmeros “post-its” que remetem constantemente aos fundamentos da Coleção. Eles têm a finalidade de lembrá-lo(a) que, mais importante do que fazer atividades, é saber porque realizá-las e quais são os objetivos a serem alcançados.

Os conceitos fundantes Os post-its amarelos referem-se à ênfase em Materiais, Caráter e Forma. Algumas atividades focam exclusivamente nos aspectos do som, como as de pesquisa sonora, construção de instrumentos, identificação de qualidades do som (grave ou agudo, por exemplo), reconhecimento de timbres etc. Outras atividades focam na identificação, realização ou criação de caráter expressivo, que deriva da combinação dos materiais sonoros. Nesse caso, o post-it indica essa cumulatividade entre os conceitos fundantes: materiais → caráter. Toda atividade que trata da forma musical é marcada com um post-it que mostra a cumulatividade entre os três conceitos fundantes: materiais → caráter → forma. Lembre-se: a forma é determinada pela sequências de gestos expressivos que, por sua vez, são determinados pela combinação de materiais sonoros.

As modalidades As atividades de criação, apreciação e performance são marcadas por postits verdes. Você verá que, muitas vezes, as atividades combinam mais de uma modalidade. Você pode extrapolar as sugestões apresentadas, conforme o andamento e o desempenho das crianças. Os post-its são lembretes, e não regras.

Materiais

Caráter

Materiais

Forma

Caráter

Materiais

Apreciação

Criação + Performance

Movimento O movimento é um fundamento primordial da educação musical, desde que Émile Jaques-Dalcroze, no início do século XX, reintegrou-o como recurso essencial para a internalização e a expressão dos elementos musicais. O movimento se conecta a todos os conceitos fundantes e a todas as modalidades do fazer musical. Todo movimento é performance e, portanto, está implícito em toda criação (oral, instantânea); ainda, é componente nas criações com sons corporais e batimentos. Ele se associa também à apreciação, quando por meio do corpo expressamos materiais (alturas, ritmos, intensidade, textura, densidade), caráter e forma. Como afirmava Dalcroze, todo elemento musical pode ser expresso plasticamente através do movimento. Decidi, portanto, incluí-lo nos post-its verdes, ao lado das modalidades de criação, apreciação e performance.

Movimento + Apreciação

Notação A notação musical não é um fundamento, mas uma ferramenta na educação musical. Ela se conecta a diversos elementos dos conteúdos, além de envolver seus

Leitura Absoluta

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Trilha da Música

próprios conceitos, estrutura e elementos como o pentagrama, as claves etc. Portanto, optei por indicar, por meio de post-its brancos, as atividades que incluam algum tipo de notação. No entanto, quando a notação está assiciada a uma das modalidades práticas, ela é inserida no post-it verde respectivo.

A MATRIZ DE ORIENTAÇÃO PARA PLANEJAMENTO, ENSINO E AVALIAÇÃO Ao final da seção relativa a cada volume da Coleção, inseri uma “Matriz de orientação para planejamento, ensino e avaliação”. Ela o(a) ajudará a visualizar o território da nossa disciplina, mapeando conceitos fundantes e modalidades do fazer musical. A matriz é bastante extensa, mas não exaustiva; não é definitiva nem acabada. Há questões conceituais e estruturais para as quais ainda não encontrei soluções. Por razões pragmáticas, tive que fazer escolhas e eleger alguns termos. Nesta obra, apresento-a estruturada conforme a interação entre as modalidades e os conceitos fundantes, donde decorrem os “descritores”. Cada descritor associa uma habilidade cognitiva a um aspecto específico do conteúdo como, por exemplo: > Identificar timbres variados; > Associar o caráter expressivo a andamento, intensidade e outros elementos; > Criar peças a partir da exploração de alturas e padrões de movimento sonoro; > Realizar diferenças de articulação (legato e staccato); > Compreender a estrutura do pentagrama. A matriz é constantemente revista, reconstruída e ampliada. Descritores são frequentemente editados e reclassificados. É um exercício constante, apoiado na reflexão teórica e na experiência em sala de aula.

Descritores x atividades Uma atividade trabalhará um conjunto de descritores, traçando um longo trajeto matriz afora. Os diversos conteúdos da nossa disciplina são interligados e não lineares. Por isso os descritores se entrelaçam, permitindo conexões múltiplas. Tenha sempre em mente a natureza da música e a dinâmica das atividades, que têm diferentes pontos de entrada e percursos possíveis. Vejamos alguns exemplos. > Sequências de sons curtos e longos podem ser associadas a variações de registro, andamento, intervalos, intensidade, timbre ou articulação, determinando o caráter expressivo e a forma, conectando diversos pontos da matriz. > A habilidade de “Improvisar ritmos”, por exemplo, se refere à capacidade de criar com fluência, o que implica em fluência também na performance e envolve altura, intensidade, articulação, caráter e forma.

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> Uma canção, que é sintética e globalizante, envolve desde aspectos da duração do som – curto e longo, pulso, ritmo, andamento, padrões rítmicos e métrica; várias possibilidades de combinação do parâmetro altura – movimento sonoro, contorno melódico, registros grave e agudo e padrões melódicos; diferenças de timbres e nuances de intensidade; caráter expressivo, melodia e acompanhamento, idioma, textura, estilo, gênero e forma musical; pode envolver cânones, pedais, ostinatos; pode ser registrada por meio de grafias analógicas ou convencionais. Alguns descritores aparentemente se sobrepõem; no entanto, referem-se a habilidades diferentes. Por exemplo: “Realizar o pulso” e “Realizar pulsos de som e de silêncio”. O primeiro diz respeito à habilidade de fazer um pulso constante, regular; o segundo nos lembra que é importante que a criança compreenda que a pausa (no caso, de semínima) equivale a uma pulsação, ou seja, que ela ocupa o tempo de uma pulsação. Outro exemplo: o descritor “Associar padrões de movimento sonoro à notação” aparece na seção de apreciação. Esse descritor se relaciona a diferentes atividades em diferentes níveis e tipos de notação – analógica, tradicional ou mista. Ele volta a aparecer na seção “Notação” associado à “notação analógica”, que se refere especificamente ao registro do movimento sonoro em notação analógica (traços diagonais para subidas e descidas), importante fase do aprendizado da notação. Um mesmo descritor pode pressupor níveis progressivos de complexidade. Por exemplo: “Discriminar entre sons a) graves e agudos e b) graves, médios e agudos”, abrange desde os extremos dos registros grave e agudo até intervalos melódicos de segundas, por exemplo. Outros descritores envolvem conteúdos sequenciais e devem ser desdobrados ao longo dos anos do ensino fundamental, como é o caso de “Reconhecer padrões rítmicos básicos”, os quais são apresentados gradativamente nos cinco volumes da Coleção. Alguns descritores indicam habilidades aparentemente simples do ponto de vista procedimental, mas representam aspectos muito significativos da expressividade em música. É o caso do descritor “Identificar variações de andamento”. Já o descritor “Criar peças explorando variações de intensidade” se refere à tomada de decisões com relação à intensidade, as quais podem contribuir para acentuar o caráter expressivo e criar interesse estrutural nas peças. Tais decisões criativas implicam em adaptações motoras no manuseio dos instrumentos e no controle da voz, remetendo aos descritores de performance. Há alguns descritores que considero centrais no que diz respeito aos nossos fundamentos. Por exemplo: “Associar a estrutura a variações de caráter expressivo e material sonoro” envolve diversas habilidades cognitivas, como apontar que o tema retorna modificado apenas com relação aos timbres e à articulação, por exemplo. Naturalmente, a criança irá expressar tais elementos com o vocabulário pertinente à sua faixa etária e maturidade. Há descritores como “Comparar diferentes arranjos ou versões de uma peça” que, em poucas palavras, contemplam um grande leque de competências e conteúdos musicais relativos a andamento, registro, timbres, dinâmica, textura, métrica, fraseado, caráter, forma e gênero. Outro exemplo: “Realizar performances em grupo, adequando sua participação para valorizar o resultado sonoro” implica em ouvir musicalmente e compreender a função de um dado elemento, como um ostinato que deve soar mais delicado ou agressivo, de uma segunda voz subordinada à primeira, de uma frase que deve ser repetida com alguma novidade, do entreolhar entre colegas que permite sincronizar rallentandos e pausas e assim por diante. Conteúdos relativos à história da música e aos gêneros musicais estão contemplados nas seções “Apreciação”, “Criação” e “Performance”, sempre vinculados, portanto, ao fazer musical ativo. A seção “Outros” engloba descritores que não se enquadram nas categorias anteriores. Eles incluem a compreensão de conceitos que vão se consolidando ao longo dos anos, além

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Trilha da Música

de noções básicas de acústica e outros temas. Conteúdos como a distinção entre tonalidades maiores e menores e a divisão do pulso não foram contemplados, embora ocorram em diversas obras musicais trabalhadas nas atividades. Essas e outras decisões dependerão do objetivo do seu programa de ensino bem como da maturidade das crianças.

Das atividades para a matriz ou da matriz para as atividades? Descritores são abstrações analíticas das atividades. Preferencialmente, você partirá das atividades, em sua dinâmica em sala de aula, para a matriz, anotando o que tenha sido abordado: conceitos, conteúdos e habilidades (ou seja: realizar a atividade e depois analisar o que foi realizado). Regularmente, também, você pode mapear quais conteúdos e habilidades têm sido contemplados e quais precisam ser trabalhados de imediato, partindo, então, da matriz para a escolha das atividades. Assinalei na matriz de cada volume as páginas onde os descritores ocorrerem. Você pode enxergar outras tantas oportunidades de abordar cada conteúdo ou habilidade. Tenha sempre em mente que a matriz, assim como a própria avaliação, é uma ferramenta a serviço da educação. A vitalidade dos encontros musicais com as crianças – por natureza dinâmicos, imprevisíveis e lúdicos – é imensamente maior do que a soma de todos os descritores. Da mesma forma, o processo de ensino e aprendizagem é muito mais rico do que os processos de avaliação. Lembre-se sempre dos fundamentos que sustentam a matriz: a abordagem não linear dos conteúdos em direção à construção dos conceitos fundantes, potencializada pela integração de composição, apreciação e performance.

Site da autora No site www.ceciliacavalierifanca.com.br você encontrará inúmeros textos, áudios de canções e partituras de minha autoria para download. Estes constituem leituras e ferramentas complementares ao seu trabalho.

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