A pesquisa que dá suporte às análises aqui empreendidas contou com o apoio do Ministério de Educação, em projeto institucional de cooperação técnica, por meio da Secretaria de Educação Básica, com o empenho especial da Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares. Conheça os outros títulos da Série Trabalho Docente: O trabalho docente na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros Trabalho docente na educação básica no Paraná O trabalho docente na educação básica: o Pará em questão O trabalho docente na educação básica: o Espírito Santo em questão O Trabalho docente na educação básica em Minas Gerais
ISBN 978-85-8054-084-0
9 788580 540840
Org: João Ferreira Oliveira, Dalila Andrade de Oliveira e Lívia Fraga Vieira
É fruto de um trabalho coletivo e expressa os resultados da primeira fase da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, realizada em sete estados brasileiros, que teve o objetivo de analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza nas unidades públicas de Educação Básica.
trabalho docente na educação básica em Goiás
Este livro pretende contribuir com subsídios para a elaboração de políticas públicas que promovam direitos, qualidade e igualdade, para a Educação Básica, contemplando suas três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Organização João Ferreira de Oliveira Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira
Trabalho docente na educação básica em Goiás
O redesenho da organização e gestão dos sistemas escolares que vem se definindo nos últimos anos, sobretudo na última década, impõe-nos a necessidade de conhecer a diversidade de respostas e situações novas que são geradas por parte dos próprios sujeitos envolvidos, em especial os docentes, levando em conta as especificidades locais, regionais e nacional em um país com as dimensões do Brasil. Este livro tem o objetivo de ampliar a reflexão e os conhecimentos sobre as políticas educacionais em curso no âmbito federal, estadual e municipal e sua vinculação com o trabalho docente nas unidades de Educação Básica no País. O livro traz resultados de um survey realizado em unidades educacionais estaduais e municipais da Educação Básica do estado de Goiás, no qual foram entrevistados 1.113 sujeitos docentes. É parte de um projeto ambi cioso de pesquisa realizado em sete estados brasileiros e coordenado pelo Gestrado/UFMG. Soma-se à perspectiva de oferecer informações substanciais para subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de trabalho e de formação do sujeito docente, a partir das análises referenciadas na realidade do estado.
Trabalho docente na educação básica em Goiás
Organização João Ferreira Oliveira Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira
Belo Horizonte 2012
Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Autores Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seu autor e não expressam necessariamente a posição da editora. cip-brasil catalogação-na-fonte
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T681 O trabalho docente na educação básica em Góias / João Ferreira Oliveira, Dalila Andrade Oliveira, Lívia Fraga Vieira, organizadores. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2012. 260 p.
(Trabalho docente. Edvcere ; 22)
Inclui bibliografia ISBN 978-85-8054-084-0 1. Educação - Brasil 2. Educação - 3. Ensino fundamental - Brasil. 4. Prática de ensino. I. Oliveira, João Ferreira. II. Oliveira, Dalila Andrade. III. Vieira, Lívia Fraga IV. Série. 12-6321. 03.09.12 12.09.12
CDD: 370.98173 CDU: 37(817.3)
CONSELHO EDITORIAL Coleção EDVCERE Diana Gonçalves Vidal | USP José Gonçalves Gondra |UERJ Maurilane de Souza Biccas | USP Luciano Mendes de Faria Filho | UFMG Vera Regina Beltrão Marques | UFPR
Fino Traço Editora Ltda. Av. Contorno 9317 A 2° Andar - Prado Belo Horizonte. MG. Brasil Telefax: (31) 3212 9444 www.finotracoeditora.com.br
038712
Sumário Apresentação..................................................................................7 Capítulo 1
O trabalho docente na educação básica no estado de Goiás: conhecendo novos docentes e suas condições Dalila Andrade Oliveira e Lívia Fraga Vieira ..............................................................11 Capítulo 2
Política educacional, organização e trabalho docente em Goiás João Ferreira de Oliveira, Lúcia Maria de Assis e Nancy Nonato de Lima Alves ............21 Capítulo 3
Trabalho docente na educação básica: amostra e pesquisa de campo (survey) em Goiás João Ferreira de Oliveira, Lúcia Maria de Assis, Nancy Nonato de Lima Alves e Wanderson Ferreira Alves ....................................................................................................53 Capítulo 4
Perfil e desenvolvimento profissional docente na educação básica em Goiás Nancy Nonato de Lima Alves...............................................................................................73 Capítulo 5
Contrato, carreira e remuneração docente em Goiás Luís Gustavo Alexandre da Silva .......................................................................................97 Capítulo 6
As condições de trabalho dos professores da educação básica em Goiás Lúcia Maria de Assis .........................................................................................................115
Capítulo 7
O trabalho e a saúde dos docentes em Goiás Wanderson Ferreira Alves ..................................................................................................133 Capítulo 8
Política educacional e regulação do trabalho docente em Goiás João Ferreira de Oliveira.....................................................................................................151 Capítulo 9
Trabalho docente na educação infantil em Goiás Nancy Nonato de Lima Alves ............................................................................................175 Capítulo 10
A gestão escolar no contexto atual: o paradigma gerencial e o trabalho do dirigente escolar em Goiás Gustavo Alexandre da Silva, João Ferreira de Oliveira, Lúcia Maria de Assis e Danyelle Cristine Biagioli Gomes......................................................................................................197 Capítulo 11
O piso salarial e a carreira do magistério em Goiás Jarbas de Paula Machado e Nelson Cardoso Amaral.......................................................219
Sobre os autores..........................................................................253
Apresentação Este livro apresenta resultados da pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil, que foi coordenada, em âmbito nacional, pelas professoras Dalila Andrade Oliveira e Lívia Fraga Vieira, ambas da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Em Goiás, a pesquisa teve como coordenador geral o professor João Ferreira de Oliveira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Tendo como finalidade subsidiar a elaboração de políticas públicas no Brasil, a pesquisa pretendeu conhecer e analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realizam o trabalho nas escolas de educação básica. Nessa direção, buscou esclarecer em que medida as mudanças trazidas nas últimas décadas pela nova regulação educativa impactaram na constituição das identidades e dos perfis dos profissionais da educação básica, e, também, identificar estratégias desenvolvidas pelos docentes para responder tais exigências. No processo de investigação, buscou-se, ainda, conhecer e analisar as mudanças promovidas pelas recentes políticas públicas para a educação básica no que se refere à organização e gestão escolar, além de suas consequências para a formação e carreira docente, observando seus efeitos sobre a saúde dos professores. Dentre os propósitos básicos da pesquisa, destacam-se ainda: traçar o perfil socioeconômico e cultural dos docentes em exercício na educação básica no Brasil; mapear a divisão técnica do trabalho na escola, a emergência de postos, cargos e funções derivados de novas exigências e atribuições, bem como as atividades desenvolvidas pelos docentes; conhecer as condições de trabalho dos docentes: os meios físicos, os recursos pedagógicos e o acesso à formação continuada, à literatura específica, às tecnologias e a outros bens culturais para o desenvolvimento de seu trabalho; levantar as formas de contratação, as condições salariais e de carreira em diferentes redes de ensino; identificar necessidades de formação continuada dos professores da educação básica. A pesquisa foi realizada em sete estados brasileiros (Pará, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina e
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Espírito Santo), contemplando critérios de abrangência regional e a especificidade de desenhos de políticas educacionais que mereciam ser conhecidos. Em cada estado foram pesquisadas escolas de educação básica das redes estadual e municipais de ensino e instituições privadas de educação infantil (comunitárias e filantrópicas conveniadas com o poder público). A investigação se deu por meio da realização de: a) survey sobre o trabalho docente na educação básica no Brasil nos sete referidos estados mediante uma amostra de municípios e escolas; b) pesquisa documental nas redes de ensino envolvidas buscando compreender a política educacional vigente na rede pública abrangida pelo survey; c) revisão de literatura sobre o tema trabalho docente; d) elaboração de panorama do trabalho docente na educação básica no Brasil com dados estatísticos disponíveis na base do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A pesquisa foi desenvolvida por uma rede de grupos e núcleos de pesquisa de reconhecida competência acadêmica, instalados em universidades públicas nos sete estados contemplados pela investigação. Os dados da pesquisa foram tratados e encontram-se organizados em um banco de dados na FAE/UFMG. O relatório geral, outros dados e documentos da pesquisa encontram-se disponíveis no site www. trabalhodocente.net.br/pesquisa.php. Neste livro em especial, o leitor encontrará as análises e os dados relativos à pesquisa realizada no estado de Goiás. A aplicação dos instrumentos de coleta de dados ocorreu em conformidade com as instruções metodológicas definidas para todos os estados da amostra, sendo sorteadas as seguintes cidades de Goiás: São Luís dos Montes Belos, Inhumas, Caldas Novas e Planaltina. Goiânia também foi inserida na amostra de Goiás, uma vez que se definiu que, em todos os estados, a capital integraria a amostra. O livro foi estruturado em onze capítulos que buscam explicitar e analisar a problemática do trabalho docente na educação básica em suas múltiplas dimensões e perspectivas, considerando a regulação decorrente das políticas educativas e das próprias condições históricas e atuais inerentes ao exercício dessa profissão no Brasil e, particularmente, no estado de Goiás. Cabe destacar, no entanto, que os dados do survey em Goiás, tendo por base o questionário proposto com 85 questões, são apresentados conforme os seguintes itens: ‘Perfil, formação e desenvolvimento profissional docente em Goiás’; ‘Contrato, carreira e remuneração docente em Goiás’; ‘Condições de trabalho docente em Goiás’; ‘Política educacional e regulação do trabalho
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docente em Goiás’; e ‘Saúde docente em Goiás’. Inseriu-se ainda estudo específico sobre o trabalho docente na educação infantil em Goiás, considerando o conjunto das questões do survey, e um estudo sobre a gestão escolar nas escolas da amostra em Goiás, que teve por baseum roteiro de entrevista específico respondido por 57 dirigentes escolares. Esperamos que este livro possa contribuir para ampliar o conhecimento sobre o trabalho docente e para a elaboração de políticas educativas, tendo em vistaa melhoria das condições em que se realiza o trabalho docente, a valorização dos profissionais da educação e a elevação da qualidade da educação básica. João Ferreira de Oliveira Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira
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Capítulo 1
O trabalho docente na educação básica no estado de Goiás: conhecendo novos docentes e suas condições Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira
Nos dez anos de existência do Grupo de Estudos Sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais - Gestrado/UFMG e nos treze anos da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente - Rede Estrado, foi se constituindo um acúmulo de estudos e pesquisas sobre a condição docente no Brasil e na América Latina, que apontava para a necessidade de realização de uma enquete mais ampla em que sepudesse observar, por meio de dados quantitativos, os efeitos das reformas educacionais, iniciadas nos anos 1990, na realidade escolar brasileira e no trabalho docente, em particular. Para tanto, foi organizada uma rede de grupos de pesquisas em diferentes universidades no Brasil, coordenada pelo Gestrado/UFMG, composta por pesquisadores de oito diferentes grupos de pesquisa com reconhecida competência acadêmica, instalados em universidades públicas, a saber: Gestrado/UFMG, Gestrado/UFPA, Getepe/UFRN, Nedesc/ UFG, Nepe/UFES, Nupe/UFPR, Geduc/UEM-PR, Gepeto/UFSC. A pesquisa O trabalho docente na educação básica no Brasil contou com apoio do Ministério da Educação - MEC, em projeto institucional de cooperação técnica com a Secretaria de Educação Básica - SEB desse Ministério, por meio da Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica - DCOCEB. O objetivo geral foi o de analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza o trabalho nas escolas de educação básica, com a finalidade de subsidiar a elaboração de políticas públicas no Brasil.
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O plano de cooperação foi organizado em três grandes metas com os seus respectivos produtos. A primeira meta foi realizar pesquisa quantitativa (survey) sobre as condições de trabalho e o perfil dos trabalhadores da educação básica em escolas públicas municipais e estaduais e instituições de educação infantil conveniadas com o poder público. A pesquisa se deu em sete estados brasileiros, contemplando as cinco regiões geográficas: Pará, Rio Grande do Norte, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Para o relatório final do survey realizado, contendo os resultados dos sete estados brasileiros, recorreu-se a uma pesquisa documental sobre política educacional dos estados e municípios abrangidos pela amostra, realizada pelas equipes estaduais previamente ao trabalho de coleta de dados em campo. Como segunda meta, foi elaborado um panorama dos profissionais da educação básica no Brasil, tomando como fonte as informações quantitativas produzidas pelo Inep/MEC, pela PNAD/IBGE e pela Rais/ MTE. O relatório final sobre o panorama dos profissionais da educação básica no Brasil contribuiu para que pudéssemos buscar informações novas sobre os docentes. A meta três foi elaborar um referencial teórico para análise do trabalho docente na educação básica em escolas públicas e um dicionário de termos e conceitos sobre profissão, condição e trabalho docente. Nessa meta, foi realizada exaustiva revisão de literatura sobre o tema trabalho docente na educação básica. Seu resultado foi a publicação do dicionário Trabalho, profissão e condição docente em CD, com 433 verbetes elaborados por 380 autores brasileiros e de outros dezesseis países. O plano de trabalho foi estabelecido em três etapas. A primeira foi dedicada ao aprimoramento da proposta de pesquisa e plano de viabilidade técnica, à definição dos procedimentos teórico-metodológicos e administrativos, ao levantamento de dados estatísticos e documentais sobre o contexto estudado, à preparação dos instrumentos de pesquisa e à definição da amostra e das equipes executoras por estado. O segundo momento envolveu a realização da pesquisa de campo, compreendendo também a análise conceitual do tema trabalho docente, e a elaboração do panorama sobre o perfil dos docentes da educação básica no Brasil com as bases em dados oficiais disponíveis nas citadas fontes. A terceira etapa compreendeu a elaboração de relatório final, preparação dos produtos e a divulgação dos resultados por meio de seminários nos sete estados pesquisados.
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Fundamentação teórica e categorias de análise A pesquisa analisa o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza o trabalho nas unidades de educação básica da rede pública e conveniada, tendo como finalidade subsidiar a elaboração de políticas públicas no Brasil e especificamente nos estados pesquisados. Nesse sentido, acreditamos que os dados que agora publicamos poderão contribuir para a melhoria das políticas públicas dirigidas à educação básica no estado de Goiás tanto no sentido de informar os formuladores e gestores de políticas em âmbito estadual e municipal, quanto instrumentalizar as pautas de reivindicações dos docentes pela melhoria de suas condições de vida e trabalho. Buscamos envolver na divulgação dos resultados da pesquisa, no âmbito dos estados, o Consed, a Undime e a CNTE como importantes interlocutores no que se refere à política educacional. A pesquisa buscou investigar em que medida as mudanças trazidas por uma nova regulação educativa produzem efeitos sobre a organização escolar e sobre os docentes, impactando sua identidade e trabalho. A regulação pode ser definida como “o conjunto de ações decididas e executadas por uma instância (governo, hierarquia de uma organização) para orientar as ações e as internações dos atores sobre os quais detém uma certa autoridade” (Maroy e Dupriez, 2000: 73-87). Diz respeito às dimensões de coordenação, controle e influência exercidos pelos detentores de uma autoridade legítima, como intervenção das autoridades públicas para introduzir “regras” e “constrangimentos” no mercado ou na ação social. A regulação pode ser tomada também como um processo ativo de produção de “regras de jogo” (Reynaud, 1997:7), que compreende não só a definição de regras (normas, injunções, constrangimentos, etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o seu (re)ajustamento, provocado pela diversidade de estratégias e ações dos vários atores em função dessas mesmas regras. De acordo com essa abordagem, um sistema social complexo – como é o sistema educativo – conta com uma pluralidade de fontes, de finalidades e modalidades de regulação em função da diversidade dos atores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias (Barroso, 2000:57-71). Assim, partimos da noção de que, com as mudanças ocorridas a partir dos anos 1990 na sociedade brasileira e na educação, os sistemas
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educacionais passaram a sofrer novas formas de regulação que impactaram diretamente sobre o trabalho docente. As hipóteses dessa pesquisa foram construídas a partir da inferência de que tal regulação impacta a constituição das identidades e dos perfis dos profissionais da educação básica. A pesquisa buscou conhecer como os docentes enfrentam essas mudanças e em que medida os mesmos desenvolvem estratégias para responder a novas exigências. Procurou conhecer e analisar as mudanças promovidas pelas recentes políticas públicas para a educação básica no que se refere à organização e gestão escolar e suas consequências para a formação e a carreira docente, observando, ainda, seus efeitos sobre a saúde dos docentes. Foi traçado o perfil socioeconômico e cultural dos docentes em exercício na educação básica no Brasil e mapeadas a divisão técnica do trabalho na escola, a emergência de postos, cargos e funções derivados de novas exigências e atribuições, bem como as atividades desenvolvidas pelos docentes. Buscou-se conhecer as condições de trabalho dos docentes: os meios físicos, os recursos pedagógicos e o acesso à formação continuada, à literatura específica, às tecnologias e a outros bens culturais para o desenvolvimento de seu trabalho. E também se procurou levantar as formas de contratação, as condições salariais e de carreira em diferentes redes de ensino e ainda identificaras necessidades de formação continuada dos profissionais da educação básica.
A pesquisa no estado de Goiás Este estudo traz informações a respeito dos sujeitos docentes da educação básica que atuam em unidade(s) educacional(is) no estado de Goiás, além de perfil sociodemográfico, formação profissional, situação funcional, valorização profissional, rendimentos e atividades paralelas, contexto familiar, deslocamento para o trabalho, atividades exercidas no ambiente escolar, envolvimento dos pais dos alunos, relacionamento com os alunos, relacionamento com seus pares, gestão escolar e avaliação do docente, fatores que dificultam a atividade docente, perspectivas e melhorias, filiação a sindicatos e partidos políticos, e saúde do profissional. Esperamos que tais dados trazidos à luz possibilitem que sejam implementadas políticas públicas mais adequadas às necessidades atuais da educação básica e que contribuam para a melhoria das condições de trabalho docente.
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Este livro traz resultados específicos do estado de Goiás, obtidos no referido survey, que consistiu na realização de entrevistas junto a sujeitos docentes da educação básica nas suas três etapas. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário estruturado que conjuga questões fechadas e abertas, com 85 perguntas e 319 variáveis, com o intuito de obter informações acerca desse grupo de profissionais. As entrevistas foram realizadas dentro das unidades educacionais, ou seja, na intimidade do processo de trabalho. Dessa forma, torna-se possível descrever as características dos entrevistados, levantar suas percepções sobre o trabalho e produzir análises relativas aos dados coletados. Previamente à realização do survey nos sete estados, submetemos o instrumento de coleta de dados a uma pré-testagem antes de ser iniciado o trabalho de campo, ou seja, antes da aplicação das entrevistas junto a sujeitos docentes. O pré-teste consiste na aplicação de questionários a uma quantidade reduzida de pessoas que possuem as mesmas características da população-alvo. A intenção é ajustar e melhorar o instrumento de coleta de dados de forma que apresente a linguagem mais adequada, que o tipo de respostas obtidas esteja apropriado para análise, e, ainda, serve para treinar os entrevistadores e analisar os problemas encontrados na fase de coleta de dados. As entrevistas foram realizadas no período de setembro a dezembro de 2009, de forma simultânea nos sete estados pesquisados, por meio de questionários. E foram realizadas na própria unidade escolar em que os sujeitos docentes estavam lotados. O conjunto de dados produzidos pelo survey foi submetido a um processo de checagem que consiste em identificar dados inapropriados para cada tipo de variável considerada e, também, verificar a consistência entre as variáveis. O processo de seleção da amostra e a análise dos dados foram realizados por meio do software PASW 18. Para a elaboração do questionário e definição da amostra, este estudo se baseou no uso de termos e conceitos que explicitamos a seguir. • Sujeito docente - São considerados sujeitos docentes os profissionais que desenvolvem algum tipo de atividade de ensino ou docência, sendo compreendidos pelos professores e por outros sujeitos que exercem atividade de docência.
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• Unidade educacional - É considerado todo estabelecimento destinado à prática de atividade docente em que existe sujeito docente e sujeito discente e integra a educação escolar brasileira. • Etapas da educação básica - As unidades educacionais e os sujeitos docentes são classificados de acordo com as seguintes etapas: Educação infantil - É definida como a educação e cuidado para crianças de 0 a 5 anos de idade, sendo nomeada em dois segmentos: creches para crianças de 0 a 3 anos e pré-escolas para as de 4 e 5 anos de idade, nos termos do artigo 30 da LDB (lei 9394/1996) e do inciso IV do artigo 207 da Constituição Federal/1988; Ensino fundamental - Definido como segunda etapa da educação básica, que deve se iniciar aos 6 anos de idade, com duração regular de nove anos, nos termos do artigo 32 da LDB citada; Ensino médio - Definido como terceira etapa da educação básica, com duração regular de três anos, nos termos do artigo 35 da LDB citada. • Dependência administrativa - As unidades educacionais consideradas no estudo são classificadas de acordo com a dependência administrativa: Municipal - Refere-se às unidades educacionais cujas principais fontes de recursos são advindas dos municípios; Estadual - Refere-se às unidades educacionais cujas principais fontes de recursos são advindas dos estados; Conveniada - Refere-se às unidades educacionais que são privadas, sem fins lucrativos e que estabelecem relação com a esfera pública por meio de termo jurídico de convênio, segundo Direito Administrativo. O universo da pesquisa foi constituído pelos sujeitos docentes das unidades urbanasde educação básica (ensino infantil, ensino fundamental e ensino médio) que possuem dependência administrativa municipal, estadual ou conveniada e se situam nos sete estados brasileiros: Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
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Os procedimentos empregados para a definição da amostra permitiram a realização das análises referentes aos sujeitos da educação básica. Foi utilizado um método de amostragem probabilística, constituindo amostra que é representativa da população-alvo. Em Goiás, o universo foi de 3.814 estabelecimentos e 65.972 professores. O método de amostragem probabilística é aquele cujo procedimento de seleção dos elementos, ou grupos de elementos, de uma população atribui a cada um desses elementos uma probabilidade de inclusão na amostra, calculável e diferente de zero (Bolfarine &Bussab, 2000:3). Já a amostra representativa da população é aquela em que os resultados obtidos devem ser passíveis de generalização para todo o universo de análise. Em se tratando de procedimentos amostrais, a amostragem aleatória simples é o método mais tradicional e de maior facilidade para realização de cálculos de estimativas, e que implica em selecionar aleatoriamente as unidades amostrais dentro do universo. O fato é que o procedimento utilizado de seleção da amostra deve levar em conta alguns aspectos de ordem prática, como as limitações associadas ao tempo disponível para realizar o trabalho de campo e, também, aos recursos orçamentários exigidos. Em virtude dessas nuanças, é necessário utilizar um desenho complexo de amostragem que combina diferentes métodos para seleção de amostra. Em amostras complexas, são considerados aspectos como probabilidades distintas de seleção das unidades e efeito de conglomeração das unidades. A amostra de sujeitos docentes da educação básica nos sete estados pesquisados foi obtida seguindo as seguintes etapas: Etapa 1- Inicialmente foram sorteados, dentro de cada estado pesquisado, cinco municípios distribuídos nos seguintes portes: a capital (autorrepresentativa) mais dois municípios com população de até 50.000 habitantes e dois acima desse número. Etapa 2 - Foi utilizada amostragem por conglomerados (unidade educacional) e com probabilidade de seleção inversamente proporcional à quantidade de escolas em cada município, o que garante chance maior das unidades escolares de municípios menores fazerem parte da amostra. Cabe salientar que,com a utilização de conglomerados no procedimento de amostragem, a unidade amostral se torna diferente da unidade
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de análise. Realizando a distinção das duas, a unidade amostral é cada um, ou um conjunto, dos elementos disjuntos de uma população que podem vir a ser sorteados durante o processo de amostragem, nesse caso, as unidades educacionais. Já a unidade de análise diz respeito ao objeto em que serão realizadas as inferências, sendo a ela direcionadas as perguntas do formulário de coleta de dados, aqui considerados os sujeitos docentes.
Alguns resultados distintivos do estado de Goiás No estado de Goiás foram entrevistados 1.113 sujeitos docentes, de setembro a novembro de 2009, nos seguintes municípios: Goiânia, São Luís de Montes Belos, Inhumas, Caldas Novas e Planaltina. Os docentes do estado de Goiás, em sua maioria, informaram uma remuneração abaixo de três salários mínimos (65,6%), acompanhando a tendência dos demais estados. Todavia, apresentaram média salarial abaixo de todos os demais estados, R$1.032,16, cerca de R$ 200,00 a menos que a média do conjunto dos sete estados. Além disso, a renda familiar informada é uma das menores entre os sete estados (R$2.428,89), maior apenas que o rendimento familiar dos docentes do Rio Grande do Norte (R$2.303,40). A maior parte dos docentes de Goiás trabalha apenas em uma unidade educacional, entretanto, são aqueles que apresentam maior carga horária de trabalho semanal na unidade educacional, em média 34,86 horas, cerca de duas horas acima da média do conjunto dos sete estados. A maioria dos docentes afirmou levar trabalho para casa sempre ou frequentemente, chegando a 78% dos respondentes. O estado fica atrás apenas do Rio Grande do Norte, e 7% acima do percentual no conjunto dos setes estados. Ao lado do estado do Pará, Goiás é aquele que mais apresenta aspectos que sugerem a existência de precárias condições de trabalho nas unidades educacionais. Comparativamente, os docentes do estado consideraram a infraestrutura e os recursos pedagógicos das unidades educacionais regulares, ruins, ou mesmo inexistentes, como no caso das salas de informática. Situações que revelam intensificação do trabalho foram mais percebidas e relatadas pelos docentes de Goiás em maiores proporções que os respondentes dos demais estados. Aspectos como ampliação da jornada
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de trabalho, aumento do número de crianças/alunos nas turmas e mudança do perfil destes, maior exigência sobre o trabalho em relação ao desempenho dos alunos, maior supervisão e controle de suas atividades e a incorporação de novas funções e responsabilidades são percebidos mais em Goiás do que nos demais estados. Essas situações talvez expliquem porque, nesse estado, ao lado de Santa Catarina, foi maior o percentual de docentes que se sentem frustrados com seu trabalho sempre ou frequentemente. Esse aspecto é reforçado quando se verifica que o percentual dos respondentes que consideraram ter grandes satisfações trabalhando na educação foi o de menor valor dentre os demais estados. Outras informações apuradas sobre formação e vínculo de trabalho revelaram, por outro lado, aspectos positivos. Conjuntamente com os estados do Paraná e do Rio Grande do Norte, Goiás apresentou elevado percentual de indivíduos com vínculo de trabalho estatutário: 77,6% dos respondentes são docentes concursados, 13% acima do percentual no conjunto dos sete estados. O estado fica atrás somente do Rio Grande do Norte, que apresenta um percentual de 79,3% de indivíduos concursados. É o segundo maior percentual de sujeitos docentes que afirmaram possuir plano de cargos e salários (61,3%), atrás apenas do Paraná (68,8%). Ambos os estados apresentam-se acima do percentual no conjunto dos sete estados (51,5%). Em relação aos dados de perfil e formação, a única variável que destoa dos demais estados e do conjunto dos sete estados é a que se refere ao tipo de instituição na qual o docente se graduou. Em Goiás, 69,4% dos docentes se formaram em instituições públicas (federal, estadual ou municipal), 16% acima do percentual do somatório dos sete estados. Contudo, o estado ainda apresenta um percentual abaixo do Rio Grande do Norte (71,4%) e do Pará (69,6%). Sobre a percepção dos sujeitos relativa à política nacional de formação docente, apurou-se que o estado de Goiás, ao lado dos estados do Espírito Santo e Paraná, apresenta maior satisfação com esta legislação: 55,7% apontaram que a política é satisfatória, embora 50% tenham considerado que a mesma ainda carece de melhorias. Ao lado do Pará, é o estado que apresentou maior percentual de docentes que percebem que seu trabalho seria mais eficiente se planejado e executado em condições mais favoráveis. Embora a maior parte dos docentes, em todos os estados, tenha expressado a perspectiva de continuar, nos próximos anos, na mesma função na rede em que trabalha, em Goiás o percentual de indivíduos
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que informaram pretender mudar de profissão foi mais elevado que nos demais estados (7,4%), superando em quase duas vezes estados como o Paraná. Essas são algumas informações que merecem maior atenção no conjunto dos dados que ora disponibilizamos sobre o trabalho docente na educação básica no estado de Goiás. Esperamos que esta pesquisa possa lançar luzes sobre uma realidade que necessita ser mais bem conhecida para ser transformada.
Referências bibliográficas Barroso, J. “Autonomie et modes de régulation locale dans le système éducatif.” Revue Française de Pédagogie 130 (Paris, jan./fev./mar. 2000): 57-71. Bolfarine, H.; Bussab, W.O. Elementos de amostragem. Versão preliminar. São Paulo: Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, 2000. Maroy, C.; Dupriez, V. “La régulation dans les systèmes scolaires: proposition théorique et analyse du cadre structurel en Belgique francophone.” Revue Française de Pédagogie 130 (Paris, jan./fev./mar. 2000): 73-87. Olivera, D.A.; Vieira, L.M.F. Trabalho docente na educação básica no Brasil (sinopse do survey nacional). Belo Horizonte: Gestrado/UFMG, 2010. Reynaud, J.-D. Les règles du jeu: l’action collective et la régulation sociale. 3 ed. Paris: A. Colin, 1997.
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Capítulo 2
Política educacional, organização e trabalho docente em Goiás João Ferreira de Oliveira Lúcia Maria de Assis Nancy Nonato de Lima Alves
O presente texto visa apresentar alguns dos elementos essenciais decorrentes do estudo documental realizado no estado de Goiás, no contexto da pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil, que buscou analisar o trabalho realizado em redes públicas de ensino1. Em cada estado da amostra, a pesquisa previa a realização de duas etapas básicas: a) pesquisa documental nas redes estadual e nos municípios que integraram a amostra, visando retratar as políticas educacionais e a organização administrativa das redes de ensino, bem como a situação do trabalho docente; b) survey nacional sobre o trabalho docente na educação básica, enfatizando as condições de vida, de trabalho e o perfil dos trabalhadores em escolas públicas municipais e estaduais e instituições de educação infantil conveniadas com o poder público. Integraram a mostra da pesquisa em Goiás os seguintes municípios: Goiânia, São Luís dos Montes Belos, Inhumas, Caldas Novas e PlanaltiOs estados que compuseram a amostra da pesquisa foram os seguintes: Pará, Rio Grande do Norte, Goiás, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais. A pesquisa foi realizada sob a coordenação do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG), em rede de pesquisa com grupos das seguintes universidades: UFSC, UFG, UFRN, UEM, UFPR, Ufes e UFPA. A pesquisa contou com apoio do Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB). A pesquisa foi coordenada em nível nacional pelas professoras Dalila Andrade Oliveira e Lívia Maria Fraga Vieira, e em Goiás pelo professor João Ferreira de Oliveira, da Faculdade de Educação/UFG. 1
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na. Realizou-se, na rede estadual e nas redes municipais, levantamento documental em bases legais e oficiais, bem como em bancos de dados produzidos nos níveis federal, estadual e municipal. Nos municípios de Goiânia, Inhumas e São Luís dos Montes Belos, foi possível a obtenção de documentos in loco, além de ‘conversas’ com gestores locais, tendo por base roteiro de investigação definido no âmbito da pesquisa nacional. Dentre os documentos coletados e analisados no ano de 2009, destacam-se: Plano Estadual de Educação, Plano Plurianual do Estado de Goiás (PPA), Diretrizes Operacionais da Rede Pública Estadual de Ensino (2009 - 2010), Planos Municipais de Educação, Plano de Ações Articuladas (PAR), Planos de Cargos e Salários e legislação (leis, decretos, resoluções etc.). Este texto apresenta, pois, uma síntese dos dados e análises efetuados a partir da investigação, destacando-se três elementos básicos: as políticas educacionais, a organização administrativa e o trabalho docente da educação em Goiás e em cada um dos municípios da amostra2.
1. A política educacional no estado de Goiás O desenvolvimento econômico e o crescimento populacional em Goiás tem impulsionado o crescimento dos sistemas de ensino (estadual e municipais). Conforme dados do Censo Escolar (2009), Goiás possui 4.456 estabelecimentos de educação básica, sendo que destes, 11 são instituições públicas federais, 1.084 são instituições públicas estaduais, 2.364 são instituições públicas municipais e 997 são instituições privadas. No ano de 2009, o número de alunos na educação básica compreendeu ao todo 1.484.197 alunos, sendo 148.891 na educação infantil, 932.610 no ensino fundamental, 307.938 no ensino médio, 3.081 na educação especial, 76.157 na EJA e 15.520 na educação profissional3. Esses dados apontam um expressivo número de alunos Os dados analisados se referem, em geral, até o ano de 2009, uma vez que foi o ano da realização do survey e havia o propósito de se fazer uma pesquisa documental que antecipasse a coleta de dados. Em alguns casos, no entanto, procurou-se atualizar os dados até 2010, mas mantendo os dados e as análises realizadas anteriormente. 3 Não inclui matrículas de turmas de atendimento complementar. O mesmo aluno pode estar em mais de uma etapa e/ou estudar em mais de uma Unidade da Federação. 2
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atendidos,e para compreendê-los em termos qualitativos, é necessário identificar a composição desses dados a partir de uma pluralidade de aspectos, tais como os indicadores sociais e educacionais. Levando-se em consideração o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Goiás está situado em nível intermediário em relação aos demais estados brasileiros, possuindo índice de 0.800 (PNUD, 2003). No tocante a outro importante indicador, a taxa de analfabetismo, o estado possui 8% de analfabetos na população entre 10 e 15 anos, contando, ainda, com uma taxa de 21% de analfabetismo funcional entre as pessoas com 15 anos de idade ou mais4. Esses números colocam Goiás um pouco abaixo dos indicadores nacionais sobre o referido tema, cujos percentuais no Brasil correspondem a 10% de analfabetos entre 10 e 15 anos, e, por sua vez, a um percentual de analfabetos funcionais de 21,7% (IBGE, 2008). Os dados acusam a necessidade da manutenção e ampliação dos esforços em ampliar o acesso da população à educação, especialmente nas zonas rurais, onde os indicadores de analfabetismo trazem números que chegam a ser duas ou três vezes superiores aos dos centros urbanos. O estado de Goiás apresenta taxa de escolarização líquida5 de 95,6% no ensino fundamental e 47,9% no ensino médio, de acordo com dados da PNAD de 2007, que resultam, certamente, da diferencial destinação de recursos (por exemplo, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef) e iniciativas de proteção prevista em diversos dispositivos legais (por exemplo, as garantias dadas pela atual LDB/1996 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA/1990). Atualmente, a quase totalidade das pessoas entre 7 e 14 anos encontram-se matriculadas no ensino fundamental6. O mesmo não se verifica na faixa etária entre 15 e 17 anos, idealmente o grupo que corresponde ao ensino médio, pois a taxa de escolarização líquida para este grupo compreendeu menos que 50% em 2007. A Tabela 1, a seguir, mostra as matrículas na educação básica nos anos de 2006 e 2009, considerando as esferas federal, estadual, municipal e privada.
A Unesco identifica o analfabetismo funcional a partir da população que obteve acesso a apenas quatro anos de escolarização. 5 A taxa de escolarização líquida indica a relação entre o número de estudantes de determinado grupo etário e o conjunto da população do mesmo grupo etário. 6 O ensino fundamental atualmente tem início aos 6 anos de idade, com duração de nove anos. Os dados apresentados dizem respeito ao período anterior às mudanças na legislação. 4
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Tabela 1. Goiás: matrículas na educação básica por rede de ensino Ano
Total
Federal
Estadual
Municipal
Privada
2006
1.525.722
5.255
728.134
611.708
250.625
2009
1.455.476
5.590
591.857
620.972
237.057
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de bados TDEBB, 2010.
Em uma análise global, é possível perceber o movimento em direção ao recuo do número de matrículas na educação básica nas redes estadual e privada. Observa-se um pequeno crescimento nas redes federal e municipal. Vários elementos podem contribuir para esse movimento, como aspectos econômicos, demográficos, fatores conjunturais, assim como ações no âmbito dos sistemas de ensino, políticas de municipalização, maior eficiência dos sistemas, melhoria do processo de contagem dos alunos, entre outros7. Quanto à educação infantil, conforme dados do Censo Escolar (2007), é possível perceber, nos anos de 2006 e 2007, o recuo do número de matrículas na esfera privada em 24,3%, e de 11,9% na rede estadual. Observa-se, ainda, o crescimento de 7,7% das matrículas na rede municipal. Certamente, as políticas de municipalização do ensino, atendendo ao previsto na LDB (Lei n. 9.394/1996), contribuem para a configuração desse movimento nas matrículas na primeira etapa da educação básica. É oportuno destacar, ainda, a situação de Goiás em relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)8, indicador utilizado
Conforme o Resumo Técnico do Censo Escolar (2010, p. 2), “o decréscimo observado na matrícula em toda a educação básica[...], em torno de 2%, equivale a 1.030.563. Esse comportamento decorre, principalmente, da acomodação do sistema educacional, em especial na modalidade regular do ensino fundamental, etapa de ensino com histórico de retenção e, consequentemente, altos índices de distorção idade-série. Além disso, a Educação de Jovens e Adultos apresentou uma queda de 8%, representado mais de 35% da variação negativa da matrícula no período 2009-2010”. 8 O Ideb foi criado em 2007 para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do Inep e em taxas de aprovação”. Disponível em: http://www.inep. gov.br/. Acesso em 20 de jun.de2011. 7
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nas políticas públicas educacionais para aferir a qualidade da educação básica no Brasil, conforme tabela a seguir:
Tabela 2. Índice de desenvolvimento da educação básica em Goiás e no Brasil Anos iniciais do ensino fundamental Ideb observado
Metas
Anos finais do ensino fundamental Ideb observado
Metas
Ensino médio Ideb observado
Metas
2005 2007 2007 2021 2005 2007 2007 2021 2005 2007 2007 2021 Brasil
3,8
4,2
3,9
6,0
3,5
3,8
3,5
5,5
3,4
3,5
3,4
5,2
Goiás
3,9
4,3
4,0
6,1
3,3
3,4
3,3
5,3
2,9
2,8
2,9
4,7
Fonte: Extraído e adaptado do site do MEC/Indicadores Demográficos e Educacionais (www.mec.gov.br)
Os dados indicam que o Ideb em Goiás está pouco acima do índice registrado no Brasil para o início do ensino fundamental. No Brasil, em 2007, o Ideb registrado para os anos iniciais foi de 4,2, enquanto que Goiás alcançou o índice de 4,3. Todavia, a situação se modifica à medidaem que se alcançam os anos finais do ensino fundamental e todo o ensino médio: para os anos finais do ensino fundamental, o Brasil registra o índice de 3,8 e Goiás registra 3,4; para o ensino médio, o Brasil registra 3,5 e Goiás 2,8. Identifica-se a imperativa necessidade de se envidar esforços no tocante à qualidade da educação escolar goiana. Cabe registrar, no entanto, que o Ideb de Goiás alcançou 4,9 em 2009, enquanto o do Brasil chegou a 4,69. Sobre esses dados, é preciso ponderar ainda que o Ideb referente ao conjunto do país e aos segmentos da educação básica – como o ensino médio, por exemplo – comporta diferentes esferas e redes, como a federal e a privada. Obviamente é importante considerar que tais dados possuem o peso dessa composição tendencialmente diferenciada, mas isso não impede que se possa contrastar o estado de Goiás com o Brasil. Assim, se considerarmos somente a rede pública em âmbito nacional, o ensino médio apresenta Ideb de 3,5, ao passo que a rede pública estadual goiana registra o índice de 2,8. Disponível em: http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em 20 jun. de 2011. 9
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1.1 A política educacional na rede estadual de Goiás O Plano Estadual de Educação (PEE) de Goiás pode ser apontado como o documento legal que norteia a política educacional do estado. A Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc/GO) não possui outro documento que sistematize tal política. O processo de elaboração do PEE foi iniciado em 2002 e aprovado em 09 de outubro de 2008 para o período de 2008 - 2017. Contém a política educacional de Goiás para os próximos dez anos, partindo de um diagnóstico da situação educacional no estado: o Plano estabelece diretrizes, objetivos e metas para todos os níveis e modalidades de ensino, para a formação e valorização dos profissionais da educação e para o financiamento, a gestão e a avaliação da educação. Sua finalidade é definir os parâmetros das ações do poder público na esfera da educação do estado de Goiás e de seus municípios, no direcionamento dos Planos Plurianuais, dos Planos de Desenvolvimento da Educação (PDE) e dos Planos de Ações Articuladas (PAR), sendo o seu caráter de plano de estado que extrapola gestões governamentais (Goiás, 2008). A Seduc/GO não possui política específica para a educação infantil e não atende esse nível da educação básica em nenhuma escola da rede. Isso significa que os municípios goianos estão assumindo essa tarefa. Praticamente todo o ensino de 6 a 10 anos já se encontra sob a responsabilidade das Secretarias Municipais de Educação de Goiás. O PEE de Goiás apresenta os seguintes objetivos gerais para a educação no estado: “1. Elevação global da escolaridade da população; 2. Melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis; 3. Redução das desigualdades sociais e regionais, no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública; 4. Democratização da gestão do ensino público”(Goiás, 2008:16). Além dos objetivos em sintonia com as políticas em âmbito nacional, o Plano também apresenta algumas prioridades, dentre elas a garantia do ensino fundamental obrigatório de nove anos a todas as crianças de 6 a 14 anos, assegurando-se sua conclusão; a garantia de ensino fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram, aí incluída a erradicação do analfabetismo; aumento do nível de escolaridade da população; universalização da educação básica; valorização dos profissionais da educação, inclusive com implantação de planos de carreira próprios em todos os municípios; o desenvolvimento do sistema de informação e avaliação em todos os níveis de ensino e modalidades de educação; implantação gradativa
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da jornada de tempo integral, com três refeições diárias; garantia do fornecimento de merenda escolar para o ensino médio; fornecimento do livro didático para o ensino médio; garantia de padrões mínimos de infraestrutura e qualidade para todos; garantia da gestão democrática em todos os níveis e modalidades educacionais; manutenção, em parceria com a União e municípios, dos programas sociais de renda mínima; valorização e qualificação dos profissionais da educação, com planos de carreira próprios em todos os municípios. De modo geral, observa-se que o PEE de Goiás encontra-se afinado com as diretrizes, programas e ações mais recentes da política educacional em âmbito nacional, tendo em vista a ampliação do direito a uma educação democrática e de qualidade, embora o Ideb evidencie uma situação bastante precária da educação básicaem termos de qualidade. Cabe destacar, ainda, que a legislação educacional em Goiás está contida em quatro leis importantes, com destaque para a Lei de Diretrizes e Bases do Sistema Educativo do Estado de Goiás (Lei Complementar nº26, de 28 de dezembro de 1998)10. No âmbito do Conselho Estadual de Educação (CEE), identificaram-se oito resoluções significativas para a estruturação da educação escolar no estado, evidenciand o o papel de regulação e supervisão desse órgão11. Goiás. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes e Bases do Sistema Educativo do Estado de Goiás. Lei Complementar nº26, de 28 de dezembro de 1998. Goiânia, 1998; Goiás. Lei nº 13.664, de 27 de julho de 2000. Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 92, inciso X, da Constituição do Estado de Goiás, e dá outras providências. Goiânia, 2000; Goiás. Lei nº 13.909 de 25 de setembro de 2001. Estatuto e o Plano de Cargos e Vencimentos do Pessoal do Magistério. Goiânia, 2001; Goiás. Lei complementar nº 62, de 9 de outubro de 2008, institui o Plano Estadual de Educação de Goiás 2008-2017. Goiânia, 2008. 11 Goiás. Resolução CEE nº084, de 29/05/2002 - Estabelece normas para o reconhecimento ou renovação de reconhecimento da Educação Básica do Sistema de Educação de Goiás e dá outras providências. Goiânia, 2002; Goiás. Resolução CEE nº 150, de 16/10/2002 - Altera a Resolução CEE nº 084, de 29/05/2002. Goiânia, 2002; Goiás. Resolução CEE nº 260, de 18/11/2005 - Estabelece regras e parâmetros para o oferecimento e desenvolvimento de educação de jovens e adultos e dá outras providências. Goiânia, 2005; Goiás. Resolução CEE/CP nº 193, de 19/08/2005 - Dispõe sobre a Autorização de Funcionamento para as Unidades de Educação Básica do Sistema Educativo de Goiás e dá outras providências. Goiânia, 2005; Goiás. Resolução CEE/CP nº 02, de 28/02/2009 - Dispõe sobre o credenciamento e recredenciamento de instituições de ensino, autorização, renovação de autorização e funcionamento de cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, de Graduação e de Pós-Graduação, para o 10
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1.2. Política educacional dos municípios pesquisados: Goiânia, Caldas Novas, Inhumas, São Luís dos Montes Belos e Planaltina Analisa-se, a seguir, a política educacional dos municípios pesquisados, destacadamente no tocante à educação infantil. No caso de Goiânia, também serão analisados dados relativos ao ensino fundamental. Cabe registrar inicialmente que, em 2009, Goiás alcançou 4,9 no Ideb, enquanto o do Brasil atingiu 4,6, considerando todas as etapas da educação básica12. Já considerando a 4ª série/5º ano e a 8ª série/9º ano, observa-se que a rede municipal de Goiânia passou de 4,2 em 2007 para 5,1 em 2009; Caldas novas passou de 3,8 para 4,0; Inhumas passou de 4,5 para 4,9; Planaltina passou de 3,5 para 3,7; já São Luís dos Montes Belos passou de 4,3 para 5,1. Portanto, constata-se que houve aumento do Ideb em todos os municípios da amostra, assim como em Goiás, com destaque para Goiânia, Inhumas e São Luís dos Montes Belos.
1.2.1 Educação infantil a) Goiânia A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, que de acordo com a LDB/1996 e demais normatizações educacionais, é ofertada em creches para crianças de 0 a 3 anos e na pré-escola para crianças de 4 e 5 anos, sob responsabilidade dos municípios em regime de colaboração com os estados e a União. A oferta de educação infantil na Rede Municipal de Educação de Goiânia é recente, iniciada em 1995 com a implantação de turmas de pré-escola para crianças de 5 anos de idade em escolas de ensino funSistema Educativo do Estado de Goiás e dá outras providências. Goiânia, 2009; Goiás. Resolução CEE/CP nº03, de 06 de fevereiro DE 2009. Estabelece normas complementares para a inclusão, no Sistema Educativo do Estado de Goiás, das disposições das Leis nº 10.639/03 e 11.645/08. Goiânia, 2009; Goiás. Resolução CEE/CP nº 004/2009 - Fixa normas para a gestão democrática nas unidades escolares de educação básica do Sistema Educativo do Estado. Goiânia, 2009; Goiás. Resolução CEE/CP nº 5 de 03/04/2009 - Dispõe sobre a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares e da outras providências. Goiânia, 2009. 12 Disponível em: http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em 20 de jun. de 2011.
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damental. Durante a gestão 1997-2000, a SME assumiu o atendimento às crianças pequenas, de 0 a 6 anos, em instituições de período integral. Com a transferência dos Centros Infantis mantidos e administrados pela Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário - Fumdec, em 1999, mudou-se a denominação das instituições para Centros Municipais de Educação Infantil - CMEI. Em 2000, teve início o processo de municipalização das 71 creches estaduais mantidas pela Secretaria de Cidadania e Trabalho por meio da Gestão Compartilhada, estabelecida entre os governos municipal e estadual. Dados do Censo Escolar (2007) indicam que a RME contava com 158 instituições de educação infantil, incluídos os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) e as salas de pré-escola (agrupamentos de crianças com 5 anos de idade) das escolas de ensino fundamental, e excluídas as creches conveniadas. Com esse quantitativo, a rede perfazia 44,3% de atendimento realizado nas instituições públicas municipais em relação ao total geral da cidade (356). Essa estrutura atendeu, em 2007, 36,8% das matrículas na educação infantil em Goiânia, equivalente a 6.016 matrículas. Segundo dados da Prefeitura de Goiânia, em 2009, a RME apresentou 7.754 crianças matriculadas em 102 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI). Houve um aumento significativo do número de CMEI em relação ao ano de 2004 – que totalizava 62 – , decorrente de novas construções e da municipalização das creches estaduais. Já conforme o censo escolar 2010, a rede municipal contabilizou 5.076 matrículas em creches e 6.168 em pré-escolas. Observa-se que é bem elevado o número de matrículas na rede privada, sobretudo na pré-escola (14.300). Já no ensino fundamental predominam as matrículas na rede municipal, seguida da rede privada.
Tabela 3. Matrículas em Goiânia por dependência administrativa Matrícula inicial Ensino Educação Educação infantil fundamental Ensino profissional Município Dependência PréAnos Anos médio (nível Creche escola iniciais finais técnico) Estadual Goiânia
0
26
6.693
Federal
77
0
5.076
6.168
Privada
4.877
14.300 29.781 26.186 18.022
4.901
10.030 20.494 79.792 93.386 63.449
5.804
Fonte: Inep, Censo Escolar 2010.
29
251
641
Municipal
Total
261
32.278 44.632
43.057 34.671
795
262
0
0
A política de educação infantil da RME de Goiânia, no período 2008-2011, está organizada por alguns documentos da SME: Regimento dos centros municipais de educação infantil (2004a), Saberes sobre a infância: a construção de uma política de educação infantil (2004b), Indicadores de qualidade da ação pedagógica na educação infantil do município de Goiânia (2008a) e as Diretrizes de organização do ano letivo, que são editadas anualmente. É possível considerar que há continuidade das ações desde 2005, dentre outros fatores, por ser o segundo mandato do governo municipal, e não houve substituição do titular da Secretaria Municipal de Educação. A política municipal de educação infantil deve atender, ainda, ao disposto pelo Conselho Municipal de Educação (CME) na Resolução CME nº 194/2007, que estabelece as normas de funcionamento das instituições públicas e privadas de educação infantil. De acordo com as Diretrizes 2009, o CMEI atende crianças de 0 a 5 anos, com funcionamento em período integral, de segunda a sexta-feira, das 7h às 18h. O calendário é cumprido de acordo com as definições da Secretaria, atendendo às regras gerais para toda a rede. O documento Saberes sobre a infância (2004) apresenta a fundamentação legal da concepção de criança cidadã, de acordo com a Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990). As orientações para o trabalho pedagógico nos CMEI destacam as experiências com a cultura por meio das múltiplas linguagens, de modo que, na instituição de educação infantil, a criança tenha oportunidades de vivências coletivas pedagogicamente orientadas (Goiânia, 2004b). A documentação analisada apresenta indicativos de concepção de gestão democrática na educação infantil, destacando-se a eleição por votação direta e secreta para escolha de dirigentes, embora na abertura de um novo CMEI, o dirigente seja indicado pela Secretaria, exercendo a função até compor o quantitativo necessário de profissionais efetivos para realização de pleito eleitoral. Ademais, o Regimento dos CMEI (2004a) preconiza a direção compartilhada, enfatizando a participação da comunidade na definição das prioridades pedagógicas, administrativas e no gerenciamento dos recursos financeiros em conjunto com o Conselho Gestor.
b) Caldas Novas No município de Caldas Novas, há registros de atendimento à educação infantil desde o ano de 1997, em escolas municipais e centros de educação infantil na área urbana, bem como em escolas municipais
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rurais. Os dados indicam uma demanda crescente nos Centros de Educação Infantil, quase duplicando o atendimento, de 252 em 1997 para 421 em 2001. Já na área rural, houve um decréscimo de 52 em 1997 para 37 em 2001. No período de 2000 a 2007, constata-se elevação significativa de matrículas tanto na educação pré-escolar (de 491 em 2000 para 799 em 2007) quanto na creche (de 176 em 2001 para 748 em 2007). No período de 2004 a 2008, houve a edificação de dez novos Centros Municipais de Educação Infantil (Caldas Novas, 2008a)13. Ressalta-se que, apesar de não possuir um sistema próprio de educação, a Semect elaborou orientações curriculares para a educação infantil (Caldas Novas, 2010). O Currículo Pleno para a Educação Infantil, construído de acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), publicado pelo MEC em 1997 (Caldas Novas, 2008b), tem por objetivo estimular as crianças a ampliarem suas relações sociais, aprendendo a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e o desenvolvimento de atitudes de ajuda e colaboração, conforme orientações contidas nas diretrizes nacionais para essa etapa da educação básica.
c) Inhumas, São Luís dos Montes Belos e Planaltina14 O município de Inhumas não possui sistema municipal de ensino15, desse modo, a política educacional municipal é integrada à política da rede estadual de ensino, seguindo as diretrizes do Conselho Estadual de Educação (CEE). Os dados relativos ao histórico da evolução de matrículas na educação infantil no município de Inhumas no período de 2000 a 2007 indicam um aumento significativo no atendimento em creche, passando de 240 matrículas em 2001 para 429 crianças atendidas em 2007, o que representou uma elevação de 78,75%. Quanto ao pré-escolar, constata-se
Em 2010, a rede municipal de ensino contava com dez Centros Municipais de Educação Infantil e cinco Centros de Educação Infantil (parcerias com o município). 14 Durante a realização da pesquisa documental, não foi possível obter informações mais detalhadas sobre a política de educação infantil nesses municípios. 15 Dados coletados até 2009. 13
31
uma regularidade no número de matrículas, exceto nos anos de 2004 e 2005, em que houve um expressivo crescimento nesse número. No município de São Luís dos Montes Belos, em 2007, havia 388 matrículas em creche, indicando um crescimento em relação ao ano de 2001, que apresentou 219. Na educação pré-escolar, ao contrário, há uma redução expressiva, passando de 579 em 2000 para 382 em 2007 (Seplan/Sepin, 2009). Com certeza, esse declínio progressivo merece estudos por menorizados para explicar tal fenômeno. Constata-se, ainda, que o atendimento à educação infantil, em 2007, ocorreu predominantemente na área urbana, com 748 matrículas do total de 772, sendo realizado majoritariamente na rede pública municipal de ensino, perfazendo 676 matrículas, enquanto que as instituições privadas atenderam 96 crianças (Inep/MEC, 2009). No município de Planaltina, no período de 2000 a 2007, observou-se um crescimento expressivo das matrículas em creche, passando de 239 em 2001 para 385 em 2007, aumento de 61%. Na educação pré-escolar, constata-se uma retração nas matrículas de 2004 para 2007, de 2.126 para 1.131, aproximando-se do número existente em 2000 (1.157). Nesse município, as matrículas na educação infantil estão predominantemente na área urbana, concentradas na rede municipal (1.392), com apenas 103 em instituições privadas.
1.2.1.1 Educação infantil: situação, desafios e perspectivas A situação da educação infantil nos municípios da amostra não difere da situação dessa primeira etapa da educação básica no Brasil. De modo geral, o atendimento em creche é recente nas redes municipais de ensino, pois historicamente foi realizado à margem do sistema e das políticas educativas, no âmbito da assistência social, da saúde e do trabalho, e, muitas vezes, foi assumido pela iniciativa privada, de cunho filantrópico. Em consequência, por longo período de tempo, as estatísticas educacionais não abrangiam as instituições voltadas à faixa etária de 0 a 6 anos. Constata-se que não consta registro de matrículas em creche no Censo Educacional em 2000. Além disso, há reflexos negativos nos estudos que realiza atualmente, como o uso da nomenclatura “creche e pré-escolar”, que dificulta a precisão tanto da obtenção quanto da análise dos dados. Esses termos são polissêmicos, e apenas recentemente está se consolidando o sentido definido na legislação atual.
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Outro aspecto a se considerar é a lacuna quanto às políticas e propostas pedagógicas específicas para a educação infantil. Não se dispõe de normatização da SME em vários municípios, sendo utilizadas as orientações veiculadas em documentos nacionais, ou, na pior das hipóteses, a reprodução de propostas do ensino fundamental supostamente adaptadas para as crianças menores. Ainda cabe ressaltar a importância e a urgência de que o poder público cumpra adequadamente o dever de atender à educação infantil na perspectiva de respeito ao direito da criança, assegurando a igualdade de acesso e as condições para o pleno desenvolvimento infantil em todos os seus aspectos. Nesse sentido, é fundamental a construção de uma política municipal de educação infantil que possa nortear a elaboração e implementação de propostas pedagógicas e curriculares condizentes com as necessidades e peculiaridades das crianças de 0 a 6 anos e sua educação em instituições coletivas.
1.2.2 Ensino fundamental em Goiânia Dentre os municípios da amostra, Goiânia era o que apresentava uma proposta e uma estruturação básica para a oferta desta seguda etapa da educação básica16. A Proposta Político-Pedagógica para a Educação Fundamental da Infância e Adolescência (Goiânia, 2008b) é organizada em ciclos de formação e desenvolvimento humano, sob os referenciais norteadores que reconhecem e respeitam a diversidade sócio-histórico-cultural existente, as diferenças, as inúmeras formas de ensinar e aprender, o universo da infância e da adolescência. A organização escolar por ciclos tem a idade como referência inicial para enturmação em cada um dos três ciclos que abrangem três anos de escolarização, sendo: Ciclo I (infância: 6, 7 e 8 anos), Ciclo II (pré-adolescência: 9, 10 e 11 anos) e Ciclo III (adolescência: 12, 13 e 14 anos). Considera-se, porém, a permanência quando o educando fica por mais um tempo no mesmo ciclo para resgatar as aprendizagens ainda não construídas. Além disso, há a formação de agrupamentos temporários no decorrer do ano letivo, e o educando poderá passar por vários
Por essa razão, optamos por apresentar ou comentar as propostas das outras redes de ensino da amostra, o que não significa que não atendam essa etapa da educação básica. 16
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agrupamentos dentro do ciclo em que está cursando (por interesses, idade e desenvolvimento em comum). Ao promover a educação escolar organizada a partir dos tempos da vida, pressupõe-se que o educando seja o núcleo orientador de toda ação pedagógica. Isso significa romper com o entendimento de que o conteúdo de ensino é o elemento definidor das ações pedagógicas. Os conteúdos de ensino continuam a ser importantes, mas o caminho que se faz em direção a eles sinaliza que os professores não devem utilizar conteúdos de ensino para hierarquizar os educandos. A organização em ciclos de formação e desenvolvimento humano nas escolas da rede municipal de ensino de Goiânia conta com um número maior de professores que de agrupamentos, buscando-se, dessa forma, viabilizar momentos de estudo para o trabalho coletivo, além de planejamento pedagógico, de atendimento individualizado ao educando, de troca de experiências e formação, dentre outros. Esse quantitativo de professores possibilita que todos tenham o horário de estudo e outras atividades pedagógicas dentro da carga horária de trabalho a ser cumprida na escola. ‘Outras atividades pedagógicas’ são aquelas que concretizam a idéia de que a escola é um espaço de formação e desenvolvimento humano, ou seja, essas atividades traduzem-se em benefício à atuação docente e discente, seja pela possibilidade de reverter as não aprendizagens dos educandos, seja pelo tempo disponibilizado para a formação continuada dos professores, para a interlocução com as famílias, socialização e troca de experiências entre os grupos de profissionais, discutir projetos, preparar material, discutir e realizar o registro descritivo das aprendizagens dos educandos e definir alternativas metodológicas, assim como ocorre no horário em que os professores recebam orientações do grupo diretivo da escola. A Secretaria está desenvolvendo, desde 2005, o projeto para o atendimento integral, que é adaptado para a estrutura das escolas existentes. São dezesseis escolas em tempo integral (2009). Um dos critérios para a escolha é a baixa demanda de atendimento daquela escola, ou seja, número baixo de alunos. As instalações são minimamente reestruturadas, e o que realmente é modificado é o projeto pedagógico da escola para atendimento em tempo integral. O período de atendimento às crianças e adolescentes é de oito horas diárias. Outra ênfase da política educacional é o atendimento aos alunos com necessidades educativas especiais (NEE). Foram estruturados dois Centros Municipais de Apoio à Inclusão - CMAI que recebem e fazem a triagem dos atendimentos. A primeira avaliação do aluno é feita por
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psicopedagogas que atuam nas Unidades Regionais de Educação (URE), que também orientam as famílias quanto ao atendimento e acompanhamento. Segundo a SME, a rede possui 0,6% de alunos NEE que apresentam laudo médico. As ações inclusivas na rede municipal de Goiânia têm sido efetivadas, ao longo dos últimos anos, por meio de outros projetos e parcerias, tais como: realização da primeira e segunda etapa do Programa Educar na Diversidade; o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade; redimensionamento dos convênios com instituições especializadas; capacitação em Libras e acompanhamento dos alunos surdos por um profissional intérprete; formação continuada para os profissionais em educação especial na perspectiva inclusiva; promoção de adaptações arquitetônicas nos prédios escolares e acessibilidade a materiais para os educandos com necessidades educativas especiais; a Jornada Pedagógica (2005) com o tema Inclusão; e a criação do sistema de Telematrícula.
2. O professorado no estado de Goiás: formação, perfil e carreira docente No que se refere ao perfil da formação docente, observa-se que este quesito parece ter se configurado em uma importante pauta das políticas educacionais em tempos recentes. A LDB/1996 incentivou essa formação em nível superior, o que levou muitos profissionais do magistério a procurar cursos de licenciatura por iniciativa própria ou por intermédio das redes estaduais e municipais. Este aumento de demanda pelos cursos de formação de professores ocorreu no momento em que se ampliou a oferta de vagas no ensino superior pelas instituições públicas e privadas em seus processos seletivos regulares. Desse modo, mesmo que não seja possível estabelecer correlações diretas, não se deve desprezar os efeitos da maior facilidade de acesso às licenciaturas sobre o perfil do corpo docente das redes de ensino. Portanto, as alterações no perfil de formação dos professores não podem ser imputadas exclusivamente aos programas de formação implementados pela rede pública estadual de ensino, como igualmente não se pode atribuir a esta ou aquela rede, em separado, o mérito pela elevação da formação global dos professores. O raciocínio deve ser, antes, o de
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um processo combinado de fatores17. Por outro lado, é necessário reconhecer que as redes de ensino cumpriram importante papel na elevação do percentual de funções docentes, seja realizando concursos públicos – cumprindo a exigência constitucional relativa ao nível de formação e habilitação específica para o ensino – como também promovendo programas de formação em nível superior para seus professores18. De modo geral, as redes de ensino pesquisadas possuem carreira regulamentada pelo Estatuto do Magistério, Plano de Cargos e Salários ou Plano de Remuneração e Carreira, excetuando-se o município de Inhumas, cujo plano encontrava-se em fase de discussão. Constata-se a garantia de direitos aos profissionaisnas carreiras regulamentadas por lei específica, como o ingresso por concurso público; tempo remunerado para a realização de atividades extraclasse (planejamento, avaliação, cursos de formação etc.); mobilidade horizontal e vertical articulando critérios como tempo de serviço (variando de três a cinco anos na referência/classe anterior), avaliação de desempenho e formação continuada (a carga horária mínima para aproveitamento difere bastante entre as redes). Há também diferentes adicionais e gratificações previstas para os profissionais do magistério, destacando-se a titularidade por formação. O tempo extrassala, na maioria das redes, não pode ser integralmente disponibilizado conforme o livre interesse do docente, sendo parte dele cumprido obrigatoriamente na escola ou em local destinado pela direção escolar, com fim de participar de atividades de planejamento coletivo, formação continuada e outras atividades pedagógicas. Como se nota, o legislador procurou organizar os tempos e espaços do trabalho do professor, deliberando sobre sua carga horária em sala de aula e fora dela, bem como prevendo momentos de formação e de interação entre o
Ademais, deve-se acrescentar que, seguindo caminho semelhante ao da SeducGO, a rede municipal de ensino de Goiânia, entre 1999 e 2006, estabeleceu convênio com a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás UFG para o oferecimento de formação superior (licenciatura em Pedagogia) aos seus professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Temos aqui, então, iniciativas que derivam não de uma rede de ensino, mas de redes de ensino. Nesse ponto, é oportuno fazer notar que os professores atuam frequentemente em mais de uma rede de ensino, o que pode favorecer uma espécie de ‘benefício cruzado’ da titulação dos professores entre redes. 18 Atualmente há questionamentos acadêmicos sobre a qualidade dos cursos de licenciatura que foram ofertados com o apoio dos recursos do Fundef, uma vez que os exames não evidenciam que tenham ocorrido melhorias no desempenho dos estudantes. 17
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coletivo de professores da unidade escolar. Esses tempos/espaços não são prerrogativas do estado de Goiás, mas uma iniciativa comum às várias redes de ensino no Brasil19.
2.1. Rede estadual de Goiás O estado de Goiás possui mais de sessenta mil funções docentes distribuídas pelos segmentos da educação básica e pelas redes pública, estadual e privada. O número total de funções docentes é significativamente maior no ensino fundamental (43.775) do que no ensino médio (14.591) e no ensino pré-escolar (6.071). Os professores representam o maior grupo profissional na administração pública. A maioria das funções docentes existentes em Goiás, mesmo considerando a rede municipal, está na esfera estadual: somadas as funções docentes na rede municipal, temos 23.776 funções, contra a soma de 27.812 funções na rede estadual. Ressalta-se a forte presença da iniciativa privada no ensino pré-escolar, representando quase um terço das funções docentes no estado de Goiás, bem como também merece ser destacada a presença residual da esfera estadual nesse segmento da educação básica (41 funções docentes). Em Goiás, os professores da rede pública estadual de ensino que não possuíam a licenciatura plena – como no caso dos professores com formação inicial em Magistério ou as licenciaturas curtas – puderam cursar o ensino superior sem custos, via convênio estabelecido entre Seduc-GO, municípios e Universidade Estadual de Goiás - UEG, que ofertou a Licenciatura Plena Parcelada20, um projeto iniciado no ano de 1999 e ainda em vigor em alguns municípios. Considerando os dados do Censo Escolar do período que vai do ano de promulgação da atual LDB/1996 até o ano de 2006, percebe-se grande elevação do percentual de professores habilitados no intervalo de dez anos. Em 1996 havia 50,9% de professores do ensino fundamental
Todavia, algumas pesquisas mostram que, apesar do espírito nobre, tais iniciativas esbarram nas condições objetivas do trabalho de ensinar, particularmente no fato de que os professores frequentemente lecionam em jornadas extensas, em mais de uma escola, etc. A esse respeito, cf. Zibas, Ferretti, Tartuce (2005) e Alves (2009). 20 Licenciatura Plena Parcelada: projeto do Governo do Estado de Goiás para capacitar e qualificar os professores que atuavam na rede pública de ensino, e que mais tarde foi estendido também à rede privada. 19
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(anos finais, 5ª a 8ª séries) com ensino médio, em 2006 este percentual caiu para 16,5%. No ensino médio havia, em 1996, 65,4% com ensino superior, e em 2006 este percentual saltou para 92%. No caso da Seduc-GO, o convênio assinado com a UEG havia resultado na formação de 9.923 professores da rede pública estadual no período de 1999 a 2005. Tal número é expressivo se for considerado que, em toda a educação básica, a rede pública estadual comportou o total de 27.007 funções docentes no ano de 2006. Os dados da própria Seduc-GO confirmam isso ao apontar que, em 1999, havia 32% de professores com licenciatura na rede pública estadual, número que sobe para 85% em 200421. Conclui-se daí que, de fato, houve empenho e relativo êxito por parte da Seduc-GO em relação à elevação do perfil de formação de seus professores, perfil que parece, inclusive, ter evoluído mais recentemente, pois o Plano Estadual de Educação (PEE), publicado em 2008, aponta que Goiás possui 97% dos professores com formação em nível superior.
2.2.1 Características da carreira do magistério na rede estadual de Goiás Do ponto de vista dos ordenamentos legais, no caso específico do estado de Goiás, a legislação que mais diretamente enquadra a carreira e a evolução da remuneração dos professores é o Estatuto e Plano de Cargos e Vencimentos do Pessoal do Magistério Público Estadual da Educação Básica e Profissional (2001). A carreira organiza-se em níveis e referências e prevê a mobilidade vertical e horizontal. Os níveis (PI, PII, PIII e PIV) compõem a progressão vertical. A progressão horizontal, por sua vez, se efetua pela passagem entre diferentes referências (A, B, C, D, E, F, G) no mesmo nível22. Nos termos da lei, essa passagem se Dados da Seduc-GO/SUPP/UEG. Disponível em http://educacao.go.gov.br/portal/ suda/seminarios. Acesso em 07 de abr. de 2008. 22 É importante acrescentar que a Lei nº 13.909/2001 também versa e oferece abertura para o exercício da docência em caráter suplementar ao quadro de pessoal permanente, sendo esses denominados de professores assistentes (PA). O docente PA é classificado em cinco níveis: PA-A, os que não possuem o ensino fundamental completo; PA-B, os que possuem o ensino fundamental completo; PA-C, os que possuem o ensino médio completo; e PA-D, os que possuem curso superior, excetuando licenciatura plena. 21
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dá por merecimento e na observância do disposto no Art. 76, que, resumidamente, aponta três exigências: tempo de exercício, avaliação de desempenho, participação em cursos e programas de formação. Outro dispositivo é a Gratificação de Titularidade, correspondente à formação continuada, que equivale, por exemplo, a um acréscimo sobre o vencimento básico de 5% no caso de um curso com carga horária de 120 horas, e um acréscimo de 20% no caso de um curso com carga horária de 720 horas. Tem-se, portanto, um plano de carreira que projeta possibilidades de ascensão vertical e horizontal. O professor na rede pública estadual de ensino tem a possibilidade de contrair jornadas de vinte, trinta ou quarenta horas semanais. Parte da carga horária (30%) do professor é reservada ao trabalho extraclasse, que são as horas-atividades destinadas a trabalhos de planejamento das tarefas docentes; assistência; atendimento individual aos alunos, pais ou responsáveis; e formação continuada, a serem cumpridos preferencialmente no horário escolar, no mínimo um terço. Quanto ao regime de contratação dos professores da rede pública estadual goiana, a maioria dos professores possui cargo efetivo no serviço público, de modo que os estatutários somam ao todo 30.124 docentes, enquanto que os temporários compreendem 6.602 docentes. 2.3 O professorado nas redes municipais a) Goiânia O corpo docente na RME de Goiânia é composto de profissionais da educação com formação para o magistério, em cursos de nível médio e de nível superior. Esse profissional exerce atividades docentes em turmas de crianças/alunos na educação infantil e no ensino fundamental, bem como atividades de suporte pedagógico direto, incluídas as de direção, planejamento, capacitação, pesquisa, coordenação, supervisão, inspeção e orientação educacional em unidades escolares, unidades regionais de ensino e nas unidades técnicas da Secretaria de Educação (Goiânia, 2000a). Em 2007, a rede possuía 5.428 funções docentes que atuavam na educação infantil (creche e pré-escola) e no ensino fundamental (regular e EJA), com a seguinte formação: 4.565 com licenciatura, 326 com graduação, 23 com ensino médio, 513 com normal médio e 1 sem ensino médio. Destaca-se que, do total de 916 na educação infantil,
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453 eram licenciados e 403 possuíam normal médio. Por outro lado, o único professor sem ensino médio estava atuando nos anos iniciais do ensino fundamental, que conta, também, expressivo quantitativo de licenciados (2.122). Constata-se, ainda, a necessidade de ajustamentos da formação dos professores e donível de atendimento para cumprir o disposto na legislação. Na RME, há duas carreiras distintas, regulamentadas por legislação própria: a do magistério, que possui o estatuto (2000a) e o Plano de Carreira e Remuneração (2000b), e a dos Funcionários Administrativos Educacionais (FAE), que conta com o Plano de Carreira e Vencimentos (2003). Tal regulamentação define cargos, níveis de carreira e funções com os respectivos critérios de exercício, promoção funcional e remuneração. A carreira do magistério constitui-se do cargo único de profissional da educação (PE), estruturado em classes segundo níveis de formação: PE-I, com formação em nível médio, e PE-II, com formação em nível superior. É assegurado ao servidor do magistério: ingresso exclusivamente por concurso púbico de provas e títulos; aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado; remuneração condigna; progressão funcional baseada na titulação e na avaliação de desempenho; liberdade na organização da comunidade escolar, com valorização do magistério participativo; condições adequadas de trabalho; e outros direitos e vantagens compatíveis com a profissão. A jornada semanal de trabalho do profissional da educação é de, no mínimo, vinte horas-aula, e de, no máximo, quarenta horas-aula. Destina-se 30% da carga horária semanal para atividades extraclasse, como planejamento e elaboração de atividades e avaliações, atividades de pesquisa, reuniões pedagógicas, confecção de material didático-pedagógico, atendimento aos alunos e à comunidade, colaboração com a administração da escola e participação em cursos de aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola. Essas horas-aula poderão ser cumpridas na própria unidade educacional. A remuneração do profissional do magistério é composta de vencimento (incluindo o descanso semanal remunerado), de vantagens pecuniárias (gratificações por exercício de cargo/função de confiança, atividades de pesquisa, participação em banca de concurso, regência de classe, difícil acesso [locomoção], adicionais de titularidade, tempo de serviço, noturno, férias) e do décimo terceiro vencimento. A direção pode ser exercida por profissionais com graduação em educação, nas escolas de ensino fundamental, e por pedagogos ou pós-
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-graduados em Educação, nos CMEI. A escolha do diretor, tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental, ocorre por eleição por meiode voto secreto e direto, realizada pela comunidade escolar. O mandato do diretor tem duração de três anos, permitida a reeleição por mais um período. A coordenação pedagógica constitui função docente exercida por um professor escolhido entre os pares. Essa escolha, segundo as Diretrizes para Organização do Ano Letivo (2009), pode ter vigência de um a três anos, de acordo com a decisão de cada turno da instituição educacional. A carreira de funcionários administrativos educacionais é constituída de cargo único, com quatro níveis de acordo com a formação, ocupada por funcionários efetivos e/ou estáveis. A jornada de trabalho é de trinta horas semanais, e a profissionalização é de responsabilidade da própria Secretaria. Os FAE exercem atividades inerentes à preparação de alimentação, à manutenção da infraestrutura, à administração educacional, ao trabalho com multimeios didáticos, ao cuidado e à educação das crianças na educação infantil. O cargo de FAE possui, ainda, vantagens pecuniárias de 20% de adicional noturno (das 22h às 5h) e vale-transporte para o funcionário que perceber vencimento básico de até dois salários mínimos. O exercício da função de secretário-geral é exclusivo da carreira de FAE, com indicação do diretor e nomeação pelo chefe do poder executivo municipal, percebendo gratificação de 50% do valor da gratificação concedida ao diretor da respectiva instituição educacional. Na educação infantil atua também o auxiliar de atividades educacionais, da carreira de FAE, com a atribuição de apoiar o professor na execução das atividades docentes. Esse profissional possui, em geral, formação mínima de ensino médio completo para o magistério, mas tem diferentes condições de trabalho em relação ao professor quanto à carga horária, ao salário, às férias, à progressão funcional, dentre outras. É importante analisar as consequências profissionais e institucionais da fragmentação do trabalho docente na educação infantil decorrentes dessa divisão entre os profissionais, podendo acarretar em conflitos e insatisfações no ambiente e nas relações de trabalho (Alves, 2002). b) Inhumas
O município de Inhumas não conta com Plano de Cargos e Salários para os profissionais do magistério, mas o plano encontra-se em fase de discussão. Os cargos de diretores escolares são ocupados por meio
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de indicação política, e não por eleição direta. O acesso do professor da rede municipal se dá por meio de concurso público, organizado em parceria com uma instituição de educação superior da região. Em 2007, havia um total de 226 funções docentes na educação infantil (creche e pré-escola) e no ensino fundamental (regular e EJA) na rede municipal de Inhumas. Observa-se que a maior parte do quadro docente é formada por professores licenciados (181), que consiste também em indicador de qualidade do ensino. Destaca-se que, na creche, 33 dos 58 professores possuem formação em nível superior, o que equivale a 56,9% do total. Na pré-escola este percentual é de 88%, e nos anos iniciais do ensino fundamental sobe para 92,5%. Esses indicadores são positivos e colocam o município próximo à meta de alcançar 100% dos professores do ensino fundamental com curso superior. c) São Luís dos Montes Belos Na rede municipal de São Luís de Montes Belos, em 2007, havia 114 funções docentes. Observa-se que 100% dos professores da pré-escola (10) e dos anos finais do ensino regular fundamental (7) já possuem formação em nível superior, sendo a maior parte composta de licenciados. Esse é um dado extremamente positivo na análise da qualidade da educação no município. Destaca-se, porém, que apenas na creche há professores sem ensino médio (5) e com normal médio (10). A Lei nº 1.564/2005 (São Luís de Montes Belos, 2005) estabelece o nível superior para a formação de docentes aptos a atuar na educação básica, entretanto, existe a função de assistente de creche nos Centros Municipais de Educação Infantil (Cemei), que não exige formação de nível superior. Destaca-se que essa função destina-se especialmente às turmas do berçário, enquanto que as turmas de “meia idade poderão ser ocupadas por professores (prioritariamente nas turmas de 3 e 4 anos)” (SME, 2007). No entanto, já existe a iniciativa para transformar o assistente de creche em função docente, inclusive para os profissionais concursados, exigindo a formação adequada. Na rede estadual de São Luís de Montes Belos há 165 docentes atuando em nove escolas. Ainda há professores com formação de nível médio atuando em função docente, inclusive no próprio ensino médio. Por outro lado, quase 100% deles são licenciados, inclusive os que atuam em outras funções, como na biblioteca, dinamizador de laboratório de informática, auxiliar de secretaria, etc.
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O Estatuto dos Servidores do Magistério e o Plano de Carreira e Remuneração dos Servidores do Magistério de São Luís de Montes Belos foram aprovados no ano de 2004. Destaca-se que ambos foram aprovados por meio de lei, oferecendo uma série de garantias aos profissionais do magistério da rede municipal e organicidade na carreira docente. Além dessas duas legislações, a LDB do município também estabelece garantias de condições e incentivos à formação continuada dos professores. Destaca-se que um dos pontos mais positivos na legislação do município é a valorização do corpo docente, especialmente no que se refere à formação continuada. O plano de carreira foi estabelecido em cinco níveis para progressão vertical (I a V), sendo que o Nível I é o professor com formação de nível médio na modalidade normal, e o Nível V é o professor com titulação de doutor. A diferença salarial entre os dois extremos chega a mais de 100%, na mesma referência de progressão horizontal. Ressalta-se que, na progressão horizontal, consideram-se oito referências (de A a H) em cada nível. Ao passar de uma referência para outra dentro do mesmo nível, é acrescido 3% no vencimento do professor, de forma que poderá chegar a 24% de acréscimo sobre a referência A. Além do incentivo salarial que há em relação à formação, há garantia de incentivos para a formação continuada dos docentes tanto no estatuto do magistério como no plano de carreira, incluindo licença, diárias ou ajuda de custo para cobrir despesas decorrentes de participação em cursos de formação e aperfeiçoamento de pós-graduação. Desde a implantação do plano até os dias atuais, nenhum professor da rede municipal alcançou o Nível V, mas a SME já concedeu quatro licenças remuneradas para professores cursarem pós-graduação stricto sensu em cursos de mestrado. Em relação aos cursos de formação que não se enquadram como pós-graduação, a SME tem implementado esforços para oferecê-los. Em 2008, a SME ofereceu o curso Proinfantil,e no ano de 2009 ofereceu o Progestão e um curso de língua portuguesa. d) Caldas Novas De acordo com dados recentes fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia de Caldas Novas, há 393 professores concursados e 154 contratados que atuam na rede municipal de ensino23. Essa quantidade de professores contratados demonstra a necessidade de realização de novos concursos públicos para suprir a demanda por 23
Dados obtidos em 11/3/2010 (Caldas Novas, 2010).
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profissionais nas escolas municipais, bem como demonstra a dificuldade vivenciada pela Secretaria em conseguir manter os professores atuando efetivamente nas escolas por anos consecutivos, em razão da grande rotatividade de docentes existente na rede municipal de Caldas Novas. Evidentemente essa rotatividade docente compromete a qualidade do ensino e a manutenção de permanentes relações de confiança entre os profissionais da escola, os professores, os alunos, a secretaria de educação e a comunidade. Em 2007, Caldas Novas apresentou 347 funções docentes, das quais 89% dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental (120) e 91,6% dos professores da pré-escola (20) possuem curso superior. Esse índice também é positivo na creche, com percentual de 66,6% (34). Quanto aos anos finais do ensino fundamental, regular e EJA, esse índice já atingiu 100%. O número satisfatório de professores com nível superior tem relação direta com a oferta de cursos de formação de professores pela Universidade Estadual de Goiás -UEG, por intermédio da Unidade Universitária de Morrinhos e do convênio estabelecido entre a prefeitura e a UEG, denominado Licenciatura Plena Parcelada. A formação de professores para atuar na educação infantil e ensino fundamental também é realizada pela Universidade de Caldas Novas, instituição particular que contribui para a formação de professores da rede, em especial por intermédio do curso de licenciatura em Pedagogia (Caldas Novas, 2010). Alguns aspectos essenciais para a plena realização do processo educativo devem ser efetivamente garantidos na rede municipal de ensino de Caldas Novas, dentre eles a constante formação dos professores, a melhoria salarial e as condições de trabalho adequadas, pois a manutenção de um padrão de qualidade é permanentemente ameaçada em razão da constante mobilidade docente. Provavelmente a rotatividade dos professores deve-se, dentre outros fatores, aos baixos salários e às condições precárias de trabalho, além da dificuldade docente em adaptar-se à constante rotatividade de alunos na rede, o que pressupõe um trabalho coletivo e contínuo de adaptação ao perfil desses novos alunos. O plano de carreira e a remuneração dos servidores do magistério público do município de Caldas Novas (2009) têm por objetivos: a eficiência e a eficácia da rede educacional do município, a valorização do servidor público do magistério mediante a adoção do princípio do merecimento para o desenvolvimento na carreira, e a adoção de uma sistemática justa de vencimentos e remuneração (Caldas Novas, 2009b). O plano de carreira estabelece a progressão horizontal, combinando tempo
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de serviço, avaliação de desempenho e participação em programas de atualização e aperfeiçoamento profissional. Fixa, ainda, vantagens no que se refere a gratificações e adicionais. As gratificações são devidas pelo exercício de cargo em comissão; por função de confiança; pelo encargo de membro, auxiliar de banca ou comissão de concursos; pela regência de classe; pelo difícil acesso à unidade escolar; pelo exercício de atividades de pesquisa, capacitação e técnico-educacional especializada. E os adicionais são devidos por titularidade e horário noturno de trabalho (Caldas Novas, 2009a; 2009b). A jornada de trabalho do professor é de 14 horas-aula no mínimo, e de 42 horas-aula semanais no máximo. Dessa carga horária no exercício da docência, 30% será destinada a atividades extraclasse para o desenvolvimento de trabalhos de planejamento das tarefas docentes, atividades de pesquisa, reuniões pedagógicas, confecção de material didático-pedagógico, atendimento aos alunos e à comunidade, colaboração com a administração da escola, elaboração de atividades e avaliações e participação em cursos de aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola (Caldas Novas, 2009a). Percebe-se que tanto o Plano de Carreira quanto o Estatuto do Magistério determinam claramente as funções, os direitos e os deveres do professor; entretanto, esses documentos demonstram desvalorização da profissão docente por estabelecer um longo período para a progressão horizontal e por atribuir excessiva responsabilidade aos professores, sem definir com clareza os mecanismos de apoio oferecidos pela rede municipal de ensino, além dos baixos salários pagos. Na prática, as condições insatisfatórias de existência dos professores, resultantes dos baixos salários e das condições precárias de exercício da profissão, intensificam a subordinação dos indivíduos às condições de dominação e opressão estabelecidas pela rede de ensino e pelas pessoas responsáveis pela implementação dessa lógica de funcionamento (Oliveira, 2004). d) Planaltina Na rede municipal de Planaltina, em 2007, ainda predominavam os professores da educação infantil sem formação superior, com apenas 32,4% que cursaram uma faculdade. A situação também é preocupante na primeira fase do ensino fundamental, com 39,8% dos professores com curso superior. Até mesmo nos anos finais do ensino fundamental, em que a licenciatura é obrigatória, este índice é alto, com 57,3% de professores licenciados ou graduados.
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Observa-se que dos 530 professores que atuam no ensino fundamental, 283 não possuem curso superior, licenciatura ou bacharelado, o que equivale a 53,3%. Esse dado é coerente com os indicadores do Ideb no município. É possível estabelecer relação entre o desempenho dos estudantes e as condições de ensino-aprendizagem oferecidas, o que também inclui a formação do corpo docente como um dos critérios de análise da qualidade da educação e do ensino. A carreira docente municipal obedece ao Estatuto do Magistério Público Municipal, ao Regime jurídico dos Servidores do Município, às normas da Constituição Federal e Estadual, à Lei Orgânica Municipal e, também, ao Plano de Carreira e Remuneração do Magistério público (2007). Segundo esse plano, são funções do magistério a docência e as atividades “que oferecem suporte pedagógico a essa atividade, aí incluída as de gestão escolar, planejamento, coordenação, inspeção supervisão e orientação educacional” (Planaltina, 2002:2). Ainda segundo esse texto legal, a instituição do plano de carreira visa ao desenvolvimento e à profissionalização dos servidores, entendendo que isto promoveria maior eficiência nos serviços públicos na área de educação (Planaltina, op. cit.). Da análise do Plano de Carreira, identificou-se que, na rede municipal, profissionais com habilitação específica para as funções de magistério, que fazem parte do quadro permanente, convivem com outros profissionais que não possuem habilitação mínima exigida para o exercício do magistério, pertencentes ao quadro transitório. A jornada semanal de trabalho dos profissionais do magistério é de vinte, trinta ou quarenta horas semanais, a depender do interesse da administração pública e /ou do professor, sendo 25% dessa carga destinada às horas-atividades, que é o tempo previsto para a preparação e avaliação do trabalho didático, reuniões pedagógicas, articulações com a comunidade e aperfeiçoamento profissional. A proximidade geográfica do município com o Distrito Federal provoca profundas repercussões sobre a política educacional de Planaltina de Goiás. Segundo o relatório preliminar do PME, essa proximidade potencializa os índices de evasão escolar. Muitos são os que abandonam as escolas municipais em busca das distritais, identificadas como sendo de melhor qualidade estrutural e pedagógica. Ainda segundo a proposta do PME, esse fato exige atenção dos gestores públicos para a qualidade do ensino ofertado “desde a estrutura física até a prática pedagógica”, tendo em vista que “o município de Planaltina de Goiás, por se encontrar em área limítrofe com o DF, sofre as consequências desse fator geográfico expressas pela estrutura sócio-financeira de sua
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população, que busca na escola o trampolim ‘único’ de sobrevivência e ascensão social” (PME,2003:s/p).
Considerações finais A análise da situação da oferta da educação básica em Goiás, sobretudo nas redes públicas que integraram a amostra da pesquisa – tendo por base as políticas educacionais, a organização administrativa das redes de ensino e a situação docente (formação, condições de trabalho, carreira, salários e valorização em geral) –, mostra que a situação não é diferente da realidade da educação básica e do professorado em todo o país. Levando em conta os indicadores do Ideb no ensino fundamental dos municípios da amostra em Goiás, observa-se que em quatro deles, incluindo Goiânia, a média é ligeiramente maior do que a média nacional, sendo 4,9 e 4,6 respectivamente. Já no ensino médio, a situação se inverte, sendo 2,8 a média dos municípios e 3,5 a média nacional, o que reforça a importância de se dedicar mais esforços na melhoria deste nível de ensino em todo o estado. A situação do município de Planaltina de Goiás é a mais preocupante, apresentando os mais baixos indicadores, com destaque para a titulação docente, com apenas 32% de professores da educação infantil e 39,8% do ensino fundamental com curso superior. Até mesmo na segunda fase do ensino fundamental, em que é exigido por lei que os docentes sejam licenciados, somente 57,3% dos professores possuem cursos de graduação. Se por um lado os sistemas de ensino buscam ampliar o acesso à educação básica como direito, estruturando melhor a oferta e implementando programas e ações para um acesso mais qualificado, por outro persistem os problemas da formação inadequada e da ausência de planos de carreira ou da sua pouca efetivação na valorização docente. No caso dos municípios goianos analisados, Inhumas exemplifica essa situação, pois ainda não possui um plano de carreira para os profissionais da educação. O que se apurou no decorrer deste estudo é que, mesmo nos municípios pequenos e médios que possuem planos de carreira, os mesmos não garantem as condições adequadas ao exercício do magistério. Na maioria dos casos, os planos de carreira são pensados e elaborados levando-se em conta fatores como a eficiência e a eficácia da rede educacional, gerenciada sob os princípios e a lógica dos setores privados,
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não contribuindo de modo efetivo para a melhoria salarial e nem motivando os professores para que permaneçam na profissão docente. Além disso, as pesquisas na área vêm mostrando que, em decorrência das políticas e ações governamentais, sobretudo nas duas últimas décadas, vem crescendo a intensificação do trabalho docente (por meio do preenchimento de relatórios, formulários, fichas, reuniões, etc.), assim como a competição entre escolas e docentes, o discurso, o condicionamento do processo de ensino aos conteúdos cobrados na avaliação externa (provas e exames) e as práticas da gestão de tipo gerencial, centradas, sobretudo, em metas, índices, performances e resultados. Enquanto isso, persistem os problemas da atratividade da carreira docente, do ingresso inadequado na profissão – que se dá em grande parte antes mesmo da conclusão do curso –, da falta de acompanhamento e avaliação no estágio probatório, das precárias condições de trabalho – com diferenças acentuadas em termos de salários e condições de trabalho – e da ausência de programas e ações mais consistentes e permanentes de formação continuada e mesmo inicial. Destaca-se, ainda, a ausência de avaliação diagnóstica dos processos educativos e práticas pedagógicas que leve a um debate interno nas escolas sobre o processo ensino-aprendizagem, de modo a promover a melhoria do projeto político-pedagógico, das práticas de gestão curricular, da avaliação em geral e da profissionalização e profissionalismo docente. O cenário para a próxima década traz, no entanto, possibilidades concretas de avanços. Nessa direção, destacam-se as mudanças constitucionais introduzidas pela Emenda Constitucional nº 59/2009, que implica em desafios para a educação básica e para a valorização dos professores. Pois, de um lado, foi instituída a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos, a ser implementada até 2016, com a recuperação dos investimentos com o fim da Desvinculação de Recursos da União (DRU) e o investimento público em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) por meio do novo PNE 2011-2020. De outro lado, a adoção do Piso Salarial Nacional do Magistério como política pública de estado, que, se articulado às diretrizes de carreira, poderá implicar em maior valorização dos profissionais da educação. Nesse contexto, destacam-se os possíveis avanços nas metas do PNE 2011-2020, em articulação com o documento final aprovado pela Conferencia Nacional de Educação (Conae), especialmente no sentido de garantir que todos os professores da educação básica: a) possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam; b) tenham efetivamente a
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oportunidade de realizar formação continuada em sua área de atuação, assim como formação em nível de pós-graduação lato e stricto sensu; c) sejam valorizados a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com o rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente; d) estejam inseridos em planos de carreira em todos os sistemas de ensino.
Referências bibliográficas Alves, Wanderson F. A formação contínua e a batalha do trabalho real: um estudo a partir dos professores da escola pública de ensino médio. Tese de Doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2009. Alves, Nancy Nonato de Lima. Elementos mediadores e significativos da docência em educação infantil da rede municipal de ensino de Goiânia. Dissertação de Mestrado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 2002. Brasil. Conferência Nacional de Educação (Conae). Documento Final. Brasília, MEC, 2010. Disponível em: www.mec.gov.br. Acesso em 04 de maio de 2011. IBGE -Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Brasília, 2007. IBGE - Síntese dos Indicadores Sociais. Brasília, 2008.
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Secretaria da Educação, Ciência e Tecnologia. Dados da educação municipal em Caldas Novas, 2010. Goiás. Lei nº 13.909 de 25 de setembro de 2001. Dispõe sobre o Estatuto e o Plano de Cargos e Vencimentos do Pessoal do Magistério. Goiânia, 2001. Goiás/Secretaria Estadual de Educação. Plano Estadual de Educação. Goiânia, 2008. Diretrizes Operacionais da Rede Estadual de Ensino 2009-2010. Disponível em: www.see.go.gov.br/documentos/Diretrizes2009.pdf. Goiás/Secretaria de Planejamento. Sepin. 2009. Disponível em: www.seplan. go.gov.br/sepin. Acesso em 05 demaio de 2011. Goiânia/Conselho Municipal de Educação. Resolução CME-N. 194/2007. Estabelece normas para Credenciamento, Autorização de Funcionamento, Reconhecimento, Renovação de Reconhecimento e Supervisão das instituições de Educação Infantil. Goiânia, 2007. Goiânia/Secretaria Municipal de Educação. Lei Complementar nº 091, de 26 de junho de 2000. Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores do Magistério Público do Município de Goiânia. Goiânia, 2000a. Lei nº 7.997, de 20 de junho de 2000. Dispõe sobre o Plano de Carreira e Remuneração dos Servidores do Magistério Público do Município de Goiânia. Goiânia, 2000b. Lei nº 8.173, de 30 de junho de 2003. Dispõe sobre o Plano de Carreira e Vencimentos do Funcionário Administrativo Educacional da Secretaria Municipal de Educação. Goiânia, 2003. Regimento dos Centros Municipais de Educação Infantil. Goiânia, 2004a. Saberes sobre a Infância: a construção de uma política de Educação Infantil. Goiânia, 2004b. Indicadores de Qualidade da Ação Pedagógica na Educação Infantil do Município de Goiânia. Goiânia, 2008a. Proposta Político-Pedagógica para a Educação Fundamental da Infância e Adolescência. Departamento Pedagógico/DEFIA, Goiânia, 2008b. (mimeo). Diretrizes de Organização do Ano Letivo/2009, Goiânia, 2009. IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais. 2008. Oliveira, Dalila Andrade. “A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização.” Educação & Sociedade v. 25, n. 89 (set./dez. 2004): 1097-1100. Planaltina. Câmara de Vereadores de Planaltina, Estado de Goiás. Projeto de Lei nº 006/2012, de 09 de fevereiro de 2012. Plano de Carreira dos Profissionais do Magistério Público do Município de Planaltina. Câmara de Planaltina, 2012. Disponível em: http://camaraplanaltina. go.gov.br/site/wp-content/uploads/2012/03/006planocarreiramagister io.pdf. Acesso em: 14/09/2012.
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Planaltina de Goiás. Lei Orgânica do Município de Planaltina, de 14 de dezembro de 2004. Lei Municipal de nº 801, de 06 de maio de 2010. Dá nova redação às Leis municipais nº 603, de 30 de abril de 2003 e nº 621 de 19 de dezembro de 2003 e dá outras providências. Decreto de Lei nº 027 de 09 de outubro de 2007. Dá nova redação ao Estatuto do Magistério Público do Município de Planaltina, na forma que especifica, e dá outras providências. Lei nº 712, de 14 de dezembro de 2007. Dá nova redação ao Plano de Carreira e remuneração do Magistério público do Município de Planaltina, na forma que especifica e dá outras providências. Plano Municipal de Educação - PME (Proposta preliminar). Ago.2003. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano 2003. Disponível em: www.pnud.org. br/rdh/integras/index.php. Acesso em: 07 de julho de 2011. São Luís de Montes Belos. Lei nº 1.539, de 20 de fevereiro de 2004. Dispõe sobre Plano de Carreira e Remuneração dos Servidores do Magistério Público do Município de São Luís de Montes Belos, 2004. Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Município de São Luís de Montes Belos. Dispõe sobre a instituição do sistema municipal de ensino de São Luís de Montes e estabelece normas gerais para sua adequada implantação, 2005. Lei nº 1681, de 23 de outubro de 2007. Altera dispositivo da Lei nº 1564/05, de 06 de junho de 2005 e dá outras providências, 2007. São Luís de Montes Belos/Secretaria Municipal de Educação. Portaria nº 012, de 12 de dezembro de 2007. Diretrizes para organização do ano letivo de 2008. São Luís de Montes Belos, 2007. Zibas, Dagmar; Ferretti, João C.; Tartuce, Gisela L. P. “O protagonismo de alunos e pais no ensino médio brasileiro.” Revista Portuguesa de Educação 18, 1 (2005): 45-87.
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Capítulo 3
Trabalho docente na educação básica: amostra e pesquisa de campo (survey) em Goiás João Ferreira de Oliveira Lúcia Maria de Assis Nancy Nonato de Lima Alves Wanderson Ferreira Alves
O presente capítulo apresenta o processo de organização e aplicação do survey da pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil, realizada no estado de Goiás no período de agosto a dezembro de 2009, sob a coordenação de professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás - UFG. O capítulo traz também os resultados finais de aplicação relativos aos: a) questionários do survey; b) roteiro de entrevista do(a) diretor(a); c) “relógio” que detalha o trabalho do(a) diretor(a) em sua jornada de trabalho diária.
1. Definição da amostra A aplicação dos instrumentos de coleta de dados em Goiás ocorreu em conformidade com as instruções metodológicas definidas para todos os estados da amostra (PA, RN, GO, ES, MG, PR e SC). Tendo por base o número de habitantes, considerando somente as cidades entre 20 a 50 mil e 50 a 100 mil habitantes, foram sorteadas os seguintes municípios: São Luís dos Montes Belos, Inhumas, Caldas Novas e Planaltina. Goiânia
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também foi inserida na amostra de Goiás, uma vez que se definiu que, em todos os estados, a capital integraria a amostra (Quadro 01).
Quadro 1. Distribuição do número de habitantes e municípios goianos em que foram realizados os survey. Estado
Capital
20.000 a 50.000 habitantes
50.000 a 100.000 habitantes
Goiás
Goiânia
São Luís de Montes Belos
Caldas Novas
Inhumas
Planaltina
Definidas as cidades da amostra, fez-se o sorteio das escolas públias e conveniadas em cada cidade, visando definir o quantitativo e o nome das escolas em cada município. Para o sorteio, consideraram-se a proporcionalidade de centros de educação infantil e as escolas de ensino fundamental e médio das redes estadual e municipal (Tabela 1).
Tabela 1. Distribuição amostral nas cidades de Goiás em que foram realizados os survey. Unidade da Federação - Goiás
Escolas
P(escola)
Peso Amostral
Amostra
Goiânia
440
0,771
1,30
35
São Luís de Montes Belos
21
0,037
27,19
5
Inhumas
29
0,051
19,69
8
Caldas Novas
40
0,070
14,28
4
Planaltina
41
0,072
13,93
9
Ao longo da realização do trabalho de campo da pesquisa (aplicação do survey, questionário e “relógio”24 dirigido ao diretor), foi necessário substituir algumas escolas da amostra em Goiânia em razão de recusa de participar da pesquisa, sobretudo em escolas conveniadas.
24
No relógio, o(a) diretor(a) registrava um dia típico de suas atividades.
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O survey foi realizado com todos os sujeitos docentes que aceitaram livremente responder o questionário nas escolas da amostra. O número de sujeitos docentes em cada escola teve por base os dados do Censo da Educação Básica (2008) do Inep. Na maior parte das escolas, encontrou-se número maior ou menor do que aquele indicado inicialmente. Buscou-se, todavia, realizar o questionário do survey com todos os sujeitos docentes da rede estadual ou municipal (Quadro 2 e 3)
Quadro 2. Cargos e funções nas escolas da rede estadual de ensino de Goiás* Cargo
Funções Direção e vice-direção da unidade educacional Secretário geral da unidade educacional Coordenação pedagógica Docência: regência de sala Professor de recursos: profissional cuja atribuição é o acompanhamento dos docentes da unidade escolar e dos alunos no tocante aos casos de necessidades educativas especiais, bem como a coordenação de salas multifuncionais (salas com equipamentos específicos e adaptados para alunos especiais, como deficientes mentais, auditivos e visuais). Professor de apoio: profissional cuja atribuição é auxiliar os professores e efetuar o acompanhamento (em sala de aula) dos alunos com necessidades educativas especiais.
Professor
Professor dinamizador de tecnologias interativas aplicadas à educação: professor responsável pelo laboratório de informática da unidade escolar e das questões relativas às tecnologias e à comunicação, como a rádio escola, o kit TV escola, entre outros. Professor dinamizador de laboratório de ciências e professor dinamizador de laboratório de línguas: esses professores são responsáveis pelos laboratórios próprios às suas áreas de atuação profissional, devendo, sob a orientação do vice-diretor, atender a toda unidade educacional. Professor dinamizador de biblioteca: professor cuja responsabilidade é coordenar o uso pedagógico da biblioteca da escola por alunos e professores. Para essa função, a preferência é porprofessores com pós-graduação. *Exclusive cargos e funções de vigilância, limpeza e demais postos de trabalho que na escola não se vinculam ao ensino.
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Quadro 3. Pessoal administrativo Cargos
Funções Diretor/dirigente Professor coordenador Professor regente Professor intérprete
Funcionário administrativo educacional - FAE [nível I, II, III, IV]
Professor de sala multifuncional
Auxiliar de atividades administrativas - AAA
Auxiliar de sala de leitura
Auxiliar de serviços de higiene e alimentação – ASHA
Cuidador (apoio a alunos com necessidades educativas especiais)
Auxiliar de secretaria (essa função administrativa pode ser exercida por professor PEI, readaptado de função) Auxiliar de ambiente informatizado
Auxiliar de apoio educacional Coordenador de turno Auxiliar de educativo
atividades
educativas/agente
Secretário geral (essa função é exclusiva do quadro administrativo, portanto não deve ser exercida por professores)
2. Composição da equipe de pesquisa A realização da pesquisa em Goiás teve início com a definição da equipe, que foi sendo ampliada, em parte, em razão da necessidade e da premência do tempo para conclusão do trabalho. A coordenação geral foi composta por quatro professores doutores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás - UFG que desenvolvem estudos e pesquisas sobre a temática do trabalho docente. Dentre os participantes, contou-se com dois bolsistas de iniciação científica, seis aplicadores bolsistas, seis aplicadores não bolsistas e, ainda, quatro colaboradores vinculados diretamente às secretarias de educação estadual
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e/ou municipal. Foi fundamental na composição da equipe a inserção de pelo menos uma pessoa moradora nas cidades da amostra, assim como o trabalho de articulação e apoio dos bolsistas de iniciação científica.
3. Planejamento inicial para a aplicação dos questionários Formada a equipe, definiram-se alguns aspectos básicos para a realização do survey, a saber: a) Definição de espaço (sala, armário e computador) para o trabalho da equipe; b) Contatos e cartas dirigidos às secretarias de educação; c) Conversa com os superintendentes da rede estadual responsáveis pelas escolas dos respectivos municípios da amostra, assim como com os respectivos secretários municipais de educação; d) Aquisição de camisetas com a logomarca da UFG para todos os aplicadores; e) Definição do modo de controle de aplicação dos questionários; f) Planejamento dos gastos para a aplicação dos questionários em cada município da amostra (despesas com transporte/viagem, hotel e alimentação); g) Distribuição das equipes nos municípios e nas escolas; h) Contatos com os(as) diretores(as) das escolas da amostra; i) Planejamento das viagens/datas, sobretudo no caso dos municípios do interior; j) Treinamento da equipe de aplicadores (com a participação da coordenação nacional da pesquisa); l) Organização e distribuição do material (questionários, camisetas, canecas, manuais, bolsas, canetas, declarações etc.);
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A coordenação geral ficou sob a responsabilidade do professor João Ferreira de Oliveira. Todavia, a divisão do trabalho entre os membros da coordenação geral e responsáveis diretos ocorreu da seguinte forma (Quadro 4):
Quadro 4. Divisão do trabalho de campo entre a equipe de pesquisa Cidades/Goiás
Nº de escolas
Coordenação geral Lúcia Maria de Assis
Responsável direto
Equipe de aplicadores
*
**
Goiânia
35
São Luís dos Montes Belos
5
João Ferreira de Oliveira
*
**
Inhumas
8
João Ferreira de Oliveira
*
**
Caldas Novas
4
João Ferreira de Oliveira
*
**
Planaltina
9
Wanderson Ferreira Alves
*
**
Nancy Nonato de Lima Alves
* Contamos, na equipe de pesquisa, com um responsável direto em cada uma das cidades do interior. ** Definido semanalmente conforme a necessidade, além dos que já moravam na cidade da amostra.
A entrada em campo ocorreu a partir de 10/9/2009, conforme acordado nacionalmente. A coleta de dados estendeu-se até 17 de dezembro de 2009.
4. Abertura para a realização do trabalho de campo Iniciamos a pesquisa buscando autorização das secretarias estadual e municipal para realização da pesquisa nas escolas dos respectivos sistemas de ensino. O passo inicial foi visitar a Secretaria Estadual e a Secretaria Municipal de Goiânia, fazer a apresentação da pesquisa e entregar a carta de solicitação de apoio institucional. As respectivas
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secretarias nos forneceram as listas e cartas de autorização que deveriam ser entregues nas escolas da amostra, bem como os respectivos endereços e telefones. A partir daí, fizemos os contatos com as escolas e iniciamos as visitas para acertar com a direção das escolas a melhor forma de aplicação dos questionários. Nessas visitas, em geral, já fazíamos a entrevista com o(a) diretor(a) e aplicávamos o “relógio”, que possibilitava a descrição de um dia típico de atividades do dirigente escolar. Em Goiânia, o agendamento com diretores ocorreu, sobretudo, por telefone. Depois buscou-se apresentar a pesquisa para cada diretor, pedindo autorização para a sua realização, embora a respectiva secretaria já ativesse autorizado. Por vezes, a entrevista com o diretor era realizada já na primeira visita, noutras vezes agendada para outro dia. Quanto aos professores, normalmente solicitávamos ao(à) diretor(a) que indicasse a melhor estratégia e momento para a entrevista. Exemplificando: uma diretora indicou o dia da reunião de planejamento; em um CMEI, a diretora organizou rodízio para liberação dos professores e agentes; outra diretora solicitou a presença de três pesquisadores (aplicadores), de modo que dois aplicariam o questionário e um faria apresentação da UFG para os alunos do ensino médio. Portanto, os diretores foram fundamentais, pois, em sua maioria, se mostraram receptivos e se empenharam em organizar a escola para que os questionários fossem aplicados. Nas cidades do interior de Goiás, a abertura do campo foi basicamente a mesma. Iniciamos com uma visita à Subsecretaria Regional de Ensino e depois ao secretário(a) de educação do município. No caso de Planaltina, conforme solicitação da secretária de educação do município, foi realizada uma palestra para os diretores da rede, na qual se apresentou a pesquisa. Já em Caldas Novas, as escolas forneceram a lista dos professores, o que facilitou na elaboração da escala das entrevistas com dia e horário. Com a devida autorização dos municípios, íamos para as escolas verificar a melhor situação para a aplicação dos questionários. A receptividade da pesquisa foi muito boa no interior do Goiás, onde não tivemos recusa de escolas e mesmo de diretores e docentes, o que não ocorreu totalmente em Goiânia. O planejamento para a aplicação respeitou a dinâmica de cada escola. Em geral, os questionários foram aplicados no horário de planejamento e estudo individual do professor, em “janelas” ou em um momento de liberação da regência. Além disso, ocorreram momentos coletivos em
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algumas escolas, propiciando que a equipe estivesse presente e aplicasse um número maior de questionários. As canecas entregues aos respondentes dos questionários serviram de estímulo para a adesão de alguns sujeitos à pesquisa 25. Todos os respondentes receberam as canecas de recordação, que contém o endereço eletrônico para acompanhar o desenvolvimento nacional da pesquisa. As escolas conveniadas, em geral, foram as que mais se recusaram em participar da pesquisa. Muitas foram substituídas porque o convênio havia se encerrado e outras porque realmente não quiseram participar, sem declarar o motivo da recusa. Tivemos que solicitar listas atualizadas de escolas conveniadas junto às respectivas secretarias, sobretudo em Goiânia, para fazer novo sorteio de substituição de escolas. Algumas escolas substituídas também se recusaram a participar da pesquisa, como evidencia o quadro final de aplicação. Abertura do Campo Ampliação da equipe (com pelo menos uma em cada município); Treinamento da equipe ampliada; Visita às secretarias de educação; Divisão do trabalho entre a equipe, ficando a maior parte na capital; Obtivemos doação de camisetas com o logo da UFG; Designação de uma pessoa na SEE-GO e na SME-Goiânia para apoiar o trabalho; Criação de grupo de e-mails para planejamento diário; Reuniões da equipe de coordenação conforme a necessidade; Viagem para o interior: distribuição dos materiais; Definição de sala/armário/computador para a gestão da pesquisa; Papel das bolsistas de IC: auxílio no planejamento e controle do trabalho de campo.
Para cada respondente do questionário era entregue uma caneca com o logo da pesquisa e o endereço do site no qual os dados da pesquisa seriam divulgados posteriormente. 25
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5. Dificuldades e facilidades na realização do trabalho de campo Os principais obstáculos para a realização do trabalho de campo foram: a) A falta de tempo dos professores e das escolas para esse tipo de atividade, com queixa de excesso de trabalho; b) Saturação e descrença do professor em confronto com a alta expectativa em relação a pesquisas e ao trabalho docente; c) O inconveniente de aplicarmos questionários em período de encerramento do ano letivo, sobretudo novembro e dezembro; d) Momento de eleições nas escolas; e) Recusa não declarada em responder ao questionário, mas criando dificuldades para encontrar um momento para respondê-lo. No caso das instituições de educação infantil, o trabalho de aplicação dos questionários foi mais fácil, uma vez que é possível organizar o tempo nessas instituições, pois normalmente há um auxiliar e um professor em cada sala de aula. Cabe aqui pensarmos nos aspectos de aceitação da pesquisa, pois se reconhece que a organização institucional e a disponibilidade de tempo são fundamentais para a participação do professor, mas é imprescindível que o sujeito tenha interesse e disponibilidade para tal. Tanto que em muitos casos, professores em escolas de ensino fundamental e médio que foram “liberados”, se recusaram a responder ao questionário, às vezes se esquivando do entrevistador. Assim, caberia indagarmos se houve melhor receptividade em instituições de educação infantil do que nos demais níveis de ensino, e quais fatores motivariam essa suposta diferenciação.
6. Dificuldades no momento de responder o questionário O questionário foi considerado muito longo pelos respondentes. Gastava-se, em geral, de cinquenta a noventa minutos para respondê-lo completamente. Depois de certo tempo, observava-se que o respondente já não refletia muito sobre o que estava sendo perguntado. Outras vezes, verificava-se certa incompreensão conceitual sobre a questão em si, a exemplo de assuntos como docência, carreira e política nacional de for-
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mação e gestão. De modo geral, há certo desconhecimento da existência de plano de carreira. Portanto, há uma tendência à automatização da aplicação do questionário, decorrente da preocupação com o ritmo e tempo em relação à possibilidade de reflexão e “desabafo”, o que traz certo risco de perda qualitativa nas respostas.
7. Outras dificuldades no percurso da pesquisa Inicialmente, houve dificuldades na organização do transporte e da alimentação para os aplicadores, o que foi superado no processo. Também ocorreu certo atraso no pagamento inicial dos aplicadores e bolsistas, etivemos que ampliar o número de aplicadores bolsistas e não bolsistas, tendo em vista o cumprimento da meta estabelecida para o Estado. No caso das cidades do interior, o meio de transporte mais utilizado foi o carro próprio, seguido de ônibus. O carro próprio permitia maior mobilidade dos aplicadores que precisavam se deslocar entre as escolas, o que não era possível sem esse tipo de veículo.
8. Resultados obtidos na aplicação dos instrumentos O quadro a seguir traz os dados da aplicação dos questionários. A amostra de Goiás indicava um total de 1.145 sujeitos docentes, tendo por base os dados do Inep de 2008. Foram aplicados 1.126 questionários26. Do total de diretores, 57 aceitaram dar entrevista, enquanto 50 preencheram o “relógio” de atividades laborais de um dia típico da profissão. Observa-se, portanto, que a meta do survey em Goiás foi alcançada em quase 100%. No caso de Caldas Novas, a meta foi ultrapassada. A meta também foi alcançada em Planaltina, e nas demais cidades (Inhumas, São Luís e Goiânia) a meta foi praticamente atingida.
Posteriormente, foram validados na amostra de Goiás, para o banco de dados da pesquisa nacional, 1.112 questionários. 26
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Observações: Situações:* a) Não havia todos os sujeitos docentes indicados na amostra; b) Alguns sujeitos não quiseram responder; c) Alguns sujeitos estavam de licença. Obtivemos doação de camisetas com ologo da UFG; Designação de uma pessoa na SEE-GO e na SME-Goiânia para apoiar o trabalho; Havia mais sujeitos docentes do que aqueles indicados na amostra.** Observação Final: O número de questionários aplicados é maior em alguns municípios, pois alguns professores atuam em mais de uma escola. Nesses casos, os questionários foram devidamente identificados.
63
64 33 14 14 15 13 13 14 18
4. CMEI Bairro Goiás
5. CMEI Jardim América-Nac.
6. CMEI Vila Santa Helena
7. CMEI Vila Santa Rita
8. CMEI Ateneu Dom Bosco
9. CMEI Tempo de Infância
10. CMEI Beija Flor II
26
2. Educandário Espírita Eurípedes Barsanulfo
3. E. M.Alice Coutinho
17
GOIANIA
1. Esc. Mun. Arão Fernandes de Oliveira
MUNICIPAL
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Dados finais de aplicação dos questionários em Goiás
15
14
12
12
12
12
12
32
18
7
Nº de sujeitos levantados na amostra
16**
15**
11*
12
13**
13**
11*
20*
22**
12**
Nº de questionários aplicados
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
Roteiro do diretor
SIM
SIM
SIM
NÃO
SIM
SIM
SIM
NÃO
NÃO
SIM
Relógio
65 17 24 28 26 26 31 39 16
14. E. M.Maria Cândida Figueiredo
15. E. M.Jalles Machado de Siqueira
16. E. M.Odília Mendes de Brito
17. E. M.Prof. Lourenço Ferreira Campos
18. E. M.Prof. José Décio Filho
19. E. M.Regina Helou
20. CMEI Domiciano de Faria
19
12. E. M.Paulo Teixeira de Mendonça
13. E. M.Prof.ª Cleonice Monteiro Wolney
18
GOIANIA
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
11. CMEI Vila Faiçalville
MUNICIPAL
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Continuação
16
28
28
25
25
24
22
19
11
15
Nº de sujeitos levantados na amostra
17*
25*
20*
20*
20*
21*
21*
15*
19**
15
Nº de questionários aplicados
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
Roteiro do diretor
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
Relógio
66
27. Soc. Agost.de Educ. Assist. Creche Santa Rita de Cássia
SIM
SIM
SIM
NÃO
Relógio
10
Não há dados
9
SIM
SIM
A pessoa responsável pela instituição autorizou a realização da pesquisa, mas não compareceuno dia combinado, o que impossibilitou o trabalho
Negou-se a participar da pesquisa
25. Creche Meimei
26. Educandário Afrânio de Azevedo
Negou-se a participar da pesquisa
13**
SIM
SIM
Roteiro do diretor
24. CEIPagiel
12
6**
19*
Nº de questionários aplicados
Negou-se a participar da pesquisa
15
6. CMEI Vila Santa Helena
2
22
Nº de sujeitos levantados na amostra
23. CEI Raboni
6
26
GOIANIA
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
22. Escola Lar Pio XII
PRIVADA
21. CMEI Mateus Barcelos Barretos
MUNICIPAL
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Continuação
67 42 25 37 40 69
31. Col. Est.José Honorato
32. Col. Est. do Setor Sudoeste
33. Col. Est.Parque Amazôniai
34. Col. Est.Miriam Benchimol Ferreira
35. Instituto de Educação de Goiás
745
28
30. E. E. Domingos Baptista de Abreu
TOTAL
37
4
GOIANIA
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
29. E. E. Nhanha do Couto
ESTADUAL
28. CEI-Casa da Criança Josefa Lopes
PRIVADA
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Continuação
606
69
34
29
27
25
20
19
Não há dados
Nº de sujeitos levantados na amostra
591
61*
20*
31**
23*
36**
21**
23**
4
Nº de questionários aplicados
31
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
Roteiro do diretor
26
SIM
SIM
SIM
NÃO
SIM
SIM
SIM
NÃO
Relógio
68 6 25 13 20 29
40. E. M.Horas Felizes
41. E. M.Uni Duni Tê
42. E. M.Infância Feliz
43. E. M.Prof.ªCleide Campos
44. Col.Est. Joaquim Pedro Vaz
INHUMAS
105
TOTAL
20
38. E. M.Orozina M. Martins 35
8
37. CMEICelina Palmersto
39. Col.Est.de Caldas Novas
42
31
14
8
19
4
76
33
13
7
23
Nº de sujeitos levantados na amostra
CALDAS NOVAS
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
36. CMEI Márcia Helena dos Santos
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Continuação
26
20**
10**
14*
5*
90
33
19**
7
31**
Nº de questionários aplicados
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
4
SIM
SIM
SIM
SIM
Roteiro do diretor
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
4
SIM
SIM
SIM
SIM
Relógio
69
20 40 183
46. Esc.Est. João Lobo Filho
47. Col.Est. Manoel Vilaverde
TOTAL
147
32
6
33
Nº de sujeitos levantados na amostra
21 22 18 23 23 36
48. CMEI Sagrado Coração de Jesus
49. E. M.Nossa Senhora Aparecida
50. E. M.Paulo Freire
51. E. M.Carlos Drummond deAndrade
52. E. M.Boa Esperança
53. E. M.Estrela do Leste
19
22
17
16
16
14
PLANALTINA DE GOIÁS
30
INHUMAS
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
45. Col.Est. Presidente Castelo Branco
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Continuação
23**
22
16*
16
19**
20**
137
23
14
25
Nº de questionários aplicados
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
8
SIM
SIM
SIM
Roteiro do diretor
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
8
SIM
SIM
SIM
Relógio
70
44 42
55. E. M.Marcelo Lemgruber
56. Centro Integrado de Educação Modelo - CIEM
13 41 38 17
58. E. M.Prof.ª Joana S. dos Santos
59. E. E. São Sebastião
60. Col. Est. Américo Antunes
61. Centro de Educação Shekina 117
8
57. CMEIValéria Jane Peixoto
TOTAL
210
34
49
23
106
29
34
24
10
9
SÃO LUÍS DE MONTES BELOS
251
22
TOTAL
Nº de sujeitos levantados na amostra
PLANALTINA DE GOIÁS
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
54. E. M.Eça de Queirós
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Continuação
98
26*
32*
13*
13**
7*
210
36**
41*
17*
Nº de questionários aplicados
5
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
9
SIM
SIM
SIM
Roteiro do diretor
3
SIM
NÃO
SIM
SIM
NÃO
9
SIM
SIM
SIM
Relógio
71
1.401
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
TOTAL GERAL
1.145
Nº de sujeitos levantados na amostra 1.126
Nº de questionários aplicados
147
Inhumas 210 606 1.145
Planaltina
Goiânia
TOTAL
106
76
Caldas Novas
São Luís de Montes Belos
INEP
CIDADE
Tabela 2. Total de docentes (Inep) e total de docentes que responderam ao questionário.
Nº de sujeitos levantados no trabalho de campo
Quadro 5. Continuação
1.126
591
210
98
137
90
REAlIZADOS
57
Roteiro do diretor
50
Relógio
Capítulo 4
Perfil e desenvolvimento profissional docente na educação básica em Goiás Nancy Nonato de Lima Alves
O professorado, sua formação e seu trabalho docente estão cada vez mais em destaque nas políticas públicas, no meio acadêmico, na mídia e na sociedade em geral. De um lado, proclama-se a importância da educação para o desenvolvimento do país; as políticas educacionais declaram a centralidade do(a) professor(a)27, associando a qualidade do ensino à sua atuação e formação. No exercício de suas funções, porém, os profissionais enfrentam a intensificação do trabalho, insatisfações, adoecimento, sofrimento e até desistências (Codo, 1999; Oliveira, 2003; Assunção, 2003; Facci, 2004; Alves, 2009; dentre outros). Ao mesmo tempo, é notória a baixa atratividade da profissão por fatores que caracterizam a sua crescente precarização, como baixos salários, sobrecarga de tarefas, precariedade das condições, perda de controle sobre o processo de trabalho e pouco prestígio social. De outro lado, vem se ampliando a produção científica sobre o trabalho docente, resultando em um acúmulo qualitativo de análises que possibilitam apreender várias dimensões constitutivas do trabalho do professor. De acordo com Oliveira (2003:15), processou-se um deslocamento das análises centradas na realização e/ou representação do trabalho docente para o estudo da formação e profissionalização docente, passando pela abordagem de aspectos culturais, etnicorraciais, das questões de gênero e da subjetividade. Ressalta a autora que, na década de 1990, as mudanças no trabalho do professor foram secundarizadas,
O genérico masculino será utilizado apenas para aliviar o texto da fórmula o(a), apesar de sua insuficiência para designar um grupo profissional majoritariamente feminino. Essa opção, porém, não desconsidera a identidade de gênero da categoria docente. 27
73
embora as análises tenham fomentado importantes discussões no campo da formação docente. Estudos mais recentes se voltam à compreensão das mudanças no cotidiano da instituição educativa – que afetam diretamente o trabalho do professor – bem como das relações dessas mudanças – com modificações nos sistemas de ensino – promovidas no contexto das reformas educacionais (Oliveira, 2003:16). Nessa perspectiva, se realizou a pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil, no ano de 2009, em sete estados brasileiros, tendo por finalidade conhecer e analisar o trabalho docente, identificar os profissionais, sua atuação e as condições de trabalho nas redes públicas de ensino. A pesquisa teve a coordenação nacional da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, e contemplou pesquisa bibliográfica e documental e a realização de um survey nacional28. Este capítulo apresenta análises sobre o perfil e o desenvolvimento profissional de professores em Goiás, abordando dados do survey29 que foi realizado nos municípios de Goiânia, Inhumas, Caldas Novas, Planaltina de Goiás e São Luís de Montes Belos, abarcando 1.122 sujeitos docentes30 na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio das redes estaduais e municipais, além de instituições filantrópicas de educação infantil conveniadas com o poder público. Na presente análise do perfil dos professores da educação básica em Goiás, pretendo constituir reflexões acerca do trabalho e da profissionalização docente.
O relatório nacional da pesquisa está disponível em http://trabalhodocente.net. br/pesquisa.php. 29 O questionário continha 85 questões abrangendo perfil sociodemográfico; formação e desenvolvimento profissional; condições de trabalho; contrato, carreira e remuneração; gestão; e saúde docente. 30 A pesquisa considerou como sujeitos docentes todos os profissionais diretamente envolvidos com o trabalho pedagógico (professores, diretores, coordenadores pedagógicos, monitores, oficineiros e auxiliares de professor). Ao todo, obteve-se 1.126 questionários respondidos, mas foram validados 1.112 na composição do banco nacional de dados da pesquisa. 28
74
1. Perfil docente: possibilidade(s) de (re)conhecer o professor e seu trabalho Mas – que espelho? Há os “bons” e os “maus”, os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade? Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? (Guimarães Rosa)
Comumente são apresentados estudos, discussões e propostas acerca do perfil de professores, estudantes, famílias. Diversos significados atribuídos à palavra “perfil” remetem às ideias de delineamento, representação, descrição de uma pessoa e/ou de um objeto visto de um lado, ressaltando suas características básicas, e, ainda, o contorno de algo a partir de uma visão de conjunto. O perfil, então, é um modo de ver a realidade, que é multifacetada, e também são várias as possibilidades de ver e compreender o real, podendo se configurar visões mais ou menos abrangentes. O perfil pode ser uma projeção de características dos professores na ótica de eficiência e de “novidade”, relacionando as “qualidades” que os docentes devem apresentar para atender às exigências da educação, da sociedade. Na esteira dessa interpretação, as políticas educacionais e a mídia – especializada e geral – constroem um modelo de professor idealizado, promovendo a cristalização e a imposição de características universais e abstratas, que muitas vezes não correspondem aos sujeitos reais. Como afirma Hypólito ao tratar do profissionalismo assumido como promessa pelo Estado, a discussão, nesses termos, subordina a análise da realidade concreta dos professores a “algo que se deve buscar em outro lugar e em outro tempo” (Hypólito, 1999:85). A maneira de analisar o real se restringe a predeterminações, apreende apenas um dos lados e não consideram as variadas formas de ser do professor e do seu trabalho. Vale lembrar que a discussão e/ou proposição de características “desejáveis” nem sempre tem caráter prescritivo, e pode acontecer visando colocar horizontes e princípios formativos e de atuação, afirmar o papel e explicitar a importância social do professor. Com isso, torna-se possível
75
contribuir com a construção de referências teórico-metodológicas para a formação e o trabalho docente em sintonia com a luta pela transformação da realidade educacional excludente, em uma abordagem de educação de qualidade para todos. Nessa direção, entendo o perfil como o conjunto de características de um grupo específico de trabalhadores como categoria coletiva. Essas características, determinadas historicamente, não são estáticas, mas se modificam nas relações sociais de produção, diferenciando-se nos diferentes estágios de seu desenvolvimento das sociedades. O perfil expressa características dos sujeitos que realizam o trabalho, suas trajetórias e condição atual, e também indica conhecimentos, habilidades, práticas peculiares de um determinado campo e segmento de atuação. Esse delineamento pode constituir meios para compreender a constituição histórica, as tendências presentes no movimento de organização e mudanças da categoria (Alves, 2007). Em uma abordagem histórico-dialética, ao contrário de promover o enquadramento de pessoas reais em definições idealizadas, busca-se superar a visão parcial e apreender uma visão de conjunto que possa proporcionar aos trabalhadores reconhecer a si, ao seu trabalho e no que se diferencia dos demais, por isso o perfil “[...] é parte do processo de constituição de identidade profissional” (Alves e Barbosa, 2011:3). Trata-se de um esforço para apreender, de modo simultâneo e articulado, as variadas dimensões constitutivas da realidade, nesse caso, os professores e seu trabalho. O trabalho docente é aqui compreendido como atividade humana socialmente determinada e modificada nas relações sociais de produção, como processo fundamentado nas relações sociais e, portanto, “articulado às mudanças, ao longo do tempo, na divisão sexual do trabalho e nas relações patriarcais e de classe” (Apple, 1988:15), decorrentes, em certa medida, das mudanças no processo produtivo e das regulações instauradas sobre o trabalho. O professor é constituído e simultaneamente constituinte da docência, marcando-a com sua pessoalidade, que é histórica e social. É possível, nessa perspectiva, reconhecer a importância da dimensão pessoal no desenvolvimento do trabalho docente, dentre outras dimensões que determinam a docência, contudo, sem aderir às concepções subjetivistas e pós-modernas que autonomizam o sujeito e sua personalidade das condições materiais em que se constituem, ocultando sua historicidade. No Brasil, ainda não dispomos de um sistema de informações precisas e articuladas sobre os profissionais da educação. Os diferentes
76
órgãos, como o Ministério da Educação (MEC), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizam as estatísticas utilizando critérios distintos, o que gera imprecisões que interferem na formulação de políticas para o setor, “dificultando o estabelecimento de relações entre as características específicas dos docentes e suas escolhas no âmbito da formação, da carreira e do desempenho profissional” (Gatti e Barreto, 2009:16). Desse modo, entendo que delinear e analisar o perfil dos professores constitui importante esforço na/da pesquisa, possibilitando identificar os sujeitos reais, os professores da educação básica em Goiás. Analisar as características de profissionais docentes requer, no meu ponto de vista, refletir acerca de características da própria profissão do magistério, identificando tendências em movimento bem como a configuração da categoria em determinado momento histórico. Isso significa afirmar a historicidade do perfil, portanto, seu caráter social e processual, que apresenta permanências e rupturas, semelhanças e dissonâncias. Requer, ainda, compreender as relações da profissão e dos profissionais com a organização do trabalho e a composição da sociedade de maneira geral.
2. Características demográficas de professores da educação básica em Goiás: desafios para a compreensão do trabalho docente Os docentes do estado de Goiás que participaram da pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil constituem um grupo eminentemente feminino, com 87% de mulheres e 13% de homens. Na pesquisa nacional, obteve-se um índice de 82% de mulheres e 18% de homens (Gestrado/UFMG, 2010:21). Isso confirma a feminização do magistério31 como um processo historicamente construído, e indica que a compreensão do trabalho docente não pode prescindir do gênero como mediação A feminização é uma tendência histórica no contexto mundial, que se mostra, desde a década de 1920, na educação das crianças – antigo ensino primário, avançando na década de 1990 para as séries finais do ensino fundamental – no Brasil para o ensino médio e entre cargos de especialistas. Segundo Carvalho (1999), o magistério tem se constituído em um dos principais guetos femininos em relação aos postos de trabalho. 31
77
constitutiva e categoria explicativa, como indicam muitos estudos desde a década de 1980 (Apple, 1987, 1988; Enguita, 1991; Hypolito, 1997; Almeida, 1998; Carvalho, 1999; Louro, 2003; Alves, 2006). O magistério já foi uma profissão exercida por homens. Hoje é incontestável a maioria de mulheres nos vários níveis de ensino, atingindo 81,94% na educação básica no Brasil, índice semelhante em Goiás, com 84,56%, sendo que, na pesquisa nacional, 87% dos sujeitos docentes são mulheres. É interessante notar essa predominância feminina também na população brasileira – segundo o Censo 2010, há 51% de mulheres e 49% de homens no Brasil, e 50,3% da população goiana é feminina e 49,7% é masculina – e no mercado de trabalho, visto que, em 1997, elas representavam 40,4% da população economicamente ativa, além de haver um número crescente de mulheres responsáveis pelos domicílios. Esse é um indicador também das mudanças de concepção e dos papéis femininos na sociedade. A idade dos profissionais docentes em Goiás é variada, com maior concentração entre 26 e 36 anos (37%). Nota-se que não há grandes diferenças com as demais faixas: 28% entre 37 e 45 anos e 29% com mais de 46 anos. A idade média dos docentes goianos pesquisados é de 39 anos, sendo a menor nos sete estados pesquisados e dois anos abaixo da média nacional, que foi de 41 anos (Gestrado/UFMG, 2010). Gráfico1 - Distribuição dos sujeitos docentes conforme a faixa etária
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
O casamento é o estado civil predominante entre os docentes pesquisados em Goiás, com 55%. Além disso, 4% vivem com companheiro/a,
78
e 29% são solteiros/as. Em relação ao panorama nacional da pesquisa, o número de casados é maior (50%) e o de solteiros é menor (32%) (Gestrado/UFMG, 2010). Gráfico 2 - Estado civil dos docentes em Goiás
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Em Goiás, observou-se a maior incidência, dentre os sete estados pesquisados, de docentes que têm filhos (72%), sendo que na amostra nacional esse índice foi de dois terços (67%). Quanto à faixa etária dos filhos, há grande variação, desde recém-nascidos até a idade adulta, com discreta concentração na faixa de 7 a 14 anos (30%).
Tabela 1. Percentual de docentes que têm filhos, conforme o número e a faixa etária dos filhos Faixa etária
Número de filhos 1
2
3
0 a 3 anos
11%
1%
-
4 a 6 anos
13%
1%
-
7 a 14 anos
21%
8%
1%
15 a 19 anos
16%
5%
-
acima de 19 anos
16%
5%
-
TOTAL
77%
20%
1%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010
79
O perfil demográfico dos docentes goianos se relaciona com mudanças na organização familiar brasileira. Observa-se apenas 2% dos profissionais docentes com três filhos, enquanto 77% têm somente um filho. De acordo com dados do Censo 2010, a taxa de fecundidade no Brasil despencou da média de 2,38 filhos por mulher para apenas 1,86, seguindo a tendência de queda na natalidade observada no país desde os anos 1960, quando a média era de seis filhos por família. Por outro lado, o percentual de casamentos na sociedade brasileira (55%) ainda se diferencia da tendência demográfica de redução do número de casamentos, que passou de 49,4% em 2000 para 42,9% em 2010, enquanto que a união estável, por sua vez, subiu de 28,6% para 36,4% em dez anos (Brasil, 2011). Quanto à raça/cor autodeclarada pelos docentes goianos, prevalece o grupo da cor parda (43%) e preta/negra (13%),que totalizam 56%, além dos 38% de cor branca. A representatividade indígena é pequena (1%), menor do que a amarela, com 4%. Na amostra nacional, metade dos participantes se autodeclararam brancos (50%) e 35% se reconhecem pardos, enquanto que 12% se classificam na raça preta/negra. A composição racial32 do professorado certamente possui diversas implicações no trabalho docente. De modo geral, ainda é recente a utilização da raça como categoria analítica em estudos e pesquisas acerca do trabalho docente. De acordo com Hypólito (1999:90), a participação de negros na profissão é reduzida33, e muitas vezes os professores negros estão submetidos a piores condições de formação e de trabalho. Pode-se, então, considerar que se apresenta característica de mudança na categoria, aproximando-se do que o Censo 2010 denominou de modificação da estrutura da população nos últimos dez anos em termos de cor ou raça. O conjunto de pessoas que se declaram pretas ou pardas passou de 44,7% da população, em 2000, para 50,7%, em 2010, reduzindo a proporção de pessoas que se declaram brancas (Brasil, 2011).
A classificação racial no Brasil, de acordo com Rocha e Rosemberg (2007:764), se apoia na aparência e não na ascendência, constituindo um sistema complexo, ambíguo e fluido, com uma combinação sofisticada de elementos da aparência: cor da pele, traços corporais (formato do nariz, lábios, tipo e cor de cabelo), origem regional e social. 33 Destaco que, apesar da ampliação de negros no trabalho docente na educação básica, ainda é muito reduzida a participação no ensino superior, como mostram alguns estudos, como a pesquisa de José Jorge Carvalho publicada no livro Inclusão étnica e racial no Brasil (Attar Editoral, 2005), que revela que menos de 1% dos professores de universidades públicas brasileiras são negros. 32
80
Sabendo que o país possui composição multirracial e multiétnica34, é possível considerar que a modificação identificada no Censo 2010 não se refira à composição social propriamente dita, mas às mudanças na autodeclaração da raça/cor, que pode estar relacionada à crescente exposição e ampliação do debate antirracista, dentre outros fatores. Ademais, o próprio conceito de raça, outrora recusado por suas conotações inatistas e biologizantes, atualmente é utilizado como categoria sociológica analítica que possibilita apreender as dinâmicas pelas quais as pessoas, em diferentes contextos históricos, operam classificações sociais hierarquizadas em atributos raciais (Rocha e Rosemberg, 2007:762). A história de segregação racial, a construção de preconceitos e estereótipos, potencializam a perversa lógica de exclusão sócio-político-econômica e cultural, afetando mais os negros e pardos dentre os diversos grupos populacionais, numa pirâmide social que impede o acesso a quase todos os direitos sociais. Importante considerar que a exclusão e marginalização apresentam uma sofisticada combinação entre classe social, gênero, idade, raça, dentre outros, intensificando-se em alguns grupos sociais. Assim, a exclusão afeta mais intensamente pobres/crianças/mulheres/negras do que ricos/adultos/homens/brancos35. No campo educacional, a segregação racial afeta tanto alunos quanto professores. As hierarquias de gênero interagem com as de classe e raça na construção do sistema escolar excludente (Rosemberg, 1996). Persiste uma absurda ausência da própria questão da raça no processo educativo brasileiro, escamoteando a discussão sobre as relações raciais e étnicas em todo o processo educativo norteado pela perspectiva de branquidade (Hypólito, 1999; Silva, 2002). As políticas afirmativas têm relevante papel no combate a essa situação, voltadas à promoção de uma educação antirracista e antidiscriminatória, como as iniciativas oficiais
A discussão realizada nesse estudo não abrange a categoria de etnia, que é ligada ao pertencimento cultural de grupos, envolvendo a língua, os costumes e traços raciais, podendo existir diversas etnias entre um mesmo grupo racial, como as etnias indígenas, africanas, etc. 35 Em consequência da segmentação racial do mercado de trabalho, por exemplo, os negros recebem menores salários e ocupam as posições mais desvalorizadas, mesmo quando possuem escolarização e qualificação profissional igual ou superior a de pessoas brancas. Da combinação com a discriminação de gênero resulta que as trabalhadoras negras compõem o segmento que mais cedo ingressa e mais tempo permanece no mercado de trabalho; têm o menor retorno da melhoria na qualificação, apesar de investir mais na escolarização; e, ainda, sofre as mais altas taxas de desemprego (Bento, 1995:480-481). 34
81
que introduzem a obrigatoriedade do estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares. É fundamental aqui retomar a análise da feminização do magistério, compreendendo-a como um processo, e não apenas um ponto de chegada (Enguita, 1991:52), que se refere à presença de mulheres no trabalho docente e de concepções e modos de agir pautados em atributos considerados próprios da feminilidade. As construções simbólicas jogam importante papel nas modificações da profissão docente, combinadas a necessidades ligadas ao processo produtivo e a mudanças na organização social. A biologização da maternidade, assentada na ideia de instinto maternal inato36, fundamentou a construção da imagem de mulher naturalmente apta para ser mãe e professora (Barbosa, 1997; Alves, 2002; Arce, 2001; Carvalho, 1999; Almeida, 1998). A entrada das mulheres na docência, muitas vezes, é associada à desqualificação do trabalho, e um obstáculo à profissionalização, responsabilizando-as por uma suposta transferência de modelos domésticos para a instituição educacional. É necessário apreender as intrincadas articulações de gênero no campo do trabalho mediante as relações de poder na sociedade estratificada, em que a racionalização e o controle dos processos de trabalho são intensificados, mais abertamente em profissões que se tornaram femininas, não sendo exclusividade da docência (Apple, 1987, 1988; Enguita, 1991; Hypólito, 1997). A complexidade da feminização do magistério revela-se, ainda, na fragmentação e hierarquização internas à profissão – que mantém posições ocupadas por homens com maior prestígio social e financeiro (cargos de gestão e ensino superior, por exemplo) – e maior precarização do trabalho, em que é maior o percentual de mulheres em exercício docente (na educação infantil, por exemplo). Desse modo, a feminização e seus efeitos sobre a profissão docente constituem uma imbricada relação entre as relações patriarcais e as pressões econômicas, nas quais se forjou um trabalho desvalorizado que pudesse “receber” as mulheres sem confrontar a imagem socialmente construída sobre o “ser feminino” e sem romper efetivamente com a hierarquia de gênero (Apple, 1987, 1988; Enguita, 1991; Almeida, 1998). Revelam-se, nesse processo, os paradoxos que perpassam a concepção da sociedade sobre masculinidade e feminilidade em termos bipolares, A maternidade é vista como atributo natural de todas as mulheres, desconsiderando seu caráter social e cultural. A obra de Elizabeth Badinter questiona o caráter inato da maternidade e o mito do amor materno (Badinter, 1985). 36
82
levando à cristalização de papéis e de condutas, fragmentando não somente a atuação docente, mas também as relações humanas em geral. Essa investigação das características sociodemográficas dos docentes na educação básica em Goiás reafirma o desafio e a necessidade de compreender as dinâmicas de classe social, raça e gênero e sua imbricação na construção da profissão e da identidade profissional dos docentes, ao mesmo tempo em que exige considerar a complexidade de se articular tais categorias na pesquisa e produção de conhecimento acerca do trabalho docente.
3. Trabalho docente e percursos formativos: reflexões sobre o desenvolvimento profissional de professores da educação básica em Goiás O trabalho docente também tem sido analisado na perspectiva do desenvolvimento profissional, atualmente entendido como um processo de longo prazo que supõe dimensão participativa, de envolvimento e construção de saberes, conhecimentos e habilidades para o exercício da profissão. Tal processo abarca o crescimento e aprimoramento do professor e de sua atuação, resultante de diversas experiências e condições coletivas e individuais, opondo-se à justaposição entre formação inicial e formação em serviço com base na ideia de evolução e continuidade (André, 2003:71). Importa compreender que a relação entre a formação dos professores e o trabalho docente é complexa e multideterminada, sobretudo quando se pretende associá-la à qualidade do ensino. Isso implica que não pode ser vista como linear, que apresentaria casualidade direta, ao contrário, deve ser apreendida em suas diversas mediações e determinações. As políticas educacionais recentes no Brasil visam elevar o patamar de formação dos professores da educação básica, estabelecendo a formação em nível superior em cursos de licenciatura, embora ainda seja admitido o nível médio na modalidade normal para os docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental (cf. LDB 9.394/1996). O gráfico a seguir mostra o maior nível de escolaridade dos docentes de Goiás que participaram da pesquisa Trabalho docente na educação básica.
83
Gráfico 3 - Distribuição dos sujeitos docentes conforme o maior nível de escolaridade
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Os dados de Goiás indicam uma situação aproximada às determinações legais. A grande maioria dos professores goianos tem formação em curso superior (86%), sendo que 52% são pós-graduados em cursos de especialização, 3% de mestrado e 1% com título de doutorado. O índice da pesquisa nacional de profissionais com pós-graduação também foi de 52%. O quantitativo de profissionais em números absolutos com escolaridade abaixo da exigência mínima é muito pequeno: apenas três sujeitos, sendo um com cada nível (fundamental incompleto, fundamental completo e ensino médio incompleto). Destaca-se que, de modo geral, a presença de professores leigos no Brasil é mais acentuada na educação infantil, conforme se observa nos dados da pesquisa em âmbito nacional: dentre 8.795 sujeitos docentes, 129 não possuíam a formação profissional determinada pela legislação (21 com ensino fundamental incompleto, 32 com ensino fundamental completo e 76 com ensino médio incompleto), dos quais 90 estavam em atuação na educação infantil. Essa situação demanda a efetivação de políticas públicas que promovam a escolaridade adequada, articulada à formação específica para o trabalho docente com crianças na faixa etária de 0 até 6 anos, de modo a reverter o histórico descaso com o trabalho docente nessa etapa educacional e assegurar o cumprimento dos direitos das crianças reconhecidos na legislação. Quanto ao curso superior, 84% são licenciados (33% em Pedagogia e 51% em outras licenciaturas), 4% fizeram outros cursos de graduação e 1% tem curso normal superior.
84
Tabela 2. Distribuição dos sujeitos docentes conforme o tipo de curso superior Curso normal superior
1%
Pedagogia
33%
Licenciatura
51%
Outros
4%
Não se aplica
16%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
As instituições públicas de ensino superior, federais e estaduais, respondem pela formação de mais da metade dos sujeitos pesquisados, totalizando mais de 59%; entretanto, há um percentual representativo de professores formados em instituições particulares (26%). Gráfico 4 - Distribuição dos sujeitos docentes conforme o tipo instituição de ensino superior em que cursou a graduação
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
A formação dos sujeitos docentes em Goiás diferencia-se discretamente do quadro obtido na pesquisa nacional, que apresenta maior participação das instituições particulares na formação de professores (46%), muito embora 53% dos docentes sejam formados em instituições públicas (34% nas federais, 19% nas estaduais). As instituições municipais de ensino superior e demais tipos de instituições foram responsáveis por
85
menos de 1%, enquanto que as comunitárias ou filantrópicas formaram 1% dos sujeitos docentes. Cabe analisar esses dados em relação ao contexto brasileiro de formação de professores. Recentes estudos e pesquisas (GattieBarreto, 2009; Barreto, 2011) mostram modificações nesse campo, como a redução da oferta de cursos privados em relação ao período de expansão da formação docente nos anos 1970, quando a participação da iniciativa privada foi majoritária. Atualmente, essa diferença é menos acentuada, embora o número de cursos privados (54%) ainda seja maior do que os públicos (Barreto, 2011:41). Ainda segundo Barreto, há uma diferenciação regional, vinculada à capacidade econômica, evidenciando o caráter redistributivo do Estado na oferta de cursos e matrículas: no Sul e Sudeste predomina a formação docente em instituições privadas, enquanto que no Norte e Nordeste é maior a participação da iniciativa pública. Na região Centro-Oeste, considerada emergente por Barreto (2011:41), o curso de Pedagogia tem equivalente oferta nas instituições privadas e públicas, sendo que essas últimas têm maior presença nas outras licenciaturas. É possível considerar essa regionalização como um fator explicativo para a diferença encontrada entre os dados de Goiás e o conjunto dos sete estados em que se realizou a pesquisa Trabalho docente na educação básica em Goiás, uma vez que quatro deles pertencem às regiões Sul e Sudeste. A referida diferença pode estar articulada, também, ao menor percentual dos professores goianos formados em Pedagogia do que nas demais licenciaturas, que, conforme indicado por Barreto (2011:41), contam com mais participação do Estado na oferta de cursos na região Centro-Oeste. Os dados da pesquisa em Goiás revelam que a maioria dos sujeitos docentes (52%) participou de atividades de formação continuada previstas no calendário escolar, embora 47% não tenham realizado essas atividades. Com menor incidência estão os programas ofertados por uma instituição universitária, frequentados por apenas 26% dos sujeitos. Quanto aos congressos, seminários e colóquios de educação, a participação foi de menos da metade (48%) dos sujeitos.
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Tabela 3. Percentual de participação em atividades de formação continuada, conforme o tipo de atividade. Não
Sim
Congressos, seminários e colóquios de educação
52%
48%
Programas de formação ofertados por uma instituição universitária
74%
26%
Atividades de formação previstas no calendário escolar
47%
52%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Os docentes em geral consideram que as atividades de formação continuada contribuem no desenvolvimento profissional e na prática docente37, destacando-se a possibilidade de reflexão sobre a própria prática profissional, o aprofundamento de conhecimentos e a ajuda no trabalho com os alunos/crianças. A colaboração com os colegas na preparação de atividades e projetos também é destacada, enquanto que a utilização de novas tecnologias para apoiar o trabalho docente é o aspecto que recebe menos contribuição. Gráfico 5 - Contribuição atribuída a cada tipo de atividade de formação continuada
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Nessa análise, considera-se apenas o percentual que respondeu ter participado da respectiva atividade de formação, por isso os valores não se referem ao universo total da pesquisa. 37
87
O desenvolvimento da carreira docente, de acordo com Huberman (2007), se compõe de ciclos que marcam fases específicas na trajetória do professor38. A entrada na carreira é a primeira fase, marcada por dois aspectos articulados entre si: sobrevivência e descoberta, mesclando insegurança, dificuldade para enfrentar as situações cotidianas oriundas da complexidade da profissão com o entusiasmo inicial e a experimentação e empolgação por se sentir um profissional. Assim, é possível que os professores iniciantes se sintam mais ou menos preparados para lidar com as múltiplas ações e decisões que constituem o trabalho docente. Os participantes da pesquisa em Goiás indicaram que, ao iniciar suas atividades em educação, se sentiam preparados na maioria dos quesitos relacionados, ao mesmo tempo em que foi pequena a indicação de se considerar muito preparado. Interessante notar que poucos indicaram a percepção de não possuir a preparação para o trabalho docente, exceto no que se refere ao uso das novas tecnologias (32%). A comunicação com os alunos/crianças (79%), o trabalho em equipe/colaboração com os colegas (76%) e o planejamento das atividades (68%), são aspectos que despontam com boa preparação.
As fases indicadas pelo autor são: 1) entrada na carreira; 2) estabilização; 3) diversificação; 4) questionamento; 5) serenidade e distanciamento afetivo; 6) conservantismo e lamentações; 7) desinvestimento. Enfatiza, ainda, que não se trata de modelo linear e monolítico, mas de tendências centrais na carreira de grande parte dos professores (Huberman, 2007). 38
88
89 8%
Conhecimento sobre como as crianças/jovens aprendem e se desenvolvem
15%
18%
Planejamento de suas atividades
Conhecimentos sobre saúde, cuidados e necessidades básicas das crianças/jovens Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
7%
Domínio dos aspectos administrativos da unidade educacional
23%
Comunicação com os alunos/crianças (em sala ou fora de sala) 21%
6%
Avaliação da aprendizagem
Trabalho em equipe/colaboração com os colegas
6%
Utilização de novas tecnologias (computadores, datashow, recursos eletrônicos, etc.)
17%
7%
Manejo da disciplina/matéria (didática)
Comunicação com os pais
7%
Domínio dos conteúdos abordados
Muito Preparado
44%
41%
50%
32%
56%
51%
56%
44%
21%
42%
38%
Preparado
33%
42%
27%
42%
20%
26%
17%
43%
33%
42%
43%
Razoavelmente Preparado
7%
8%
4%
18%
3%
4%
3%
6%
32%
8%
12%
Despreparado
Tabela 4. Sentimento de preparação dos sujeitos docentes no início da carreira em relação aos aspectos indicados
Considero que a análise desses indicadores somente pode se realizar de modo abrangente se forem apreendidos os fatores aos quais os docentes atribuem sua preparação. Que papel ocupa a formação inicial? Entender como é avaliada a contribuição dessa etapa formativa pelos profissionais é tarefa principal para o aprimoramento dos cursos, na relação com a profissionalização e profissionalidade docentes. Ademais, cabe colocar a questão sobre os possíveis impactos do maior ou menor preparo no exercício de cada dimensão do trabalho cotidiano. Outra questão relevante seria compreender as maneiras que cada profissional buscou para ampliar sua preparação ao longo da carreira. Isso significaria investir na pesquisa acerca da socialização profissional, entendida por Guimarães (2006) como a passagem do licenciado à função de professor, o processo no qual são desenvolvidos conhecimentos, habilidades, convicções e atitudes próprias da profissão docente, e que, portanto, se vincula à formação inicial e continuada e à construção identitária e profissionalização docentes. A formação cultural é uma dimensão fundamental no processo formativo e de desenvolvimento profissional dos professores, numa perspectiva de sólida formação teórica como defendemos atualmente. O acesso ao patrimônio científico, artístico e cultural da humanidade, produzido pelos diversos grupos sociais, mais do que uma necessidade de formação, é um direito dos docentes. A prática da leitura expressa o acesso a grande parte desse patrimônio, incluindo a arte literária, a informação e a produção técnico-científica. Os escores da pesquisa indicaram que menos da metade dos sujeitos docentes em Goiás possuem regularidade na leitura de modo geral, sendo que livros técnicos e didáticos ocupam a primeira posição entre as leituras feitas pelos professores (49% sempre leem e 37% leem frequentemente). Chama a atenção o percentual que nunca lê sites e páginas da internet (9%), o tipo de leitura menos realizada pelos docentes. A literatura está em primeiro lugar entre as leituras raramente feitas (35%), embora 30% afirmem sempre ler livros literários em geral.
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Gráfico 6 - Frequência de leitura dos sujeitos docentes conforme o tipo de material
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
É pertinente colocar questões sobre o perfil de leitura encontrado entre os docentes em Goiás. Em primeiro lugar, as condições concretas de acesso às fontes de leitura, tanto no que se refere ao material quanto ao tempo disponível para ler. Também é preciso compreender o significado da predominância dos livros didáticos na leitura dos profissionais, que são instrumentos de trabalho, especialmente do professor. Seria uma leitura funcional, como preparação das atividades exigidas no cotidiano? É possível se dedicar a outras leituras quando se tem dupla ou tripla jornada de trabalho? Igualmente cabe refletir sobre a formação dos docentes como sujeitos leitores. Como se realizou? Foi significativo? A pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2011) mostra que ainda há muito que se avançar nessa formação e nas políticas de leitura que possibilitem a consolidação dessa atividade na sociedade brasileira39. Nas políticas públicas e na literatura educacional, é destacada a necessidade de dar continuidade à formação inicial sob diversas alegações, como a rapidez das mudanças no conhecimento, decorrentes da tecnologia que exigiria uma “atualização” do professor, bem como a suposta baixa qualidade das licenciaturas. Em meados da década de 1990, a produção científica sobre a docência passou a enfatizar a O decréscimo de leitores (pessoas que leram pelo menos um livro nos últimos três meses), que passou de 55% em 2007 para 50% em 2011, e a preferência pela televisão como atividade realizada no tempo livre (85% dos entrevistados), exemplificam a necessidade de novas ações no campo da leitura. 39
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formação de professores na perspectiva de profissionalização em que a caracterização do professor como profissional resultaria não de sua atuação na escola, mas de “seu histórico de participação em programas de formação e os certificados e diplomas que possui” (Oliveira, 2003:30). A profissionalidade do professor seria expressa, dentre outros fatores, por seu engajamento na formação inicial e continuada. O discurso de uma formação salvacionista, principal responsável pela profissionalização docente, ignora a profunda determinação concreta do trabalho na própria formação. Como afirma Hypólito (1997:91), “processos de formação, de de-formação e de desqualificação docente continuam ocorrendo significativamente no processo de trabalho”. Assim, os docentes são responsabilizados por seu processo formativo e, em última instância, pela qualidade do ensino, associada à formação dos profissionais. É o que Shiroma (s/d:12) denomina de mística da profissionalização docente, concebida nas reformas educacionais como busca de consensos e acordos educativos mais do que um ato técnico. A profissionalização, que deveria representar a conquista de maior autonomia, é alçada à estratégia de controle sobre os docentes e sobre a educação, isto é, a busca de exercício de hegemonia do modelo de sociedade regida pelo capital.
Considerações finais As contradições do trabalho docente, que são constitutivas e se expressam no perfil de professores e de sua identidade, se circunscrevem ao processo material e simbólico de desenvolvimento da educação escolar na sociedade. A profissionalização docente revela ambiguidades. De um lado, a conquista de elementos de profissionalismo pela definição de critérios para o exercício das funções docentes, a possibilidade de organização e reconhecimento de uma carreira profissional, a exigência de cursos de formação docente. De outro lado, é intensificado o controle do Estado sobre o trabalho por meio da organização do sistema; a centralização da definição de currículo, métodos e materiais didáticos que direcionam a atividade docente; as distintas formas de supervisão pedagógica. Tal controle leva à perda de autonomia, portanto, à desprofissionalização. A materialização das políticas educacionais que proclamam a profissionalização, contraditoriamente, parece não promover a valorização e o reconhecimento social da profissão, mas acaba contribuindo para a
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precarização e fragmentação do trabalho docente. Muitas são as contradições que marcam a profissão docente na atualidade, em um processo que expressa, produz e reproduz formas históricas de exploração do capital sobre o trabalho. Esse contexto requer o enfrentamento coletivo, fundamentado no fortalecimento da categoria, de sua identidade profissional e política, que pode ser favorecido por estudos, pesquisas, políticas públicas, formação e desenvolvimento profissional na perspectiva de compreensão da complexidade do trabalho docente, e, ao mesmo tempo, de aumento da autonomia e da participação nas tomadas de decisão sobre o processo de trabalho, portanto, de uma profissionalização crítica superadora das fragmentações e alienações na educação brasileira.
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Capítulo 5
Contrato, carreira e remuneração docente em Goiás Luís Gustavo A. da Silva
As análises sobre contrato, carreira e remuneração docente em Goiás realizadas neste estudo têm por base alguns dados da pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil. Em Goiás, a pesquisa foi realizada em cinco municípios, conforme definição da amostra, sendo respondidos 1.112 questionários, da seguinte forma: 586 em Goiânia, 209 em Planaltina de Goiás, 137 em Inhumas, 90 em Caldas Novas e 90 em São Luís dos Montes Belos. O objetivo geral da investigação nacional foi conhecer e analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições realizam suas atividades nos estabelecimentos de educação básica no Brasil. Nesse contexto, analisam-se especificamente as questões de número 16 a 34 do questionário (survey) respondido em Goiás, procurando examiná-las sob a ótica das políticas docentes de inspiração neoliberal que vêm sendo implementadas no Brasil nas últimas décadas. Procurou-se inicialmente destacar os princípios e a lógica das políticas assentadas na teoria do capital humano, no gerencialismo educacional e na meritocracia para, em seguida, dar voz aos sujeitos docentes da pesquisa, que vivenciam concretamente um contrato, uma carreira e uma remuneração que caracterizam efetivamente a profissão em Goiás.
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1. A profissão docente no quadro das políticas de inspiração neoliberal Nas últimas décadas do século XX, sobretudo a partir de 1970, as aspirações e formulações neoliberais passaram a incidir sobre a reformulação das políticas educacionais e sobre a forma de compreender a função social da educação. Nesse contexto, intensificou-se a compreensão da educação atrelada à teoria do capital humano ou à capacidade individual produtiva, contribuindo para o fortalecimento de um modo de regulação marcado pelos valores individualistas, competitivos e meritocráticos. Nesse sentido, os organismos multilaterais40 de financiamento da educação estabeleceram diretrizes a serem implementadas na escola pública, destacando-se a gestão escolar e o trabalho docente como elementos fundamentais a serem modificados. De acordo com essas diretrizes, a organização escolar e o trabalho docente devem pautar-se pelo cumprimento de tarefas, visando resultados imediatos; pelo alcance de metas de aprendizagem; pela solução de situações-problema; pela aprendizagem; pelo reforço; pelo custo do aluno; pelo vínculo entre desempenho e recursos; etc. Em síntese, a escola torna-se espaço a ser regulamentado por uma perspectiva essencialmente econômica, onde a prática docente associa-se à formação para o mercado de trabalho (Delors, 2001; Evangelista, 2003; Fonseca, 2000). Na esfera educacional, a supremacia do produtivismo na escola pública encontra respaldo na teoria do capital humano, que estabelece vínculos entre educação, desenvolvimento e trabalho, mascarando as verdadeiras relações existentes no modo de produção capitalista e fortalecendo uma perspectiva positivista de análise social. Segundo essa lógica, o acúmulo de habilidades e de conhecimentos corresponde à ampliação da produtividade individual. Assim, o trabalhador torna-se proprietário de capital humano ou da capacidade de produção, a qual pode ser vendida no mercado como qualquer outra mercadoria. Esse capital pode ser aumentado se houver maior volume de investimento por parte do indivíduo, podendo recuperar, a longo prazo, os valores aplicados, de modo a aumentar sua renda, melhorar seu status e ter acesso a uma variedade de outras propriedades.
Os organismos multilaterais referidos são, sobretudo, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Banco Mundial (BM). 40
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A inspiração central da teoria do capital humano é a concepção liberal clássica de que cada indivíduo é, de uma forma ou de outra, proprietário, e como tal, depende dele a produção de sua existência (Frigotto, 2001). Inseridas na lógica do capital humano, as preocupações com o rendimento escolar, com o desempenho, com o aproveitamento e com a quantidade de conteúdos ganham sentido, uma vez que interferem na natureza do capital humano ou na capacidade produtiva individual. O baixo rendimento escolar pode significar incapacidade produtiva individual, ampliando as dificuldades futuras de venda da força de trabalho no competitivo mercado. Saliente-se que as relações capitalistas, no atual estágio de desenvolvimento, pretendem articular quatro elementos essenciais, a saber: forte individualismo, intensificação da concorrência, solidariedade social e a formação de uma cultura econômico-racional, de modo a fazer com que a sociedade, em seus comportamentos cotidianos, conceba, articule e utilize esses princípios como complementares. Esse processo tem por efeito, dentre outros, o abrandamento das responsabilidades estatais, a hipervalorização das responsabilidades individuais, a desarticulação sindical, a educação econômico-racional das massas no processo de solução dos problemas e a organização das comunidades para intervir pragmaticamente na sociedade (Giddens, 1999; Harvey, 2003). Em muitos países em desenvolvimento, a aplicação das políticas neoliberais foi intensa em decorrência da necessidade de se adaptar rapidamente essas nações às novas formas de acumulação, que, na prática, significavam formas atualizadas de exploração. Os organismos multilaterais (BM, FMI e Unesco) contribuíram efetivamente para materializar na sociedade um modo de regulação coerente com a atual etapa de acumulação do capitalismo. A educação torna-se um meio para esses organismos disseminarem seu projeto, centralizando as principais decisões nos órgãos centrais do Estado, utilizando o modelo gerencial de administração na organização e gestão escolar e a teoria do capital humano para justificar sua proposta educacional (Tommasi, Wardee Haddad, 2000). Segundo os organismos multilaterais, os problemas existentes na escola pública, como evasão, repetência, baixo desempenho, rendimento insuficiente e outros, são oriundos de falhas no processo de gerência da unidade escolar e na execução do trabalho docente. A superação dessa realidade somente pode ser alcançada com a descentralização e com a promoção da autonomia administrativa e pedagógica das unidades escolares, potencializando-se, nesses espaços, a capacidade dos atores
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de criar formas alternativas para a solução de problemas cotidianos que o Estado é incapaz de abarcar em sua estrutura lenta e burocrática (Delors, 2001). No conjunto dessas orientações educacionais, apresentadas nos documentos elaborados com base nas decisões tomadas em conferências internacionais, é possível perceber a ênfase na gestão escolar e no trabalho docente com a apresentação de um modelo de administração gerencial e meritocrático como caminho a ser seguido pela educação nos diversos países em desenvolvimento (Delors, 2001; Evangelista, 2003; Fonseca, 2000). O Brasil insere-se nesse cenário, uma vez que obedece aos princípios estabelecidos pelos organismos multilaterais. O Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), constituído na materialização dos princípios defendidos na Conferência Mundial de Educação para Todos, foi elaborado para orientar as políticas educacionais brasileiras (Brasil, 1993). A reforma da estrutura econômica brasileira, ocorrida a partir do início da década de 1990 e consubstanciada nos princípios do Consenso de Washington, associada às medidas a ele vinculadas, especificamente à reforma da estrutura administrativa e burocrática do estado brasileiro, adequaram o país a essa lógica internacional (Silva, 2002). A reforma gerencial do estado brasileiro instaurou uma transformação cultural em relação aos princípios e valores que devem reger o processo público administrativo, fortalecendo o controle de desempenho, a avaliação, os resultados, a eficiência, o rendimento, etc. Nesse sentido, constituiu-se no estado brasileiro, sobretudo após a instauração do modelo gerencial de administração pública, um processo de valorização das dimensões econômico-racionais, próprias da iniciativa privada, na condução dos negócios públicos. O processo de constituição do estado gerencial e de transferência das responsabilidades concernentes à educação para a sociedade civil está entrelaçado às diretrizes para a educação mundial, divulgadas nas conferências internacionais de educação. Essas diretrizes fortalecem a lógica de modernização da estrutura, organização e gestão das escolas, bem como a intensificação de uma cultura do desempenho, ao transferir exclusivamente para o trabalho docente o conjunto de responsabilidades concernentes ao processo de ensino-aprendizagem (Delors, 2001; Giddens,1999). Segundo Oliveira (2000), os conceitos de produtividade, de eficácia, de excelência e de eficiência que orientaram as reformas estruturais da educação na década de 1990 foram importados das teorias da admi-
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nistração. Tiveram suas origens na crise de legitimidade do Estado e do setor educacional que não conseguiam responder, nem quantitativa nem qualitativamente, às pressões sociais sobre a educação pública. Evidentemente, havia alternativas para solucionar a questão. A esse respeito, as reivindicações históricas dos educadores por maior descentralização, autonomia e condições de trabalho financiado com fundo público foram atendidas por intermédio da lei, primeiro pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (Brasil, 2000), cujo artigo 206, dentre outras determinações, estabelece a gestão democrática do ensino público na forma de lei; segundo, por meio da Lei de Diretrizes e Bases, em seus artigos 14 e 15, a qual institui a gestão democrática e a progressiva autonomia das escolas, exigindo dos atores educativos (professores, funcionários, pais, alunos, diretores, coordenadores e outros profissionais da educação) ações e comportamentos mais ativos na escola. O professor é chamado a participar da gestão no âmbito da escola, especialmente na elaboração da proposta pedagógica41 (arts. 12 e 13) e no desenvolvimento de atividades de articulação da escola com as famílias e com a comunidade em geral (Brasil, 1997a). Ressalta-se que, no decorrer da década de 1990, com a própria LDB e a legislação posterior, essas propostas perderam a conotação democrático-popular materializada na Constituição Federal de 1988. Na prática, predominou a lógica gerencial no processo legal de organização e de gestão da escola ao se reproduzirem, adaptadas ao contexto brasileiro, as orientações e as expectativas dos organismos multilaterais de financiamento. Os educadores progressistas compreendiam a descentralização como possibilidade de deslocamento do poder da esfera central do Estado para a dimensão escolar, acompanhada dos recursos públicos necessários para a realização integral do trabalho educativo, e contavam, para esse processo, com a participação política da sociedade civil. Entretanto, o conceito de descentralização foi ressignificado, mantendo-se apenas a preocupação com a dimensão financeira. Há um processo de ressignificação de diversos conceitos, dentre os quais se podem citar o de autonomia, compreendida como a capacidade das escolas conseguirem maior independência administrativa e financeira em relação ao Estado, instituindo uma lógica gerencial na resolução de seus problemas cotidianos; e o de participação, entendida como colaboração ou integração da comunidade escolar, visando ao cumprimento
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A denominação utilizada no art. 14 da LDB é projeto pedagógico (Brasil, 1997a).
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de determinadas ações e metas previamente estabelecidas pelos órgãos centrais de educação (Shiroma, 2000; Silva, 2002; Lima, 2001). Em conformidade com as orientações dos organismos multilaterais e com a reforma educativa brasileira, as formas de gestão e de produção do trabalho docente estão cada vez mais voltadas ao desempenho nos testes sistêmicos, fazendo parte dos objetivos de várias instituições escolares a melhora do seu desempenho nos processos avaliativos criados pelo Estado. Nesse contexto, o trabalho docente limita-se à transmissão de conteúdos previamente definidos por uma matriz curricular articulada às orientações dos sistemas avaliativos. O trabalho do professor perde autonomia em razão dos vínculos e da pressão social proveniente do processo nacional de classificação das escolas, que estabelece parâmetros essencialmente quantitativos para a avaliação da qualidade do ensino. Na prática, há uma intensificação da função reprodutiva e executora do trabalho docente com vistas ao alcance de resultados previamente determinados pelas agências centrais de regulação. Nesse contexto, participação torna-se sinônimo de colaboração para atingir objetivos criados externamente e que não respeitam as reais motivações da comunidade local. Dessa maneira, as formas de controle existentes tendem a condicionar a participação à execução dos procedimentos pré-estabelecidos e à obediência às regras, de modo a naturalizar esses comportamentos e a submeter a participação a esse enquadramento conservador (Silva, 2006). Verifica-se que o objetivo consiste em mobilizar a sociedade civil para cumprir tarefas anteriormente consideradas como direito social e responsabilidade do Estado. A hegemonia neoliberal tenta engajar as ações das pessoas na perspectiva de frear as contradições inerentes ao processo de acumulação do capital. Nesse sentido, constrói-se uma unidade entre indivíduo e solidariedade social, responsabilizando moralmente as pessoas pelo cumprimento de suas obrigações individuais, centrando as ações na formação de comunidades, exatamente para garantir maior controle local, a formação de maiores redes de apoio, o estímulo ao espírito de iniciativa, o cultivo do capital social, o apoio à iniciativa local, etc. (Giddens, 1999). A educação insere-se em um modo de regulação que pretende equiparar individualismo e solidariedade social como conceitos convergentes. Ao mesmo tempo em que se trata de uma educação individualista, fundamentada sobre as premissas do mérito e do desempenho, visando desenvolver capacidades produtivas para competir no mercado de trabalho, é função da educação contribuir para a coesão e a solidariedade social.
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Ressaltam-se as contradições no tocante à defesa dos interesses dos profissionais da educação, materializadas no plano jurídico por intermédio do art. 206 da Constituição Federal, que estabelece, como um dos princípios, a valorização dos professores, com a garantia de planos de carreira e ingresso exclusivo por concurso público de provas e títulos. O art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases corrobora a determinação constitucional em relação à valorização dos profissionais da educação e à defesa das condições adequadas de trabalho. O artigo determina que os sistemas de ensino promovam a valorização dos profissionais da educação, assegurando o ingresso exclusivamente por concurso público; o aperfeiçoamento profissional com licenciamento remunerado para esse fim; a progressão funcional com base na titulação ou habilitação e na avaliação de desempenho; o piso salarial profissional; e condições adequadas de trabalho (Brasil, 2000; 1997a). Em relação aos planos de carreira e à remuneração dos profissionais da educação, os principais avanços legais constituíram-se a partir da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), regulamentado pela Lei 9.424/96, o qual determinava que os estados, o Distrito Federal e os municípios teriam o prazo de seis meses de vigência da referida Lei para a implementação de plano de carreira e remuneração do magistério (Brasil, 2011a). O Conselho Nacional de Educação, por intermédio, da Resolução 03/97, regulamentou essa lei ao estabelecer as diretrizes nacionais para os novos planos de carreira do magistério dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (Brasil,1997b). Outro dispositivo legal importante para a consolidação da valorização dos profissionais da educação e da defesa das condições adequadas de trabalho foi a formulação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), regulamentado pela Lei nº 11.494/07, que determina a constituição de planos de carreira para os profissionais da educação e o piso salarial nacional para o docente (Brasil, 2011c). Destacam-se a relevância e o valor social dessas determinações jurídicas para a defesa das históricas reivindicações dos profissionais da educação. Todavia, a maioria dessas conquistas não conseguiu alterar profundamente o contexto de transferência das responsabilidades para a sociedade civil. Para elencarmos apenas alguns exemplos, o Fundeb não conseguiu modificar significativamente as distorções estaduais e regionais concernentes ao financiamento da educação. O volume de recursos provenientes dos impostos recolhidos pelo fundo não foi acrescido com
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novos montantes provenientes de outras fontes de recolhimento, como as contribuições sociais. Efetivamente, poucos recursos novos foram incluídos na redistribuição estadual formulada pelo fundo, e, consequentemente, reduzidas alterações ocorreram em relação à melhoria das condições estruturais das escolas. A mesma lógica aplica-se à discussão dos planos de carreira e do piso salarial dos professores. Em relação aos planos de carreira, apesar dos dispositivos jurídicos, não há um efetivo controle público e, muito menos, a responsabilização da União pela garantia da execução do dispositivo legal e da constituição de planos efetivamente atraentes para a profissão. Quanto à discussão atinente ao piso salarial dos professores, poucos foram os avanços práticos concernentes à questão, pois muitos estados e municípios se utilizaram de justificativas financeiras para não pagar o valor do piso salarial aos docentes, e o poder público não reestrutura a questão por meio da utilização de mecanismos punitivos ou da constituição de acordos financeiros capazes de garantir o pagamento do que é determinado legalmente (Pinto, 2009). Assim, apesar da conformação desenvolvimentista e compensatória no plano social instituída no cenário brasileiro com o governo Lula (20032010), poucas mudanças estruturais efetivamente ocorreram nos aspectos relativos à educação, pois se manteve a lógica economicista sedimentada no produtivismo e no desempenho individual. Salienta-se a proliferação das avaliações sistêmicas e de políticas associadas à classificação e ao desempenho das escolas e dos agentes escolares bem como o estímulo dos órgãos centrais do Estado à intensificação da autonomia financeira das unidades escolares, ao promoverem o incentivo aos procedimentos administrativos gerenciais, à constituição de parcerias com a iniciativa privada e à formulação de contratos de gestão diretos com o Estado. Essa lógica culmina na precarização do trabalho docente, responsável pela efetivação do processo de ensino-aprendizagem no interior da escola, o que, na prática, significa a intensificação do trabalho e a ampliação das responsabilidades sem as condições estruturais para a realização plena dessas prerrogativas. Acrescenta-se a esse cenário a intensificação da lógica colaborativa, que transfere para o profissional da educação a responsabilidade de realizar seu trabalho independentemente de condições estruturais adequadas, e induz o profissional a assumir atribuições que deveriam ser do Estado no cumprimento de suas responsabilidades sociais com a educação pública de qualidade para todos.
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2. Contrato, carreira e remuneração docente em Goiás As análises realizadas a seguir têm como referência os dados coletados nas escolas municipais e estaduais em Goiás, selecionadas pela pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil. Os dados revelam que 78% dos entrevistados são concursados para a rede educacional em que trabalham, em comparação com 22% não concursados. Apesar dos avanços significativos, esse percentual indica a necessidade de novos concursos públicos para a função docente, pois a quantidade de profissionais contratados ainda é muito elevada, e as condições de trabalho do contratado revelam-se ainda mais precárias quando comparadas às do profissional efetivo, em razão das incertezas e pressões provenientes da instabilidade no emprego. A negligência do poder público em relação à realização de novos concursos coaduna-se com a perspectiva neoliberal de reduzir os gastos públicos com novos servidores e de transferir as responsabilidades estatais no cumprimento dos direitos sociais para instituições não governamentais, empresas terceirizadas, voluntários ou mediante a contratação de funcionários em condições precárias de trabalho, sem a garantia do cumprimento dos direitos trabalhistas conquistados pelos funcionários públicos. Essa situação de instabilidade no exercício da profissão docente interfere na organização e na gestão da escola ao inviabilizar a continuidade de práticas coletivas entre os professores; ao comprometer a consolidação de relações de confiança e solidariedade profissional, a construção de relações de trabalho mais consistentes com os demais profissionais da educação, o reconhecimento do profissional diante da comunidade escolar e o fortalecimento da autonomia no exercício da função; e, principalmente, ao permitir a submissão dos profissionais contratados a práticas clientelistas a fim de se manterem na mesma unidade escolar (Oliveira, 2004; Silva, 2009). Em relação aos concursos públicos, os dados da pesquisa demonstram que a maioria dos entrevistados prestou concurso para o cargo de professor, com 54% do total. Todavia, é relevante a quantidade de profissionais que prestaram concursos para outras funções e atuam como professores. Como a pesquisa restringiu-se a entrevistas com docentes e com o gestor da unidade escolar, conclui-se que, em especial na educação infantil, existem concursados desviados de suas funções de origem que assumem a sala de aula como professores regentes ou auxiliares. No caso específico dessa pesquisa, destacam-se a pequena quantidade de
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pedagogos concursados, 10% do total, e a existência de outras funções para a realização do trabalho docente, como a do assistente de educação infantil, 3%, a do auxiliar de serviços de educação, 1%, e a identificação de outras denominações, 9% do total. Essa questão revela o descompromisso do poder público com o cumprimento da legislação educacional, que atribui ao pedagogo a responsabilidade de lidar com os alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Ressalte-se que os pedagogos qualificados pelas instituições de ensino superior para atuar na educação infantil não são plenamente absorvidos pelo campo de atuação por intermédio de concurso público, em função de uma demanda que acontece por razões econômicas (Brasil, 2011b). A existência de profissionais concursados para outras funções atuando em sala de aula demonstra a precarização do trabalho docente. A deslegitimação da profissão pode ser identificada, nesse caso, pelo desrespeito à formação acadêmica definida pela legislação educacional para atuar na educação infantil, pelo não pagamento dos salários e direitos trabalhistas correspondentes à função docente a que esses profissionais desviados teriam direito, e pela descaracterização do exercício da profissão, ao se atribuir a qualquer profissional a regência da sala de aula, desqualificado e contratado em algumas situações. A precarização do trabalho evidencia-se ao identificarmos que os profissionais desviados da função são discriminados tanto pelo poder público – responsável direto pela ausência de compromisso com os direitos correspondentes à função que executam, pois teriam que prestar outro concurso, que deixa de ser realizado com a frequência necessária – quanto pelos concursados para a função, porque os profissionais desviados, não tendo a formação acadêmica exigida para o exercício da profissão, tendem a desvalorizar a função ao realizar semelhante trabalho sem a remuneração correspondente. A questão se torna mais complexa pela contratação de profissionais com denominações outras para realizarem atividades docentes sem a remuneração e a qualificação necessárias ao exercício da função. A inexistência de planos de cargos e salários mais unificados tende a pulverizar, nas redes de ensino, a nomenclatura e a quantidade de denominações para a realização de uma mesma função. Essa prática não é positiva para a profissionalização da carreira, pois não se legitimam os conhecimentos pedagógicos concernentes à realização das funções, e consequentemente compromete-se a conquista de direitos e condições adequadas de trabalho para a realização dessas atividades.
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A quantidade de funções com denominações diversas ocupadas nas redes serve para identificarmos a necessidade de se unificarem as denominações e se definirem com maior precisão as atribuições realizadas por esses profissionais. É necessário, também, delimitar o trabalho docente e contratar, por intermédio de concursos públicos, profissionais que, responsáveis por funções intermediárias, sejam capazes de complementar as ações pedagógicas realizadas pelo professor na unidade escolar. A ausência dessa delimitação – dos concursos e de formação continuada para esses profissionais –, demonstra, diante da complexidade do processo educativo, a significativa precarização e desvalorização do trabalho docente na educação básica em Goiás. A distribuição dos docentes participantes da pesquisa por etapa da educação básica assume a seguinte proporção: 28% dos docentes trabalham na educação infantil, 75% no ensino fundamental e 24% no ensino médio. Em relação à experiência no exercício da profissão, 36% trabalham entre um e oito anos com educação. Esse dado revela que muitos docentes são pouco experientes no exercício da profissão. Todavia, a maioria dos docentes, possui níveis intermediários e avançados de experiência, que correspondem a 29%, entre oito a quinze anos de trabalho na profissão, e 26%, entre quinze e 25 anos de profissão. Entretanto, ao serem questionados sobre o tempo de trabalho com educação pública, 50% dos docentes entrevistados afirmaram que têm, no máximo, nove anos de experiência em instituições públicas de educação básica. O Gráfico 1 demonstra o tempo de experiência dos docentes entrevistados na educação pública. Gráfico 1 -Tempo de experiência dos docentes entrevistados na educação pública
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010
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A linha decrescente em relação ao tempo de experiência na educação pública demonstra a ausência de um compromisso nacional articulado pelos entes administrativos, capaz de garantir a formação e a permanência dos profissionais com mais experiência nesse espaço de atuação. A principal crítica a ser desenvolvida é a negligência governamental em formular políticas de efetiva valorização dos professores atuantes na educação pública, ações que passariam pela melhoria das condições estruturais das escolas, pelo aumento salarial, pela dedicação exclusiva apenas a uma escola, pela melhoria dos planos de carreira, por mais oportunidades de formação continuada, pela discussão coletiva referente às bases curriculares desenvolvidas na escola e pela constante presença do poder público, por intermédio de um intenso trabalho pedagógico nas redes de ensino para se construir junto com os professores os caminhos para a melhoria da qualidade da educação pública. A ausência de identidade coletiva e profissional no exercício da função docente alcança índices alarmantes: foi identificado que 55% dos professores trabalham, no máximo, até três anos na mesma unidade educacional. A rotatividade no exercício da profissão tem graves consequências para o coletivo escolar, pois a consolidação do consenso e a constituição de um grupo articulado dependem da permanência dos profissionais na mesma unidade escolar por um período razoável de tempo. Esse dado revela também a ausência de uma identidade coletiva entre os docentes capaz de estimular a consolidação de uma cultura escolar com práticas interdisciplinares conjuntas e consistentes de atuação pedagógica. Ressalte-se que a confiança é a condição para que os docentes formulem práticas democráticas na escola, e, nesse curto intervalo de tempo na unidade escolar, não é possível desenvolver essa atitude de forma sólida e consistente. Na prática, há pouco tempo para se consolidar um grupo capaz de pensar um efetivo trabalho pedagógico na unidade escolar. Em especial, compromete-se a constituição de uma cultura escolar formulada a partir de finalidades e intencionalidades construídas em discussão coletiva entre os diversos sujeitos que fazem parte da comunidade escolar. A maioria dos docentes é estatutária, 77% do total, e 23% possuem outros tipos de vínculo empregatício com a unidade escolar, dentre eles, contrato temporário, substituto, estágio com remuneração, etc. Ressalte-se o alto índice de contratos, fenômeno que demonstra a precariedade dessas relações de trabalho em função da ausência de direitos trabalhistas concernentes ao exercício da função. Apesar de a maioria dos docentes se declarar estatutária, apenas 59% afirmaram estar contemplados por um plano de cargos e salários. Essa informação revela que
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uma quantidade razoável de docentes – a saber, 18% dos estatutários – desconhece a existência do plano de carreira do magistério. A explicação para esse resultado somente pode ser encontrada na ausência de divulgação, por parte do poder público, desse documento específico da carreira docente ou em sua inexistência nas redes de ensino como um plano específico para a carreira do magistério. Esta segunda opção demonstra a despreocupação do poder público municipal com a carreira e com o processo de profissionalização. Ao serem questionados se o plano de cargos e salários se referia à carreira do magistério, 56% afirmaram que sim, mas 38% afirmaram que a questão não se aplicava. Esse último percentual refere-se aos agentes escolares que possuem contratos temporários e àqueles que efetivamente desconhecem a existência de um plano específico para a carreira docente. Esse quadro demonstra a negligência do poder público em realizar novos concursos, formular planos de carreira do magistério e efetivar os direitos trabalhistas, mas revela também a ausência quase completa de participação política dos docentes como categoria na negociação sindical em torno de melhores condições de trabalho. Em relação aos aspectos mais valorizados no plano de cargos e salários, o desconhecimento dos detalhes desse plano se acentua, constatação realizada pelo índice de 40% dos entrevistados que afirmaram não se aplicar essa questão às suas condições. Em relação às demais respostas possíveis, aparece com destaque a titulação, o tempo de serviço e a participação em atividades de formação continuada. O aspecto que mais surpreende refere-se às reais condições para se atingir as escalas superiores no processo de ascensão vertical e horizontal, bem como a potencialidade de estímulo à carreira contida no plano. Como a maioria dos docentes desconhece as garantias e os direitos ou tem dúvidas relativas ao funcionamento e aplicabilidade do plano, desfazem-se as intenções de tornar o plano atrativo para a carreira e estimular maior adesão à profissionalização. Esse cenário demonstra que o universo de direitos trabalhistas do funcionalismo público ainda não foi compreendido por muitos governantes como condição essencial para a consolidação do processo de profissionalização docente. Na prática, essas condições não existem como direito constituído e disseminado entre a categoria, o que significa a transferência de maiores responsabilidades para o docente no tocante à acumulação de títulos e à participação em atividades de formação continuada, sem garantia desse direito ser reconhecido, bem como a sensação de desprestígio ao perceber-se isolado quanto à garantia de condições adequadas para a ascensão e isolado da existência de instituições capazes de articular e
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defender seus direitos como categoria política. O desconhecimento dos direitos contidos no plano também intensifica o sentimento de desprestigio social, pois permite a percepção de que a categoria não tem direitos resguardados e, muito menos, potencial político para organizar-se em busca de melhores condições de trabalho. Em relação à satisfação na carreira, 11% declararam que estão insatisfeitos, pois a carreira não lhe permite progredir profissionalmente; 4% consideram-se estagnados, pois já alcançaram a melhor posição que a carreira poderia oferecer; 3% dos profissionais são indiferentes; e 11% deram outra resposta à questão42. Assim, há que se considerar que existe um percentual relevante de docentes descontentes com a profissão, pois em relação a essa questão direta, a maioria dos docentes respondeu de forma evasiva ou indiferente, o que demonstra não estarem satisfeitos com a situação vivida e/ou terem medo das punições provenientes dos resultados da pesquisa em escala local. Os contratos precários explicam, em parte, essa ausência de respostas contundentes à questão, pois são constantes, no estado de Goiás, práticas clientelistas no processo de contratação de professores, e ainda mais comum a perseguição àqueles que fazem oposição política às decisões do poder executivo e legislativo nas redes municipais e estaduais (Silva, 2009). Os dados da pesquisa demonstram que 47% dos docentes entrevistados são provedores principais de renda em sua casa, e que a maioria ganha entre um e três salários mínimos43 (R$ 465,01 a R$ 1.395,00) por mês44. Esse valor salarial representa muito pouco para um profissional com qualificação superior, que desempenha função docente e se mantém dedicado exclusivamente à profissão, pois a maioria não exerce atividade remunerada em outro setor não ligado à educação. Em relação à renda
Destaca-se, na questão 27 do questionário, a quantidade de 39% dos docentes que preferiram responder à questão com a possibilidade não se aplica presente no questionário. 43 O valor do salário mínimo em 2009, período de realização das entrevistas, era de R$ 465,00. 44 Em dezembro de 2011, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás aprovou o Projeto de Lei nº 5.132/2011, que altera o dispositivo da Lei nº 13.909/2001, que dispõe sobre o Estatuto e o Plano de Cargos e Vencimentos do Pessoal do Magistério. A aprovação do projeto garante o pagamento do piso salarial para os professores da rede estadual de Goiás, mas altera profundamente o Estatuto e o Plano de Cargos e Vencimentos do Pessoal do Magistério. Em 2012, o valor inicial pago aos professores da rede pública estadual em Goiás corresponde a R$ 1.460,00. 42
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familiar, 50% dos docentes entrevistados vivem com até cinco salários mínimos, o que corresponde a um padrão familiar precário, pois sua renda representa um valor significativo no conjunto da renda familiar, e muitos docentes ainda têm que arcar com cursos de especialização pagos em instituições privadas para tentar aumentar o salário e melhorar suas condições de vida. O Gráfico 2 demonstra o grau de satisfação dos docentes em relação ao salário recebido. Gráfico 2 - Grau de satisfação dos docentes em relação ao salário recebido
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Em relação ao salário, 84% dos docentes sentem-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos por se tratar de remuneração incompatível (injusta) com sua dedicação ao trabalho e insuficiente para manter um padrão de vida digno. Esse dado torna-se contundente ao ser comparado com a questão referente aos planos de cargos e salários, dos quais os docentes têm limitadas informações e reduzido potencial de mobilização política para alteração de suas diretrizes. Na prática, o sindicato não consegue articular a categoria na defesa de seus direitos e transmitir ao docente a sensação de pertença a um grupo, com instrumentos políticos capazes de alterar a situação de precariedade identificada pela categoria docente.
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Apesar de a maioria, que corresponde a 60%, não trabalhar em outra instituição educacional, deve-se ressaltar que 31% dos docentes entrevistados possuem dois contratos ou concursos em redes de ensino diferentes. Na prática, há um processo de duplicação de jornada na mesma rede pública de ensino ou em redes públicas diferentes em razão dos baixos salários e das condições precárias de trabalho. Assim, há um processo de intensificação do trabalho pelo aumento da jornada e de precarização da função docente. Essa condição de precariedade no exercício da função docente revela as contradições existentes na sociedade ao exigir dos docentes maior dedicação no cumprimento de suas funções na escola, condicionada à maior responsabilidade nos processos administrativo-gerenciais e nas práticas colaborativas e voluntárias. Essa dedicação teria a função de suprir a ausência do Estado no cumprimento de suas responsabilidades para com a educação no sentido de sustentar a melhoria da qualidade do ensino. Isso teria como resultado, a curto prazo, a intensificação da concepção produtivista de educação, restrita ao desempenho dos alunos nos testes sistêmicos, o que representa para a sociedade brasileira, do ponto de vista estrutural, a negação do potencial emancipador das práticas educativas, a intensificação das desigualdades sociais e a negação do caráter público explícito no direito social à educação.
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Capítulo 6
As condições de trabalho dos professores da educação básica em Goiás Lúcia Maria de Assis
Apresentamos neste estudo parte dos resultados de uma pesquisa realizada junto aos professores das redes públicas do estado de Goiás. O estudo integra uma pesquisa nacional que envolveu sete estados brasileiros. Além de Goiás, foram ouvidos também professores de Minas Gerais, Espírito Santo, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Em cada estado escolhido para o estudo, a amostra foi definida por sorteio de quatro municípios, considerando-se o quantitativo populacional, sendo dois municípios com mais de 50.000 habitantes e dois com menos de 50.000. Além desses municípios, foram incluídas as capitais dos estados. Em Goiás, integrou a amostra os municípios de Goiânia, Inhumas, Caldas Novas, São Luís dos Montes Belos e Planaltina de Goiás, e foram ouvidos 1.126 professores ou sujeitos docentes que atuam na educação básica, da educação infantil ao ensino médio. Os dados foram levantados utilizando-se um questionário amplo, envolvendo os diversos aspectos do trabalho docente, que inclui caracterização do seu perfil, condições de trabalho, salário e lazer, qualidade de vida e de saúde, grau de satisfação com a sua profissão, conhecimento dos seus direitos, bem como as suas perspectivas futuras em relação à carreira. Neste estudo, focalizaremos os resultados que possibilitam desvelar como vivem e trabalham os professores da educação básica da rede pública em Goiás, qual é a sua jornada de trabalho, como tem sido as suas condições efetivas de trabalho nas escolas, qual o quantitativo de estudantes que precisam atender, com quais profissionais de apoio podem contar e como se sentem em relação às suas atribuições. Caracterizaremos, ainda, como os professores avaliam o espaço físico das salas de aula onde atuam e como estes espaços colaboram para o desenvolvimento do seu trabalho, tanto no que diz respeito ao alcance
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dos objetivos educacionais junto aos estudantes quanto no que se refere às características das instalações físicas e ambientais da escola. Algumas questões de conteúdo subjetivo também foram incluídas visando caracterizar como esses trabalhadores se sentem no desempenho de suas funções, tais como o grau de autonomia que possuem na definição das aulas, como analisam a participação das famílias na escola, como avaliam a gestão escolar e os órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas educacionais, dentre outros aspectos. Com este estudo espera-se acrescentar elementos para o debate da educação, que, conforme Oliveira, tem sido uma área na qual se “verifica a existência de uma grande lacuna, na produção bibliográfica, no que se refere às condições atuais de trabalho na escola quanto às formas de resistência e conflito que são manifestados na organização” (2004:1128). Na primeira parte dessa exposição, apresenta-se uma breve revisão de literatura acerca do trabalho docente no Brasil, destacando, sobretudo, aqueles produzidos após a transição democrática dos anos de 1980. Na segunda parte, são analisados os dados da pesquisa empírica realizada com os professores do estado de Goiás, que incluem: jornada de trabalho e remuneração das atividades extraclasse; principais mudanças que têm ocorrido nas atividades docentes; e como os profissionais da escola estão lidando com as mudanças e como elas tem interferido nos processos regulatórios internos à escola e na sua autonomia. Também será apresentada a visão dos professores sobre a gestão e a organização escolar, destacando-se o atual contexto das políticas educacionais no estado, marcado por tensões e conflitos de interesses na implantação do piso salarial profissional e de estruturação da carreira do magistério45. Nas considerações finais, são apresentadas algumas situações vivenciadas no trabalhado de campo, que poderão contribuir para compreender melhor o cotidiano dos professores da rede pública de educação básica, em um contexto marcado pela adesão aos princípios da gestão empresarial, características do setor privado, na definição das políticas educacionais a serem desenvolvidas no estado de Goiás. Em 06/02/2012 teve início uma greve dos professores da rede estadual de Goiás. O principal motivo deste movimento foi o fato de o governo promover um achatamento na carreira dos professores ao propor a redução dos percentuais de acréscimos nos salários decorrentes da titularidade. Desta forma, segundo a presidência do sindicato, o piso poderá se tornar teto salarial, desmotivando os professores a buscarem novos cursos de formação e aperfeiçoamento profissional, o que afetará a qualidade da educação em todo o estado. Disponível em: www.ohoje.com.br. Acesso em 06/02/2012. 45
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1. O trabalho docente em análise: breves apontamentos teóricos A década de 1980 representa um marco importante paro o campo da pesquisa e da produção do conhecimento sobre o trabalho docente, quando o reconhecimento da condição profissional do professor contribui para redefinir a sua identidade como trabalhador. A partir das mudanças políticas, sociais e culturais que alicerçaram o movimento de transição democrática brasileira, os profissionais da educação empreenderam grandes esforços para construírem uma escola que também refletisse o novo paradigma pautado nos princípios democráticos (Fávero e Semeraro, 2002). As lutas políticas foram intensas e incluíram, dentre outras pautas, as condições de trabalho do professor como condição fundamental na garantia de um ensino com qualidade socialmente referenciada. Entretanto, segundo Oliveira (2004), esse movimento não foi suficiente para assegurar condições de trabalho que correspondessem às necessidades da educação pública, democrática e para todos, como vem sendo anunciado pelas reformas educacionais desde a década de 1990. Para esta autora, a grande contribuição desse movimento está na politização do debate sobre o trabalho docente diante das novas orientações políticas e pressupostos epistemológicos que passaram a orientar as formas de organização e gestão da escola pública, identificada como local de trabalho que reflete inúmeras contradições, seja na sua racionalidade, que muitas vezes pode contrariar os interesses dos envolvidos, seja nas condições de trabalho que dispõe. Se os anos de 1980 foram marcados pelas lutas políticas que influenciaram fortemente os debates e as práticas educativas, nos quais predominaram um enfoque emancipatório e progressista (Saviani, 1982, 1999), os anos de 1990 foram marcados pelo retrocesso e pelo recuo desse movimento, em que se observa o avanço das doutrinas neoliberais influenciando na formulação das políticas sociais e nas reformas educacionais (Fávero e Semeraro, 2002). A respeito das condições nas quais o trabalho docente ocorre neste contexto, observa-se que está em curso uma forte tendência de transpor para o ambiente escolar a mesma lógica organizativa do setor privado de bens e serviços, o que contribui para acirrar o processo de mercantilização da educação (Sguissardi, 2004). Esse processo implicou e ainda tem implicado em mudanças fundamentais na lógica organizativa das instituições escolares, que passaram a pautar as suas ações nos princípios da competitividade e da meritocracia, com foco em resultados
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ou produtos em detrimento do processo e das condições nas quais o processo educacional ocorre. Segundo Guimarães, esse contexto foi reforçado e intensificado com o grande destaque conquistado pelas agências financeiras internacionais, como o Banco Mundial, e ao peso que têm suas recomendações nas reformas e projetos educacionais nos vários níveis. Para o autor: [...]apontam-se as consequências do ideário economicista desse banco para a organização escolar, para o modelo de avaliação na e da escola, para a intensificação do trabalho, para as expectativas de desempenho e formação, no sentido de alertar para as diferenças entre essa profissionalização e a reivindicada pelos professores. (Guimarães, 2004:42. Grifos meus)
A respeito do processo de intensificação do trabalho do professor, alguns estudos indicam que está em curso um processo de reestruturação, precarização e flexibilização do trabalho docente que vem atingindo fortemente os profissionais da educação neste início de século. Oliveira (2004, 2007) apresenta estudos que demonstram os impactos das reformas educacionais na vida dos trabalhadores docentes, reformas essas iniciadas na década de 1990 no Brasil e nos demais países da América Latina. A autora destaca o apelo ao voluntarismo e ao comunitarismo, que vem contribuindo para promover uma enorme sobrecarga aos professores, já que os trabalhos sob suas responsabilidades se avolumam, e cita alguns trabalhos que são referência na discussão a respeito da centralidade que professores vêm ganhando nos programas governamentais, considerados os principais responsáveis pelas mudanças nos contextos de reforma (Oliveira, 2003; Hypólito, 1997; Apple, 1995; Mancebo, 2004). Destaca ainda que, ao mesmo tempo em que o papel do professor ganha centralidade, esse processo também coopera para a sua desqualificação e dos processos de concepção e organização do seu trabalho. Essa forma de estruturação do trabalho afeta o próprio professor na construção da sua profissionalidade docente46, em que ele se vê diante das condições concretas de trabalho sendo reduzidas à transmissão de O termo profissionalidade docente foi utilizado por Guimarães para designar o processo de formação e atuação do professor. Por ser complexo e abrangente, inclui desde aspectos de caráter ético-valorativos até as habilidades necessárias para o exercício profissional em sala de aula. Segundo o autor, esse tema tem sido estudado por autores nacionais e de outros países, dos quais se pode destacar: Sacristán (1995), Perrenoud (1993), Contreras Domingo (2002), Nóvoa (1992), 46
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saberes, em um tempo em que os discursos educacionais valorizam a criatividade, a pesquisa, a construção e a inovação pedagógica. Com muitas aulas e muitos alunos, ele se vê impossibilitado de continuar aperfeiçoando a própria formação, o que alimenta um círculo vicioso em que ele vê diminuídas as suas oportunidades de obtenção de um contrato de trabalho mais estável. Esse conjunto de fatores tem sido amplamente estudado como o fenômeno da precarização do trabalho docente, que vem ocorrendo pela já comprovada intensificação do trabalho do professor, à qual Apple se referia há mais de duas décadas: A intensificação representa uma das formas tangíveis pelas quais os privilégios de trabalho dos trabalhadores educacionais são degradados. Ela tem vários sintomas, do trivial ao mais complexo – desde não ter nenhum tempo sequer para ir ao banheiro, tomar uma xícara de café, até ter uma falta total de tempo para conservar-se em dia com sua área. Podemos ver a intensificação operando mais visivelmente no trabalho mental, no sentimento crônico de excesso de trabalho, o qual tem aumentado ao longo do tempo. (Apple, 1987:9) Nessa mesma perspectiva, pode-se citar ainda o histórico fenômeno da feminilização do magistério e outras questões de gênero na profissão docente, que vêm contribuindo no processo de desvalorização desse profissional47. Conforme Nacarato, Varani e Carvalho: A questão do gênero na profissão docente tem se acentuado. A maioria continua sendo formada por mulheres, havendo algumas graduações: na educação infantil e nas quatro séries iniciais do ensino fundamental, a esmagadora maioria é constituída por mulheres; os homens que optam pelo magistério concentram-se, na sua maioria, no ensino médio e superior, mas, mesmo assim, continuam sendo minoria do corpo docente. (Nacarato, Varani e Carvalho, 2003:84)
Hernández (1994), Lüdke (1988), Pimenta (1997) e Cunha (1998, 1999), dentre outros (Guimarães, 2004:18). 47 Sobre esse assunto, pesquisar: Hypólito, Álvaro L. M. Trabalho docente, classe social e relações de gênero. Campinas: Papirus, 1997. Nacarato, A. M. ; Varani, A. ; Carvalho, V. “O cotidiano do trabalho docente: palco, bastidores e trabalho invisível... Abrindo as cortinas.” In: Geraldi, C. M. G. ; Fiorentini, D. ; Pereira, E. M. A. (orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das Letras/ Associação de leitura do Brasil - ALB, 1998, p.73-104.
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Há também, nesses estudos, uma associação da feminilização do trabalho docente ao processo de proletarização e precarização da docência enquanto profissão. A esse respeito, Hypólito (1991) afirma que a expansão das redes de ensino absorveu mão de obra feminina ao mesmo tempo em que houve os primeiros rebaixamentos salariais, levando os profissionais homens a buscar outras ocupações. Além disso, o trabalho feminino vem sendo considerado, ao longo do tempo, como transitório ou como segunda renda familiar. Muito se tem escrito sobre o trabalho docente, suas relações e inter-relações com os ambientes escolares e extraescolares. Esses estudos mostram que não há como pensar em um trabalho pedagógico deslocado dos condicionantes sociais, políticos, culturais, econômicos, bem como das próprias condições pessoais dos sujeitos que ensinam e aprendem. A trajetória de vida dos professores, a sua origem de classe, a sua formação, o estágio em que se encontram na carreira, também determinam o modo como os docentes conduzem a sua docência (Nóvoa, 2000). As condições concretas e objetivas de trabalho dos professores, o ambiente acadêmico e os formatos organizativos institucionais também são determinantes da docência. Nesse sentido, Tardif e Lessard afirmam que: O trabalho docente leva também as marcas da organização escolar: a autonomia dos professores é estreitamente canalizada pelo mandato da escola e sua maneira de organizar o trabalho. Em suas tarefas cotidianas, o professor trabalha em função dos programas e das finalidades escolares, [...] sendo que as suas interações são predeterminadas pelo ambiente organizacional. (Tardif e Lessard, 2005:28)
A análise das práticas docentes é complexa, uma vez que não é tarefa simples compreender e apreender todas as idiossincrasias e nuances que fazem do espaço da sala de aula um dos mais complexos campos de estudos. A esse respeito, Cunha (2006:22) defende que é preciso analisar a concepção de formação não apenas do ponto de vista técnico, pois nesse campo não há neutralidade e a própria formação de professores não é neutra. Ela recorre a Gauthier, para quem “cada dispositivo do olhar e da observação modifica o objeto de estudo [...], por isso nunca estudamos um objeto neutro, mas sempre um objeto implicado, caracterizado pela teoria e pelo dispositivo que permite vê-lo, observá-lo e conhecê-lo” (Gauthier, 1999:24 apud Cunha, M. , 2006:28). Nessa linha de análise, Hélou e Lantheaume (2008:75 op cit. Lessard, 2009) destacam a “capacidade dos docentes de adaptar a regra, de a contornar, de a relativizar, de usar de astúcia, de produzir uma
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regra alternativa, quer dizer, negociar as situações e as normas numa intenção pragmática, permitindo durar na profissão, doseando o prazer e o interesse”. Para esses estudiosos, os professores desenvolvem uma postura de resistência na qual eles “nem se comprometem com a situação, nem se munem de crítica para alterá-la, antes a transformam de modo prático, ao renegociá-la sem cessar na realidade. Chegam então a produzir uma realidade alternativa ou quase alternativa à que se encontra construída nos discursos de justificação, os seus inclusive” (Hélou e Lantheaume, 2008:76). Lessard (2009:122) também destaca que a atividade de ensino caracteriza-se como um trabalho de articulação das atividades docentes e dos alunos, que se assenta numa negociação permanente, implícita ou explícita, que dá lugar a acordos provisórios, que são renovados sem cessar. Neste sentido, a aula é uma ação dinâmica e emergente, não podendo ser totalmente premeditada, mas que resulta da negociação e da articulação entre docentes e discentes. Constata-se, portanto, que o professor convive diariamente em um campo de trabalho dinâmico, complexo, não linear, cujas decisões que orientam as atividades e as práticas educativas são sempre sínteses dialéticas entre o instituído (legislações, diretrizes, parâmetros curriculares, planos) e o instituinte (o currículo em ação). Nesse complexo cenário, em que condições, concretas e objetivas de trabalho, os professores das redes públicas do estado de Goiás cumprem as suas funções docentes?
2. Desvelando as condições de trabalho dos professores em Goiás Jornada de Trabalho, remuneração e trabalho intensificado Os professores participantes da pesquisa realizada em Goiás trabalham, em sua maioria (60%), em apenas uma unidade educacional; 35% trabalham em duas unidades escolares e 5% atuam em três ou mais escolas. De acordo com o Estudo exploratório sobre o professor, elaborado com base no Censo Escolar e publicado em 2009, 80,9% dos professores de toda a educação básica brasileira atuam em apenas uma escola, e 63,8% em apenas um turno. Comparando-se esses dados, observa-se que a maioria dos profissionais da educação básica brasileira e do estado de Goiás trabalha em apenas um turno, um dado que,
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em princípio, parece favorável aos docentes. Entretanto, os professores não lidam exclusivamente com as atividades de ensino, pois a docência também abrange atividades relativas à gestão e organização do trabalho escolar, eventos de formação continuada, dentre outras. Assim, o fato de a maioria dos professores trabalhar em apenas uma escola e em apenas um turno não significa que ele tenha que se dedicar somente à sala de aula. Em geral, nesses casos o professor possui um contrato de trabalho que contempla apenas as atividades de ensino, ficando as demais funções docentes sem a devida remuneração. Essa situação é confirmada no estado de Goiás pelos dados da pesquisa que mostram a relação entre jornada de trabalho e tempo remunerado para atividades extraclasse. A maioria dos profissionais ouvidos, 58%, cumpre jornada semanal de 30 horas, e apenas 42% contam com algumas horas remuneradas para o exercício das atividades não relacionadas diretamente ao ensino em sala de aula. Desse grupo, 38% ganham entre uma e quatro horas semanais de dedicação, e 46% recebem entre cinco e dez horas. A pesquisa constatou, ainda, que são poucos osprofissionais da rede pública do estado que possuem contrato de 40 horas, possibilitando-lhes dedicação exclusiva a apenas uma unidade educacional, sendo a maioria deles ocupante do cargo de diretor48. Esses dados mostram que a maioria dos professores da rede pública do estado de Goiás não é remunerada em suas atividades extraclasse, que inclui a preparação de aulas, estudos autônomos, organização do material didático, elaboração e correção de atividades de ensino e avaliação, participação em eventos, reuniões e demais atividades relativas à gestão escolar. Além dessas atividades historicamente exercidas pelos docentes, as reformas educacionais dos anos 1990 trouxeram outras exigências de participação dos professores nas diversas esferas políticas, o que acarretou maior responsabilização do professor pelo desempenho da escola e dos alunos, sobretudo no que diz respeito às políticas e práticas de avaliações sistêmicas (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - Saebe Exame Nacional do Ensino Médio - Enem)49. Essa responsabilização do professor na concretização das políticas públicas nas escolas também pode ser observada quando se analisa como
Sobre esse assunto, ver o capítulo de Silva, Oliveira e Assis, intitulado “A gestão escolar no contexto atual: o paradigma gerencial e o trabalho do dirigente escolar em Goiás”, parte integrante deste livro. 49 Informações e dados sobre o Saeb, Enem e demais processos de avaliação sistêmica, consultar www.mec.gov.br. 48
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o processo de inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais vem sendo colocado em prática nas escolas de ensino regular. Pouco mais de 50% dos professores entrevistados trabalham em turmas que acolhem crianças ou adolescentes com essas características. Um terço desses professores afirma não receber orientações específicas para lidar com essas crianças e um terço afirma que faz adaptação das atividades propostas aos alunos. Esses dados revelam que o processo de inclusão está sendo operado parcialmente, pois os professores enfrentam inúmeros desafios e limites no atendimento a esses alunos, tais como o tamanho das turmas (cuja média é de trinta alunos), a ausência de profissionais com formação especializada para acompanhamento e orientação das atividades de ensino, além da falta de espaços físicos adequados e/ou adaptados, sobretudo para o atendimento àqueles com dificuldades de locomoção. Essas situações reforçam a existência de uma progressiva intensificação do trabalho do professor, decorrente, em grande medida, das exigências de um Estado gestor e avaliador, acompanhadas de uma autointensificação que, conforme Hargreaves, caracteriza os professores que trabalham “movidos por um entusiasmo e um empenho quase impiedosos, numa tentativa de atingir níveis de exigências virtualmente inalcançáveis de perfeição pedagógica” (Hargreaves, 1998 op cit. Oliveira, 2007:357). Nesse sentido, Oliveira (2004) acrescenta que, em países como o Brasil, a escola acaba por ocupar um lugar que vai muito além de suas finalidades específicas, e por isso mesmo força os professores a absorverem demandas dirigidas a um Estado que possui obrigações sociais para muito além da educação. A mesma autora, citando Codo et al. (1999), constata que “a natureza do trabalho docente faz com que professores envolvam-se afetivamente com o seu trabalho em uma escala muito maior que qualquer outro trabalhador do setor da indústria, por exemplo” (Oliveira, 2005:11). Assim, mesmo enfrentando tantos desafios, a maioria dos professores sente-se sujeitos autônomos na condução do seu trabalho, o que lhe proporciona um alto grau de satisfação e realização pessoal e profissional, tendo em vista que, na pesquisa conduzida por Codo et al. (1999:8), 86% dos professores da educação básica da rede pública de ensino estão satisfeitos. Em nossa pesquisa junto aos professores de Goiás, esses dados se confirmam, uma vez que 67,7% dos entrevistados consideram que “trabalhar na educação lhes proporciona grandes satisfações” e 57,8% afirmam que “ainda escolheria trabalhar com a educação, se tivesse que recomeçar a vida profissional”.
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Para Oliveira et al. (2005:10), esse elevado grau de satisfação dos professores pode acabar por se constituir em uma das causas da autointensificação do trabalho, cuja origem também pode estar no alto nível de expectativas não atendidas na população. Segundo esses autores, “o professor provoca uma intensificação de seu trabalho para responder a uma demanda externa, de origens difusas. Muitas demandas apresentadas ao professor não podem ser resolvidas por ele, desvelando-se aí o lado perverso da autointensificação, causando sofrimento, insatisfação, doença, frustração e fadiga” (Oliveira et al., 2005:10). A intensificação, entrelaçando-se com a autointensificação, consiste, portanto, em processos sutis que, nem sempre perceptíveis a olho nu, aprisionam o professor em suas atividades profissionais.
Principais mudanças ocorridas no trabalho docente: controle versus autonomia No que se refere às modificações que as funções docentes vêm sofrendo ao longo do tempo e que podem conduzir a processos de intensificação do trabalho, os professores foram estimulados a avaliar alguns enunciados, para os quais deveriam responder sim ou não, quanto à ocorrência da referida situação em sua escola. A maioria dos professores respondeu sim para os seguintes enunciados: aumento do número de alunos/crianças por turma (51,8%), mudança no perfil dos alunos (71,7%), maior supervisão/controle de suas atividades (66,4%), aumento das exigências sobre o seu trabalho em relação ao desempenho de suas atividades (66,7%), maior autonomia na definição e desempenho de suas atividades (75,3%), incorporação de novas funções e responsabilidades (participação em reuniões, conselhos, etc.) (71,8%), e maior apoio na realização das suas atividades (65,3%). A maioria respondeu não aos seguintes enunciados: ampliação da sua jornada de trabalho (56,9%), competição entre as escolas da rede para conseguir melhores índices de qualidade (51,4%), realização de parcerias com fundações, ONGs e empresas que têm definido novas formas de organização e gestão do trabalho na unidade educacional (64,3%). Analisando-se as respostas dos professores, observa-se que alguns aspectos próprios do processo de intensificação do trabalho são bastante tangíveis, indicando ter havido o aumento real de trabalho, na medida em que, para mais da metade dos participantes, houve aumento no
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número de alunos por turma. Esse dado reflete a falta de investimentos do poder público na contratação de novos professores e na ampliação dos espaços físicos das escolas, ao tempo em que se verifica crescente aumento de demanda por novas vagas. Outro aspecto que traduz aumento do trabalho real é a percepção de 71% dos professores de que novas funções e responsabilidades (participação em reuniões, conselhos, etc.) vêm sendo incorporadas às suas funções docentes. Esse dado tanto pode indicar uma maior participação dos profissionais da escola nos processos decisórios e na consolidação de espaços democráticos de discussão do Projeto Político Pedagógico (PPP), como pode significar um ativismo em torno do discurso sobre a participação, em espaços nos quais se repassam informes sobre o que já está em curso no âmbito da gestão escolar e/ou dos sistemas de ensino. No caso desse estudo, não é possível afirmar qual situação tem sido predominante, embora haja indícios de que a segunda hipótese predomine, tendo em vista o pequeno quantitativo de professores que contam com horas remuneradas para o exercício das atividades não relacionadas diretamente ao ensino em sala de aula. Com relação ao modelo de gestão escolar implantado nas escolas, outros dados mostram que há grandes fragilidades na execução do projeto de gestão democrática anunciado nos Planos Oficiais e nos PPP das escolas. Os dados parecem revelar o predomínio do modelo burocrático e gerencial, considerando que 66,4% dos participantes desse estudo afirmam ter percebido aumento de controle e ou de supervisão das suas atividades. Paradoxalmente, 75,3% afirmam possuir maior autonomia na definição e desempenho das suas funções. Sobre a concepção de autonomia a qual esses professores se referem, Lessard apresenta um estudo sobre a atividade docente que contribui para compreender essa aparente contradição. Segundo o autor, no exercício da profissão, atribuímos à atividade um papel decisivo, pois É ela que dá vida a uma profissão e lhe permite evoluir, é nela que se exprime o papel de sujeito, é graças a ela que a ação é eficaz e adaptada. Se esta foi inicialmente tomada com a tarefa ou a prescrição, foi para mostrar que o trabalho real é a realização de uma pessoa numa situação que vai sempre para além da prescrição. A atividade não se reduz nunca à simples execução da tarefa: ela possui uma dimensão adaptativa ou criativa. (Lessard, 2009:120)
Nesse sentido, a regulação pela qual o trabalho docente passa no âmbito da gestão, pouco repercute no exercício da sua prática pedagó-
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gica, no seu exercício de ensinar, cuja atividade está indissociável da situação, do contexto que é apresentado em classe. Assim, a situação influi no curso da atividade, ao mesmo tempo em que esta (a atividade) modifica a situação. Portanto, parece que os professores compreendem que, mesmo submetidos a um controle externo do seu trabalho, por meio de processos avaliativos sistêmicos, diretrizes curriculares, programas e planos previamente determinados ainda possuem um espaço de autonomia em suas atividades de ensino. O que talvez não tenham consciência é que, a despeito de tratar-se de um aspecto positivo por abrir espaço para o exercício da crítica e da criatividade, poderá provocar ainda mais o sentimento de autorresponsabilização e, consequentemente, mais sofrimento e tensão em relação aos resultados dos estudantes. A esse respeito, Lessard (2009:121) também acrescenta que o sujeito não é somente cognoscente, ele tem sensações e emoções indissociáveis da cognição. Para o autor, numerosos estudos sobre o mal-estar do ensino e sobre o sofrimento no trabalho dão para perceber o caráter problemático do rendimento no trabalho, registrando-se uma grande variedade de respostas individuais a este mal-estar e sofrimento. Segundo ele, “é verdade que o trabalho de ensinar é um trabalho emocional (emotional labor), no sentido de que o professor gere emoções que se exprimem na aula, na ralação pedagógica, na relação dos alunos com as aprendizagens exigidas e com a sua avaliação” (Lessard, 2009:121). O autor sugere que existe uma carga emocional inerente ao trabalho do professor que poderá ser traduzida pela imagem de um profissional “apaixonado”, que ao entrar em sala de aula, empenha-se num esforço de mobilização dos alunos, como em um jogo. Nesse caso, o ensino tende a produzir no professor tanto emoções positivas como negativas. O desafio seria conseguir identificar o momento em que esse conjunto de emoções deixa de ser mobilizador e construtivo e passa a causar sofrimento e adoecimento. Ainda no contexto das condições de trabalho, 90% dos professores afirmaram que poderiam exercer suas funções com maior eficiência, caso pudessem contar com condições mais favoráveis de trabalho. Entretanto, esta insatisfação parece não estar relacionada às suas atividades de ensino, considerando os resultados de uma questão na qual os professores foram estimulados a analisar o grau de controle que consideram ter sobre algumas atividades relacionadas à sua prática de ensino em sala de aula. Mais da metade considerou que possui muito controle (ou autonomia) sobre a seleção dos conteúdos abordados em seu plano de trabalho, na avaliação dos alunos e na definição de suas atividades. Cerca de 40% consideram ter muito controle quanto à escolha dos métodos de educar,
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do material didático e da organização do seu tempo de trabalho; e 30% considera ter muito controle nos aspectos que dizem respeito à definição do projeto pedagógico da escola. Os resultados dessa questão ficaram bastante equilibrados em termos percentuais, ou seja, poucos professores, menos de 5%, consideram que não possuem controle sobre esses aspectos, o que sugere uma importante aproximação com as contribuições de Lessard (2009) a respeito da sensação de autonomia dos professores quanto ao exercício das suas atividades de ensino.
A organização e a gestão escolar na visão dos professores No que se refere aos aspectos relativos à organização e gestão da escola, em média 70% dos professores aprovam os trabalhos dos diretores, considerando que a gestão é democrática e que há colaboração do coletivo de docentes na formulação do PPP. Cerca de 50% consideram que a direção da sua escola passa a maior parte do tempo resolvendo problemas administrativos, e 71% consideram que os recursos financeiros destinados à sua escola são insuficientes para garantir condições adequadas de trabalho. Esses dados sobre o financiamento podem ser mais bem compreendidos quando se analisa a avaliação dos professores quanto à rede física, aos equipamentos e às instalações da sua unidade escolar. A esse respeito, constata-se uma insatisfação generalizada. Em média um terço dos professores considera que as condições físicas da sala de aula são regulares, e um terço considera que são ruins (aqui são incluídas ventilação, iluminação e demais condições do espaço). Quanto ao nível de ruído do ambiente, mais de 50% avaliam como sendo razoável, e cerca de 30% o consideram elevado. Em relação aos outros espaços de convivência da escola, um terço considera regular o espaço destinado ao descanso dos professores, e 24% o considera ruim. Um quarto dos professores considera os banheiros dos professores ruins. Os aspectos considerados satisfatórios por uma média de 40% dos professores são: condições dos equipamentos de som e TV, salas de informática, biblioteca e os recursos didáticos mais utilizados (livros didáticos, reprodução de textos e quadro de giz). Outros espaços de lazer como os parquinhos, não existem na maioria das escolas, e quando existem, são avaliados como sendo ruins por 23% dos professores. Por fim, um terço afirma que não existe quadra de esportes em sua escola.
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Esses dados já são conhecidos e compõem o imaginário dos cidadãos goianos, que contam com um farto volume de informações sobre a situação precária de funcionamento das escolas públicas, tanto no que se refere às instalações físicas quanto aos equipamentos e recursos de apoio pedagógico. São poucas as escolas públicas que recebem manutenção regular e satisfatória, e em geral, são as utilizadas pelos políticos em suas propagandas eleitorais. Quando indagados sobre esse problema, os representantes das secretarias de governo tendem a minimizar a situação ou devolverem a solução do problema para a própria escola, atribuindo os problemas existentes à incapacidade dos gestores em conseguir mobilizar a comunidade ou estabelecer “parcerias de sucesso” com o setor privado na busca de recursos financeiros que viabilizem as obras necessárias. Esse discurso revela que ainda está em curso o processo de desoneração das obrigações do poder público, iniciado nos anos de 1990 com as reformas educacionais, que, dentre outras estratégias adotadas para reduzir os gastos públicos com a educação, “delegaram” aos profissionais da escola pública a tarefa de captar recursos financeiros por meio de parcerias e/ou convênios com os setores da iniciativa privada, de incentivo ao voluntariado e de participação em editais para execução de projetos com de verbas públicas, etc. Esse quadro tende a ameaçar a autonomia dos gestores, sujeitando-os às regras de concorrência, de elaboração de planos, projetos, planilhas e tantos outros penduricalhos burocráticos, consumindo o seu tempo e desviando o foco das finalidades essenciais da gestão escolar. Outro efeito perverso desse processo é a concorrência que se estabelece entre as unidades escolares da mesma rede, que em alguns casos oferecem premiações por mérito aos gestores que demonstrarem mais eficiência e capacidade de transformar o espaço escolar com poucos recursos e muita criatividade. Essa concepção de gestão, pautada em práticas concorrenciais e meritocráticas, faz parte de um conjunto de princípios de cunho gerencial, inspirado nas experiências do setor produtivo de bens e serviços trazidos para o campo educacional, influenciando fortemente as políticas educacionais. Para Fonseca, Oliveira e Toschi, o estímulo a esses mecanismos de gestão está assentado em princípios defendidos pelo Banco Mundial e adotados pelos países signatários dessas políticas, segundo os quais “a tendência é empurrar as escolas públicas para a autossustentação, para parcerias com setores privados ou da comunidade local” (2004:110). Para os técnicos do BM, os recursos públicos estão mal aplicados, e a solução para esse problema seria a intensificação do controle sobre os
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recursos e o estímulo a administrações mais eficientes, com base em um gerenciamento mais racional e eficiente. Nessa perspectiva, “a escola pública é identificada com uma empresa capitalista, capaz de competir pelas mesmas regras – de autossustentar-se e de flexibilizar-se – ajustando-se às exigências comerciais e empresariais” (ib.:111). Esta fórmula de gestão e organização das escolas públicas tem contribuído de maneira perversa para dividir os profissionais da educação em categorias distintas, com interesses aparentemente divergentes ou contraditórios, enfraquecendo os movimentos de resistência. Instala-se, portanto, um clima de desconfiança e ameaças veladas. Em geral, responsabilizam-se os dirigentes por maior eficiência na gestão dos espaços físicos, dos recursos financeiros e da performance geral da escola nos rankings nacionais, e aos professores no exercício da docência; predominam as cobranças por melhores desempenhos dos seus estudantes nos exames nacionais sistêmicos, fundamentais na classificação das escolas como produtivas e eficazes.
Considerações finais As características da pesquisa, realizada em diversos estados brasileiros, organizada sob a forma de survey, por meio de um extenso e minucioso questionário, nos possibilitou conhecer melhor os professores da educação básica nos mais diferentes aspectos. A experiência de contatar, agendar e conversar com os professores individualmente em uma situação de entrevista, com duração média de uma hora, revelou aspectos do cotidiano escolar e das experiências dos professores, que, em muitos casos, não puderam ser captados pelo questionário de coleta de dados. Alguns exemplos podem ser trazidos para ilustrar um pouco do que foi revelado pelos dados analisados, podendo contribuir para reforçar algumas constatações ou colocar outros aspectos da dinâmica escolar em discussão. Em relação à questão na qual os professores são convidados a avaliar a gestão da sua escola, por exemplo, muitos dos professores, na aplicação do questionário, se mostraram reticentes, pensativos e, em alguns momentos, inseguros para responder. Especificamente na questão sobre se “a gestão é democrática envolvendo o coletivo dos docentes no planejamento dos trabalhos”, muitos demonstravam, pela expressão fisionômica, que discordavam da afirmação, mas acabavam respondendo que sim, que concordavam. Muitos professores respondiam
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com ironia à questão sobre a liderança exercida pelo diretor, deixando claro pela postura corporal que a liderança exercida era pautada mais pelo autoritarismo do que pelo diálogo. Enfim, foi possível observar que, para grande parte dos professores ouvidos, o diálogo com a direção escolar tem sido realizado com muitos entraves e dificuldades. Entretanto, os dados revelam um pequeno percentual de professores descontentes: apenas 16,4% deles responderam que discordam da afirmação acerca da gestão democrática. Em frases ditas logo após a aplicação do questionário, alguns revelaram que não poderiam ser identificados como alguém que discorda da direção da escola. Observa-se, ainda, que mais de 80% dos professores responderam que os diretores devem “receber formação específica para ser diretor”, o que pode ser um indício de que os professores discordam das práticas dos seus dirigentes por considerá-los pouco preparados para o exercício da função. No caso dos professores da rede estadual, essa insatisfação velada em relação à gestão escolar pode ser creditada ao modo como o governo do estado vem conduzindo as suas políticas para a educação básica, deslocando a solução dos problemas educacionais para a própria escola por meio da implantação de um projeto por ele mesmo denominado de “choque de gestão”, que consiste na adoção dos princípios e das práticas da gestão estratégica, pautada em resultados, conforme descreve o estudo de Fonseca, Oliveira e Toschi (2004). No ano de 2011, o governador mandou fixar uma placa com o índice do Ideb na porta das escolas, sob o argumento de que a sociedade deveria tomar conhecimento da posição de cada unidade escolar no ranking estadual para, assim, poder pressioná-la por melhores resultados. Essa ação reforça a política da responsabilização das escolas e dos professores, mais uma vez minimizando a importância das políticas e ações de melhoria que deveriam ser conduzidas pelo poder público, sobretudo no que diz respeito a maiores investimentos na infraestrutura escolar e no plano de carreira e salário dos professores50. No início de fevereiro de 2012, o sindicato mobilizou os professores da rede estadual em assembleia, com indicativo de greve, diante da proposta apresentada pelo governo para alteração do Estatuto e do Plano de Carreira dos Profissionais da Educação. Segundo a presidente do sindicato, para cumprir a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional, o governo pretende “cortar direitos dos professores e achatar a carreira dos profissionais. A variação dos aumentos, que vão de 5 a 50%, de acordo com a formação do professor, passaria a ser de 10 a 20%. Dessa forma, o piso se transformaria em teto” (Iêda Leal, 2012). Presidente do 50
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Diante das pressões do governo pela melhoria dos indicadores educacionais da escola, parece não restar alternativa aos dirigentes senão repassá-la à sua equipe, tornando as relações no interior das escolas cada vez mais tensas e o ambiente mais propício para o surgimento de conflitos e mal-estar entre os pares. Por outro lado, o discurso oficial de valorização dos professores tem repercutido muito mais na sua responsabilização pelo sucesso ou fracasso dos alunos do que na efetivação de ações concretas que redundem em melhorias das suas condições de trabalho e desenvolvimento na carreira. A maioria dos professores da educação básica de Goiás, participantes da pesquisa, encontra-se, portanto, premida pelas expectativas sobre os resultados do seu trabalho e impotente para resolver todos os problemas de aprendizagem que os estudantes apresentam. Além disso, os professores convivem cotidianamente com desafios que afetam o seu equilíbrio físico e emocional por precisar ensinar muitos alunos, aglutinados em salas desconfortáveis, utilizando-se de poucos recursos pedagógicos para enfrentar a heterogeneidade existente entre os estudantes, além de conviver com uma histórica desvalorização profissional e baixo prestígio social.
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Capítulo 7
O trabalho e a saúde dos docentes em Goiás Wanderson Ferreira Alves
“A vida é formação de formas, o conhecimento é análise das matérias informadas.” Georges Canguilhem, La connaissance de la vie
O presente artigo aborda os resultados da pesquisa Trabalho docente em Goiás em relação ao tema da saúde dos docentes. Desenvolvida em âmbito nacional sobre o trabalho docente, a investigação compreende uma pesquisa do tipo survey realizada com uma amostra de 1.113 sujeitos docentes da educação infantil ao ensino médio de escolas públicas estaduais, municipais e conveniadas das cidades de Goiânia, Caldas Novas, São Luís dos Montes Belos, Inhumas e Planaltina51. As questões compunham aspectos sobre formação, condições de trabalho, remuneração, hábitos de vida e saúde. É exatamente sobre este último aspecto, o concernente à saúde e suas interfaces, que nos deteremos aqui. O texto a seguir inicialmente procura, ainda que brevemente, situar o leitor no âmbito da temática das relações entre saúde e trabalho; em seguida, apresenta alguns dos resultados encontrados na pesquisa; por
A presente investigação integra uma pesquisa nacional sobre o trabalho docente na educação básica no Brasil, que foi coordenada por Dalila Andrade Oliveira e Lívia Fraga, ambas professoras da Faculdade de Educação da UFMG. Para maiores informações sobre a pesquisa, inclusive sobre os aspectos metodológicos e amostrais, sugerimos consultar o relatório final nacional, que pode ser acessado em http://trabalhodocente.net.br/. 51
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último, finalizando o texto, traz questões para serem aprofundados em pesquisas e estudos posteriores.
Trabalho, saúde, ensino A ideia de que escolas e professores vão mal instalou-se em nossa sociedade. Apartir de lugares e interesses diferentes, a crítica à escola e aos professores mobiliza vários atores: de pais de alunos a agências internacionais, governos, secretários de educação e empresários. Ela pode ser acompanhada, por exemplo, nas reportagens sobre a qualidade do ensino nas escolas, nas que noticiam casos de violência ou divulgam resultados de macroavaliações, como a Prova Brasil e o Enem. Por um lado, os professores e escolas parecem espiados com desconfiança, sitiados ante um discurso acusatório difuso que imputa à escola descompasso com seu tempo, acusam-na de não educar e instruir à altura das exigências da contemporaneidade, enfim, de não fazer o que precisa ser feito. Por outro, os professores se veem diante de novas exigências, tais como as mudanças no perfil dos alunos, demandas de acompanhamento diferenciado, mudanças curriculares, acúmulo de tarefas, prestação de contas aos órgãos centrais e à comunidade, maior controle sobre os resultados de sua atividade sem que sejam previstos e providos os meios necessários para realizá-la. Tudo isso ao mesmo tempo em que mudanças sociais importantes, que extrapolam e muito o âmbito escolar, se fazem presentes dentro dela, como dizia Enguita (1998) sobre o ritmo das mudanças na sociedade contemporânea: as mudanças são hoje não mais intergerações, mas intragerações, o resultado é que não somente vivemos em um mundo que não é o mesmo de nossos pais, mas que possivelmente crescemos em um mundo e nos tornamos adultos em outro. Nesse cenário em que o trabalho docente torna-se cada vez mais importante, mas também a escola e seus professores se veem cercados por problemas de diversas ordens, a ideia de um mal-estar docente se tornou mais e mais presente na literatura acadêmica. Uma literatura que tentava dar conta do desconforto experimentado pelos professores, estudos que tentavam entender as motivações que levavam ao absenteísmo e, sobretudo, buscavam compreender porque muitos professores pareciam baixar os braços sem ter mais forças para continuar na profissão. Nos anos 1980, a publicação do livro O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores, do espanhol José Manuel Esteve, assinalava
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que o tema era emergente e dizia respeito a questões que faziam eco para além da realidade experienciada pelos professores espanhóis. A primeira edição da obra data de 1987, e em seguida foi publicada em outros países, como Portugal, França, Bélgica e Brasil. Esteve falava do mal-estar no sentido de algo difícil de se identificar e localizar precisamente, do mal-estar como um incômodo indefinível, precisando, inclusive gradualmente – em ordem qualitativa no que diz respeito ao mal-estar, em ordem decrescente no que diz respeito ao número de professores atingidos –, algumas de suas consequências: 1- Sentimento de desconcerto e insatisfação ante os problemas reais da prática do magistério, em franca contradição com a imagem ideal do mesmo que os professores gostariam de realizar; 2 - Desenvolvimento de esquemas de inibição, como forma de cortar a implicação pessoal no trabalho realizado; 3 - Pedidos de transferência como forma de fugir de situações conflitivas; 4 - Desejo manifesto de abandonar a docência (realizado ou não); 5 - Absentismo trabalhista como mecanismo para cortar a tensão acumulada; 6 - Esgotamento. Cansaço físico permanente; 7 - Ansiedade como traço ou ansiedade de expectativa; 8 - Estresse; 9 - Depreciação do ego. Autoculpabilização ante a incapacidade para melhorar o ensino; 10 - Ansiedade como estado permanente, associada como causa-efeito de diversos diagnósticos de doença mental; 11 - Neuroses reativas; 12 - Depressões. (Esteve, 1999:78)
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Para explicar o que conduz essa situação a tais quadros, o autor lista aspectos principais e secundários que, segundo ele, influem no mal-estar docente. Os secundários seriam aspectos de natureza contextual (modificação da imagem social do professor, a escola como instituição questionada, etc.), e os principais seriam aspectos que incidem diretamente no exercício docente (recursos materiais, condições de trabalho, violência nas escolas, etc.). É nesse tecido formado por aspectos secundários e principais que Esteve, com a ajuda de dados estatísticos e relatórios sobre saúde docente, argumenta que uma combinação de fatores pode levar os professores a uma situação de esgotamento profissional: em uma evolução negativa do referido quadro, o “mal-estar docente” acaba “queimando” os professores em diferentes níveis (Esteve, 1999:58). A ideia aludida anteriormente de que os professores podem se “queimar” não é fortuita. Ocorre que, embora com nuanças, uma parte importante do raciocínio do autor se baseia nas teorias sobre o estresse (cf. p.102 e ss.), mais especificamente em torno do burnout, expressão que na língua inglesa remete à ideia de queima de dentro para fora, ou à ideia de que o fogo se esvai. A tradução remete a uma síndrome de esgotamento profissional52. Abordagens como as descritas acima tiveram grande acolhida no meio acadêmico e têm, entre outros, o mérito de colocar o trabalho e a saúde dos professores no debate educacional. Nos últimos anos, o tema do trabalho e saúde docente progrediu e mereceu atenção de diversos pesquisadores que contribuíram em aspectos teóricos e metodológicos para seu desenvolvimento. Assim, na França, os estudos de Françoise Lantheaume compreendem uma sociologia do trabalho que se interessa pelo trabalho dos professores e, especialmente, pelo sofrimento ordinário vivenciado pelos profissionais do magistério. A partir de uma base teórica fundada na sociologia, mas também nos estudos em psicologia do trabalho e na psicodinâmica do trabalho, a autora se interroga pelo modo como os docentes vivem subjetivamente o trabalho, pelas condições objetivas de sua atividade e por sua construção identitária (Lantheaume, 2006). No Brasil, pode ser citado, entre outros, o estudo realizado por Gomes & Brito (2006), em que as autoras se valem das contribuições da
A partir dos estudos de Marlach & Jackson, Jacques (2003:103) aponta que o burnout pode ser compreendido como uma reação à tensão emocional crônica, que envolve três fases: exaustão emocional, despersonalização e a diminuição do envolvimento pessoal no trabalho. No Brasil, os estudos desenvolvidos por Wanderley Codo (2000, especialmente a parte V) e seus colaboradores são uma referência importante sobre trabalho docente e burnout. 52
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psicologia do trabalho e da análise ergonômica do trabalho para estudar as relações entre trabalho e saúde na docência. Na referida pesquisa, o foco é a inventividade dos trabalhadores face às situações laborais. As autoras não perdem de vista as condições de trabalho e os riscos à saúde dos professores, mas afirmam, seguindo a epistemologia de Canguilhem, a saúde a partir do que é a vida e o vivo53. É importante registrar que uma parte das pesquisas sobre a saúde dos professores no Brasil parece ter seguido o movimento que mais amplamente ocorreu no campo da saúde do trabalhador, na área da saúde coletiva, no sentido de uma visão crítica da realidade social, atenção com o processo de trabalho (Marx) e incorporação dos trabalhadores no próprio movimento de compreensão/transformação da realidade, pois compreende-se que estes “constituem-se em sujeitos político coletivos, depositários de um saber emanado da experiência e agentes essenciais de ações transformadoras” (Minayo-Gomez, 2011:27), nesse horizonte “a incorporação desse saber é decisiva, tanto no âmbito da produção de conhecimento como no desenvolvimento das práticas de atenção a saúde” (ibid.). São várias as pesquisas e estudos sobre o trabalho e a saúde dos professores que se aproximam dessa perspectiva (Marchiori, Barros de Barros e Oliveira, 2005; Barros de Barros, Heckert, Margotto, 2008; Silva et al. , 2009). A relação entre trabalho e saúde tem sua história e seus debates peculiares, seja em torno de seus aspectos teóricos, seja em torno de seus aspectos metodológicos54. Essa história e esses debates não podem ser apresentados em um espaço tão resumido, mas, antes de finalizarmos esta seção, gostaríamos de trazer três aspectos, que nos parecem da maior pertinência, extraídos desse debate crítico entre os autores e suas abordagens.
O médico-filósofo francês Georges Caguilhem desenvolveu uma filosofia da vida que influenciou diversos estudiosos da relação entre trabalho e saúde. Canguilhem evidencia como aquilo que é vivo não é indiferente ao meio (a indiferença é a própria ausência da vida), bem como que a vida comporta normatividade, isto é, capacidade de ser normativo em relação ao meio (perda da capacidade normativa assinala justamente o patológico). Assim, de modo um tanto esquemático, pode-se dizer que a vida resiste à sua anexação de fora ao mesmo tempo em que o debate com o meio é algo sempre aberto: a vida joga contra a entropia crescente, diz o referido autor. (Canguilhem, 2006, 2009) 54 Um panorama dos debates atuais no âmbito da saúde do trabalho pode ser acompanhado em uma obra que reúne artigos de diversos pesquisadores e que foi recentemente publicada pelo Fiocruz. (Cf. Minayo-Gomes, Machado e Pena, 2011). 53
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Um primeiro aspecto refere-se ao cuidado em não derivar por análises individualizantes e que deslocam a questão dos meios de trabalho para o trabalhador, como assinala Jacques sobre algumas das dificuldades nas abordagens que se valem da perspectiva do burnout, mesmo considerando a questão da natureza do trabalho: “o enfoque ainda dicotomiza a dimensão externa e interna em que a natureza do trabalho se apresenta como fonte de tensão individualmente experimentada pelo trabalhador” (Jacques, 2003:103). Um segundo aspecto diz respeito ao cuidado em evitar relações lineares do tipo causa e efeito, expressas, por exemplo, na noção de que um fator x resulta em y, ou que a combinação de um conjunto de fatores x-y-z produz tais e tais resultados. São os riscos da “impactologia” comentada por Athayde (2011), risco de se fazer taboa-rasa das situações de trabalho, de sua dinâmica e complexidade. No que concerne ao terceiro aspecto que gostaríamos de sublinhar, ele diz respeito aos modos com que parte da literatura acadêmica, e mesmo os sindicatos, aborda a relação entre trabalho e saúde, modos esses que Clot (2010) denomina ironicamente de modelo toxicológico. O autor observa que o trabalho não é uma sorte de substâncias tóxicas, algo cuja exposição traria, necessariamente, ônus para a saúde do trabalhador (no ensino podemos pensar no contato com os alunos, as exigências da gestão da classe, etc.). Essa visão, por vezes implícita em certas abordagens no âmbito dos estudos sobre trabalho e saúde, mais obscurecem que ajudam de fato a compreender o que se passa. Ademais, não permitem compreender como o trabalho tem funções vitais importantes: “o trabalho é uma base que mantém o sujeito no homem” (Clot, 2006:8). E é ele mesmo, quando considerado a partir da atividade, algo em que um olhar atento encontrará um operador de saúde: “o que mais custa ao trabalhador não é o gesto, mas a atividade impedida”, observa Clot (ibid.). Nesse horizonte, a luta não é contra o trabalho, mas a partir do trabalho e no interior dele, uma luta por mudá-lo. Tendo, ainda que brevemente, situado o leitor em parte das discussões existentes no âmbito dos estudos e pesquisas sobre trabalho e saúde, a seguir apresentamos e discutimos alguns dos achados da pesquisa sobre o trabalho docente em Goiás no tocante ao tema da saúde docente.
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Saúde docente em Goiás: resultados da pesquisa A pesquisa sobre trabalho docente em Goiás permite conhecermos um pouco dos hábitos de vida dos docentes, hábitos estes implicados em seu bem-estar e em sua qualidade de vida. Nesse âmbito, a pesquisa indagou os docentes sobre como costumam utilizar seu tempo fora do espaço laboral, seu tempo livre. Na pergunta que lhes foi feita, os participantes podiam assinalar até três itens. O Quadro 1 resume as respostas obtidas.
Quadro 1. Atividades que os sujeitos docentes costumam fazer no tempo livre Atividade física que costuma fazer no tempo livre
Relação ao total de respostas
Tarefas domésticas
52%
Programas em família
50%
Ler
41%
Descansar
37%
Cuidar de mim
28%
Dormir
21%
Ver televisão
20%
Atividades físicas
12%
Ir ao cinema
7%
Atividades lúdicas (jogos, entretenimento, etc.)
7%
Outros
7%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Disposto em ordem decrescente, o quadro 1 mostra que a maior parte dos sujeitos docentes (52% das respostas) ocupa o tempo livre com tarefas domésticas, bem como realizam programas em família (50%), praticam leitura (41%) e optam por descansar (37%). Entre os itens menos assinalados, temos a prática de atividade física (12%), ir ao cinema (7%) e realizar atividades lúdicas (7%).
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Nas respostas, chama a atenção o espaço que a relação com a família ocupa no tempo livre dos sujeitos docentes, tanto no item “programas em família” como no item “tarefas domésticas”. Esses dados, por si só, não dizem muito coisa. No entanto, se considerarmos que há ruptura de espaços entre o trabalho e fora dele, bem como há continuidades entre esses espaços, a questão ganha interesse, especialmente se levarmos em conta a divisão sexual do trabalho55 existente em nossas sociedades. Se estamos tratando de um grupo profissional formado majoritariamente por mulheres (a presente pesquisa apurou que nada menos que 87% dos sujeitos docentes em Goiás são mulheres) e se constatamos que grande parcela desse grupo profissional (52%) afirma preencher o tempo livre com tarefas domésticas, isso faz pensar sobre as implicações de tal constatação diante de um quadro em que historicamente as mulheres enfrentam a tensão entre o exercício profissional e o trabalho doméstico. Voltaremos a essa questão adiante. Outro aspecto presente na pesquisa diz respeito à prática de atividade física. É verdade que o item aparece também no questionamento anterior sobre o tempo livre, mas aqui a pergunta é formulada de maneira específica. Os sujeitos docentes responderam à seguinte indagação: você pratica alguma atividade física regularmente? As respostas assinalam que 28% dos sujeitos docentes praticam regularmente alguma atividade física, bem como assinalam que 16% praticam uma ou duasvezes por semana e 55% não praticam atividade física nenhuma vez. A prática de atividade física é notoriamente considerada um fator de proteção em relação à saúde das populações, mas é importante atentar para dois detalhes: primeiramente, a atividade física é sensível ao quesito renda, ou seja, flutua conforme as faixas de renda da população: os extratos com menor rendimento praticam menos, os com rendimento mais alto praticam mais56; em segundo lugar, a Organização Mundial de Saúde considera como ativas na prática de atividade física as pessoas que se exercitam pelo menos três vezes por semana e por períodos iguais
Marcando explicitamente o importante lugar do trabalho na sociedade, o conceito de divisão sexual do trabalho tem suas bases na França dos anos de 1970. Conforme Hirata e Kergoat (2007), o termo possui duas acepções: uma sociográfica, no que se refere à distribuição de homens e mulheres no mercado de trabalho, nas profissões, etc.; a outra corresponde a um passo adiante – embora a primeira continue indispensável – nesse domínio, implicando em mostrar que as desigualdades são sistemáticas, desenvolvendo análises sobre a realidade que possibilitem a reflexão sobre como a sociedade hierarquiza a atividade e o trabalho dos homens e das mulheres. 56 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2008). 55
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ou superiores a vinte minutos. Assim, considerando os sujeitos docentes que declararam realizar atividade física três ou mais vezes por semana, apenas 28% dos sujeitos docentes podem ser considerados como praticantes regulares de atividade física, o que, consequentemente, resulta em 72% dos sujeitos docentes que poderiam ser considerados como pessoas que não praticam atividade física ativamente. A presente pesquisa também traz informações sobre outros aspectos importantes: sobre o afastamento dos sujeitos docentes, sobre as licenças médicas, sobre o possível acometimento da voz no exercício profissional e sobre a situação dos sujeitos docentes em relação à cobertura por planos de saúde. Vejamos a seguir cada um desses aspectos. Aos sujeitos docentes foi perguntado se, nos últimos 24 meses, tiveram afastamento de suas funções por meio de licença médica: 22% responderam que sim e 77% responderam que não se afastaram por licença médica durante o período. Aos sujeitos docentes também foi perguntado os motivos que os levaram ao afastamento; as respostas apontaram que foram em decorrência de doenças musculoesqueléticas (4% dos casos); depressão, ansiedade e nervosismo (3%); estresse (2%); e problemas de voz (2%). A categoria “outros” abarcou a maior parte dos casos (14%), e abrange situações como o afastamento devido à realização de uma cirurgia, à ocorrência de um acidente, entre outras possibilidades. O quadro 3 reúne as respostas sobre a referida questão.
Quadro 2. Afastamentos por licença médica Motivo do afastamento
Resposta
Estresse
2%
Depressão, ansiedade ou nervosismo
3%
Doenças musculoesqueléticas
4%
Problemas de voz
2%
Outros
14%
Não se aplica*
75%
Não respondeu
-
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010. Nota: Compreende a totalidade de casos em que a pergunta não se aplicava ao sujeito docente: não se afastou, não se afastou por licença médica, etc.
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Como a voz é uma ferramenta de trabalho importante para os sujeitos docentes, a disfonia57 está sempre à espreita. Assim, um indicador pertinente no domínio da saúde é justamente o estado da voz, conforme evidenciam estudos que trazem dados epidemiológicos (Lemos e Rumel, 2005; Assunção e Oliveira, 2009). Considerando a importância da voz no ensino, a pesquisa indagou os sujeitos docentes em relação aos hábitos e possíveis dificuldades com a voz. Eles foram perguntados sobre a ingestão de água durante as aulas e os resultados apurados mostraram que 69% dos sujeitos docentes a fazem. Também foi abordada a fadiga e a percepção de degradação qualitativa da voz, ao se perguntar aos sujeitos docentes se nas últimas semanas tinham apresentado cansaço para falar. As respostas indicaram que 53% não sentiram cansaço nas duas últimas semanas, 28% o sentiram de vez em quando e 18% o sentem diariamente. Outra pergunta versando sobre o estado da voz interpelava os sujeitos docentes quanto à sua percepção sobre a piora da voz nas duas últimas semanas. As respostas assinalaram que pouco mais da metade não percebe piora (53%), uma parcela significativa (28%) assinala que percebe piora da voz de vez em quando e outra parcela importante (18%) compreende que isso ocorre diariamente. Ambas as perguntas reforçam em seus achados que o exercício profissional da docência demanda importante esforço no tocante ao uso da fala. Se considerarmos o cansaço ou a constatação de piora na qualidade da voz, temos que mais de 40% dos sujeitos docentes apontou certo nível de dificuldade com a voz. Outro aspecto que precisa ser considerado diz respeito ao acesso dos sujeitos docentes aos serviços de saúde. O Brasil possui um sistema de cobertura pública de saúde universal, o Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, tendo em vista identificar as várias formas de cobertura existentes, para além da cobertura universal formalmente existente para os cidadãos brasileiros, a presente pesquisa deliberadamente desconsidera o SUS. Assim, foi perguntado aos sujeitos docentes: você possui plano de saúde? As respostas indicam que cerca de 31% dos sujeitos docentes não o possuem, e que 69% o possuem, o que contrasta com o perfil geral da população brasileira: os números da Pnad (2008) indicam que
Disfonia é qualquer alteração da voz decorrente de um distúrbio funcional e/ ou orgânico do trato vocal, podendo expressar-se por vários sintomas: cansaço ou esforço ao falar, rouquidão, pigarro ou tosse persistente, sensação de aperto ou peso na garganta, falhas na voz, falta de ar para falar, afonia, ardência ou queimação na garganta, dentre outros (Jardim, Barreto e Assunção, 2007:2679). 57
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apenas 25,9% da população possui plano de saúde. Provavelmente essa discrepância deve-se ao fato do magistério ser uma carreira ligada à administração pública, o que permite – mesmo que por vezes bastante aquém do desejado – certo nível deproteção social, aí incluindo o plano de saúde. Entre os sujeitos docentes que afirmaram possuir plano de saúde, uma pequena parcela (4%) não arca com os custos do plano de saúde, grupo esse que pode reunir casos em que o cônjuge ou um filho custeia integralmente o plano de saúde para o sujeito docente. A maior parcela arca com parte dos curtos (39%), grupo que pode reunir os casos em que o plano de saúde é proveniente da própria administração pública estadual ou municipal. Outra importante parcela (26%) arca integralmente com os custos do plano de saúde, reunindo aqueles que possuem plano de saúde privado. Como se sabe, planos de saúde privado são caros e é preciso considerar que seu impacto não é desprezível nos vencimentos dos sujeitos docentes. Tal constatação faz pensar sobre a qualidade, amplitude de cobertura e mesmo a existência dos planos de saúde acessados pelos sujeitos docentes via administração pública: auferindo comumente baixos salários, o que leva 26% dos sujeitos docentes a buscar planos de saúde no qual precisam pagar integralmente por seus custos? Após termos realizado todo esse percurso, expondo alguns dos principais achados da pesquisa, gostaríamos de chamar a atenção para um fato interessante. Por um lado, o exercício do magistério parece fisicamente extenuante e eivado de dificuldades, como atestam alguns dos dados até aqui arrolados e os demais textos que compõem o presente livro. Por outro lado, os sujeitos docentes parecem manter uma relação singular com o trabalho. Nesse ponto, é preciso incorporar aspectos que se apresentam na relação entre o trabalhador e o trabalho, ter em conta sua subjetividade, a organização do trabalho e a saúde. De início, é oportuno relembrar que os professores, como dizia Enguita (1998), exercem sua profissão em uma sociedade em mudança; toda a questão está em desdobrarmos o conteúdo dessas mudanças, especialmente quando observamos o que elas representam em matéria de políticas educacionais: desinvestimento estatal, autonomia regulada, responsabilização de escolas e professores, etc. Os sujeitos docentes vivem esses processos: 69% apontam que atualmente há maior supervisão/ controle sobre suas atividades e 70% apontam aumento das exigências sobre seu trabalho em relação ao desempenho dos alunos. De outra parte, apontam também que parecem ter mais autonomia: nada menos
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que 78% dos sujeitos docentes indicam ter mais autonomia na definição e desempenho de suas atividades. Se há mais controle e autonomia, o que se passa nas escolas? O paradoxo é inteligível se considerarmos que essas mudanças, no âmbito das políticas e da gestão dos estabelecimentos de ensino, se relacionam à busca por incitar a responsabilização docente, questão que é corroborada quando se identifica que 78% dos sujeitos docentes responderam se sentir responsáveis pelo desempenho de suas escolas nas avaliações realizadas pelos governos federal, estadual e municipal. Contudo, analisando as condições em que o trabalho docente é desenvolvido (cf. capítulo 6 do presente livro), uma contradição aparece: as políticas e as ações de gestão conclamam a presença dos professores ao mesmo tempo em que os meios para realizar o trabalho não lhes são dados, pois falta apoio para atender alunos com necessidades especiais; falta tempo para planejar, para se reunir com os colegas; falta salário digno e sobram longas jornadas de trabalho. Essas questões são importantes porque sabemos que as contradições entre exigências institucionais/organizacionais e os meios oferecidos para a realização do trabalho têm consequências de diversas ordens, desde a qualidade do que é realizado até a saúde dos diretamente envolvidos com a produção, tanto a ergonomia (Guérin, 2004) como estudos sobre trabalho docente o demonstram (Alves, 2010). A instituição/organização realiza o que precisa realizar, mas o faz à custa de um deletério uso da atividade humana e, por essa via, da saúde dos trabalhadores. Um dado que chama a atenção em tudo isso é que, diante do contexto adverso no qual os professores julgam que aquilo que realizam é socialmente pouco valorizado, um grande percentual destes (87%) disseram que se veem como pessoas com um papel importante no futuro de seus alunos. Outro grande número de sujeitos docentes (73%) se diz satisfeito realizando atividades de cuidado com os alunos/crianças, ao passo que parar de trabalhar na educação é algo que nunca ou raramente passa pela imaginação da maior parte deles (73%). Novamente, é preciso que nos interroguemos: o que se passa? Por que os professores se investem? Podemos levantar hipóteses, mas sugerimos que decretos à distância são temerários nesse terreno; mais prudente é conhecer o que ocorre nas situações de trabalho, um campo promissor que o recurso à análise da atividade58 pode oferecer. A ergonomia de base francesa conferiu, na interpretação/intervenção nas situações de trabalho, valor heurístico à noção de atividade desenvolvida pela 58
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Algumas considerações Um primeiro aspecto nos dados da pesquisa que chama a atenção diz respeito aos usos do tempo fora do trabalho, aspecto que foi sublinhado na indagação sobre prática de atividade física e lazer. Relembremos que os sujeitos docentes não são exatamente assíduos com a atividade física: 72% dos sujeitos docentes poderiam ser considerados como pessoas que não praticam atividade física ativamente. Relembremos que as mulheres compõem a maior parte, mais de 80% dos sujeitos docentes participantes da pesquisa, e que os programas em família e principalmente as tarefas domésticas – esta última chegando a 52% do tempo livre – ocupam a maior parte do tempo livre dos sujeitos docentes. A partir desses aspectos anteriormente assinalados, é possível imaginar o que significa para os sujeitos docentes em Goiás, na condição majoritária de mulheres, trabalhar nas escolas em extensas jornadas (43% dos sujeitos docentes trabalham mais de 30 horas semanais), não raramente em mais de uma unidade educacional (40% trabalham em duas ou mais escolas), e rotineiramente levam atividades da escola para serem realizadas em casa (59% dizem que sempre levam atividade de trabalho para fazer em casa). Em resumo, o tempo fora do trabalho e no trabalho se cruzam, e o conflito é patente. Nesse âmbito, é preciso ter em conta que tudo isso marca um certo modo de circulação do tempo dentro e fora do trabalho, economicamente enquadrado e no qual homens e mulheres ocupam posição diferente e desigual. No entanto, é o mesmo corpo que circula na esfera do trabalho e fora dela, e é importante ter em mente as consequências disso, pois repousam sobre as mulheres exigências por vezes pesadas demais e a um passo da sobrecarga de trabalho, o que pode resultar em danos à saúde e à qualidade das atividades realizadas. O trabalho é, sim – conforme definia Georges Friedmann em 1961, na ocasião da publicação do tratado de sociologia do trabalho –, uma sorte de “comum denominador e uma condição de toda vida humana em sociedade” (Friedmann, 1992:13). Mas o trabalho é, também, desipsicologia soviética. Nos quadros da ergonomia, a atividade remete ao que o trabalhador faz, ao que ele mobiliza, ao que ele põe em marcha na realização da tarefa no contexto de uma situação de trabalho, ela mesma perpassada por um modo de organização do trabalho, por relações hierárquicas, por demandas (temporais e espaciais) de diversas ordens e pela própria atividade dos outros trabalhadores. A esse respeito, cf. Guérin (2004) e Schwartz e Durrive (2007).
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gualmente dispensado e vivido por homens e mulheres. Estas se veem em situação tensa, senão conflitante: a incumbência de lidar com as responsabilidades da vida profissional e as da vida doméstica. Para o leitor dimensionar bem o que isso significa, uma pesquisa, ao examinar a realidade nacional a partir dos dados apresentados pela Pnad, apontava que em 68% de respostas afirmativas quanto à participação do sujeito pesquisado nas atividades domésticas, o “sim” compreendeu 90% de mulheres e 45% de homens. Quando perguntados sobre o tempo que essas tarefas domésticas consumiam, a média semanal foi de 21,9 horas; todavia, desagregando por gênero, tinha-se 27 horas semanais para as mulheres e 10 horas semanais para os homens (Bruschini, 2007). A mesma pesquisa agrega um dado curioso e importante. A autora observa que o percentual de homens que se envolve no trabalho doméstico não é desprezível, mas ressalta que se deve notar que o envolvimento destes se dá em tarefas seletivas: eles fazem certas atividades, não outras. Enfim, por várias formas, a desigualdade está presente e se manifesta. Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito aos indicadores diretos de saúde, como afastamento por licença médica, estado da voz, etc. Eles nos dão o perfil geral e mapeiam as ocorrências, por exemplo, quando informam que 22% dos sujeitos docentes goianos tiveram afastamento médico (no Brasil esse percentual de afastamento docente é de 38%). Do mesmo modo, os dados da pesquisa dão indícios de que o trabalho docente comporta determinadas características e exigências particulares, por exemplo, quando assinala que mais de 40% dos sujeitos docentes da pesquisa apresentaram certa dificuldade no tocante ao uso da voz, seja por cansaço ou constatação de piora na qualidade da voz. Tais indicadores são muito importantes na medida em que delineiam o que se passa em grandes conjuntos, mas quando se trata de trabalho, é sempre importante também estar atento ao fato de que não se pode dissolver as partes na racionalidade do todo. Dito de outro modo, os dados obtidos jogam luz sobre vários aspectos, o passo adiante é examinar os contextos. Gostaríamos de chamar a atenção sobre a necessidade de desdobrar a pesquisa em investigações sur le terrain, tendo em vista compreender a relação entre trabalho e saúde a partir da dinâmica das situações concretas, pois nesse domínio a questão não é a de soma ou de combinação de características, mas a de uma articulação no trabalho real: a voz fadigada é a de homens ou mulheres que trabalham em determinadas escolas, em determinados períodos e condições, possuem uma formação, lecionam uma certa disciplina, se defrontam com uma organização do trabalho na escola, participam de um certo coletivo de
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trabalho e, destaque importante, estão longe de serem passivos frente ao seu meio de vida e trabalho, pois se nós falamos do humano, é preciso observar que “o meio propõe sem jamais impor uma solução” (Canguilhem, 2009:181). É pertinente apontar que, para além dos dados que se referem diretamente à saúde (afastamentos por licença médica, prática de atividade física, etc.), há outros elementos que também podem ser incorporados na análise, que a enriquecem e a redimensionam. Por exemplo, sabe-se que situações em que a margem de manobra do trabalhador é muito reduzida – no sentido de que a rigidez do sistema impede de se realizar o trabalho de outro modo – podem ser deletérias para a saúde do trabalhador (Guérin, 2004). Sabe-se que não poder realizar o que é preciso, ao mesmo tempo em que se sabe que é preciso fazê-lo, impõe elevados custos à economia psíquica, pois a atividade impedida custa muito à saúde do trabalhador (Clot, 2010). Sabe-se, também, que qualquer tentativa de compreender e transformar efetivamente as situações de trabalho nas escolas não se fará sem os próprios trabalhadores, o que implica a busca por regimes de produção de saberes diferenciados (Schwartz e Durrive, 2007). Essas questões, no entanto, já extrapolam uma pesquisa do tipo survey, mas convidam para um próximo passo ao abrir as possibilidades de futuras pesquisas sobre o trabalho docente em Goiás.
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Capítulo 8
Política educacional e regulação do trabalho docente em Goiás João Ferreira de Oliveira
A pesquisa Trabalho docente na educação básica em Goiás foi realizada em cinco municípios, conforme definição da amostra, sendo respondidos 1.112 questionários, da seguinte forma: 586 em Goiânia, 209 em Planaltina de Goiás, 137 em Inhumas, 90 em Caldas Novas e 90 em São Luís dos Montes Belos. A pesquisa, de âmbito nacional, buscou conhecer e analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições realizam suas atividades nos estabelecimentos de educação básica no Brasil. Nesse contexto, o presente capítulo analisa as questões de número 56 a 70 do questionário proposto, procurando examiná-las sob a ótica da política educacional e regulação do trabalho docente. Entende-se que, desde os anos 1990, o Brasil vem passando por ampla reforma educacional, que tem como marco significativo a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº 9.394/1996). Tal reforma implicou, dentre outros, na redefinição das competências entre os entes federados no que diz respeito aos níveis e modalidades de educação; na reorganização escolar, com ampliação dos dias letivos, flexibilização dos tempos escolares, correção do fluxo escolar e diversificação dos currículos; na expansão da cobertura escolar na educação básica e ampliação da obrigatoriedade escolar com o ensino fundamental de nove anos, passando, posteriormente, para a faixa etária de 4 a17 anos, com a Emenda Constitucional nº 59/2009. De modo geral, tais mudanças decorreram da formulação e implantação de políticas, programas e ações que visaram promover alterações no âmbito do currículo, do financiamento, da avaliação, da gestão e da formação dos professores. Os docentes, de modo mais específico, têm sido objeto de políticas e ações diversas que vêm alterando os parâmetros de formação, de atuação e de carreira e salário, relacionadas às
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exigências crescentes de melhoria da qualidade da educação básica e dos sistemas de ensino no Brasil. A pesquisa trabalhou, pois, com a seguinte hipótese: está ocorrendo uma ampliação das tarefas, funções e responsabilidades dos docentes, assim como um aumento da jornada de trabalho real, sem o reconhecimento formal, uma intensificação e autointensificação do trabalho docente e a emergência de nova divisão técnica do trabalho na escola. Nesse contexto, busca-se analisar o modo como as políticas educacionais estão regulando e impactando o trabalho docente dos professores em Goiás sob a ótica dos professores. Além desse aspecto fundamental, procurou-se questionar se os professores resistem ou procuram se adaptar às novas exigências profissionais, e que aspectos mais interferem na qualidade do trabalho docente. Esses questionamentos, à luz da historicidade da educação escolar no Brasil, também nos levam a refletir sobre o porquê de muitas reformas e políticas não se efetivarem nas escolas ou nos sistemas de ensino, assim como se há outros mecanismos e processos de regulação do trabalho docente, sobretudo intraescolares, além daqueles advindos das políticas governamentais.
1. A avaliação do trabalho docente A avaliação do desempenho discente, assim como a avaliação do trabalho docente, associada ao bônus ou à premiação salarial vem sendo objeto de políticas educacionais em vários sistemas de ensino no Brasil e de amplo debate acadêmico e sindical na última década. Tais políticas visam elevar o desempenho dos alunos nos exames e testes nacionais e internacionais por meio de pagamento diferenciado aos professores, em razão da performance de cada um, o que acaba por responsabilizá-los pelo sucesso ou fracasso da escola. Além disso, tais políticas promovem, cada vez mais, a diversificação dos salários e diferenciação nas carreiras docentes. Este quadro aponta para uma mudança que vem se configurando no campo das políticas educacionais, repercutindo no trabalho docente das redes públicas, cujas características diferem cada vez menos da lógica constitutiva dos setores privados. Segundo Kuenzer (2011:677), para responder às novas configurações que a gestão dos setores públicos vem delineando desde os anos de 1990 com a adoção dos princípios neoliberais na condução das políticas sociais, as unidades escolares
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estão sendo forçadas a se organizar para serem competitivas, inclusive na disputa por fundos públicos. Nas palavras da autora, “as instituições educativas desencadeiam estratégias próprias da reestruturação produtiva, não se diferenciando, nesse sentido, das demais empresas, a não ser pela especificidade do seu processo de trabalho” (Kuenzer, 2011:677). A autora ainda argumenta que nesse processo são combinados aspectos da modernização técnico-informacional com a redução da força de trabalho hierarquizada, incorporando mecanismos de descentralização e de terceirização, que, no caso dos professores da rede pública de Goiás, aparecem no formato de contratos temporários (ibid.:680). Nesse contexto, o professor é atingido pela “crise do trabalho que se materializa pela intensificação de atividade precarizada” (loc. cit.). Retomando os dados da pesquisa, grande parte dos professores (91%) considera que o seu trabalho deve ser avaliado. À primeira vista pode-se imaginar que haveria concordância com o amplo sistema de avaliação externa implantado no Brasil e com as políticas de bônus e de premiação por desempenho em curso desde os anos 1990; todavia, ao serem perguntados sobre quem deve avaliar o trabalho dos professores (Tabela 1), verifica-se que eles concordam, pela ordem, que sejam os supervisores/coordenadores da escola (86%), seguido da administração/ direção (82%) e dos alunos (71%). Portanto, na ótica dos professores, a avaliação de seu trabalho deve ser feita, sobretudo, por aqueles que acompanham o seu trabalho no dia a dia (coordenadores e diretores) e por aqueles que são objeto do seu trabalho (alunos). Trata-se, pois, de uma avaliação a ser realizada no âmbito da escola por aqueles que estão vivenciando o processo ensino-aprendizagem, e que, portanto, têm maior e melhor condição de avaliá-los considerando as condições objetivas de sua atuação.
Tabela 1. Quem deve avaliar o trabalho dos professores? Item
Concordo
Discordo
Indiferente
O conselho de educação (municipal/estadual/nacional)
53%
42%
5%
Os conselhos/colegiados escolares
60%
36%
3%
A administração/direção da unidade educacional
82%
16%
2%
Os colegas/pares
54%
42%
4%
153
Tabela 1. Continuação Item
Concordo
Discordo
Indiferente
Os pais dos alunos
66%
31%
3%
Os alunos
71%
26%
2%
Os inspetores escolares
54%
41%
5%
Os supervisores/coordenadores escolares
86%
12%
2%
A Secretaria de Educação
63%
34%
3%
Comissões nas unidades educacionais criadas para este fim
68%
28%
4%
O Ministério da Educação
65%
31%
4%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Deve-se, pois, questionar se a avaliação externa, amplamente massificada e intensificada nas últimas décadas, não deveria ser reduzida de modo a articular-se com uma avaliação interna, como indicam os professores, que parecem dar maior importância na avaliação realizada pela coordenação/direção imediata. A regulação do trabalho docente, por meio da avaliação externa, vem esbarrando, pois, com uma percepção, por parte dos professores, de que a avaliação deve ser intraescolar mais do que extraescolar. Os dados mostram, portanto, que os professores creem mais na eficácia de um processo avaliativo conduzido pelo próprio coletivo escolar do que nas avaliações externas. Alguns estudos já mostraram que o processo de avaliação dos professores – pautado no mérito individual e que envolvam promoções ou premiações a partir da sua performance – os conduz ao isolamento e os estimula à competição com seus pares, minando as relações de solidariedade, de cooperação e de trabalho coletivo. Nesse contexto, observa-se o aumento do nível de stress e de consequente adoecimento do profissional. Segundo Kuenzer (2011:682), “são três as mudanças na organização do trabalho que intensificam o sofrimento e que estão presentes no trabalho docente: a avaliação individual, a introdução de técnicas vinculadas à qualidade total e a terceirização”. No caso do estado de Goiás, está em curso, desde 2011, a implantação de uma política de bonificações relacionadas ao desempenho das
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escolas nos exames nacionais de desempenho discente, expressos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Para levar a efeito esse projeto, foi fixada uma placa constando esse índice na porta de cada escola pública do estado, comparado ao desempenho estadual e nacional. Também foi realizada uma ampla campanha publicitária na grande mídia, conclamando a comunidade a observar e fiscalizar os trabalhos das escolas para, desta forma, colaborar para a melhoria da qualidade da educação no estado. Houve uma reação imediata por parte dos sindicatos, pois essa iniciativa implica em uma pressão sobre o trabalho dos profissionais da escola, como se os resultados do desempenho dos estudantes dependessem exclusivamente dos esforços e da boa vontade dos professores e dos gestores escolares. Tal situação reforça os inúmeros estudos que têm constatado uma progressiva responsabilização dos professores, por parte dos poderes públicos, pelo baixo desempenho dos alunos nos exames nacionais, contribuindo de maneira contundente para acirrar o processo de intensificação do trabalho docente. Apesar dos esforços dos sindicatos no sentido de reverter essa política, ela vem prevalecendo e novas medidas de ajustes e mudanças na educação continuam sendo pensadas e efetivadas no estado, denominadas de Reforma Educacional, cujo slogan é “Pacto pela educação”59.
2. A participação dos pais e a visão que os professores têm do seu trabalho com alunos/crianças Os professores, de modo geral, estão insatisfeitos com o acompanhamento dos pais dos seus alunos/crianças às atividades escolares, seja na aprendizagem de seus filhos em casa (deveres, lições, estudos, etc.), seja na participação em encontros para avaliar o encaminhamento escolar de seus filhos (Tabela 2). Também é insatisfatória a participação no conselho escolar ou no reforço da aprendizagem dos alunos como voluntários. A pouca participação dos pais na vida escolar dos filhos vem sendo apontada por vários pesquisadores como de grande relevância no processo de aprendizagem. Todavia, no caso dos alunos de escolas públicas, é Sobre as ações do “Pacto pela educação”, consultar o sítio www.educacao. go.gov.br, em matéria intitulada “Governo de Goiás anuncia diretrizes do Pacto Pela Educação”. Consulta realizada em 25 de fevereiro de 2012. 59
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preciso considerar que, na maior parte das vezes, os pais não colaboram no processo ensino-aprendizagem dos filhos, ou mesmo nas atividades propostas pelas escolas, em razão das atividades laborais e da baixa escolarização que possuem. O baixo capital cultural dos pais é, assim, um dos fatores que interfere na valorização e melhoria da escolarização dos filhos, assim como na qualidade do processo de aprendizagem. Este é, portanto, um fator que interfere e, de alguma forma, regula o trabalho dos professores no dia a dia.
Tabela 2. Como você avalia o acompanhamento dos pais dos seus alunos/crianças às atividades escolares? Item
Muito satisfatório
Satisfatório
Insatisfatório
Inexistente
Acompanhamento das atividades de aprendizagem de seus filhos em casa (deveres, lições, estudos, etc.)
2%
11%
63%
14%
Contribuição voluntária na unidade educacional no reforço dos alunos com dificuldade de aprendizagem
1%
10%
51%
28%
Participação nos encontros previstos para avaliar o encaminhamento escolar de seus filhos
2%
24%
63%
8%
Participação no conselho da unidade educacional/colegiado (a título de representação)
2%
29%
47%
10%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Nesse contexto, cabe destacar que uma das características marcantes do ensino público tem sido a sua expansão, que no Brasil já alcança a taxa líquida60 de 91,6% de crianças e adolescentes matriculados no ensino fundamental de 9 anos, e de 62,4% em toda a educação básica61. Essa expansão é refletida sobretudo na escola pública, onde A taxa líquida corresponde ao percentual de estudantes matriculados no ensino regular na faixa etária adequada, que, no caso do ensino fundamental de 9 anos, corresponde à faixa etária de 6 a 14 anos. 61 Destaca-se que a queda do índice da educação básica em relação ao ensino fundamental ocorre porque os indicadores de matrículas na educação infantil e no 60
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estão os filhos dos trabalhadores, precarizados e excluídos, cujas condições de existência podem inviabilizar experiências socioculturais variadas e significativas. Segundo Kuenzer (2011:686), as condições de existência das camadas menos favorecidas da população conduzem a uma “precarização cultural que se manifesta nas dificuldades de linguagem, de raciocínio lógico-matemático e de relação com o conhecimento formalizado, que dificilmente a escola pública poderá suprir”. Esses argumentos mostram que as desigualdades sociais pesam muito nas desigualdades escolares. Nas palavras de Dubet: A escola trata menos bem os alunos menos favorecidos: os entraves são mais rígidos para os mais pobres, a estabilidade das equipes docentes é menor nos bairros difíceis, a expectativa do professor é menos favorável às famílias desfavorecidas, que se mostram mais ausentes e menos informadas nas reuniões, o que leva a concluir que a competição não é perfeitamente justa [entre classes sociais distintas]. (Dubet, 2004:543 op. cit. Oliveira, 2009:21)
Pode-se perceber, portanto, que a ausência das famílias no suporte educacional dos filhos não é uma questão que possa ser equacionada apenas com iniciativas dos professores ou estratégias de gestão escolar, mas que demanda esforços muito mais amplos e complexos, que incluem adoção de políticas públicas capazes de melhorar as condições de trabalho e de renda das camadas da população que encontram-se na base da pirâmide social62. Ao avaliar alguns aspectos do seu trabalho, sobretudo considerando sua relação com os alunos (Tabela 3), os professores concordam que são pessoas que têm um papel importante no futuro dos alunos/crianças ensino médio ainda estão longe das metas estabelecidas pelo governo brasileiro, propostas no atual Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece em sua Meta 1 “universalizar, até 2016, o atendimento da população de quatro a cinco anos e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender 50% da população de até três anos”; e em sua Meta 3 “universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de quinze a dezessete anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária”. (PL/PNE-2011-2020) 62 Segundo dados do IBGE de 2007, 10,7% dos domicílios brasileiros vivem com renda de até um salário mínimo e 20,3% dos domicílios vivem com renda entre um e dois salários mínimos, ou seja, quase um terço dos domicílios brasileiros possui renda mensal inferior a dois salários mínimos. Em 2012, o salário mínimo ficou estabelecido em R$ 622,00.
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(87%), que manter a disciplina em sala de aula com os alunos/crianças exige muita energia (73%), e que se relacionam com os alunos de modo afetivo (59%). Portanto, essa percepção ressalta a consciência do seu papel profissional e, ao mesmo tempo, o desgaste físico-emocional na realização do seu trabalho, pois não é fácil motivar os alunos/crianças (52%). De modo geral, concordando (52%) ou concordando parcialmente (43%), os professores entendem que os alunos/crianças aprendem alguma coisa ao final de um dia de trabalho, que os alunos respeitam sua autoridade e que não têm medo dos alunos. Cabe destacar, no entanto, que os professores percebem a sua profissão como pouco valorizada socialmente.
Tabela 3. Em relação aos enunciados, qual o seu grau de concordância? Item É fácil motivar meus alunos/crianças Manter a disciplina em sala de aula com os alunos/crianças exige muita energia Algumas vezes eu tenho medo dos meus alunos/crianças Eu sinto que realizo um trabalho que é socialmente valorizado Os alunos/crianças respeitam minha autoridade No final de um dia de trabalho, eu tenho o sentimento de que os alunos/crianças aprenderam alguma coisa As necessidades dos meus alunos/crianças são tão variadas que eu encontro dificuldades de lhes atender Minha relação com meus alunos/crianças é em base afetiva
Concordo
Concordo Discordo parcialmente
Indiferente
30%
52%
16%
-
73%
20%
4%
-
16%
18%
61%
4%
23%
37%
37%
2%
50%
41%
6%
-
52%
43%
3%
-
36%
43%
18%
1%
59%
31%
8%
1%
158
Tabela 3. Continuação Item Quando meus alunos/ crianças estão indisciplinados, eu me sinto atordoado/a Eu me vejo como uma pessoa que tem um papel importante sobre o futuro dos meus alunos/crianças Eu me sinto satisfeito(a) realizando atividades de cuidado com os alunos/crianças
Concordo
Concordo Discordo parcialmente
Indiferente
35%
30%
32%
1%
87%
10%
1%
-
73%
20%
4%
1%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
3. Organização do trabalho e relações didático-pedagógicas no interior das escolas Ao avaliar um conjunto de itens relacionados à organização do trabalho e às relações didático-pedagógicas no interior das escolas, percebe-se que os professores identificam um conjunto de problemas que afetam e contribuem, de alguma forma, para regular o seu trabalho. Raramente (39%) ou apenas frequentemente (33%), por exemplo, a escola discute o projeto político-pedagógico, provavelmente pela ausência de tempo para atividades extraclasse e/ou por não pautar essa temática nas reuniões. Outro problema identificado é que raramente (38%) ou apenas frequentemente (33%) há participação conjunta em atividades de formação/ atualização profissional (Tabela 4). Vêm sendo realizadas sempre (31%) ou frequentemente (36%) as atividades de orientação. Mais frequentemente são realizadas as trocas de experiências sobre métodos de ensino (45%), sobre os conteúdos de ensino (44%) e sobre trocas de material pedagógico (39%). No entanto, realiza-se sempre (51%) a discussão sobre os alunos/crianças, ou frequentemente (40%), o que evidencia preocupação mais cotidiana dos professores sobre os alunos/crianças, provavelmente sobre a aprendizagem, desempenho, disciplina e até situação familiar.
159
Tabela 4. Com que frequência você realiza as seguintes atividades com seus colegas? Item
Sempre
Frequentemente
Raramente
Nunca
Aconselhamento e/ou orientação?
31%
36%
29%
3%
Discussão sobre o projeto pedagógico da escola?
17%
33%
39%
9%
Trocas de experiências sobre os métodos de ensino?
31%
45%
21%
2%
Trocas de experiências sobre os conteúdos do ensino?
28%
44%
24%
3%
Discussão sobre os alunos/crianças?
51%
40%
8%
1%
Trocas de material pedagógico?
26%
39%
28%
5%
Participação conjunta em atividades de formação/atualização profissional?
20%
33%
38%
9%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
4. Aspectos que mais interferem no desempenho das atividades dos professores Os professores entendem que o fator que interfere muito no desempenho de suas atividades é a situação socioeconômica precária das famílias dos alunos/crianças (42%), seguido das atitudes de vandalismo (38%), o tráfico de drogas (37%) e os conflitos entre alunos/crianças (Tabela 5). Pobreza, indisciplina e violência são fatores destacados como os que mais interferem. De modo mais moderado, aparecem os problemas de saúde dos alunos/crianças. Contraditoriamente, dois fatores aparecem como os que menos interferem: presença de gangues dentro das escolas (42%) e
160
consumo de álcool/drogas (42%). Também não interfere o conflito entre colegas de trabalho (42%) e a falta de liderança na instituição (41%). A vivência dos professores corrobora estudos que mostram que indisciplina e violência têm influenciado de forma muito significativaas rotinas escolares. Oliveira destaca que algumas destas dificuldades refletidas nas salas de aula são muito bem retratadas no filme Entre os muros da escola63. Nas palavras da autora, “a ausência de regras comuns, a falta de consensos mínimos sobre acordos elementares para a vivência em grupo e a indisciplina são algumas das evidências de que não há um coletivo na sala de aula mostrada no filme, que muito se assemelha a milhares e milhares de outras tantas espalhadas nas escolas do mundo” (Oliveira, 2009:24). Nessas condições, intensificam-se os sintomas revelados no elevado índice de adoecimento dos professores, caracterizando o mal-estar docente que, via de regra, apresenta estreita relação entre a indisciplina dos alunos e a incapacidade dos professores em resolver os impasses surgidos. As situações de violência entre os alunos e professores no espaço escolar podem ser reveladores da existência do que Fanfani denominou de “crise entre os muros da escola” (2008:14 op. cit. Oliveira, 2009:23).
Tabela 5. Em que medida as seguintes opções interferem no desempenho de suas atividades? Item
Interfere muito
Interfere moderadamente
Interfere pouco
Não interfere
Problemas de saúde dos alunos/crianças
26%
34%
28%
12%
Situação socioeconômica precária das famílias dos alunos/crianças
42%
29%
20%
9%
Conflitos entre colegas de trabalho
17%
19%
22%
42%
Entre os muros da escola (França, 2008), dirigido por Laurent Cantet, foi muito divulgado como um filme que trata da dificuldade de uma escola pública da periferia de Paris em lidar com seus alunos filhos de imigrantes. 63
161
Tabela 5. Continuação Item
Interfere muito
Interfere moderadamente
Interfere pouco
Não interfere
Conflitos entre pais e professores sobre os alunos/crianças
19%
24%
26%
31%
Presença de gangues dentro da unidade educacional
30%
13%
15%
42%
Falta de liderança da direção da unidade educacional
27%
17%
14%
41%
Intimidação ou qualificação pejorativa entre alunos
28%
24%
22%
26%
Atitudes de vandalismo
38%
20%
19%
23%
Tráfico de drogas nas imediações da unidade educacional
37%
17%
15%
31%
Consumo de álcool/ drogas pelos alunos/colegas (nas dependências da unidade educacional)
31%
11%
16%
42%
Conflito entre os alunos/crianças
34%
27%
24%
15%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010
5. As finalidades do trabalho docente Dentre os três objetivos mais importantes em seu trabalho, os professores destacam: preparar os alunos/crianças para serem cidadãos responsáveis (90%), instruir os alunos (89%) e promover o desenvolvimento integral do aluno/criança (85%). São, pois, finalidades de inserção
162
na sociedade e de socialização e desenvolvimento integral. O objetivo de preparar os alunos/crianças para o mercado de trabalho foi o que apareceu com menor destaque no conceito de muito importante (63%), mas com maior destaque em importante (28%). Outros objetivos também foram destacados como muito importantes, a exemplo de educar segundo valores e normas sociais e adquirir as competências básicas..
Tabela 6. Pra você, qual a importância dos objetivos seguintes em seu trabalho? Muito importante
Importante
Pouco importante
Sem importância
Instruir os alunos
89%
10%
-
-
Educar os alunos/ crianças segundo valores e normas sociais
83%
16%
-
-
Preparar os alunos/ crianças para serem cidadãos responsáveis
90%
9%
-
-
Promover o desenvolvimento integral do aluno/ criança
85%
13%
-
-
Preparar os alunos/ crianças para o mercado de trabalho
63%
28%
5%
2%
Fazê-los adquirir as competências básicas (ler, escrever, contar)
83%
14%
1%
-
Promover a formação cultural dos alunos/ crianças
79%
19%
1%
-
Preparar o aluno/ criança para a próxima etapa da educação
81%
10%
1%
-
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
163
6. As expectativas e a avaliação dos professores com relação ao seu trabalho e futuro Dentre os professores respondentes, 47% acreditam que, nos próximos anos, vão continuar na mesma função na rede em que trabalham. Além disso, é significativo o número dos que acreditam que vão fazer concurso público para outra rede de ensino ou vão mudar de função na mesma rede em que trabalham. Na segunda e terceira repostas, destacam-se os que imaginam que vão fazer curso superior ou pós-graduação. Portanto, em que pese a desvalorização social da profissão, os professores têm como perspectiva continuar atuando na função, buscando realizar curso superior ou de pós-graduação (Tabela 7). Observa-se que, mesmo em face das condições adversas de trabalho e do desprestígio social da carreira (Oliveira, 2004; 2007), quase metade dos professores ouvidos neste estudo não pensam em abandonar a profissão. Uma das explicações para esse fenômeno foi descrita por Lessard. Segundo este autor, os professores, via de regra, desenvolvem a capacidade de “adaptar a regra, de a contornar, de a relativizar, de usar de astúcia, de produzir uma regra alternativa, quer dizer, negociar as situações e as normas numa intenção pragmática, permitindo durar na profissão, doseando o prazer e o interesse” (2009:75). O mesmo autor refere-se a uma postura de resistência dos professores, que diante das situações postas pelo contexto adverso, nem se comprometem com a situação, nem dão conta de fazer a crítica no sentido de transformá-la, mas buscam estabelecer mudanças possíveis, de forma pragmática. Segundo o autor, os professores podem produzir uma realidade alternativa à que se encontra, construída nos seus discursos que justificam a sua permanência na escola. Em suas palavras “tais circunstâncias de transgressão a algumas regras permitiriam aos docentes suportar a situação, que ao fim, lhe confere um espaço de negociação e estabelecimento de acordos provisórios” (Lessard, 2009:122). Lessard ainda afirma que a atividade de ensino é sempre articulada e pautada em acordos provisórios e sempre renováveis, o que lhe confere a condição de sujeito, cuja autonomia pode ser ampliada na forma como conduz estes acordos no coletivo da sua sala de aula. É nesta constatação que se assenta grande parte do prazer que o professor consegue extrair do seu trabalho, que “é um trabalho emocional, apaixonado, que entra no jogo como pessoa num esforço mobilizador dos alunos. Enfim, o ensino produz no professor emoções positivas e negativas” (Lessard,
164
2009:121). A permanência na carreira não se configura, assim, como um sacrifício que o professor faz por uma causa exterior a ele, mas há uma identificação estreita entre os seus projetos pessoais e a sua prática de ensino. Os resultados deste estudo, expressos na Tabela 7, mostram que a docência confere identidade e autoestima aos professores, revelando também que eles possuem clareza da importância que o seu trabalho representa na construção/constituição da sociedade na qual se situam como sujeitos. Esta constatação reforça a ideia de que os professores desenvolvem alguns mecanismos de resistência (Lessard, 2009) para permanecer e persistir na carreira, diante de uma profunda crise da profissão docente, amplamente discutida desde os anos de 1980, marcada, sobretudo, pelo processo de desvalorização e descaracterização do magistério, evidenciado “pela progressiva perda salarial e pela precária situação de seu trabalho na escola” (Diniz-Ferreira, 2011:37).
Tabela 7. Pensando no seu trabalho nos próximos anos, quais perspectivas parecem mais realizáveis? (marque no máximo 3 alternativas) Item
1ª resposta
2ª resposta
3ª resposta
Continuar na mesma função na rede em que trabalho
47
4
2
Mudar de função na mesma rede em que trabalho
15
8
2
Fazer concurso público para outra rede de ensino
15
18
3
Aposentar-me
6
12
4
Trabalhar em mais turnos para complementar a renda
2
9
4
Fazer curso superior ou pós-graduação
9
20
16
Mudar de profissão
4
5
7
Outras
-
1
7
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
165
Os professores avaliam que reduzir o número de alunos/crianças por turma (50%) seria a medida mais importante para melhorar a qualidade do seu trabalho. Isso pode indicar que os professores não conseguem realizar o seu trabalho a contento devido às salas superlotadas e à impossibilidade de realizar atendimento mais individualizado para ajudar os alunos/crianças a superarem suas dificuldades de aprendizagem. Receber melhor remuneração e mais capacitação para as atividades que exercem aparecem como segundas respostas mais significativas para melhorar a qualidade do trabalho. O problema da remuneração é, por sua vez, o mais lembrado, sobretudo se somarmos o conjunto das respostas que totalizam 92% (Tabela 8).
Tabela 8. O que você avalia que seria importante para melhorar a qualidade do seu trabalho? (marque no máximo 3 alternativas) Item
1ª resposta
2ª resposta
3ª resposta
Continuar na mesma função na rede em que trabalho
47
4
2
Mudar de função na mesma rede em que trabalho
15
8
2
Fazer concurso público para outra rede de ensino
15
18
3
Aposentar-me
6
12
4
Trabalhar em mais turnos para complementar a renda
2
9
4
Fazer curso superior ou pós-graduação
9
20
16
Mudar de profissão
4
5
7
Outras
-
1
7
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Ao avaliar sua própria situação profissional na unidade educacional em que atua, observa-se que os professores julgam se adaptar a novas exigências profissionais (97%), o que se contrapõe à ideia de que os professores são resistentes às mudanças propostas. Além disso, 88% afirmam que assumem novas responsabilidades de forma natural
166
(Tabela 9). Destaca-se também que 80% observam transformações e repercussões das políticas educacionais sobre o seu trabalho e que 78% se consideram responsáveis pela classificação de sua unidade educacional nas avaliações realizadas pelos governos federal, estadual e/ou municipal. É significativo, também, em que pese as novas exigências e transformações percebidas pelos professores, que 69% não se sentem forçados a dominar novas práticas, novos saberes, novas competências, novas funções e responsabilidades, e que 68% não se sentem constrangidos a mudar sua forma de trabalho em razão dos resultados dos exames de avaliação, o que mostra que os professores julgam ter autonomia na realização do seu trabalho.
Tabela 9. Em relação à sua situação nesta unidade educacional, responda: Item
Não
Sim
Você está se sentindo forçado a dominar novas práticas, novos saberes, novas competências, novas funções e responsabilidades?
69%
29%
Você assume novas responsabilidades de forma natural?
9%
88%
Você procura se adaptar a novas exigências profissionais?
2%
97%
Você observa transformações e repercussões das políticas educacionais sobre o seu trabalho?
17%
80%
Você se considera responsável pela classificação de sua unidade educacional nas avaliações realizadas pelos governos federal, estadual e/ou municipal?
13%
78%
Você tem se sentido constrangido a mudar sua forma de trabalho em razão dos resultados dos exames de avaliação?
68%
22%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Também é bastante curioso perceber que quem mais cobra em relação ao trabalho que o professor realiza é ele mesmo (42%), seguido da Secretaria de Educação (22%) e da coordenação e direção da escola (24%), como é possível conferir na Tabela 10. Na pesquisa nacional registrou-se que 50% dos professores cobram a si mesmos. Esse dado parece indicar, por um lado, o alto senso de responsabilidade profissional
167
dos professores, que cobram a si mesmos pelo sucesso no seu trabalho, e por outro, da influência das políticas de avaliação e outras que podem estar intensificado e acentuando tal cobrança profissional.
Tabela 10. Em relação ao trabalho que você realiza, de quem você recebe mais cobranças? (indique apenas o principal) Item
Percentual
Dos pais
5%
Dos alunos
4%
Da direção da unidade educacional
10%
Da supervisão/coordenação
14%
Dos colegas
2%
Da Secretaria de Educação
22%
De você mesmo
42%
Outros
1%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
É significativo observar também que há um processo de diálogo, se somarmos a 1ª e a 2ª respostas, entre os docentes e a direção da escola (76%) e os próprios professores (58%) (Tabela 11).
Tabela 11. Como você se manifesta quando discorda de uma medida que interfere diretamente no seu trabalho? (marque até 3 opções) Item
1ª resposta
2ª resposta
3ª resposta
Conversa pelos corredores
4%
-
-
Conversa com os colegas na sala dos professores
55%
3%
-
Conversa com a direção da unidade educacional
30%
46%
2%
Fica em silêncio, apesar da insatisfação
6%
5%
2%
Não cumpre abertamente as normas e as exigências com as quais não concorda
-
3%
2%
168
Tabela 11. Continuação Item
1ª resposta
2ª resposta
3ª resposta
Aceita e cumpre as exigências, pois acha que não adianta reclamar
2%
9%
6%
Aparenta aceitar, mas só cumpre as exigências que considera coerentes
2%
3%
8%
Reclama com o sindicato
-
1%
6%
Outros
-
-
3%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
7. A relação dos professores com os sindicatos e com os partidos políticos Assim como nos demais estados da pesquisa, os professores de Goiás não são filiados a sindicatos (59%), apenas 8% afirmam participar ativamente de todas as ações e tomadas de decisões no âmbito do sindicato (Tabela 12), os demais participam esporadicamente (15%) ou não participam das ações e tomadas de decisões (18%). Os que mais participam do sindicato e das decisões são também os mais titulados, sendo, pela ordem, os pós-graduados, os graduados e os com ensino médio completo (Gráfico 1).
Tabela 12. Você é filiado ao sindicato? Item
Percentual
Não
59%
Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões
8%
Sim, e participo esporadicamente das ações e tomadas de decisões
15%
Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões
18%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
169
Gráfico 1 - Escolaridade versus participação no sindicato
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
A pouca participação nos sindicatos está associada à avaliação dos professores sobre a atuação dos sindicatos no tocante aos problemas que afetam o trabalho. Para a grande maioria, a atuação do sindicato é insatisfatória (39%) ou pouco satisfatória (33%). Esses dados são semelhantes aos apresentados pela pesquisa nacional, que registrou 40% de insatisfatório e 37% de pouco satisfatório. Em Goiás, apenas 14% consideram satisfatória a atuação do sindicato, enquanto nos estados, em geral, foi 20%. A maior satisfação com a atuação dos sindicatos aparece entre os menos escolarizados, ou seja, aqueles com ensino fundamental incompleto e completo. Os mais insatisfeitos são os que possuem maior titulação, ou seja, os que têm pós-graduação, que totalizam 89%. Portanto, quanto maior a titulação e capacidade de avaliação crítica da atuação do sindicato e das condições objetivas da profissão, maior a insatisfação dos professores com a atuação do sindicato (Gráfico 2).
170
Gráfico 2 - Escolaridade/avaliação da atuação do sindicato
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
A quase totalidade dos professores não é filiada a partido político (88%). No entanto, 12% informaram ser filiados a partido político. A filiação é maior entre os mais titulados, sobretudo entre aqueles com pós-graduação (14%), o que indica maior consciência e engajamento na política e na busca pela transformação das condições de trabalho e de valorização dos profissionais da educação (Gráfico 3). Gráfico 3 - Escolaridade/filiação a partido político
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
171
Para continuar o diálogo... De modo geral, a pesquisa realizada no estado de Goiás revela que as políticas educacionais, a regulação e a regulamentação do trabalho docente, bem como a ação dos sindicatos e dos partidos políticos, precisam considerar mais efetivamente o que pensam e o que fazem os professores no âmbito das escolas, sobretudo considerando as condições objetivas de trabalho. Os professores têm muito a dizer sobre a problemática escolar, sobre a aprendizagem dos alunos e sobre os rumos da educação, o que certamente contribuiria para a produção de uma escola de qualidade social para todos.
Referencias bibliográficas Dourado, Luiz Fernandes; Oliveira, João F. “A qualidade da educação: perspectivas e desafios.” Cadernos Cedes v. 29 (2009): 201-215. Diniz-Ferreira, Júlio Emílio. “O ovo ou a galinha: a crise da profissão docente e a aparente falta de perspectiva para a educação brasileira.” Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos v. 92, n.230 (jan./abr. 2011): 34-51. Kuenzer, Acácia Zeneida. “A formação de professores para o ensino médio: velhos problemas, novos desafios.” Revista Educação e Sociedade v. 32, n.116 (jul./set. 2011). Lessard, Claude. O trabalho docente, a análise da actividade e o papel dos sujeitos. Conferência do XVII Colóquio Afirse - Seçção Portuguesa. Universidade de Lisboa, fev. 2009. Disponível em: www.sisifo.fpce. ul.pt. Acesso em 26/01/2012. Oliveira, Dalila Andrade. “A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização.” Educação & Sociedade v. 25, n. 89 (Campinas, set./dez. 2004): 1127-1144. Oliveira, Dalila Andrade. “Política Educacional e a reestruturação do trabalho docente: reflexões sobre o contexto latino-americano.” Educação & Sociedade v. 28, n. 99 (Campinas, mai./ago. 2007): 355-376. Oliveira, Dalila Andrade. “Política Educativa, crise da escola e a promoção de justiça social.” In: Ferreira, Eliza Bartalozzi; Oliviera, Dalila Andrade. Crise da escola e políticas educativas. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
172
Oliveira, Dalila Andrade. et. al. Transformações na organização do processo de trabalho docente e o sofrimento do professor. Conferência. Disponível em: www.redestrado.org. Acesso em 26/01/2012. Oliveira, João F. “A educação básica e o PNE/2011-2020: política de avaliação democrática.” Retratos da Escola v. 4 (2010): 91-108.
173
Capítulo 9
Trabalho docente na educação infantil em Goiás Nancy Nonato de Lima Alves
Avanços e conquistas decorrem da recente inserção da educação infantil nas políticas públicas educacionais, que considera formalmente o atendimento em creches e pré-escolas como dever do Estado e direito da criança e definiu a educação infantil como primeira etapa da educação básica, possibilitando uma conotação positiva das instituições, na tentativa de superar as ideias de carência e de incompetência familiar. A delimitação das especificidades da educação infantil frente às demais instituições escolares tem gerado um esforço permanente na área, tendo em vista a necessidade de não se reproduzir a organização e o funcionamento do ensino fundamental em práticas e concepções inadequadas às particularidades da faixa etária atendida em creches e pré-escolas, que requer cuidados e educação de modo indissociável. O presente texto apresenta e analisa dados da pesquisa Trabalho docente na educação básica em Goiás recortando especificamente os sujeitos docentes e seu trabalho na educação infantil. A investigação integra uma pesquisa nacional64 realizada por meio de survey, e contou com a participação local de 242 sujeitos docentes que atuam com crianças de 0 até 6 anos em instituições públicas e filantrópicas conveniadas com o poder público nos municípios de Goiânia, Caldas Novas, São Luís dos Montes Belos, Inhumas e Planaltina. Importa esclarecer que a amostra total em Goiás, nos cinco municípios citados, foi de 1.112 sujeitos docentes em instituições de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
Mais informações sobre a pesquisa, inclusive sobre os aspectos metodológicos e amostrais, podem ser obtidas no relatório final do survey nacional, disponível em http://trabalhodocente.net.br/. 64
175
Trabalhar com crianças pequenas em creches e pré-escolas é uma atividade historicamente desempenhada por mulheres, mas nem sempre reconhecida como uma profissão que requer formação específica, condições de trabalho e remuneração digna. Aliás, a exigência de formação para o magistério é muito recente na história da educação infantil brasileira. Ademais, as reformas educacionais da década de 1990 destacaram o desempenho profissional como um dos determinantes da qualidade do processo educativo, acarretando pressões e exigências sobre a atuação docente em todos os níveis. Na educação infantil, esse processo se intensifica devido à precariedade que caracterizou historicamente o atendimento como ação emergencial e caritativa. Nesse contexto, assume especial importância a investigação do trabalho docente em creches e pré-escolas.
1. Professoras da educação infantil em Goiás: perfil e identidade profissional A docência, entendida como prática social histórica exercida intencionalmente por profissionais, constitui-se como um tipo específico de trabalho, categoria que, na acepção marxista, é a atividade criativa humana de transformação da natureza e do homem, que se realiza na ação concreta de pessoas que usam sua energia na produção de algo, produzindo a vida material, a cultura e a subjetividade (Marx, 1983). As condições de trabalho, as exigências e peculiaridades de cada ramo de atividade nos distintos momentos de desenvolvimento do modo de produção, demandam e constituem um tipo específico de trabalhador, originando critérios para o exercício profissional. De certo modo, é possível considerar que a realização do trabalho também é marcada pelas características individuais e coletivas dos trabalhadores, as quais são determinadas historicamente e modificam-se nas relações sociais de produção. O perfil profissional, conjunto de características de determinado grupo de trabalhadores, expressa a condição atual, as trajetórias dos profissionais e do trabalho propriamente dito, conhecimentos, habilidades e práticas peculiares de um determinado campo de trabalho, e, ao mesmo tempo, possibilita o movimento de diferenciação de outros grupos e a identificação entre si, contribuindo para constituir a categoria coletiva. Nesse sentido, o perfil integra o processo de construção identitária pro-
176
fissional, e favorece meios para se compreender a constituição histórica, as tendências presentes no movimento de organização e mudanças da categoria (Alves, 2007; Alves e Barbosa, 2011). No que se refere ao trabalho docente, as condições materiais, a regulamentação específica, a organização da instituição, as finalidades e os objetivos educacionais projetam expectativas e delimitam características, atitudes, habilidades e conhecimentos que são necessários ao desenvolvimento da docência (Alves, 2002:129). A identificação e análise do perfil docente, numa perspectiva dialética, implicam apreensão e reflexão acerca de características da própria profissão, a compreensão de suas relações com a organização do trabalho e com a sociedade, identificando seu movimento histórico e tendências atuais65. Com isso, se reconhece a historicidade do perfil, da identidade profissional e da docência. O perfil dos sujeitos docentes, na educação infantil em Goiás, que participaram da presente pesquisa é majoritariamente feminino: 99,6% são mulheres66. Em números absolutos, há apenas um homem e uma pessoa que não respondeu. A faixa etária se concentrou entre 26 e 35 anos (36%) e de 36 a 45 anos (32%); 26% tem idade entre 46 e 68 anos, enquanto que a faixa mais jovem conta com 6% (entre 15 e 25 anos). A autodeclaração de raça/cor dos docentes expressa a formação multiétnica e multirracial brasileira, com predominância da cor parda (40%) e preta/negra (15%), que juntas equivalem a mais da metade do grupo (55%). A representatividade de pessoas da raça/ cor branca é de 39%; tem-se 6% de amarela e 1% de indígena. O casamento é o estado civil da maioria (59%); 26% são solteiras, 8% viúvas, 4% vivem com companheiro, 3% são separadas. Constata-se que 26% não são mães, enquanto que 74% das docentes têm filhos, variando entre 2 (51%), 3 (28%) e 1 filho (14%). Pode-se, então, afirmar que os sujeitos docentes na educação infantil em Goiás formam um grupo composto majoritariamente de mulheres, negras (abrangendo a cor parda e preta), casadas e com filhos. Importa demarcar que a posição apresentada difere de outras proposições e análises do perfil docente como lista de características e/ou “qualidades” que os professores devem apresentar para atender às exigências da educação e da sociedade, na ótica de eficiência e de “novidade”. Tais abordagens apresentam modelos de professor ideal, levando à cristalização de características abstratas que nem sempre correspondem aos sujeitos reais. 66 Diante desse quadro, a partir desse momento do texto, usarei simultaneamente os termos professoras e sujeitos docentes ao designar as participantes da pesquisa. 65
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Esse perfil dos sujeitos docentes na educação infantil em Goiás expressa relações com tendências demográficas da população brasileira, por exemplo, a redução da taxa de fecundidade, diminuindo o número de filhos por mulher, e o percentual significativo de pessoas que se autodeclaram pardas e pretas/negras. Por outro lado, não expressa, ainda, a mudança quanto ao aumento de união estável e diminuição do casamento como estado civil predominante. Merece destaque, também, o grande número de docentes que optaram pela maternidade. Na reflexão acerca de possíveis implicações de tais características no exercício do trabalho docente na educação infantil, sobressai, primeiramente, a sua configuração como campo de trabalho maciçamente feminino e relacionado com a maternagem. Diversos estudos apontam a necessidade de analisar e compreender os efeitos da feminização do magistério (Aplle, 1987, 1988; Enguita, 1991; Almeida, 1998; Carvalho, 1999; Alves, 2002; Louro, 2003, dentre outros) como um processo contraditório que possibilitou o acesso da mulher ao espaço público e a conquista do direito de exercer uma atividade profissional fora do ambiente doméstico, liberando-a do jugo patriarcal. Portanto, trouxe emancipação, mas se fez acompanhar da degradação das condições de trabalho e da desvalorização social de um trabalho “feminino”, mantendo a ideologia de subordinação de gênero, por isso, sem revolucionar as relações sociais e as representações simbólicas que sustentam o patriarcalismo67. Historicamente, a sociedade atribuiu às mulheres as tarefas de educar e cuidar das crianças pequenas como se fosse um atributo natural, o instinto materno, mitificando a mulher enquanto mãe-educadora nata (Arce, 2001), aquela que nasceu para ser professora porque nasceu para ser mãe. As consequências dessa biologização da maternidade (Barbosa, 1999) se expressam, dentre outros aspectos, na delimitação da instituição como substituta familiar e da educadora como substituta materna. Assim, associou-se o papel social da educação infantil a um “mal necessário” para suprir supostas incompetências familiares e maternas na criação e educação dos filhos. Ao mesmo tempo, a professora é associada não ao profissional, mas ao doméstico, sendo-lhe exigida Obviamente, não pretendo desprezar nem desvalorizar o valor dessas conquistas femininas, que, aliás, resultam de muitas lutas bravamente travadas por muitas mulheres em resistência aos valores sociais predominantes. De acordo com Silva (2008:63), é errôneo tomar a priori as mulheres como subjugadas, dependentes e de estilo de vida restrito ao lar. Assim, a história das mulheres sob o patriarcalismo e a legitimação da divisão sexual dos papeis na sociedade é uma história de submissão, mas não de passividade, mostrando-se marcada pela contradição. 67
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apenas capacidade afetiva e de doação para gostar das crianças e do ofício, pois seu trabalho seria uma continuidade do “instinto maternal” de que toda mulher seria dotada naturalmente. A questão de gênero se constitui mais uma variável para a desvalorização do trabalho das educadoras na educação infantil, historicamente marcada por desigualdades tanto no acesso quanto na qualidade do atendimento (Kramer, 2002:126). É preciso compreender também as dinâmicas discriminatórias de raça que estão profundamente enraizadas na sociedade brasileira e na educação em geral. No campo da educação infantil, a articulação entre gênero, raça e classe social gera diferenciações tanto entre as crianças quanto entre as professoras (Rosemberg, 1996; 2010). Imbrica-se nessa representação da educação de crianças pequenas, além de ideais de feminilidade e submissão feminina, a imagem da profissão docente como sacerdócio e vocação, um trabalho desinteressado feito por amor ao próximo e por um “chamado íntimo”, sem esperar ou exigir qualquer retorno ou condições para realizá-lo. Segundo Bruschini e Amado (1988:7), o conceito de vocação foi utilizado ideologicamente para induzir a aceitação de profissões menos valorizadas socialmente, sobretudo no caso da escolha do magistério pelas mulheres, levando-as a acreditar que o trabalho exercido por vocação estaria dissociado da avaliação das possibilidades concretas de sucesso pessoal e profissional na carreira. Assim, tal imagem é diretamente oposta ao sentido de profissionalização do trabalho como atividade que exige formação, remuneração e condições dignas para ser realizado68. A associação da educação infantil ao papel feminino expressa, ainda, a ideia de cuidado, como atividade ligada aos aspectos físicos, de higiene corporal e alimentação, portanto, como serviço menos qualificado e de menor valor do que outros trabalhos, acarretando hierarquizações e divisões horizontal e vertical do trabalho, tanto na profissão docente quanto na própria instituição de educação infantil. Assim, quanto menor Para Enguita (1991:42-43), a vocação é um componente das profissões, no sentido de diferenciá-las do trabalho proletário, e caracteriza-as como uma atividade exercida liberalmente, que não possui preço, portanto, o trabalho do profissional não pode ser pago, mas é retribuído em forma de honorários. Dessa maneira, parece não haver relação direta entre a vocação e a desprofissionalização de uma profissão, mostrando a complexidade desse processo. No caso do magistério, porém, a ideologia de vocação reforça o trabalho docente como prolongamento do trabalho doméstico, feito por “boa vontade” e doação altruísta, portanto, uma atividade com menor qualificação e valorização social. 68
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o educando e o trabalho mais próximo do cuidar, menor é o salário do profissional e o prestígio social da profissão, portanto, são piores as condições de trabalho e a carreira (Campos et al., 1991:44). Em pesquisa anterior que realizei investigando os significados da docência na educação infantil (Alves, 2002), foi recorrente a afirmação de que esse trabalho requer, primeiramente, amor pelas crianças e ao trabalho, afetividade, senso materno e dedicação, expressando a concepção de vocação e dom para ser professora69. Assim, a própria formação profissional, que foi reconhecida como necessária para desenvolver o trabalho docente em creches e pré-escolas, estaria subordinada a fatores não profissionalizantes, vinculando a docência e a maternagem. Nisso se revela a ambiguidade dos significados e sentidos que envolvem a docência na educação infantil. O perfil e o trabalho do educador da infância são altamente complexos e vêm se ampliando no processo de definição das funções sociais, da intencionalidade e especificidades pedagógicas da educação infantil, reconhecida como um dever do Estado, direito de todas as crianças de 0 até 6 anos de idade e opcional para as famílias com filhos de até 3 anos de idade70. De acordo com a teoria sócio-histórico-dialética, entende-se que o professor da educação infantil é mediador privilegiado da cultura, do conhecimento sistemático, de afetos e pensamentos, de ações, valores e hábitos, exercendo a mediação no processo do ensino ao dispor e organizar intencionalmente a interação da criança com signos, significados, conceitos (Barbosa, Alves e Martins, 2011:142). O trabalho docente em creches e pré-escolas, portanto, requer sólida formação teórica que possibilite domínio técnico e conhecimentos amplos em vários campos científicos. Constatou-se, na presente pesquisa, que mais da metade dos sujeitos docentes na educação infantil em Goiás possui graduação (66%), e 34% têm curso de nível médio, mas não foi especificado se é na modalidade de curso normal. Pode-se depreender que houve no estado, após a aprovação da LDB/1996, uma ampliação da oferta em nível superior oferecida pela Universidade Estadual de Goiás - UEG, por meio do programa de
A expressão usada por uma das entrevistadas exemplifica bem essa concepção: “Já nasci sabendo que é isto que gosto de fazer e faço o melhor de mim” (Alves, 2002:158). 70 A Emenda Constitucional EC nº 59 de 2009 estabelece a educação obrigatória na faixa etária de 4 a 17 anos (da pré-escola até o ensino médio), por isso, apenas a creche (0 a 3 anos) permanece como etapa não obrigatória da educação escolar. 69
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licenciatura parcelada (as parceladas), o que possivelmente afetou a formação dessas profissionais (Martins, 2007). Apenas um sujeito docente possui formação incompleta em ensino fundamental, o que representa percentual menor do que 1%, conforme a Tabela 1:
Tabela 1. Distribuição dos sujeitos docentes na educação infantil conforme o maior nível de escolaridade Nível de escolaridade
%
Fundamental incompleto
0,4
Ensino médio completo
34,4
Graduação
33,6
Pós-graduação
31,5
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Dentre as profissionais formadas em nível superior, 70% são pedagogas, das quais 3% fizeram também outro curso superior. Há 22% com outras licenciaturas (exclui a Pedagogia), 4% com normal superior e 4% que possuem outros cursos de graduação. O percentual de profissionais com cursos de pós-graduação é significativo (32%), com predominância dos cursos de especialização lato sensu (91%). Essa situação demonstra a busca de qualificação por parte das profissionais, o que pode estar relacionado à valorização da preparação teórica para exercer o seu trabalho. Certamente, a implementação dos planos de carreira nos municípios e a inserção das professoras de educação infantil ocupam papel importante nesse contexto. A legislação educacional, a partir da aprovação da LDB (Lei nº 9.394/1996), estabeleceu o nível de formação superior para a atuação na educação infantil, admitindo o curso médio na modalidade normal como formação mínima. A lacuna deixada pela LDB/1996 quanto ao tipo de curso que formaria o profissional da educação infantil foi superada 10 anos depois, com a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia (Brasil/CNE, 2006), que definiu o curso de Pedagogia para essa formação. Essa definição é reafirmada na legislação própria de vários municípios, por meio dos Conselhos Municipais de Educação, ao estabelecer que a docência em creches e pré-escolas seja exercida por pedagogos ou licenciados com pós-graduação em educação infantil. Conclui-se que o quantitativo de sujeitos docentes na educação infantil em Goiás que não possuem o curso de Pedagogia, nem o curso normal
181
em nível médio71, está em desacordo com a legislação atual, embora o nível geral de formação desses educadores apresente indicadores melhores em relação ao panorama brasileiro nessa etapa educacional, na qual persiste o maior número de professores leigos em exercício72. Essa situação requer a proposição e materialização de projetos e de ações articuladas para assegurar a formação adequada, acarretando desafios às políticas públicas de formação de professores73, bem como aos cursos de Pedagogia, no sentido de contemplar as especificidades da atuação profissional na educação de crianças de 0 até 6 anos de idade. A ausência de um enfoque específico a respeito da educação infantil no curso de Pedagogia é apontada em diversos estudos (Alves, 2002; Martins, 2007; Kishimoto, 2009, dentre outros). É pertinente, entretanto, considerar os esforços que dão visibilidade ao debate e à melhoria dessa qualificação tanto nos cursos de Pedagogia – com a adequação de currículos inserindo disciplinas e/ou abordagens sobre a criança de 0 até 6 anos e sua educação em creches e pré-escolas, e a criação e o fortalecimento de grupos de pesquisa na área – quanto nas políticas públicas, como é o caso do curso de especialização em Educação Infantil, que se iniciou em 2010, desenvolvido em dezenove universidades federais em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB)/ MEC e as respectivas secretarias municipais de educação, abrangendo cerca de 2.500 profissionais que atuam em educação infantil nas redes públicas de ensino74.
Essa informação não foi levantada na pesquisa, mas, sim, em outros estudos da pesquisadora. 72 O Censo Escolar 2007 (MEC/Inep) indica um total de 13,1% de professores de pré-escola nessa condição (5,6% de nível superior sem licenciatura e 7,5% com ensino médio ou fundamental). Na creche, esse quantitativo alcança 17,8% (4,9% com curso superior sem licenciatura, 9,9% com nível médio e 3% têm apenas o ensino fundamental). 73 Como uma das ações para enfrentar essa precariedade, teve início, em 2005, o Programa de Formação Inicial de Professores em Exercício na Educação Infantil Proinfantil, em colaboração entre União, estados e municípios,e com a participação de universidades federais, a partir de 2008. Esse é um curso à distância, em nível médio, na modalidade normal, que foi suspenso em 2012 após a realização de quatro edições, respectivamente Grupo Piloto, Grupo I, Grupo II e Grupo III, em diversos estados brasileiros. 74 Em Goiás, a primeira edição do curso, coordenada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Infância e sua Educação em Diferentes Contextos (Nepiec) da Faculdade de Educação/UFG, aconteceu em três polos, com quatro turmas, e teve 118 concluintes. 71
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Nesse contexto, é preciso enfatizar a defesa do curso de Pedagogia como locus privilegiado de formação do professor de educação infantil, enquanto profissional que compreenda as especificidades dos processos de educação, aprendizagem e desenvolvimento das crianças menores de 6 anos em contextos de cuidados coletivos, distintos dos ambientes familiares. Ademais, a formação de professores, de acordo com Kramer (2002:127-128), acontece em diferentes espaços e tempos, abrangendo o aspecto acadêmico (domínio de conteúdos das distintas áreas de conhecimento nos cursos médio e superior), o político (nos movimentos sociais, fóruns, associações, partidos, sindicatos), a reflexão sobre o cotidiano (nas próprias instituições educacionais onde atuam os profissionais) e o aspecto cultural (experiências com arte em geral). Quanto à formação cultural, um aspecto que merece ser destacado é o tipo de leitura realizada pelos sujeitos docentes na educação infantil, bem como a sua frequência. Predomina a leitura de livros técnicos e didáticos (82%), seguida por revistas (72%), jornais (68%), artigos de revistas acadêmicas (60%) e sites e páginas da internet (59%). Em último lugar estão os livros de literatura em geral (56%). Por outro lado, é significativo o percentual de profissionais que raramente ou nunca fazem leitura literária (44%), de sites e páginas da internet (41%), artigos acadêmicos (40%), jornais (32%) e revistas (28%). Tabela 2. Frequência de leitura dos sujeitos docentes na educação infantil Tipo de Leitura Livros (romances, literatura em geral) Livros (técnicos e didáticos) Artigos de revistas acadêmicas Jornais Revistas Sites / páginas da internet
Sempre
Frequência Frequentemente Raramente
Nunca
25
31
38
6
37
45
16
2
23
37
33
7
36 35
32 37
29 26
3 2
30
29
24
17
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Assim, é visível a regularidade da leitura como processo de trabalho, certamente ligada à realização de estudos e de planejamento das
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atividades pedagógicas. É necessário analisar, também, em que medida a exclusão digital afeta essas profissionais, quais são as suas condições de acesso e de uso das novas tecnologias comunicacionais. A pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2012) indica que 54% da população não acessa a internet e 7% a acessa raramente. Dentre os usuários da internet, apenas 24% acessam redes sociais ou blogs sobre livros ou literatura. Assim como nas edições anteriores, a pesquisa confirma as principais correlações com a leitura: escolaridade, classe social e ambiente familiar. Por fim, cabe refletir sobre o pequeno espaço da leitura literária no cotidiano dos sujeitos docentes na educação infantil, e a importância que possui a literatura na formação humana, pois a experiência com a arte, conforme Kramer (2002:128), “é capaz de nos humanizar e fazer compreender o sentido da vida para além da dimensão didática, para além do cotidiano ou vendo o cotidiano com a história ao vivo”. Em um país de desigualdades sociais e econômicas como o Brasil, o acesso à arte se elitiza, portanto, é preciso que as políticas públicas assegurem a todas as professoras da educação infantil esse direito de formação profissional, que é também direito social. Essa é uma condição indispensável para que a instituição se constitua como espaço de formação cultural para as crianças e suas famílias75. Uma sólida formação teórico-prática, que considere as peculiaridades do trabalho docente em creches e pré-escolas e as necessidades de desenvolvimento profissional dos educadores, é necessária para qualificar as práticas pedagógicas com as crianças, mas, sobretudo, é fundamental para a constituição de uma práxis educativa que possibilite superar o senso comum, o praticismo e o improviso que historicamente caracterizam o trabalho docente na educação infantil. Para tanto, os processos formativos devem assumir a reflexão acerca da docência na imbricação das relações de classe social e gênero – evidenciando as raízes e efeitos da proletarização sobre a profissão docente –, bem como favorecer a ressignificação da identidade profissional e a superação da desvalorização socialmente imposta (Alves, 2006:16). Essa tarefa tam-
A referida pesquisa apresenta um indicador que corrobora a importância da instituição educacional como espaço de formação cultural: 45% dos entrevistados apontaram a professora como a pessoa que mais os influenciou a ler. Por outro lado, 30% dos respondentes afirmaram não gostar de ler, reafirmando a necessidade de políticas de incentivo e apoio à leitura em todas as faixas etárias e classes sociais, considerando-se que esse gosto não é meramente subjetivo, mas vincula-se às condições de acesso e experiências significativas de leitura. 75
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bém é urgente para as políticas públicas e as pesquisas em educação infantil e em formação de professores.
2. Situação profissional, carreira, objetivos e condições de trabalho docente na educação infantil em Goiás A historicidade da educação das crianças de 0 até 6 anos no Brasil revela uma variedade de iniciativas e propostas de proteção e assistência à infância, com distintas finalidades e concepções, predominando por longo período a versão filantrópico-assistencialista. A descontinuidade, fragmentação e pulverização de ações; a sobreposição de órgãos oficiais e da legislação; e a ausência de uma concepção de direitos, caracterizam a oferta desigual e a precariedade do atendimento quanto às condições materiais, pedagógicas e humanas (Barbosa e Alves, 2009). É nesse contexto que se demarcou a função institucional de guarda e custódia infantil e o papel de substituta materna, identificando o perfil da educadora ao da mãe. Em decorrência, foi amplamente utilizado o trabalho voluntário, sem qualquer preocupação com a formação e qualificação das profissionais, configurando um quadro heterogêneo de funções e designações das trabalhadoras de creche (pajem, monitora, recreadora, babá, atendente, dentre outros), enquanto que na pré-escola eram designadas de professorinha, tia, e jardineira76. Atualmente se desenham possibilidades de mudança no quadro descrito anteriormente. Conforme determina a LDB/1996, no seu artigo 67, os profissionais do magistério da educação básica devem ter: ingresso exclusivamente por concurso público; aperfeiçoamento profissional continuado; piso salarial; progressão funcional; período reservado a estudos, planejamento e avaliação incluído na carga de trabalho; econdições adequadas de trabalho. Quanto à situação funcional, a presente pesquisa constatou que a maioria dos sujeitos docentes na educação infantil em Goiás é concursada (72%), conforme previsto na legislação. Os cargos ocupados possuem muitas denominações: assistente de educação infantil, assistente técnico de educação básica, auxiliar de atividades administrativas,auxiliar de escola, auxiliar de serviços de educação, auxiliar de serviços de higiene Essa denominação remete ao jardim de infância proposto por Froebel, em 1844. Para saber mais, ver Kuhlmann Jr. (1998). 76
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e alimentação, educador infantil, funcionário administrativo educacional, monitor de esporte, pedagogo, professor, professor de educação física, profissionais de educação. Por outro lado, apenas 46% dos sujeitos estão contemplados em um plano de cargos e salários, dos quais 92% pertencem à carreira do magistério. Desse percentual de 46%, nota-se uma avaliação positiva da carreira, conforme a Tabela 3:
Tabela 3. Satisfação dos sujeitos docentes em relação à carreira Satisfação dos sujeitos docentes em relação à carreira
%
Satisfeito/a por se tratar de uma carreira que permite progressão profissional
67%
Insatisfeito/a, pois a carreira não permite progredir profissionalmente
12%
Estagnado, pois já alcançou a melhor posição que a carreira pode oferecer
1%
Indiferente
3%
Outro
18%
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Ressalta-se que 54% dos sujeitos docentes na educação infantil em Goiás, conforme amostra da pesquisa, não são contemplados em um plano de cargos e salários, e, consequentemente, estão excluídos das garantias e dos benefícios de uma carreira profissional. Também é significativo o percentual de 28% de não concursados, portanto, sem vínculo efetivo. Essa situação certamente promove rotatividade de educadoras, além da falta de segurança dos contratos temporários para o próprio trabalhador, que sequer tem garantias trabalhistas básicas. A multiplicidade de cargos revela que ainda não foi superada a indefinição da função docente, a ser exercida por profissionais em creches e pré-escolas. Ademais, se expressa a divisão em duas carreiras: magistério e técnico-administrativo. É necessário aprofundar a análise para se apreender possíveis influências dessas condições no trabalho cotidiano, por exemplo, a hierarquização que diferencia e opõe trabalhadoras com diferentes status profissionais. Diversos estudos analisam as consequências da polarização na atuação de profissionais da educação infantil, decorrente da divisão entre cuidar e educar, separando quem “ensina” e quem “cuida” em carreiras distintas, com formação, carga horária, benefícios e salários
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diferenciados (Campos et al., 1991; Silva, 2001; Cerisara, 2002; Alves, 2002, dentre outros). Tais dinâmicas se articulam às relações entre classe social, gênero e raça no trabalho docente. Destaca-se, sobretudo, a fragmentação pedagógica dissociando as finalidades de atendimento integral à criança, bem como os conflitos nas relações interpessoais, o que resulta em (re)criação de formas de alienação do trabalho e do trabalhador. Essa análise requer a compreensão dos desdobramentos e das mediações do trabalho alienado, que caracteriza as sociedades regidas pelo capital, na docência em educação infantil inserida no processo de divisão social do trabalho, oposição entre trabalho manual e intelectual, burocratização das atividades e das relações humanas, reificação da vida e da subjetividade do homem (Alves, 2002). Quanto aos turnos de trabalho, no ano de realização da pesquisa (2009), a maioria atuava em apenas uma instituição educacional (72%), tinha jornada única (75%) e não exercia atividade remunerada em outro setor empregatício não ligado à educação (85%). A jornada dupla, que tem caracterizado historicamente a profissão do magistério, era exercida na mesma unidade educacional por 24% dos sujeitos docentes na educação infantil, enquanto que 28% atuavam em mais de uma instituição (27% em duas instituições e 1% em três ou quatro). A jornada única parece ser uma tendência no campo da educação infantil em Goiás, conforme percebido em outras pesquisas desenvolvidas na rede municipal de ensino de Goiânia (Alves, 2002; 2007). É pertinente que tal característica seja mais detalhadamente investigada para se apreender seus motivos e suas consequências na profissão docente em creches e pré-escolas. Importa considerar, nesse contexto, a carga horária semanal e diária que é realizada nessas instituições. Em geral, o atendimento acontece em período integral, com funcionamento diário por até 10 horas, havendo profissionais que cumprem turnos de 6 horas. Isso certamente dificultaria trabalhar em outro turno. Ademais, 65% dos sujeitos docentes afirmaram não ser o principal provedor de sua casa, o que poderia favorecer a jornada única. Os sujeitos docentes consideram como objetivos muito importantes de seu trabalho com as crianças: preparar para a cidadania (92%), promover o desenvolvimento integral (89%), instruir as crianças (87%), educar segundo valores e normas sociais (80%), promover a formação cultural (80%), preparar para a próxima etapa da educação (77%) e propiciar a aquisição das competências básicas (72%). A preparação para o trabalho é o objetivo menos valorizado, pois 18% atribuem-lhe pouca ou nenhuma importância e apenas 56% o consideram muito importante.
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A educação infantil tem a finalidade de promover o desenvolvimento integral da criança em todos os seus aspectos, constituindo-se em espaço de aprendizagens que possibilitem acesso aos conhecimentos dos vários campos, ampliação de experiências e formação cultural, numa perspectiva de educação multifacética que leve as crianças ao domínio da arte, da técnica e da ciência (Barbosa, 1997). Essa perspectiva reconhece a criança como cidadã, sujeito de direitos, que participa ativa e criativamente do seu desenvolvimento, capaz de interagir e modificar seu meio, portanto, considera a infância como categoria social, fase da vida humana que possui peculiaridades e não se resume em preparação para vida adulta. Nesse sentido, pressupõe a superação das concepções assistencialistas, preparatórias e espontaneístas no trabalho pedagógico. De modo geral, as condições de trabalho na unidade educacional apresentam-se satisfatórias, não indicando precariedade, exceto as paredes das salas de aula, a sala específica de convivência e repouso e os parquinhos e áreas de recreação que possuem condições ruins, segundo mais de 20% das entrevistadas. Gráfico 1: Avaliação das condições de trabalho na unidade educacional
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
Pode-se considerar que essas condições da unidade educacional indicam melhoria da infraestrutura e dos equipamentos em relação à conhecida precariedade dos prédios escolares públicos em geral e das instituições de educação infantil, embora nenhum dos aspectos seja considerado excelente para mais de 16% dos sujeitos docentes. A maioria avaliou entre bom (cerca de 40%) e regular (aproximadamente 30%).
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Na educação infantil, o espaço físico das instituições é elemento fundamental na proposta pedagógica (Faria, 1999; Horn, 2004; Brasil/MEC/ SEB, 1995,2006a, 2006b), evidenciando as concepções de criança, de aprendizagem e desenvolvimento, de educação e de sociedade que norteiam o trabalho docente. Conclui-se que ainda são necessários investimentos na qualidade das condições materiais, que, além de favorecer as aprendizagens e o desenvolvimento infantil, constituem-se em importantes meios de trabalho das profissionais (Rosemberg, 1997:24). Em situações materiais precárias, na falta de recursos pedagógicos, o trabalho se torna mais desgastante e exige maior esforço, reduzindo as possibilidades de criação e invenção por parte das educadoras, portanto, limita o próprio desenvolvimento das crianças. Contar com espaço amplo, iluminado e arejado – com brinquedos, livros, áreas externas, quadras de esportes, parques, banheiros e salas de convivência em boas condições – é, por isso, um direito das professoras para a qualificação das práticas educativas com as crianças. Para os sujeitos docentes na educação infantil em Goiás, as situações que apresentam maior intensidade de interferência no desempenho de suas atividades cotidianas, somando-se as respostas de interfere muito e moderadamente, são: problemas de saúde das crianças (60%), situação socioeconômica precária das famílias (58%) e conflitos entre as crianças (44%). Dentre os fatores avaliados com pouca e nenhuma interferência, destacam-se: consumo de álcool/drogas pelos alunos/colegas (82%), presença de gangues dentro da escola (81%), tráfico de drogas nas imediações da unidade educacional (72%) e falta de liderança da direção da unidade educacional (70%). Em geral, sobre a organização e gestão da unidade educacional, os seguintes aspectos obtiveram maior índice de concordância: o projeto político-pedagógico é resultado de trabalho coletivo e colaborativo dos docentes (81%), é necessária formação específica para aqueles que participam da gestão (81%), a administração/direção exerce forte liderança sobre o coletivo (80%), a gestão é democrática envolvendo o coletivo dos docentes no planejamento dos trabalhos (79%). Nota-se uma discrepância na avaliação da forma como a direção ocupa seu tempo: 50% concordam e 49% discordam que estão predominando as tarefas administrativas. Situação semelhante se observou quanto à falta de tempo para o trabalho coletivo: 57% concordaram e 41% discordaram. Quanto ao financiamento, 63% consideram que não
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garante condições adequadas de trabalho. Por outro lado, 72% consideram haver melhoria nessas condições nos últimos anos. A gestão democrática da educação pública é princípio definido pela Constituição Federal de 1988, que preconiza novas formas de organização e administração dos sistemas de ensino, com a participação dos principais agentes do processo educacional e com possibilidade de controle social. A LDB/1996 reitera a definição constitucional e estabelece alguns mecanismos da gestão democrática: liberdade de elaboração e execução da proposta pedagógica pela escola; incumbência de articulação dos estabelecimentos de ensino, em colaboração dos docentes, com a comunidade escolar, informando sobre a execução da proposta pedagógica; participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico; participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares; progressiva autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira das unidades escolares públicas. A materialização das políticas educacionais e dos projetos pedagógicos não é um processo uniforme de transposição de princípios formais e/ou legais para o cotidiano escolar. As normas e definições da política educativa se materializam no jogo interno de cada instituição educacional, constituindo particularidades, compondo identidade e cultura próprias, o que torna as escolas de uma rede de ensino dialeticamente diferentes e semelhantes entre si. Ademais, a própria gestão não é neutra, mas se apresenta com diferentes sentidos podendo se configurar em distintas propostas, ações e concepções norteadoras. Dessa maneira, evidencia-se o caráter polissêmico da gestão quanto às práticas e concepções, coexistindo várias proposições de gestão democrática, por exemplo, no que se refere à participação e autonomia. Pode se materializar a participação restrita e funcional, reduzindo os atores escolares a executores que assumem responsabilidades do Estado no provimento das condições de funcionamento da escola, como evidencia o paradigma da qualidade total; ou, buscar-se mecanismos de participação efetiva como expressão de um projeto coletivo, numa perspectiva transformadora (Dourado, 2003; Ferreira, 2007). Assim, a gestão democrática constitui categoria complexa, cuja efetivação no cotidiano escolar articula múltiplas dimensões e impõe a criação de mecanismos e instâncias colegiadas de participação efetiva nos processos decisórios, na definição, elaboração, execução e avaliação da proposta educativa, bem como no gerenciamento de recursos financeiros (Alves, 2007). Ainda sobre o trabalho cotidiano na educação infantil, os sujeitos docentes consideram que manter a disciplina em sala de aula exige
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muita energia (77%), embora para 68% a sua autoridade é respeitada pelas crianças. A afetividade é base da relação com as crianças (76%), e há satisfação ao realizar atividades de cuidado com elas (82%). A afetividade, o envolvimento, a identificação profissional com as crianças e com o trabalho na educação infantil são importantes para a construção de relações positivas de aprendizagem e desenvolvimento, porém, não podem ser consideradas “características” inatas ou resultantes de vocação, como se surgissem espontaneamente em cada pessoa. O próprio cuidado, entendido como indissociável do educarna educação infantil77, se vincula tanto à dimensão biológica/corporal, de saúde, quanto à dimensão relacional e afetiva, aos aspectos não cognitivos do trabalho docente (Carvalho, 1999), e, por isso, pressupõe aprendizagens profissionais a serem propiciadas nos processos de formação inicial e continuada. Destaca-se tambéma valorização do trabalho realizado, pois 78% dos sujeitos docentes sentem que, ao final de um dia de trabalho, as crianças aprenderam alguma coisa, e 94% se consideram como pessoa que tem importante papel sobre o futuro das crianças. No entanto, 29% discordam e apenas 33% concordam que seu trabalho é socialmente valorizado. A importância do papel do professor está ligada diretamente ao reconhecimento da função social da instituição de educação infantil como espaço legítimo de educação compartilhada das crianças de 0 até 6 anos de idade. Esse reconhecimento, na sociedade brasileira, conquistou legitimidade na produção teórica e nos textos legais vigentes, mas ainda se mostra frágil, com dificuldades de consolidar-se no cotidiano, por se tratar de algo novo (Silva, 2008; Rosemberg, 2010). Persiste, ainda, a ideia, remanescente da sociedade patriarcal, de educação e cuidado das crianças como responsabilidade privada das famílias, não reconhecendo a instituição como contexto favorável ao desenvolvimento e crescimento infantil. Ademais, a política de organismos internacionais – como o Banco Mundial, com grande penetração nas políticas educacionais brasileiras – apresenta o atendimento domiciliar ou os programas alternativos de baixo custo para o Estado como medidas econômicas para os países em desenvolvimento. Por fim, a valorização social do magistério, em geral, expressa correlações de forças históricas na educação, que se constitui campo O binômio cuidar-educar é apontado na literatura como uma das especificidades da educação infantil, porém, é preciso atentar que o cuidado é dimensão indispensável em todo e qualquer processo educativo que lida com a singularidade humana. 77
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de disputa hegemônica. O desprestígio da profissão afeta todos os níveis educacionais, com a intensificação do trabalho, os baixos salários, o aligeiramento da formação, a perda de autonomia e o aumento do controle externo sobre o trabalho por meio das políticas de avaliação de desempenho de alunos e de professores. As novas exigências ao trabalho docente, impostas pelas reformas educacionais e apresentadas “sob o manto da novidade, [...] são tomadas como imperativo por esses trabalhadores” (Oliveira, 2003:34). Os professores acabam assumindo novas responsabilidades com naturalidade. Dentre os sujeitos docentes na educação infantil em Goiás, 92% assumem novas responsabilidades de forma natural, sendo que 99% procuram se adaptar às novas exigências profissionais. Destaca-se, porém, que 87% não observam transformações e repercussões das políticas educacionais sobre seu trabalho, enquanto que 89% se consideram responsáveis pela classificação de sua unidade educacional nas avaliações realizadas pelos governos, embora 87% não se sintam constrangidas a mudar sua forma de trabalho em razão dos exames de avaliação. Os sujeitos docentes na educação infantil em Goiás apresentaram os sentimentos em relação à sua vivência profissional: têm muito a contribuir na educação (72%), trabalhar na educação proporciona grandes satisfações (52%), e a educação possibilita usar ao máximo as próprias capacidades (48%). A frustração com o trabalho é rara (41%) ou nunca acontece (38%), o que permite afirmar um significativo grau de satisfação docente. Nota-se, ainda, que não é frequente o desejo de parar de trabalhar na educação, pois apenas 22% indicam que pensam nisso raramente e 62% pensam efetivamente em parar essa atividade. Pode-se considerar, diante do contexto, que as profissionais encontram realização no seu trabalho docente, apesar das dificuldades enfrentadas. Para a melhoria da qualidade do trabalho, as entrevistadas priorizaram a necessidade de: receber melhor remuneração (28%), receber mais capacitação para as atividades que exerce (22%), reduzir o número de crianças por turma (16%), contar com maior apoio técnico nas suas atividades (13%), ter dedicação exclusiva a uma única unidade educacional (11%), aumentar o número de horas destinadas às atividades extraclasse (8%), outras (2%). A valorização salarial e a formação específica se destacam, expressando parte das reivindicações históricas da categoria do magistério. A profissionalização da docência na educação infantil passa, necessariamente, por essas condições, embora não sejam suficientes para assegurar tal processo. Afinal, a identidade profissional resulta tanto
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dos saberes quanto da experiência concreta no exercício da profissão e dos significados atribuídos ao trabalho, portanto, possui dimensões subjetivas e materiais, não podendo ser considerada de modo externo à docência como prática social concreta.
Considerações finais A definição da educação infantil como primeira etapa da educação básica e sua consequente inserção nos sistemas de ensino estabeleceu novo patamar legal quanto aos profissionais de creches e pré-escolas, definindo exigências de formação e carreira que, acredita-se, refletir-se-ão na melhoria das condições de trabalho. A efetivação dos textos legais, assegurando os direitos profissionais das professoras e a melhoria da qualidade material e pedagógica em creches e pré-escolas, enseja a modificação da realidade na perspectiva de superação da precariedade de condições de trabalho, da fragmentação no exercício da profissão e da falta de formação específica. A presente pesquisa possibilitou constatar as mudanças que vêm ocorrendo, mas muitos desafios ainda se apresentam, surgindo novos problemas e persistindo antigos, muitas vezes com outra roupagem. É preciso, desse modo, aprofundar as pesquisas e os debates que se articulam às lutas dos movimentos sociais em defesa da qualidade da educação das crianças de até 6 anos, do trabalho docente e da formação de suas profissionais. Não se pode esquecer que a educação infantil é campo de disputa hegemônica e se constituiu historicamente entre embates e disputas de projetos distintos. Portanto a tarefa é imensa e intensa!
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Capítulo 10
A gestão escolar no contexto atual: o paradigma gerencial e o trabalho do dirigente escolar em Goiás Luís Gustavo A. da Silva João Ferreira de Oliveira Lúcia Maria de Assis Danyelle Cristine Biagioli Gomes
O presente estudo integra a pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil, que foi realizada por meio de um survey amostral em municípios e escolas de sete estados brasileiros (PA, RN, GO, ES, MG, PR e SC). Conforme definição da amostra, a pesquisa ocorreu nos seguintes municípios do estado de Goiás: Goiânia, Planaltina de Goiás, Inhumas, Caldas Novas e São Luís dos Montes Belos. A pesquisa, em âmbito nacional, buscou conhecer e analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições realizam suas atividades nos estabelecimentos de educação básica no Brasil. Buscou ainda, por um lado, observar em que medida as mudanças ocorridas na organização e gestão escolar têm interferido na composição do perfil dos docentes e nas condições de realização de suas atividades (alteração das tarefas, das responsabilidades, dos tempos e da atuação em diferentes campos no contexto escolar), e, por outro lado, verificar em que medida tais mudanças têm resultado em sobrecarga de trabalho, de exigências e compromissos (maiores vínculos e responsabilização dos docentes, o que pode ensejar intensificação do trabalho). Além do survey, em cada uma das escolas pesquisadas nos municípios da amostra, o(a) diretor(a) respondeu a um roteiro de entrevista que
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buscava caracterizar e compreender, dentre outros, o perfil do dirigente e as alterações na gestão e no seu papel, além de analisar a visão sobre o impacto das políticas educacionais na organização, gestão e trabalho escolar. Para alcançar esse objetivo, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas com os diretores das escolas públicas selecionadas pela pesquisa. Portanto, as análises realizadas no decorrer deste estudo têm como referência os dados coletados nas escolas municipais e estaduais selecionadas nos municípios da amostra em Goiás. Foram realizadas 57 entrevistas individuais com os dirigentes escolares78. Desse total, foram 37 entrevistas com diretores de escolas municipais, 5 com diretores de escolas conveniadas com o município e 15 com diretores de escolas estaduais distribuídas nos municípios da amostra. A Tabela 1 demonstra o quantitativo de gestores entrevistados por município e por esfera administrativa.
Tabela 1. Quantitativo de gestores entrevistados por município e por esfera administrativa Municípios
Número de roteiros por esfera administrativa Municipal
Estadual
Conveniada
Total
Goiânia
20
7
4
31
Caldas Novas
3
1
-
4
Inhumas
4
4
-
8
Planaltina de Goiás
8
1
-
9
São Luís de Montes Belos
2
2
1
5
Fonte: Gestrado/UFMG, banco de dados TDEBB, 2010.
O estudo foi organizado em duas partes. Na primeira, procuramos mostrar como as políticas educacionais e a gestão educacional no contexto atual vêm acentuando o paradigma gerencial e a performance individual com significativas implicações para o papel e trabalho do dirigente escolar. Na segunda, apresentamos e analisamos os resultados da pesquisa
Para a realização das entrevistas com os diretores, foi elaborado um roteiro com 42 questões divididas por temas relativos ao perfil, à gestão e ao trabalho do(a) diretor(a) na unidade escolar. 78
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realizada em Goiás, destacando o perfil, a formação profissional e as condições de trabalho do(a) diretor(a).
1. A gestão educacional no contexto atual: paradigma gerencial, performance e papel do dirigente escolar Nas últimas décadas, intensificaram-se as responsabilidades atribuídas ao diretor(a) na unidade escolar. O desempenho do dirigente escolar tem-se apresentado, na área educacional, como condição fundamental para a melhoria da gestão escolar e da atuação profissional dos educadores e como solução dos problemas relativos à correção dos índices de performance escolar. Nesse sentido, diversas políticas educacionais voltadas à organização e gestão da escola pública redimensionam o papel do dirigente escolar, identificando-o como protagonista no processo de transformação da realidade escolar e de melhoria da qualidade do ensino. No campo da organização e gestão educacional, prolifera, sobretudo em relação às políticas públicas, o paradigma gerencial, que busca transferir para a especificidade escolar a lógica, os processos e o pdrão administrativo empresarial para a cultura institucional da escola, centrado na eficiência e na eficácia. Nos tempos atuais, em especial a partir da década de 1990, com a predominância das políticas neoliberais e com a reforma gerencial do Estado79disseminando-se por todos os setores públicos, essa lógica intensifica-se nas escolas por meio dos princípios gerenciais específicos para a organização educacional (Lima, 2001; Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004; Silva, 2006). Com o paradigma gerencial nas escolas públicas, os princípios e os procedimentos administrativos – dentre eles, a eficiência, a eficácia, o desempenho, a produtividade e o planejamento – tornam-se cada vez mais objetos centrais da gestão, burocratizando as relações, intensificando
A reforma gerencial foi um movimento mundial ocorrido na Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, EUA, Suécia, Chile e França na década de 1990, em intensidades diferentes, mas marcada predominantemente por conceitos comuns, como valorização das funções gerenciais na administração pública, controle de resultados, autonomia de gestão, responsabilidade individual na prestação de serviços públicos baseados em metas de desempenho, desenvolvimento de instrumentos que visam à eficiência e eficácia na gestão, avaliação dos programas e medidas de incentivos aos administradores para melhorar a gestão (Pereira, 1998). 79
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o trabalho e produzindo uma cultura individualista e de desempenho performático (Moreira, 2009). Nesse contexto, a escola torna-se um espaço privilegiado para a instituição de uma cultura que valoriza a técnica como padrão para a tomada de decisões. As relações na escola subordinam-se cada vez mais à técnica e às metas de desempenho, com uma obsessão pela eficiência e eficácia, valores muito próprios do taylorismo80 (Lima, 2001). O paradigma gerencial transpõe esses princípios administrativos para o cotidiano escolar, visando padronizar, regulamentar, racionalizar as ações e controlar esse espaço marcado historicamente por contradições e disputas internas pelo poder. A transferência dessa lógica para a escola ocorre por meio do planejamento estratégico, do trabalho em equipe, do foco nos resultados e na qualidade total, da rotina administrativa, da internalização da chamada missão da escola, do gerencialismo científico dos processos, vinculados a recursos financeiros públicos destinados especificamente à obtenção desses objetivos na escola81. Nesse contexto, o discurso de autonomia, disseminado pelas políticas educacionais de transferência direta de recursos financeiros para as escolas públicas, esbarra na própria lógica administrativa que orienta os programas governamentais, pois, ao buscar instituir maior eficiência e racionalidade na condução das decisões, inviabilizam práticas coletivas efetivas de discussão pertinentes às reais necessidades da comunidade escolar. A relativa autonomia de gestão da escola institucionaliza-se com a criação das Unidades Executoras82 de direito privado, responsáveis pela O novo padrão flexível de produção constitui formas de organização e de gestão do trabalho que não rompem definitivamente com a lógica do taylorismo-fordismo, mas institui um estágio superior de racionalidade, que intensifica a obsessão pela eficiência e eficácia, por isso alguns autores o denominam de neofordismo ou neotaylorismo (Alves, 2000). 81 Os principais programas governamentais destinados a essa finalidade são o Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE e o Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE-Escola, ambos financiados com recursos públicos provenientes do Salário-Educação e distribuídos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, que visa institucionalizar a descentralização de recursos financeiros para as escolas e formalizar uma cultura institucional escolar vinculada a resultados educativos concebidos pelos órgãos centrais da burocracia estatal (Fonseca, Toschi, Oliveira, 2004; Silva, 2006; Dourado, 2007; Peroni, Adrião, 2005). 82 O Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE define a constituição de Unidades Executoras (UEx) de direito privado nas escolas públicas como condição para a transferência dos recursos descentralizados. A partir da Resolução nº 17 de 80
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instauração de um padrão de gestão empresarial paralelo à estrutura estatal. Ainda que o programa tenha sido criado a partir de uma política de descentralização de recursos financeiros federais, cabendo às Unidades Executoras a administração dos recursos públicos transferidos pela União, a insuficiência de recursos financeiros para a satisfação das necessidades da comunidade pressiona a participação privada na escola pública (Peroni e Adrião, 2005). Diante desse quadro, o papel do dirigente escolar torna-se ainda mais complexo, sendo obrigado a adaptar-se às orientações gerenciais estabelecidas pelos órgãos governamentais e, simultaneamente, atrair a atenção da iniciativa privada para os possíveis benefícios que a unidade escolar pode oferecer aos empresários em troca de recursos financeiros adicionais, capazes de suprir as carências da comunidade escolar. O resultado dessa permanente negociação entre as dimensões públicas e privadas é a abdicação do coletivo escolar de sua autonomia política e pedagógica para efetivamente conduzir soluções próprias para os problemas internos da unidade escolar. Diante desse contexto, o princípio da gestão democrática torna-se cada vez mais distante em razão do reduzido consenso no processo de tomada de decisões, do restrito amadurecimento político do grupo, da intervenção privada no universo escolar e da sobreposição dos procedimentos em detrimento da reflexão teórica. Nessa perspectiva, o papel do dirigente escolar consiste em responder aos compromissos administrativos estabelecidos pelos órgãos burocráticos do Estado, distribuir o coletivo escolar na estrutura organizacional dos programas governamentais, organizar o conjunto dos educadores para captar recursos privados para escola e submeter a comunidade escolar aos procedimentos avaliativos de desempenho formulados pelo Estado. Segundo Popkewitz (1997), a reforma gerencial destaca o discurso racional como uma forma de regulamentação. Assim, os procedimentos padronizados e rotineiros devem ser enfatizados, ao passo que as relações entre os vários elementos e a sua relação com o todo são isentos de exame. Nesse sentido, o discurso administrativo gerencial deve estabelecer-se como uma rotina. Sempre que algum problema ocorrer, deve-se atuar na causa imediata para solucioná-lo, e, uma vez resolvido, padroniza-se os procedimentos, o que significa que as obrigações individuais e as 09/5/2005, os colegiados das escolas não são mais denominados de unidades executoras, passando a se chamar entidades sem fins lucrativos (Brasil, 1995; 1997b; 2005).
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responsabilidades na escola devem ser cumpridas obedecendo constantemente a critérios administrativos. A reforma gerencial instituiu uma nova referência para os comportamentos dos agentes escolares, sobretudo dos diretores, com o objetivo de levá-los a aderir a essa lógica na solução de seus problemas e formar uma consciência gerencial no cotidiano escolar. Ao estimular os diretores a planejar, (re)planejar, estabelecer metas, objetivos, avaliar os resultados e melhorar os indicadores de desempenho, constitui-se um sentido linear para as relações existentes na escola (Silva, 2006; Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004). Assim, os objetivos serão alcançados desde que essas determinações administrativas sejam obedecidas, e caso isso não aconteça, os erros somente podem ser atribuídos aos próprios diretores e à equipe gestora, como líderes na hierárquica estrutura administrativa gerencial, que não souberam planejar e avaliar eficientemente as etapas constitutivas, bem como dimensionar a delegação de tarefas para o conjunto dos agentes escolares de maneira adequada para o alcance dos objetivos estabelecidos. Ressalta-se que não se deve atribuir a responsabilidade dos erros aos procedimentos ou às condições históricas e estruturais das unidades escolares, o que poderia evidenciar uma valorização dos procedimentos em detrimento dos fins ou aspectos mais universais da educação. Na prática, predomina um contínuo processo de internalização, por parte dos diretores escolares, dos referenciais administrativos como parâmetro para seus comportamentos e atitudes no cotidiano escolar, induzindo a conformação dos demais agentes a ampliar suas responsabilidades individuais para o alcance dos objetivos e resultados previamente estabelecidos. Esse processo exige a percepção e a introjeção dos procedimentos administrativos, pelo conjunto dos agentes escolares, como constitutiva do processo de tomada de decisões. A metodologia do trabalho instituída tende a transferir para a escola pública os princípios de flexibilidade e de racionalidade do trabalho como uma das principais necessidades do regime de acumulação flexível, que deseja absorver o consentimento e a subjetividade do trabalhador em prol da valorização do capital (Silva, 2006; Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004; Alves, 2000). Esses procedimentos administrativos vêm alterando efetivamente a forma de agir dos dirigentes escolares e sua visão do conjunto da escola, bem como instituem uma cultura gerencial que afeta os comportamentos individuais, tendo em vista o estabelecimento de maior controle das ações a serem desenvolvidas. Na escola, os indivíduos são avaliados cada vez mais em relação aos seus colegas, de acordo com sua capacidade de
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cumprir as responsabilidades previamente estabelecidas, uma vez que cada agente escolar tem suas funções e responsabilidades definidas previamente. Dessa maneira, as formas de controle existentes condicionam a participação à execução dos procedimentos pré-estabelecidos e à obediência às regras, de modo a naturalizar esses comportamentos e a submeter a participação a esse enquadramento. A ênfase à obediência às regras e aos procedimentos tende a intensificar o controle interno entre os próprios membros participantes, aumentando a vigilância, a pressão e os conflitos no interior do grupo para que todos se submetam ao processo (Silva, 2006; Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004). Na prática, a desconcentração das tarefas intensifica as hierárquicas relações de poder e representa a possibilidade de aumentar o controle sobre as ações e as atitudes individuais dos agentes escolares, exigindo maior responsabilidade no cumprimento de suas funções. Essa é uma das principais transformações na cultura escolar, ou seja, a intensificação do controle individual em relação ao cumprimento de responsabilidades definidas, em muitas circunstâncias, por instâncias externas à escola e sem a legitimidade do coletivo escolar concernente às finalidades e às ações empregadas para atingir os objetivos estabelecidos. Salienta-se que esse modelo administrativo atribui papel central à figura do diretor na tomada de decisões. Nos programas governamentais de descentralização financeira, as principais decisões são tomadas pelo(a) diretor(a) e pelo grupo gestor composto pelas coordenações pedagógicas e representantes da secretaria da escola. Todavia, a decisão final deve ser tomada pelo dirigente escolar, responsável principal, junto com o(a) presidente do conselho escolar, pelas principais ações e realizações instituídas na escola. Destaca-se que a lógica administrativa que estrutura esses programas limita consideravelmente as possibilidades de atuação do dirigente escolar e da equipe gestora, ao determinar as possibilidades de utilização efetiva dos recursos financeiros destinados à escola e aosubmeter os projetos definidos pela direção e equipe gestora à aprovação financeira dos órgãos burocráticos do Estado83(Silva, 2006; Fonseca, Toschi e Oliveira,2004; Peroni e Adrião, 2005). Os recursos do PDDE destinam-se à cobertura de despesas de custeio, manutenção e pequenos investimentos que concorram para a garantia do funcionamento e melhoria da infraestrutura física e pedagógica dos estabelecimentos de ensino beneficiários, devendo ser empregados: I) na aquisição de material permanente; II) na realização de pequenos reparos voltados à manutenção, conservação e melhoria do prédio da unidade escolar; III) na aquisição de material de consumo; IV) na avaliação de aprendizagem; V) na implementação de projeto pedagógico; e VI) 83
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Na prática, esse modelo de gestão escolar não altera a tradicional centralização do poder no processo de tomada de decisões. Os agentes escolares são induzidos a colaborar para a captação de mais recursos financeiros ou a satisfazer resultados relativos à lógica de classificação de desempenho definida pelos órgãos burocráticos do Estado. Em geral, essa colaboração ocorre de forma duplamente subordinada, primeiramente porque visa atingir objetivos externos à escola, articulados a interesses do capital produtivo internacional, em seguida porque exclui qualquer tipo de efetiva participação na totalidade do processo e no redimensionamento cultural que a educação é capaz de propiciar ao conjunto da sociedade, na medida em que possibilita maior compreensão política da estrutura social. A necessidade de melhorar o desempenho dos alunos e a imagem externa da escola força o diretor a intensificar as cobranças e o controle sobre o trabalho docente. Podem-se definir níveis de controle que se completam: o controle no cumprimento das ações pertinentes às responsabilidades individuais vinculadas aos objetivos direcionados à escola, e o controle do desempenho do professor relacionado com o rendimento do aluno em sala de aula. Está em jogo, pois, a finalidade atribuída à gestão e ao papel do diretor escolar. A definição de metas de produtividade e de performance escolar a serem alcançadas, bem como a possibilidade de controlar o cumprimento das ações tendo como parâmetro a racionalidade administrativa gerencial, estabelece uma nova forma de conceber a gestão da escola pública, uma vez que ocorre todo um processo de modelação do trabalho do diretor e da organização do trabalho pedagógico. Há uma grande confusão quando os agentes escolares esperam resultados relacionados com a democracia, mas insistem em estimular práticas e comportamentos administrativos associados a interesses produtivos. Na prática, se a gestão escolar objetiva aumentar o rendimento e a produtividade dos educadores e dos alunos, o enfoque do trabalho do diretor deve ser distinto daquele movido por interesses relativos à socialização do poder e do saber e à consolidação da democracia no
no desenvolvimento de atividades educacionais (Brasil, 2011). No caso do PDEEscola, o plano de ação definido pela escola e a liberação dos recursos passam pela aprovação das secretarias de educação estadual ou municipal, que prestará assessoramento técnico às escolas para a elaboração do plano de ações, fará a inserção dos dados no sistema e acompanhará e prestará assistência técnica na execução do plano (Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004).
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ambiente escolar. O que efetivamente ocorre é um distanciamento do histórico sentido democrático atribuído à gestão escolar e ao papel socializador atribuído ao diretor, que, no cotidiano escolar, vem sendo subsumido pela rigidez dos procedimentos administrativos e das regras burocráticas, que legitimam uma lógica de organização social pautada pelo conservadorismo, na escola e na sociedade, sedimentada pelos princípios da centralização, da hierarquia, dos valores privados, do mercado, do voluntarismo e, consequentemente, da exclusão da maioria da população de efetivos mecanismos de redistribuição de renda e poder.
2. Perfil, formação profissional e trabalho do dirigente escolar em Goiás As análises realizadas neste tópico têm como referência as entrevistas individuais realizadas com 57 dirigentes de escolas dos municípios participantes da amostra deste estudo, e buscou compreender as transformações na gestão e no trabalho do(a) diretor(a) a partir do exame do perfil, da gestão e do trabalho desse profissional na unidade escolar. Em relação ao perfil pessoal dos dirigentes escolares, os dados da pesquisa revelam que a maioria dos entrevistados são mulheres, casadas, com filhos e acima dos 37 anos de idade. Essas informações demonstram que as diretoras, na maioria dos casos, precisam conciliar as atividades profissionais com as familiares, implicando em uma dupla jornada de trabalho. Na prática, os custos financeiros e emocionais decorrentes da função de diretor(a) não são considerados pelos órgãos centrais da burocracia estatal e por muitos profissionais da escola, que em razão da pressão exercida pelo paradigma administrativo gerencial, exigem maior dedicação profissional no cumprimento das funções e na elaboração de soluções para conter os problemas de gestão existentes na escola. A maioria dos(as) diretores(as) tem que articular um coletivo de educadores que varia de onze a trinta sujeitos docentes na escola, ação que demanda tempo e dedicação no intuito de coordenar e direcionar o trabalho desses profissionais no sentido de alcançar os objetivos estabelecidos para a unidade escolar. O fato de vivenciarem a primeira experiência na função de diretor(a), como demonstra ser o caso da maioria dos entrevistados, dificulta a realização desse direcionamento. A experiência acumulada pelo exercício da função de coordenação pedagógica e o razoável tempo de permanência na mesma instituição
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escolar, que varia de 3 a 10 anos, parece interferir de forma positiva no trabalho do(a) diretor(a), mas não contribui decisivamente para o domínio da função, baseada essencialmente em práticas burocrático-administrativas com forte orientação gerencial (Lima, 2001; Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004; Silva, 2006). A eleição de dirigentes escolares ainda não é uma prática consolidada em muitos municípios goianos. Apesar da legalidade jurídica da eleição como procedimento para o provimento do cargo de diretor(a), garantida na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)84, a indicação política, a seleção e o convite para o exercício da função diretiva ainda aparecem como práticas consistentes em diversos sistemas e redes educacionais no estado de Goiás. Esses procedimentos para a provisão do cargo comprometem decisivamente o êxito do trabalho do(a) diretor(a) escolar, que, na maioria dos casos, não tem autonomia política para a realização do trabalho pedagógico ou legitimidade para instituir as transformações necessárias para a melhoria da qualidade do ensino (Silva, 2009; Dourado, 1990; Paro, 2001). Nesse contexto de reduzidas experiências democráticas e sobreposição do ideário administrativo gerencial, renovam-se as justificativas conservadoras concernentes ao valor da seleção e do concurso público como procedimentos técnicos mais adequados para o provimento do cargo de dirigente escolar. Em geral, os entrevistados possuem cursos de pós-graduação na área educacional, mas ainda sentem-se despreparados para enfrentar os desafios técnicos e administrativos relacionados ao atual padrão de exercício da função diretiva. Na maioria dos casos, os entrevistados ratificam o valor dos cursos de formação específica para o exercício da função e apontam os conhecimentos referentes à área administrativa, jurídica educacional, gerenciamento de recursos e de relações interpessoais como as mais significativas para a formação do diretor. Assim, confirmam a presença e consolidação de uma cultura gerencial no imaginário simbólico dos diretores, constituída pela constante
O processo é materializado a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no art. 206, inciso VI, que estabelece a gestão democrática do ensino público, na forma de lei (Brasil, 2000), e por meio dos artigos 14 e 15 da Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1997a), que institui a gestão democrática e a progressiva autonomia das escolas, exigindo dos atores educativos (professores, funcionários, pais, alunos, diretores, coordenadores e outros profissionais da educação) ações e comportamentos mais ativos na escola. 84
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recuperação desses princípios e valores no cotidiano de seu trabalho como diretor (Silva, 2006, 2009; Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004). Na perspectiva administrativa gerencial, a efetiva realização do trabalho somente pode acontecer na medida em que as dimensões técnicas e práticas estiverem devidamente articuladas. Assim, as secretarias municipais e estaduais oferecem ao(à) diretor(a) constantes cursos de formação continuada, focados em conhecimentos técnicos destinados à gestão. A maioria dos entrevistados afirma ter participado de cursos de formação continuada, oferecidos pelas respectivas secretarias municipais e estaduais, direcionados à área de gestão escolar. Ressalta-se que a difusão de cursos de formação continuada destinados apenas a suprir os conhecimentos técnicos e práticos necessários para a resolução dos problemas cotidianos da escola tende a ofuscar uma leitura crítica concernente à realidade social e às potencialidades transformadoras engendradas no trabalho do diretor escolar. Em relação ao papel do diretor na unidade escolar, a maioria dos entrevistados salienta o perfil administrativo desse profissional no exercício da função diretiva. Seguem algumas considerações de diferentes diretores captadas nos roteiros de entrevistas: “O papel do diretor é administrar a escola e resolver questões burocráticas.” (Roteiro 41) “Gerenciar. Ele deve se envolver em tudo que acontece na escola e envolver todos no processo de gestão. Tem que gerenciar e participar de tudo. Tem que fazer acontecer, procurar meios para fazer acontecer.” (Roteiro 45) “O papel do diretor é de maestro dentro de uma escola, aquele que deve conduzir todo o processo educacional.” (Roteiro 43)
Esses trechos demonstram a introjeção da visão administrativa no universo cultural dos(as) diretores(as), bem como a força dos princípios administrativos, do controle unilateral do processo educativo e da incorporação da responsabilidade individual de induzir a melhoria das condições estruturais e didático-pedagógicas na unidade escolar. Os discursos revelam a aceitação dos valores administrativos gerenciais na gestão escolar como condição essencial para a melhoria da qualidade do ensino.
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Essa visão do papel do(a) diretor(a), identificada nos trechos das entrevistas, demonstra a alteração dos valores para o plano individual e administrativo. Na prática, a incorporação da responsabilidade individual de induzir a melhoria das condições estruturais e a afirmação dos procedimentos administrativos tende a intensificar atitudes centralizadoras, por parte do dirigente e da equipe gestora, e consolidar compromissos com o setor privado para o alcance das melhorias necessárias identificadas pelo grupo. Esses comportamentos contribuem para dificultar o processo de amadurecimento do coletivo escolar na busca de soluções democráticas para os problemas cotidianos, inibem a busca do consenso como valor comum para os desafios da gestão, negligenciam a perspectiva política e pedagógica articulada às ações diretivas, intensificam o diretivismo pedagógico voltado para a performance escolar, fomentam a pressão emocional sobre o conjunto dos agentes educativos e naturalizam a ausência programada do poder público como principal provedor das condições estruturais e pedagógicas necessárias para a melhoria da qualidade do ensino. Ressalta-se que a maioria dos diretores afirma que a instituição escolar em que atua apresenta condições adequadas para o exercício da função de direção. Essa afirmação absorve maior sentido quando analisada sobre os parâmetros do modelo administrativo gerencial, em que o(a) diretor(a) é o principal responsável pela estrutura e gestão da escola. Nesse sentido, a responsabilidade principal do dirigente escolar é criar as condições adequadas para a realização do trabalho pedagógico, independentemente da atuação do Estado no cumprimento de suas responsabilidades sociais. A condução dessa lógica entrelaça-se com a afirmação dos entrevistados quanto ao permanente apoio recebido dos órgãos burocráticos do Estado para a realização do seu trabalho. Há críticas dos diretores escolares que demonstram insatisfação quanto a pouca autonomia que vivenciam no exercício do cargo de diretor, ao peso excessivo das questões burocráticas em seu trabalho, bem como das influências das condições de trabalho no processo de organização e gestão da escola. Para a maioria dos entrevistados, os salários, a jornada de trabalho, a motivação, as questões socioeconômicas dos alunos e as relações interpessoais podem interferir na condução da gestão. A jornada oficial de trabalho dos diretores escolares é de 40 horas semanais, mas muitos diretores afirmam que trabalham em torno de 60 horas por semana para resolver os problemas de gestão e corresponder às expectativas relativas às atribuições da função diretiva. Esse quadro demonstra a intensificação do trabalho do diretor e o consequente desgaste emocional
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e físico para lidar, ao longo do tempo, com o conjunto das complexas situações que aparecem no cotidiano escolar. Estas críticas podem ser constatadas ao se observar algumas de suas declarações nas entrevistas: “Muitas coisas que desejo fazer não posso, pois a Secretaria coloca empecilhos: nós somos subordinados, tudo tem um limite, até as questões relativas aos pais na escola.” (Roteiro 50) “Sinto-me responsável por estar à frente, liderando e motivando os professores, mas não é fácil motivar quem tem acumulado tarefas e tem tido sobrecarga de trabalho.” (Roteiro 19) “Com a Bolsa Escola vem muitos alunos apenas para obter a frequência, condição para receberem a Bolsa. O problema da escola é que não conseguimos conquistar os alunos.” (Roteiro 31) (Grifos nossos)
Em relação ao salário, a maioria dos dirigentes escolares tem renda mensal que varia de acordo com a rede municipal ou estadual, em torno de quatro a sete salários mínimos85(de R$ 1.860,01 a R$ 3.255,00). Ressalta-se que os maiores salários pagos aos dirigentes escolares da amostra concentram-se nas redes municipais responsáveis pelo provimento da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental; e os salários intermediários estão concentrados no sistema estadual de educação, responsável pelos anos finais do ensino fundamental e ensino médio. Em geral, os diretores trabalham com dedicação exclusiva nas escolas e não exercem outra ocupação remunerada além da função de diretor(a). Evidentemente, esse quadro de dedicação exclusiva com jornadas efetivas de 60 horas semanais, os constantes problemas de gestão, a ausência dos recursos públicos, a contínua pressão por resultados e o excessivo volume de responsabilidades administrativas tendem a comprometer o conjunto do trabalho do(a) diretor(a). Apesar da maioria dos entrevistados ser filiada ao sindicato, essas condições de trabalho não significaram efetivas manifestações políticas de contestação a esse projeto educativo de orientação meritocrática. Nesse sentido, ao serem questionados sobre a autonomia no exercício da função, um grupo de entrevistados afirmou que possui autonomia para a condução dos traba-
O valor do salário mínimo em 2009, período de realização das entrevistas, era de R$ 465,00. 85
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lhos na escola, outro grupo afirmou possuir autonomia relativa e alguns consideram que não possuem nenhuma autonomia, conforme se pode observar nos trechos transcritos a seguir. “Vivemos uma autonomia gerenciada, às vezes vou até onde eles deixam eu ir, às vezes não chego nem lá, por causa da burocracia.” (Roteiro 20) “Temos autonomia parcialmente, uma autonomia vigiada. Não se faz praticamente nada sem a Unidade da SME.” (Roteiro 28) “A autonomia é um discurso, não temos autonomia para nada e isso dificulta muito.” (Roteiro 32) “Vivemos uma autonomia parcial [...] a grande maioria das coisas vem de cima para baixo e temos que só obedecer.” (Roteiro 44) (Grifos nossos)
Percebe-se que a transferência das responsabilidades para a unidade escolar, pautada pelos resultados, e o processo de persuasão exercido pelos fundamentos da ideologia neoliberal, redimensionada nos parâmetros administrativos gerenciais, tendem a disseminar, para a maioria dos gestores entrevistados, a sensação de autonomia no trabalho. Entretanto, na realidade, a lógica administrativa edifica-se na capacidade de enquadrar o trabalho a limites pré-estabelecidos na formulação de suas etapas constitutivas. Apesar da presença da equipe de gestão e do conselho escolar citados pelos entrevistados, é perceptível a condição centralizadora desses agrupamentos na escola. A equipe gestora – composta, na maioria dos casos, pelo diretor(a), vice-diretor(a), coordenadores(as) e secretários(as)– tem como finalidade definir os objetivos e constituir as estratégias de ação para o conjunto dos agentes escolares. Essa equipe enquadra-se na lógica gerencial ao definir os objetivos, elaborar as estratégias, avaliar os resultados e (re)planejar o projeto de ação em sintonia com os interesses do dirigente escolar e dos órgãos burocráticos do Estado. Salienta-se que, na maioria das escolas, essa equipe atua como assessora financeira, administrativa e pedagógica, mas a decisão final cabe ao dirigente como responsável legal pela unidade escolar. Em relação ao papel do Conselho Escolar, a maioria dos entrevistados destaca o perfil administrativo e financeiro desse órgão de representação coletiva na escola. Seguem algumas considerações de
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diretores referentes ao papel do conselho escolar, captadas nos roteiros de entrevistas: “Funciona. O Conselho Escolar é atuante, fiscaliza, reúne, decide o que será comprado e como gastar a verba.” (Roteiro 15)
“Funciona muito bem, apoia na parte administrativa e financeira.” (Roteiro 14)
“Sim. [...] atua na solução de questões administrativas e financeiras da escola.” (Roteiro 1)
Esse modelo de Conselho Escolar destinado a solucionar problemas administrativos e pedagógicos distinguiu-se da perspectiva teórico-democrática que associa o papel desse colegiado, como um órgão de representação coletiva, à finalidade de pensar, discutir e construir um projeto pedagógico e político para a escola que corresponda às expectativas da comunidade escolar (Werle, 2003). A maioria dos entrevistados afirma que o Projeto Político Pedagógico (PPP) é elaborado de forma coletiva pelos membros da comunidade escolar. Entretanto, a existência de programas de financiamento direto – com indução de políticas voltadas para o planejamento estratégico, como o PDE-Escola –, articulados aos mecanismos de avaliação de desempenho da performance dos alunos, interferem decisivamente na construção do projeto. Alguns diretores fizeram as seguintes declarações referente a construção do PPP: “Sim. É elaborado a partir do PDE (Plano de Desenvolvimento da Escola) com a participação de toda equipe.” (Roteiro 38) “Agora não temos. Ele precisa ser redigido e passado a limpo. Tem um professor que o está digitando. O nosso PDE é baseado no nosso PPP. Voltamos ele para o Enem e para o Prova Brasil. O nosso maior problema é a evasão, o que complica esse processo.” (Roteiro 31)
Os trechos apresentam indícios de que a descentralização direta de recursos, a indução de procedimentos gerenciais de gestão escolar e a consolidação dos mecanismos externos de avaliação do desempenho
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interferem na autonomia pedagógica dos agentes escolares. Nesse sentido, a lógica constitutiva de elaboração e construção coletiva do PPP restringe-se aos limites estabelecidos pelas rígidas políticas de controle governamental, associada aos princípios administrativos, aos procedimentos de avaliação do desempenho e à cobrança dos resultados. Além da subordinação e enquadramento da autonomia da comunidade escolar, em especial do(a) diretor(a) escolar, aos procedimentos administrativos e aos sistêmicos mecanismos de avaliação, acrescenta-se a presença das Organizações não-governamentais (ONGs) na escola. Com o objetivo de agregar recursos financeiros para a unidade escolar, muitos diretores recorrem à ajuda da iniciativa privada para garantir as mínimas condições de manutenção da estrutura física e potencializar as práticas didático-pedagógicas. Na prática, as ONGs, com forte cunho voluntarista, ou as empresas privadas impõem uma lógica externa para a comunidade escolar em troca de apoio financeiro ou profissional em áreas de carência da escola. Evidentemente, esse cenário de ausência de efetiva autonomia, carência de recursos e subordinação à estrutura sistêmica de avaliação interferem de forma propositiva no trabalho do dirigente escolar e na organização do PPP. Percebe-se que os históricos princípios vinculados ao PPP, como a autonomia, a socialização do poder, a organização política e a participação mais universal, paulatinamente, vão desaparecendo do horizonte escolar. Na prática, o modelo de organização e de gestão da escola, representado pelo PPP, torna-se mais uma exigência burocrática da Secretaria da Educação, em conformidade com a legislação educacional,86do que a materialização de uma conquista histórica dos educadores. O modelo de participação e os princípios políticos contidos no PPP sofrem as consequências das transformações históricas e do processo de reforma. A atual dimensão técnica presente na organização do trabalho escolar desqualifica a abordagem política da prática pedagógica, induzindo a escola a assumir maiores encargos burocrático-administrativos em detrimento das atividades-fins, de cunho político-pedagógico (Veiga, 2001; Silva, 2006; Fonseca, Toschi e Oliveira, 2004). A pressão por resultados positivos concernentes ao rendimento escolar dos alunos nos testes avaliativos atinge demasiadamente o trabalho do(a) diretor(a). Em geral, as avaliações de desempenho do trabalho do dirigente escolar ocorrem periodicamente, sob responsabilidade das Os artigos 13 e 14 da LDB estabelecem que as escolas devem elaborar uma proposta pedagógica ou projeto pedagógico (Brasil, 1997a). 86
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secretarias municipais e estaduais de educação, e os parâmetros para a definição dos critérios avaliativos articulam-se com a lógica administrativa instaurada nas escolas públicas. Essa vinculação representa, efetivamente, a construção de critérios associados ao desempenho da função de diretor(a), a captação de recursos, as melhorias realizadas no prédio escolar, a organização do trabalho docente e a convivência com a equipe escolar, bem como aqueles formulados a partir dos índices de matrícula, evasão, aprovação, reprovação e desempenho dos alunos nos testes avaliativos nacionais. Nas escolas públicas com baixo rendimento estudantil, há sérias implicações para o trabalho do(a) diretor(a) escolar, segundo a maioria dos entrevistados. Alguns diretores(as) fizeram as seguintes declarações referentes às implicações para o seu trabalho: “São várias, mas eu poderia destacar que há um conjunto de medidas pedagógicas para melhorar os índices de rendimento dos alunos. O objetivo é termos bons índices de rendimento e sanar os problemas da escola.” (Roteiro 1) “São muitas. Em geral, nos sentimos pressionados pelos resultados dos processos avaliativos e temos que nos organizar para melhorar nossos índices de rendimento escolar.” (Roteiro 54)
Essas declarações demonstram os impactos para o trabalho do(a) diretor(a) quando a escola não obtém bons resultados nos testes sistêmicos. A consequência direta para o(a) dirigente escolar é a autorresponsabilização pela classificação das escolas, como observamos nas declarações: “Sim. Os resultados do Ideb atingem a escola e a sua melhoria torna-se um objetivo a ser alcançado pela comunidade escolar.” (Roteiro 1) “Responsabilidade é cem por cento minha. Se for bem avaliada, mérito do grupo. Se não for bem avaliada, eu sou responsável.” (Roteiro 14) “Se sente responsável pelos resultados, por estar à frente, liderando e motivando os professores. Não é fácil motivar quem tem acumulado tarefas e tem tido sobrecarga de trabalho.” (Roteiro 19)
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“A escola tem trabalhado quase exclusivamente para o funcionamento do Enem e Prova Brasil, já que os resultados acabam interferindo, inclusive, no financiamento do ensino, como as verbas do PAF que a escola recebeu em função dos resultados do Ideb em 2007.” (Roteiro 53)
Nessa perspectiva, o papel do(a) dirigente na unidade escolar restringe-se ao bom rendimento dos alunos e à classificação das escolas nos rankings criados pelos órgãos burocráticos do Estado, em geral transformados em banco de dados para se proceder a premiações ou punições nas mais diversas modalidades. Ao estabelecer políticas de incentivos financeiros como mecanismo de gestão do sistema de ensino, fortalece-se a perspectiva da competição, reduzindo as possibilidades de cooperação e de construção de identidade de rede entre as escolas (Sousa e Lopes, 2010). O estudo revela, de modo geral, que a cobrança e o controle tornam-se a norma, e a necessidade de envolvimento no cumprimento das responsabilidades torna-se a obrigação. Em geral, os(as) dirigentes escolares são identificados(as) nos órgãos burocráticos do Estado e pela comunidade por sua produtividade, medida pela eficiência no cumprimento de ações e pela classificação das escolas nos processos avaliativos. Evidencia-se que o processo de naturalização dos procedimentos administrativos e da introjeção da cultura gerencial altera a visão dos dirigentes escolares em relação às finalidades da educação escolar. Os(as) diretores(as) tendem a estabelecer novas finalidades para a escola, atrelando-as à melhoria do desempenho dos alunos e ao cumprimento das metas pré-estabelecidas. Paulatinamente, os fins da educação tendem a corroborar para a reprodução social das hierárquicas relações de dominação e para o fortalecimento da lógica competitiva e individualista, que sedimenta esse conservador modelo de gestão contido nas políticas educacionais das últimas décadas. Na essência, o papel atribuído ao(à) dirigente escolar nesse padrão de gestão não contribui para a ampliação da igualdade e da democracia, como valores a serem consolidados na sociedade brasileira, simplesmente por não fazer parte de suas motivações originais, que tem por função ampliar a dominação cultural e fortalecer, como universais, os ideais da sociedade aberta ou de mercado.
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Considerações finais O estudo demonstrou que os princípios da reforma gerencial reforçam a manutenção da centralização do poder na tomada das decisões e a valorização dos procedimentos administrativos em detrimento dos aspectos democráticos. Esses procedimentos revitalizam tecnicamente a centralização do poder, identificando-a como elemento renovador na educação, mas que, na prática, é uma nova roupagem para a antiga teoria do capital humano, que destina à educação um papel fundamental na dinâmica do desenvolvimento econômico. Essa transformação cultural, implementada pela reforma gerencial, tende a desorganizar as ações da sociedade civil na busca da ampliação do modelo democrático e participativo de gestão escolar, sobretudo, pela limitação atribuída ao papel do(a) dirigente escolar. Este(a) é cada vez mais identificado(a) como mero(a) reprodutor(a) das orientações administrativas burocráticas, em especial, aquelas voltadas para a captação de recursos financeiros e para a melhoria da performance dos alunos nos testes sistêmicos de aferição de desempenho escolar. Esse deslocamento da função do gestor escolar tende a subjugar as decisões políticas e consensuais aos parâmetros técnicos e administrativos, o que, na prática, fortalece a centralização do poder e a autoridade técnica como base para a tomada de decisões e para a organização escolar. A trajetória política trilhada pela sociedade brasileira prescinde de um profundo desenvolvimento democrático, que ainda está para ser construído culturalmente como valor universal, e para que haja uma reconstrução prospectiva da gestão democrática e do papel do diretor na perspectiva da socialização do poder, será necessária uma inversão desses valores, que vêm se fortalecendo a partir dos parâmetros neoliberais. Na realidade, quando a sociedade espera resultados educacionais relacionados com a ampliação da igualdade e o que predomina são os procedimentos administrativos gerenciais vinculados a interesses produtivos, gera-se certa confusão, na medida em que os meios e os fins não estão claramente definidos para o conjunto da sociedade e para a comunidade escolar, em especial. Nesse sentido, um dos principais desafios consiste em definir um novo projeto educacional para o conjunto da sociedade brasileira, o que significa reconstruir determinados valores e constituir consensos políticos. Esse processo de reflexão e de redefinição de prioridades deve incluir os diversos setores representativos da sociedade civil, em especial
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as instituições e os agentes políticos que historicamente mantiveram-se excluídos do processo de tomada de decisões, sobretudo no campo educacional, de tal forma a estabelecer o consenso em torno dos valores democráticos e da socialização do poder como possibilidades a serem implementadas como políticas de Estado. Esse movimento significa, na prática, a participação das diversas instituições e grupos políticos representativos da sociedade civil na avaliação do atual projeto, bem como na elaboração e implementação, como prioridade política, de um novo projeto educacional pautado na educação com qualidade social para todos.
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Capítulo 11
Piso salarial e a carreira do magistério em Goiás Jarbas de Paula Machado Nelson Cardoso Amaral
A frase utilizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) na capa da cartilha A qualidade da educação depende também da valorização de seus trabalhadores (CNTE, 2010), produzida para divulgar a legislação pertinente ao tema, em 2010, “Piso e carreira andam juntos”, expressa a importância de efetivarmos o estudo dessas duas políticas, o piso e a carreira, de forma articulada. A CNTE expressa essa importância ao apresentar a frase grafada ao lado da foto do monumento “Dois Candangos”, erigido em homenagem aos trabalhadores que construíram Brasília: “O piso é lei. Faça valer”. Fica explicitado de forma emblemática que a construção do processo de valorização salarial do magistério da educação básica pública brasileira, sob a ótica dessa categoria profissional, conduz inexoravelmente ao estabelecimento do piso e da carreira, o que ressalta a importância da política estabelecida para o piso salarial profissional nacional, como componente obrigatório de qualquer plano de carreira87. Na história recente do país, o piso salarial adquiriu relevância nessa discussão, já que a Constituição Federal de 1988 tratou do piso salarial profissional sem, entretanto, adjetivá-lo como “nacional”, o que provocou grandes discussões envolvendo a comunidade escolar, dirigentes e parlamentares brasileiros. Após 20 anos, com a aprovação da Lei nº 11.738 de 16 de julho de 2008, conhecida como Lei do Piso, ficou estabelecida
A foto de que fazemos menção foi tirada no dia 16 de setembro de 2010 numa mobilização da CNTE para “sensibilizar” o Supremo Tribunal Federal no sentido de apressar o julgamento da ADI 4167/2008. 87
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a existência de um Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), que deve ser pago aos profissionais do magistério. O PSPN despertou expectativas de que pudesse ser capaz de cumprir com os objetivos pelos quais é defendido pela categoria dos profissionais do magistério: não só se tornar um parâmetro salarial nacional para o magistério da educação básica, mas garantir uma valorização capaz de ter como consequência a melhoria da qualidade do ensino por meio do combate à multijornada e ao subemprego. Porém, o cenário que se apresenta não é de otimismo em várias regiões do país. As evidências apresentadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) dão conta de que a lei aprovada não tem recebido a interpretação que implique no impacto esperado. Neste estudo, discutiremos como a Lei do Piso foi implementada nas redes públicas do estado de Goiás e dos municípios de Goiânia-GO e São Luís de Montes Belos-GO. Objetiva-se uma visão das diferentes interpretações que uma mesma norma pode receber dependendo do contexto em que é tratada, e como essas interpretações estão interferindo no processo de valorização salarial docente, principalmente a partir do momento em que o piso é inserido nas tabelas de vencimentos dos planos de carreira das três redes especificadas. A análise parte dos estatutos e planos de carreira, principalmente da composição das tabelas de vencimentos. São observados os seguintes aspectos: o processo de implantação do piso, a relação entre o piso e a carreira, a forma que a carreira está organizada e os ganhos reais obtidos com a implantação do piso no período de janeiro de 2009 a janeiro de 2012. O texto está organizado em tópicos: no primeiro, faz-se uma contextualização geral do processo de instituição da Lei do Piso e da Resolução CNE/CEB nº 02/2009, que fixa diretrizes para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da educação básica pública, destacando seus principais aspectos; no segundo, terceiro e quarto tópicos, são apresentadas as análises referentes às redes públicas: estadual de Goiás, municipal de Goiânia e municipal de São Luís de Montes Belos, respectivamente; e no quinto tópico são apresentadas as análises comparativas entre as três redes88. Tanto o PSPN quanto a carreira do magistério envolvem diversas variáveis que precisam ser observadas nesse tipo de estudo. Nosso esforço, no entanto, não tem o objetivo de explorar todas as variáveis possíveis, Os quadros transitórios não serão discutidos. O foco será dado às tabelas principais. 88
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mas possibilitar ao leitor o contato com a forma objetiva com que o piso e a carreira se materializam em diferentes redes no estado de Goiás.
Piso e carreira: considerações iniciais Os marcos legais mais recentes que tratam sobre o PSPN e sobre a carreira do magistério da educação básica pública brasileira são a Lei nº 11.738/2008, Lei do Piso, e a Resolução CNE/CEB nº 02/2009. A Lei do Piso “regulamenta a alínea ‘e’ do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica” (Brasil, 2008a). A Lei do Piso, aborda os seguintes aspectos, dentre outros: o próprio PSPN, fixado em R$ 950,00; a sua atribuição é referenciada para o nível médio, modalidade normal; o PSPN deve ser a referência para o vencimento inicial da carreira (neste estudo o vencimento inicial da carreira será considerado como o menor vencimento da carreira, que não pode ser confundido com o vencimento de ingresso na carreira); a carga horária semanal de trabalho, que deve ser de, no máximo, 40 horas, sendo que destas, no mínimo um terço deve fazer parte das horas-atividades; os profissionais do magistério são definidos como sendo aqueles que atuam ou dão suporte à docência e inclui os aposentados; a implantação do PSPN deve se dar nos anos de 2009 e 2010, sendo que em 2009 seriam pagos dois terços da diferença existente entre o vencimento local vigente e o valor do PSPN; deveria sofrer atualização e, em 2010, o valor seria integralizado e, novamente, atualizado; os planos de carreira deveriam ser adequados ou elaborados até dia 31 de dezembro de 2009; o mês de atualização do PSPN deveria ser o de janeiro e o percentual de atualização deveria ser o mesmo do crescimento do valor mínimo aluno/ano estabelecido no Fundeb; e a União poderia complementar os recursos para que o ente federado tivesse os recursos para o pagamento do PSPN, desde que esse ente recebesse a complementação do Fundeb e se enquadrasse nos demais critérios estabelecidos. O Quadro 1 sintetiza esses aspectos.
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Quadro 1. Principais aspectos da Lei nº 11.738/2008 Aspectos
LEI Nº 11.738/2008
PSPN
R$ 950,00
Atribuição
Nível médio, modalidade normal
Referência
Vencimento inicial da carreira
Carga horária semanal
No máximo 40 horas
Horas-atividades
No mínimo, um terço
Profissionais do magistério
Docentes e suporte à docência (inclui aposentados)
Implantação 2009
2/3 da diferença mais atualização
Implantação 2010
Totalidade mais atualização
Referência para atualização
Crescimento dovalor mínimo aluno ano (Fundeb)
Complementação da União
Complementação/Fundeb
Ressalta-se que os planos a serem analisados neste estudo preveem, como quesito para o ingresso na carreira, formação superior (licenciatura), ou seja, o vencimento inicial de alguém que ingressa em qualquer das carreiras analisadas não será o PSPN, mas um valor superior a ele, de acordo com cada tabela. Assim que foi aprovada, dois dos principais aspectos da Lei do Piso foram objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), como consequência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4167/2008 (Brasil, 2008b) movida pelos governadores dos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Ceará. O objetivo da ação era tornar inconstitucional, portanto sem valor legal, a atribuição do piso ao vencimento inicial da carreira e a destinação de apenas dois terços da carga horária ao trabalho direto com os discentes. Apesar do STF, em 17 de dezembro de 2008, ter concedido liminar favorável aos objetivos dos gestores estaduais (Brasil, 2008c), em 27 de abril de 2011 o mesmo tribunal julgou o mérito da ação deliberando pela constitucionalidade integral da Lei do Piso (Brasil, 2011). Dessa forma, todos os dispositivos da lei foram preservados e a norma deve ser aplicada. Porém, diversos estados e municípios ainda não respeitam
222
a lei e continuam negando aos profissionais do magistério um direito constitucional, conforme denuncia a CNTE. A atualização do valor do PSPN tem sido polêmica em função de diferentes interpretações da Lei do Piso, assim como das portarias que definem o valor mínimo aluno ano (VMAA) do Fundeb, a serem consideradas para essa finalidade. O MEC e a CNTE possuem divergentes definições do valor a que se refere o PSPN (CNTE, 2011). A Tabela 1 mostra a evolução do piso nessas diferentes interpretações:
Tabela 01. Evolução do PSPN nas diferentes interpretações CNTE (R$)
AGU/MEC (R$)
Valor corrente
Corrigido (IPCA, jan/2012)
Valor corrente
950,00
1.183,98
950,00
1.132,40
1.333,44
950,00
1.312,85
1.478,05
1.024,67
1.597,72
1.697,07
1.187,00
1.937,26
1.937,26
1.451,00
Fonte: tabela elaborada para este estudo.
Considerando os valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – que mede a inflação brasileira –, tendo como referência janeiro de 2012, é possível verificar que, considerando a interpretação da AGU/MEC para a atualização, há redução no valor do PSPN em 2009 e 2010, retomando o crescimento somente em 2011. Na interpretação da CNTE, os ganhos reais aparecem em todos os exercícios analisados. Para Monlevade (2000), uma das características indispensáveis ao piso é a sua irredutibilidade, ou seja, ele deve ter um mecanismo que, com o passar do tempo, lhe garanta o poder de compra, caso contrário deixa de ser piso e vira “subsolo”. Um exemplo disso foi o que aconteceu em 2009 e 2010, quando, considerando a interpretação da AGU/MEC, que “congela” o valor do piso em 2009, observa-se a descapitalização do “salário mínimo do professor” (ibid.:108).
223
Com relação aos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério, a legislação federal estabeleceu prazo para que fossem elaborados ou adequados: Art. 6º- A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios deverão elaborar ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009, tendo em vista o cumprimento do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, conforme disposto no parágrafo único do art. 206 da Constituição Federal. (Brasil, 2008a) Assim, coube ao CNE a elaboração de novas diretrizes para a elaboração dos planos de carreira do magistério, o que se realizou por meio da Resolução CNE/CEB nº 02/2009, que: Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, em conformidade com o artigo 6º da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, e com base nos artigos 206 e 211 da Constituição Federal, nos artigos 8º, § 1º, e 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no artigo 40 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. (Brasil, 2009a)
Dentre outros, a Resolução CEB/CNE nº 02/2009 aborda questões como: prazo para adequação ou elaboração dos planos de carreira, identificação dos profissionais do magistério, piso salarial profissional nacional, forma de acesso à carreira, formação, progressão e incentivos na carreira, carga horária, horas-atividades, avaliação e gestão escolar. Analisando o tratamento dispensado aos planos de carreira do magistério na legislação e normatização federal, é possível verificar que há fundamentação para que municípios e estados possam elaborar ou reelaborar seus planos e oferecer opções atrativas de carreira para seus profissionais. No entanto, os entes subnacionais “podem” fazer isso, ou seja, não há uma obrigatoriedade mínima para que se estabeleça a estrutura dessa carreira. O PSPN foi instituído, vinculado a uma formação mínima (nível médio, modalidade normal), a uma carga horária máxima (40 horas semanais) e à reserva de parte do tempo para atividades extraclasse (um terço). Essas determinações, porém, mesmo representando avanços importantes, ainda não são suficientes para garantir a efetividade de uma carreira mínima para os profissionais no magistério nos diferentes contextos socioeconômicos existentes no Brasil, pois existe total
224
liberdade para a estruturação da carreira desde que esses parâmetros mínimos sejam respeitados. A pesquisa realizada em sete estados das diferentes regiões da federação89 mostra que 48% dos docentes pesquisados disseram não ser contemplados com planos de carreira (Oliveira e Vieira, 2010:45). A partir desse dado é possível estimar que milhares de educadores em todo o país ainda não possuem oportunidade de trilhar uma carreira profissional que lhes proporcione, ao mesmo tempo, incentivos para avançar em sua formação acadêmica e benefícios que lhes garantam melhores condições de remuneração. Nas três redes de ensino que discutiremos neste estudo, os profissionais do magistério são contemplados com a vigência de Estatutos e Planos de Carreira, porém, cada um deles possui uma dispersão salarial90 diferente. Além disso, a implantação do PSPN significará em impactos diferentes em cada um dos contextos que serão analisados.
O piso salarial e a carreira do magistério na rede pública estadual de Goiás Embora a Lei do Piso estabelecesse a implementação do PSPN a partir de janeiro de 2009, acrescentando-se ao vencimento inicial vigente dois terços da diferença para atingi-lo, só em 07 de abril de 2009 foi encaminhado à Assembleia Legislativa goiana o Projeto de Lei nº 14-G (Goiás, 2009a), se referindo ao reajuste dos vencimentos do pessoal do magistério público estadual e do quadro de agente administrativo educacional da Secretaria de Estado da Educação. Como resultado, ficou aprovada a Lei 16.544/2009 que, de forma inédita, definiu a implantação parcelada do PSPN, nos seguintes termos: Pesquisa coordenada por Dalila Andrade Oliveira (UFMG) e Lívia Maria Fraga Vieira (UFMG), nos estados de Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Paraná e Pará. A pesquisa Trabalho docente na educação básica no Brasil contou com o apoio de oito grupos/núcleos de estudo (Gestrado/ UFMG, Gestrado/UFPA, Getepe/UFRN, Nedesc/UFG, Nepe/Ufes, Nupe/UFPR, Geduc/UEM-PR, Gepeto/UFSC), realizando um survey que abordou 8.795 sujeitos docentes da educação básica pública e conveniada. 90 Dispersão salarial é “a distância entre a menor e a maior remuneração que correspondem, respectivamente, ao início e ao fim da carreira de uma determinada categoria profissional” (Dutra Junior, 2000:131). 89
225
Art. 1º - A partir de março de 2009, os vencimentos dos cargos do pessoal do Magistério Público Estadual e do Quadro de Agente Administrativo Educacional da Secretaria da Educação serão acrescidos, mensalmente, do índice, não cumulativo, de: I – 1,91% (um inteiro e noventa e um centésimos por cento), no período de março de 2009 a junho de 2010; II – 2,181% (dois inteiros e cento e oitenta e um milésimos por cento), no mês de julho de 2010. (Goiás, 2009b) Portanto, a implantação do piso se deu de forma parcelada em dezessete meses, sem reajuste, para atingir o patamar de R$ 950,00 em julho de 2010. Essa determinação diverge da Lei do Piso na medida em que esta determina que a integralização do valor de R$ 950,00 deveria acontecer a partir de 1º de janeiro de 2010. O vencimento inicial da carreira do magistério, atribuído à formação em nível médio para uma jornada de 40 horas semanais na rede pública estadual de Goiás, era de R$ 715,68, valor congelado desde 2006. Para atingir o PSPN de R$ 950,00, deveria haver um reajuste de 32,74%, que foi parcelado em dezessete meses. Da mesma forma, o reajuste de 7,86% previsto para janeiro de 2010 foi parcelado em quatro vezes (Goiás, 2010), sendo distribuído nos meses de agosto a novembro deste ano, e mesmo assim não chegou a ser totalmente cumprido. O vencimento inicial da carreira a partir de novembro de 2010 foi de R$ 1.006,25 (Sintego, 2010). Na interpretação da Advocacia Geral da União (AGU) (Brasil, 2009b), prevaleceu o entendimento de que a liminar do STF suspendeu os efeitos da Lei do Piso no exercício de 2008, estabelecendo que as obrigações dela decorrentes fossem consideradas a partir de 2009. Por meio dessa interpretação, o PSPN da rede pública estadual de Goiás, em janeiro de 2009, deveria ser R$ 871,89, pois considera apenas a implementação dos dois terços de diferença entre o vencimento inicial goiano e o PSPN91. Para janeiro de 2010, a AGU/MEC entendeu que o PSPN deveria ser integralizado no valor de R$ 1.024,67, ou seja, aplicando-se ao PSPN de R$ 950,00 a atualização de 7,86% (diferença do VMAA 2008/2009). Sendo R$ 715,68 o vencimento inicial goiano, para atingir ⅔ da diferença entre R$ 950,00 e R$ 715,68, deve ser adicionado a este vencimento inicial o valor de R$ 156,21, o que resulta em R$ 871,89. 91
226
Portanto, a partir de novembro de 2010, o governo estadual deveria pagar um piso de R$ 1.024,67; entretanto, o valor do vencimento inicial atribuído ao nível médio por 40 horas semanais, a partir de novembro 2010, foi de R$ 1.006,25, situação vigente até dezembro de 2011. Conclui-se que o governo não cumpriu nem a lei federal, nem a lei estadual. Conforme Machado (2010), colaboraram para limitar a implantação do PSPN em Goiás fatores como: os reflexos da ADI nº 4167/2008, a forma de interpretação das despesas consideradas de MDE, a fragilidade ou omissão das instituições fiscalizadoras, a inserção do piso no plano de carreira vigente, a insuficiência financeira, a baixa proporção alunos/ professor e a concorrência de outras políticas educacionais, dentre elas a de ampliação do tempo escolar dos alunos e a falta de uma política estadual que valorize o professor da educação básica. No exercício de 2011, a atualização do PSPN foi ignorada pelo Governo de Goiás. Em janeiro de 2012, o piso foi reajustado para R$ 1.395,00 (Goiás, 2011), e em fevereiro sofreu novo reajuste, chegando ao valor de R$ 1.460,00 (Goiás, 2012). O Gráfico 1 ilustra o que já foi exposto e faz um comparativo de evolução do PSPN, considerando os valores na interpretação da CNTE e do MEC, num contraponto à implantação realizada em Goiás. Gráfico 1 - O PSPN na rede pública estadual de Goiás comparado ao valor defendido pela CNTEe ao valor definido pelo MEC (valores correntes)
Fonte: gráfico elaborado para este estudo.
227
Nota-se que, mesmo de forma fragmentada, a implantação do PSPN na rede estadual de Goiás representou, de março de 2009 a novembro de 2010, uma elevação de aproximadamente 30%. A carreira do magistério da rede pública estadual de Goiás é regulamentada pela Lei Estadual nº 13.909/2001, e conforme observado, de janeiro de 2009 a novembro de 2010 a implantação do PSPN não provocou nenhuma alteração em sua estrutura. Ao reajustar o vencimento inicial da carreira (que deveria ser o piso) no que chamamos de “efeito dominó”, toda a tabela de vencimentos foi reajustada. Em dezembro de 2011, contrariando as expectativas dos profissionais do magistério, o Governo de Goiás alterou o estatuto e plano de carreira do magistério. A Lei Estadual nº 17.508 de 22 de dezembro de 2011 incorporou 30% do adicional de titularidade nos respectivos vencimentos, reduziu a diferença percentual entre os níveis e criou uma gratificação de desempenho pautada na meritocracia. O piso foi, nesse contexto, elevado para R$ 1.395,00, previsto para janeiro de 2012. Em 20 de janeiro de 2012 foi aprovada a Lei Estadual nº 17.557/2012, que reajustou o piso para R$ 1.460,00, porém o reajuste atingiu apenas o professor P-I (magistério nível médio), representando o chamado “achatamento” da carreira, uma vez que congelou os demais vencimentos. Antes das alterações, as progressões verticais tinham como critério a formação, e iam do Nível I até o Nível IV. De P-I para P-II a diferença era de 13%, de P-II para P-III era de 34%, e de P-III para P-IV era de 13%. O plano permitia mudar de P-I para P-III: nesse caso, a diferença era de 51,57%, ou seja, alguém que tinha apenas magistério e fazia uma licenciatura tinha seu vencimento acrescido em 51,57%. Com as alterações provocadas pela nova legislação (Goiás, 2011; Goiás, 2012), a diferença entre o P-I e o P-II, que era de 13%, caiu para 3%; a diferença entre o P-II e o P-III permaneceu de 34%; a diferença entre o P-I e o P-III (possível dentro da carreira), que era de 51%, foi reduzida para 38%; e a diferença entre o P-III e o P-IV permaneceu a mesma. As progressões horizontais não sofreram alteração: são representadas pela evolução que ocorre na mudança de referências, letras que vão de A à G. A mudança de uma referência para a outra imediatamente posterior representa um aumento de 2% em relação à referência anterior. Os quesitos para a progressão são: tempo de serviço na referência anterior (3 anos), avaliação de desempenho e participação em cursos de capacitação.
228
Além dessas progressões, o Estatuto e Plano de Cargos e Vencimentos do Pessoal do Magistério da rede pública estadual de Goiás previa adicional de titularidade de até 50%, sendo atribuída de forma não cumulativa, da seguinte maneira: 50% para o titulo de doutorado, 40% para o título de mestrado e até 30% para títulos de especialização lato sensu ou qualquer outro devidamente reconhecido, com no mínimo 40 horas cada. A cada 180 horas, era atribuído 5% de adicional. Com as mudanças realizadas, permaneceram, não cumulativos, apenas 20% para o doutorado e 10% para o mestrado, mas com outro nome: gratificação por formação avançada. O adicional de 5% pago por tempo de serviço, a cada quinquênio completado não sofreu alterações. Com as alterações provocadas na carreira, a partir das Leis nº 17.508/2011 e 17.557/2012, a nova tabela de vencimentos do magistério da rede pública estadual de Goiás ficou assim estabelecida:
229
230
1.095,00 1.460,00 751,97 1.127,96 1.503,94 1.008,02 1.512,02 2.016,03 1.136,54 1.704,80 2.273,07
30
40
20
30
40
20
30
40
20
30
40
Professor I
2.318,53
1.738,90
1.159,27
2.056,35
1.542,26
1.028,18
1.534,02
1.150,52
767,01
1.489,20
1.116,90
744,6
(3 a 6 anos)
B
2.364,90
1.773,68
1.182,46
2.097,48
1.573,11
1.048,74
1.564,70
1.173,53
782,35
1.518,98
1.139,24
759,49
(6 a 9 anos)
C
2.412,20
1.809,15
1.206,11
2.139,43
1.604,57
1.069,71
1.595,99
1.197,00
798,00
1.549,36
1.162,02
774,68
(9 a 12 anos)
D
2.460,44
1.845,33
1.230,23
2.182,22
1.636,66
1.091,10
1.627,91
1.220,94
813,96
1.580,35
1.185,26
790,17
(12 a 15 anos)
E
2.509,65
1.882,24
1.254,83
2.225,86
1.669,39
1.112,92
1.660,47
1.245,36
830,24
1.611,96
1.208,97
805,97
(15 a 18 anos)
F
Fonte: Lei nº 17.508/2011 alterada pela Lei nº 17.557/2012, com adequações para este estudo (Sintego/2012a).
(esp. lato sensu)
Professor IV
(licenciatura plena)
Professor III
(licenciatura curta)
Professor II
(nível médio/ magistério)
730,00
20
Cargo (0 a 3 anos)
CH Semanal
A
Tabela 2. Vencimentos dos profissionais do magistério da rede pública estadual de Goiás a partir de fevereiro de 2012
2.559,84
1.919,88
1.279,93
2.270,38
1.702,78
1.135,18
1.693,68
1.270,27
846,84
1.644,20
1.233,15
822,09
(18 a seguir)
G
Como observado no Gráfico 1, a rede pública estadual de Goiás só inicia o pagamento do PSPN a partir de fevereiro de 2012. Para esse feito, como já mencionado, o governo transformou 30% de adicional de titularidade em vencimento e “achatou” a carreira. Caso o Estatuto e Plano de Carreira não fosse alterado, a atualização do PSPN reajustaria toda a tabela em 44,18%, ou seja, todos os profissionais do magistério teriam 44,18% de reajuste como consequência do não cumprimento da lei do piso nos anos de 2010 e 2011 e da nova atualização de 2012. Com a estratégia do governo, o piso passou de R$ 1.006,25 para R$ 1.460,00, crescimento de aproximadamente 45,09%. Porém, na realidade, esse percentual não representou igual ampliação na remuneração de todos os professores P-I. Quem tinha titularidade de 30%, por exemplo, a teve transformada em vencimento e foi beneficiado com um reajuste de aproximadamente 15%. No caso dos professores P-III e P-IV, a situação foi mais desfavorável: tiveram 30% de titularidade transformada em vencimento e sofreram 13% de “achatamento” na carreira. O resultado foi um reajuste quase que imperceptível de apenas 1,67%. Diante desse contexto, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego) intensificou a mobilização junto aos educadores e pretende reverter a situação. No dia 03 de fevereiro de 2012, reunidos em assembleia geral, os profissionais do magistério da rede pública estadual de Goiás decretaram greve92. A Lei nº 17.508/2011 criou também uma gratificação de desempenho para aqueles professores que alcançarem os índices mínimos de desempenho numa avaliação que “[...]será realizada anualmente [...], considerando-se aprovado o professor que ultrapassar os níveis mínimos de desempenho exigidos no formulário de desempenho e na prova objetiva” (Art. 63-C). A gratificação poderá chegar a 60%, adquirida a cada três anos em parcelas de 10%. O benefício será concedido a apenas 20% dos professores da rede em cada ano, sendo opcional para o profissional participar ou não do pleito à gratificação. A dispersão salarial nessa nova carreira, considerando apenas as progressões horizontais e verticais, é de 75,33%. Se forem considerados 20% de gratificação de formação avançada (doutorado) e 25% de
Monções de repúdio às mudanças na carreira do magistério e à forma com que foram encaminhadas pelo governo de Goiás, oriundas da comunidade acadêmica: Faculdade de Letras/UFG, Faculdade de Educação/UFG, por exemplo, e da sociedade civil organizada representada pelo Fórum Estadual de Educação, coadunam com a luta dos profissionais do magistério. 92
231
adicional de quinquênio, esse percentual sobe para 154,23%. Incluindo a gratificação de desempenho (60%), que não tem possibilidade de contemplar todos os profissionais do magistério, a dispersão chega a 259,42%. Sem as alterações provocadas pela nova legislação, a dispersão salarial, considerando apenas as progressões vertical e horizontal, seria de 92,45%. Considerando 50% de adicional de titularidade e 25% de adicional de quinquênio93, essa dispersão chegaria a 236,8%, ou seja, a nova carreira só será melhor para aqueles que conseguirem, depois de 18 anos, garantir os 60% de gratificação de desempenho se submetendo aos moldes avaliativos da SEE. As horas-atividades, outra variável importante na análise da carreira do magistério, não foram prejudicadas com as adequações realizadas no estatuto e plano de carreira em questão, sendo resguardada aos professores que atuam na segunda fase do ensino fundamental e no ensino médio, que têm aproximadamente 40% da carga horária total para as tarefas extraclasses94. Para os professores que atuam na primeira fase do ensino fundamental, as horas-atividades não chegam a 40%, mas atendem à Lei do Piso.
O piso salarial e a carreira do magistério na rede pública municipal de Goiânia A implantação do PSPN na rede pública municipal de Goiânia teve início com a aprovação da Lei Municipal nº 8.846 de 05 de outubro de 2009. A lei reajustou a tabela de vencimentos dos profissionais do magistério e de todos os demais servidores da prefeitura em 2,5%, em outubro de 2009, retroativos a maio do mesmo ano. O vencimento base referente a 40 horas semanais (nível médio, modalidade normal) já era de R$ 943,55, ou seja, muito próximo aos R$ 950,00 do piso estabelecidos na Lei do Piso. A partir de outubro, portanto, o vencimento inicial da carreira (40 horas) passou a ser de R$ 967,14 (Sintego, 2009). A mesma lei concedeu um reajuste de 2,26% previsto para dezembro de
Considerando 5% para cada quinquênio, num interstício de 25 anos, tempo necessário para a aposentadoria de professoras, que são a maioria na rede. 94 Para uma carga horária de 40 horas semanais, por exemplo, são ministradas 28 aulas de 50 minutos, o que corresponde a aproximadamente 60% da carga horária total, restando 40% para as atividades extras. 93
232
2009, o que elevou o vencimento inicial (40 horas) para R$ 989,38, valor superior ao PSPN interpretado pela AGU/MEC. Em 2010, em meio a uma greve dos profissionais da educação, o governo municipal de Goiânia sancionou a Lei Municipal nº 8.926 de 07 de julho de 2010, reajustando a tabela do magistério em 11,07%, com seus efeitos retroativos a 1º de janeiro do mesmo ano, o que elevou o vencimento inicial (40 horas), para R$ 1.099,13, valor superior ao PSPN que, para 2010, foi definido pelo MEC no valor de R$ 1.024,67. Em 2011, a atualização de 15,85%, determinada pela Lei Municipal nº 9.027/2011, elevou o piso goianiense para R$ 1.273,31, superior ao PSPN, definido no valor de R$ 1.187,00. Em 2012, a situação se repete. O reajuste concedido por meio da Lei nº 9.136/2012 no mês de março95, retroativo a janeiro de 2012, elevou o piso goianiense para R$ 1.556,24, superior ao valor de R$ 1.451,00 publicado pelo MEC. O Gráfico 2 demonstra que, com exceção do exercício de 2009 – quando a implementação do piso foi adiada para o mês de outubro, retroativa a maio –, nos demais exercícios, apesar do atraso, a retroatividade garantiu que o piso fosse pago a partir de janeiro de cada exercício.
O atraso no pagamento do piso tem sido observado em diversos municípios. O fato do MEC demorar a se pronunciar sobre o valor do PSPN, no início de cada ano, tem colaborado para o adiamento de sua atualização. O problema é que a legislação não concede essa prerrogativa ao MEC, sendo esse um argumento inconsistente para o retardamento da atualização do PSPN. 95
233
Gráfico 2 - O PSPN na rede pública municipal de Goiânia comparado ao valor defendido pela CNTE/Sintego e ao valor definido pelo MEC (valores correntes)
Fonte: gráfico elaborado para este estudo.
Conforme apresenta o gráfico, com exceção dos meses de janeiro a abril de 2009, quando o vencimento inicial da carreira em Goiânia não atingiu o valor do PSPN, nos demais meses o piso da rede pública municipal de Goiânia ficou acima do valor do PSPN definido pelo MEC, porém com uma diferença considerável se comparado ao PSPN defendido pela CNTE/Sintego. A implementação da Lei do Piso na rede pública municipal de ensino de Goiânia, nos três primeiros anos de sua vigência, não teve como consequência outras alterações na Lei nº 091/2000, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores do Magistério Público do Município, ou na Lei nº 7.997/2000, que dispõe sobre o Plano de Carreira e Remuneração dos Servidores do Magistério Público do Município de Goiânia. A carreira do magistério na rede pública municipal de ensino de Goiânia está estruturada, basicamente, na matriz de vencimentos explicitada na Tabela 3.
234
235
PE II
PE LC
PE I
CLASSE
2.901,62
60 h
1.450,81
30 h 1.934,41
2.598,14
60 h
40 h
1.732,10
1.299,08
30 h
40 h
2.334,36
1.556,24
1.167,18
A
60 h
40 h
30 h
CH
2.988,67
1.992,44
1.494,33
2.676,08
1.784,06
1.338,05
2.363,54
1.575,69
1.181,77
B
3.078,34
2.052,22
1.539,16
2.756,37
1.837,58
1.378,19
2.393,08
1.595,39
1.196,54
C
3.170,68
2.113,78
1.585,34
2.839,06
1.892,71
1.419,54
2.423,00
1.615,33
1.211,50
D
PADRÕES
3.265,80
2.177,20
1.632,90
2.924,23
1.949,49
1.462,13
2.453,28
1.635,52
1.226,64
E
3.363,77
2.242,51
1.681,88
3.011,96
2.007,98
1.505,99
2.483,95
1.655,97
1.241,97
F
Tabela 3. Vencimentos dos profissionais do magistério da rede pública municipal de Goiânia (janeiro/2012)
3.464,69
2.309,79
1.732,34
3.102,32
2.068,22
1.551,17
2.515,00
1.676,67
1.257,50
G
236
PE II
PE LC
PE I
CLASSE
2.379,08 3.568,63
60 h
1.784,31
30 h
40 h
3.195,38
60 h
1.597,70
30 h 2.130,26
2.546,44
60 h
40 h
1.697,62
1.273,22
H
40 h
30 h
CH
Tabela 3. Continuação
3.675,68
2.450,45
1.837,84
3.291,25
2.194,19
1.645,64
2.578,26
1.718,84
1.289,13
I
3.785,97
2.523,97
1.892,97
3.389,98
2.260,00
1.695,00
2.610,49
1.740,33
1.305,25
J
3.899,54
2.599,69
1.949,76
3.491,68
2.327,80
1.745,85
2.643,12
1.762,08
1.321,56
K
PADRÕES
4.016,52
2.677,68
2.008,26
3.596,43
2.397,63
1.798,23
2.676,17
1.784,11
1.338,08
L
4.137,02
2.758,01
2.068,50
3.704,33
2.469,56
1.852,18
2.709,62
1.806,41
1.354,81
M
4.261,13
2.840,75
2.130,56
3.815,46
2.543,65
1.907,74
2.743,49
1.828,99
1.371,74
N
237
PE II
PE LC
PE I
CLASSE
2.925,97 4.388,96
60 h
2.194,48
30 h
40 h
3.929,92
60 h
1.964,98
30 h 2.619,96
2.777,78
60 h
40 h
1.851,85
1.388,89
O
40 h
30 h
CH
Tabela 3. Continuação
4.520,63
3.013,75
2.260,31
4.047,82
2.698,56
2.023,92
2.812,50
1.875,00
1.406,25
P
4.656,24
3.104,16
2.328,12
4.169,25
2.779,51
2.084,64
2.847,66
1.898,44
1.423,83
Q
R
4.795,92
3.197,28
2.397,96
4.294,33
2.862,90
2.147,18
2.883,26
1.922,17
1.441,63
PADRÕES
4.939,80
3.293,20
2.469,90
4.423,16
2.948,78
2.211,60
2.919,30
1.946,20
1.459,65
S
5.088,00
3.392,00
2.544,00
4.555,85
3.037,25
2.277,94
2.955,79
1.970,53
1.477,89
T
São previstas progressões horizontais e verticais. A progressão horizontal é a evolução nos padrões dentro de cada classe. São previstos vinte padrões representados pelas letras que vão de A a T. Para a progressão horizontal, são considerados três quesitos: tempo de serviço, avaliação de desempenho e participação em programas de atualização e aperfeiçoamento profissional. Prevê-se a progressão de dois em dois anos. A mudança de um padrão para o imediatamente posterior corresponde, na Classe PE I, a um aumento de 1,25%. Nas Classes de PE LC e PE II, o aumento é de 3%. Observa-se, porém, que considerando os vinte padrões existentes, o tempo mínimo necessário para chegar ao último padrão (T) seria de 40 anos, o que não é compatível com o tempo mínimo para a aposentadoria, que no caso das professoras é de 25 anos96. Com 24 anos de serviço, atendidos todos os quesitos para a progressão, uma profissional do magistério pode chegar ao padrão L97, na qual permanecerá até os 26 anos de contribuição, tempo com o qual poderá se aposentar. A progressão vertical é a passagem de uma classe para outra dentro no mesmo cargo efetivo. O plano contempla três classes: PE I (formação em nível médio, modalidade normal), PE LC (licenciatura curta) e PE II (licenciatura plena). A progressão vertical pode ocorrer da Classe PE I e PE LC para a Classe PE II. A diferença entre a Classe PE II e a Classe PE I varia de 24,3% no padrão A a 72,14% no padrão T. Para cada padrão existe um percentual diferente, pois os percentuais da evolução horizontal são diferenciados, 1,25% na Classe PE I e 3% na Classe PE II. Da Classe PE LC para a PE II, a diferença é linearmente de 11,68%. Além dessas progressões, o estatuto prevê adicional de titularidade de até 50%, sendo atribuída de forma não cumulativa, da seguinte maneira: 50% para o título de doutorado, 40% para o título de mestrado, e até 30% atribuída a títulos de especialização lato sensu ou qualquer outro devidamente reconhecido, com no mínimo 40 horas cada. A cada 180 horas são atribuídos 5% de adicional. Também são pagos 10% de adicional por tempo de serviço, a cada quinquênio completado. A dispersão salarial, considerando apenas as progressões vertical e horizontal, é de 118%. Considerando a referência L mais 50% de adicional de titularidade e 50% de adicional de quinquênio (25 anos),
Originalmente previam-se progressões anuais, mas posteriormente uma mudança na lei condicionou a progressão a 2 anos de permanência em cada padrão. 97 A análise da dispersão salarial da rede municipal de Goiânia levará em consideração esse fato. 96
238
essa dispersão chegaria a 244%. Considerando a referência T mais 50% de adicional de titularidade e 80% de quinquênio (40 anos), essa dispersão chegaria a 401%. Como pode ser observado no Gráfico 02 e na Tabela 03, a rede pública municipal de ensino de Goiânia atribui ao vencimento inicial da carreira um valor 7,25% superior ao do PSPN. De acordo com o plano de carreira da rede, a carga horária é composta com uma reserva de 30% para as horas atividades, portanto ainda não contempla a Lei nº 11.738/2008, cuja determinação é de que o trabalho com os docentes seja de apenas dois terços, o que implica em um terço da carga horária para as atividades extraclasses. No caso dos professores da segunda fase do ensino fundamental, a organização do tempo das aulas colabora para a disponibilidade de uma reserva superior a um terço para as atividades extras.
O piso salarial e a carreira do magistério na rede pública municipal de São Luís de Montes Belos-GO A implantação do PSPN na rede pública municipal de São Luís de Montes Belos (SLMBelos-GO), teve início com a aprovação da Lei Municipal nº 1.761 de 02 de fevereiro de 2009. O vencimento inicial (nível médio, modalidade normal, 40 horas semanais, sendo 30% destinado às horas-atividades), era de R$ 662,79. Como previsto pela Lei nº 11.738/2008, em 2009 deveria se inserir ao vencimento inicial vigente na carreira dois terços da diferença entre este e o PSPN, à época R$ 950,00, esse valor seria de R$ 191,47, o que representaria um reajuste de 28,88%. No entanto, o governo municipal reajustou a tabela em apenas 15,3%, elevando o vencimento inicial para R$ 764,20. Em 2010, além da integralização do piso, havia a obrigatoriedade de atualizá-lo, segundo a AGU/MEC, num percentual de 7,86%, o que elevou o valor do PSPN de R$ 950,00 para R$ 1.024,67. Como o vencimento inicial da carreira do magistério na rede pública municipal de SLMBelos era de apenas R$ 764,20, a integralização do PSPN representaria, em 2010, um reajuste de 34,08%. Considerando que a receita do Fundeb no âmbito do estado de Goiás previa um crescimento de apenas 15,81%, incompatível com a demanda de ampliação de investimentos na valorização salarial docente por meio do PSPN, o Plano de Carreira foi
239
revogado e uma nova lei foi sancionada98, diminuindo significativamente a dispersão salarial. A Lei Municipal nº 1.862/2010 foi aprovada em 06 de outubro de 2010 e elevou o vencimento inicial da carreira para R$ 1.024,67, porém seus efeitos não foram retroativos a janeiro. Colaborou para isso a liminar do STF, consequência da ADI nº 4167/2008, que considerava como referência para o PSPN a remuneração e não o vencimento inicial, o que não favorecia os profissionais do magistério. Em 2011, com a carreira reestruturada e com um crescimento previsto na arrecadação do Fundeb superior a 20%, o governo municipal, depois de intensas negociações com o Sintego, concedeu por meio da Lei nº 1.922/2011 o reajuste de 15,93% no mês de maio, com seus efeitos retroativos a janeiro do mesmo ano. As diferenças dos meses de janeiro, fevereiro, março e abril foram pagas do mês de setembro a dezembro de 2011, respectivamente. Em março de 2012, o piso foi atualizado em 22,22% (SLMBelos, 2012), retroativo ao mês de janeiro, chegando a R$ 1.451,00, valor publicado pelo MEC para este exercício. O Gráfico 3, a seguir, sintetiza a implementação do PSPN na rede pública municipal de SLMBelos num comparativo com a evolução interpretada pela CNTE e pela AGU/MEC. Gráfico 3 - O PSPN na rede pública municipal de SLMBelos-GO comparado ao valor defendido pela CNTE/Sintego e ao valor definido pelo MEC (valores correntes)
Fonte: gráfico elaborado para este estudo.
98
Trataremos dessa questão na discussão da tabela de vencimentos de SLMBelos.
240
É possível observar que, de janeiro de 2009 a setembro de 2010, a rede municipal de SLMBelos não pagou o PSPN nos termos da Lei do Piso, nem na interpretação da CNTE/Sintego enem da AGU/MEC. A Lei do Piso só começou a ser devidamente respeitada a partir de outubro de 2010, com a aprovação de uma nova carreira do magistério. A carreira do magistério na rede pública municipal de ensino de SLMBelos está estruturada, dentre outros, na matriz de vencimentos da Tabela 4.
Tabela 4. Vencimentos dos profissionais do magistério da rede pública municipal de SLMBelos-GO (janeiro/2012) REFERÊNCIAS BASE
A - 3%
B - 6%
C - 9%
D - 12%
Até 3 anos
4 a 6 anos
7 a 9 anos
10 a 12 anos
13 a 15 anos
725,50
747,27
769,03
790,80
812,56
1.088,25
1.120,90
1.153,55
1.186,19
1.218,84
1.451,00
1.494,53
1.538,06
1.581,59
1.625,12
834,33
859,35
884,38
909,41
934,44
1.251,49
1.289,03
1.326,58
1.364,12
1.401,67
1.668,65
1.718,71
1.768,77
1.818,83
1.868,89
976,16
1.005,45
1.034,73
1.064,01
1.093,30
1.464,24
1.508,17
1.552,09
1.596,02
1.639,95
1.952,32
2.010,89
2.069,46
2.128,03
2.186,60
1.269,01
1.307,08
1.345,15
1.383,22
1.421,29
1.903,51
1.960,62
2.017,72
2.074,83
2.131,93
2.538,02
2.614,16
2.690,30
2.766,44
2.842,58
1.649,71
1.699,20
1.748,69
1.798,18
1.847,68
2.474,57
2.548,80
2.623,04
2.697,28
2.771,51
3.299,42
3.398,40
3.497,39
3.596,37
3.695,35
241
Tabela 4 Continuação REFERÊNCIAS E - 15%
F - 18%
G - 21%
H - 24%
16 a 18 anos
19 a 21 anos
22 a 24 anos
25 anos
834,33
856,09
877,86
899,62
1.251,49
1.284,14
1.316,78
1.349,43
1.668,65
1.712,18
1.755,71
1.799,24
959,47
984,50
1.009,53
1.034,56
1.439,21
1.476,76
1.514,30
1.551,84
1.918,95
1.969,01
2.019,07
2.069,13
1.122,58
1.151,87
1.181,15
1.210,44
1.683,88
1.727,80
1.771,73
1.815,66
2.245,17
2.303,74
2.362,31
2.420,88
1.459,36
1.497,43
1.535,50
1.573,57
2.189,04
2.246,14
2.303,25
2.360,36
2.918,72
2.994,86
3.071,00
3.147,14
1.897,17
1.946,66
1.996,15
2.045,64
2.845,75
2.919,99
2.994,23
3.068,46
3.794,33
3.893,32
3.992,30
4.091,28
Fonte: Lei Municipal nº 1862/2010 e posteriores alterações (SLMBelos, 2010).
A tabela dispõe de progressões horizontais representadas pela evolução que vai da letra A até a letra H. A cada três anos, aumenta-se 3% em relação à referência-base. Os quesitos para a progressão são: tempo de serviço, avaliação de desempenho e participação em cursos de capacitação. A progressão vertical representada pelos níveis de I a V tem como quesito a formação conforme especificado na tabela. A diferença entre o nível PE-I e PE-II é de 15%, de PE-II para PE-III é de 17%, de PE-III para PE-IV é de 30% e de PE-IV para PE-V também é de 30%, independentemente da referência. Esses percentuais foram determinados pela Lei Municipal nº 1.862/2010 em substituição aos
242
percentuais anteriores, que eram de 30% de PE-I para PE-II e de 21% do PE-II para o PE-III. Os percentuais de PE-IV e PE-V foram mantidos. Além dessas progressões, o Estatuto e Plano de Carreira prevê adicional de titularidade de até 30% atribuído a títulos de especialização lato sensu ou qualquer outro devidamente reconhecido, com no mínimo 40 horas cada título. A cada 180 horas são atribuídos 5% de adicional. Também são atribuídos 5% de adicional para cada quinquênio completado. A dispersão salarial, considerando apenas as progressões vertical e horizontal, pode chegar a 182%. No entanto, é preciso considerar que a rede possui atualmente apenas três mestres (menos de 2% do número de profissionais do magistério) e nenhum doutor, sendo coerente registrar a dispersão salarial até o Nível PE-III (especialização), que é de apenas 67%. Levando-se em conta 30% de titularidade e 25% de quinquênio, adicionais acumuláveis para efeito de aposentadoria, essa dispersão salarial sobe para 159%. Considerando todas as possibilidades da carreira, a dispersão é de 337%. De acordo com o Estatuto e Plano de Carreira, a carga horária é composta com uma reserva de um terço para as horas-atividades, porém, na prática, os professores permanecem tendo apenas 30% da carga horária para essas atividades, como previa a legislação anterior, exceto no caso dos professores da segunda fase do ensino fundamental, cuja organização do tempo das aulas colabora para a disponibilidade de uma reserva superior a um terçopara as atividades extras.
O piso salarial e a carreira do magistério em Goiás A implementação do PSPN nas três redes analisadas teve caminhos diferenciados, primeiro porque cada uma possuía um vencimento inicial da carreira diferente, e a implementação partia desse vencimento, e, segundo, porque cada governo, considerando suas particularidades, fossem elas questionáveis ou não, tiveram sua forma de atender às determinações da Lei do Piso. O argumento mais utilizado para justificar as distorções no atendimento à lei foi o da insuficiência financeira. O Gráfico 4 apresenta as diferentes evoluções do vencimento inicial da carreira nas três redes analisadas.
243
Gráfico 4 - Implementação do PSPN nas três redes públicas analisadas (valor corrente)
Fonte: gráfico elaborado para este estudo.
O crescimento no vencimento inicial da carreira representou – como consequência das formas de tratamento dispensadas à implementação do PSPN, no período de janeiro de 2009 a janeiro de 2011, por exemplo – aumentos reais desses valores. A Tabela 5 apresenta os percentuais de aumento. Tabela 5. Aumento real do vencimento inicial da carreira nas redes analisadas SEE/GO
Goiânia
840,44
1.108,04
1.460,00
1.556,24
73,72
40,45
*Corrigido pelo IPCA, valores de jan/2012. Fonte: tabela elaborada para este estudo.
Exatamente pelo fato da rede pública municipal de Goiânia pagar um piso maior que o PSPN para uma jornada de 40 horas semanais, o aumento real foi o menor das três redes analisadas. A rede já pagava, em 2008, um vencimento inicial bem próximo ao valor do PSPN. Na rede estadual de Goiás, o aumento real foi de 73,72%. Na rede municipal de SLMBelos-GO, o aumento foi de 86,42%, o maior entre as três redes. Porém, para chegar a esse percentual, o poder executivo de SLMBelos
244
lançou de um artifício, que foi o de reduzir a dispersão salarial da carreira, fato que não ocorreu, por exemplo, na rede municipal de Goiânia. Em dezembro de 2011, a rede estadual de Goiás também fez adequações na carreira do magistério, que conforme já registramos, não trouxe benefícios para a categoria. Portanto, nas redes estadual de Goiás e municipal de SLMBelos, o fato do vencimento inicial da carreira ter sido valorizado, não significou a extensão desta vantagem para todos os profissionais, mas apenas para o reduzido número de professores com formação em nível médio. Os demais profissionais também tiveram ganhos reais, porém os percentuais foram menores devido ao “achatamento das carreiras”. Na rede municipal de Goiânia, o aumento real percentual foi o menor, mas se estendeu para todos os profissionais do magistério. A comparação da dispersão salarial entre as carreiras é uma tarefa difícil, porque as variáveis nem sempre são as mesmas. Uma possibilidade de comparação pode ser observada na Tabela 6. Para todos os casos, considera-se uma carga horária de 40 horas semanais.
Tabela 6. Dispersão salarial nas redes e situações analisadas (do vencimento inicial à remuneração possível no final da carreira) Vencimento inicial (R$)
Remuneração final (R$)
Dispersão
Estadual de Goiás sem a gratificação de desempenho
1.460,00
3.711,77
154%
Estadual de Goiás com gratificação de desempenho*
1.460,00
5.247,67
259%
Municipal de Goiânia até o padrão T
1.556,24
7.801,60
401%
Municipal de Goiânia até o padrão L
1.556,24
5.355,36
244%
Municipal de SLMBelos
1.451,00
6.341,48
337%
Rede
* Gratificação de 60% concedida em parcelas de 10% a cada três anos, atingindo apenas 20% dos profissionais do magistério em cada etapa. A dinâmica dessa gratificação não garante o benefício a todos os profissionais do magistério. Fonte: tabela elaborada para este estudo.
245
A dispersão salarial da rede estadual de Goiás pode ser calculada de duas maneiras: sem a gratificação de desempenho e com a gratificação de desempenho. No primeiro caso, leva-se em consideração o menor vencimento da carreira, que é de R$ 1.460,00, e a maior remuneração possível, incluindo 25% de adicional de quinquênio e 20% de adicional de titularidade, totalizando R$ 3.711,77, o que aponta uma dispersão de 154%. No segundo caso,é acrescentada a gratificação de desempenho (60%), e a remuneração no final da carreira pode chegar a R$ 5.247,67, apresentando uma dispersão salarial de 259%. Na rede municipal de Goiânia, a carreira prevê vinte padrões. Para chegar no último são necessários 40 anos de trabalho, que pode vir a acontecer. Porém, como a aposentadoria das profissionais do magistério legalmente pode ser concedida ao completar 25 anos de trabalho, calculamos a dispersão salarial levando em conta esses dois cenários. No primeiro caso, levando-se em consideração o menor vencimento da rede, R$ 1.556,24, e a maior remuneração possível, R$ 7.801,60, padrão T, tendo como adicionais 80% de quinquênio (40 anos) e 50% de titularidade, a dispersão pode chegar a 401%. No segundo caso, tendo como limite o padrão L (25 anos), a dispersão pode chegar a 244%. Na rede municipal de SLMBelos, a dispersão salarial é de 337%. O menor vencimento é o PSPN, R$ 1.451,00, e a maior remuneração possível chega a R$ 6.341,48. Embora seja importante discutir a dispersão salarial a partir do menor vencimento da carreira, para o qual o PSPN é referência, é preciso ressaltar que o vencimento de ingresso em cada rede pode apresentar diferentes perspectivas. Na Tabela 7, apresentamos a dispersão salarial a partir do vencimento de ingresso em cada uma das carreiras analisadas.
Tabela 7. Dispersão salarial nas redes e situações analisadas (do vencimento de ingresso à remuneração possível no final da carreira) Rede
Vencimento de ingresso (R$)
Remuneração final (R$)
Dispersão
Estadual de Goiás sem a gratificação de desempenho
2.016,03
3.711,77
84%
Estadual de Goiás com gratificação de desempenho*
2.016,03
5.247,67
160%
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Tabela 7. Continuação Rede
Vencimento de ingresso (R$)
Remuneração final (R$)
Dispersão
Municipal de Goiânia até o padrão
1.934,41
7.801,60
303%
Municipal de Goiânia até o padrão L
1.934,41
5.355,36
177%
Municipal de SLMBelos
1.668,65
6.341,48
280%
* Gratificação de 60% concedida em parcelas de 10% a cada três anos, atingindo apenas 20% dos profissionais do magistério em cada etapa. A dinâmica dessa gratificação não garante o benefício a todos os profissionais do magistério. Fonte: tabela elaborada para este estudo
Essas análises confirmam o que pontua Oliveira (2011), quando explicita que, levando em conta os 5.564 municípios e os 27 estados, incluindo o Distrito Federal, é possível considerar que existem quase 5.600 carreiras do magistério público no Brasil tendo como uma das causas o modelo federativo existente e, consequentemente, o desequilíbrio econômico entre os entes federados.
Considerações finais Mesmo com suas limitações, a análise das três carreiras realizadas neste estudo permite verificar que está em curso um processo de valorização salarial do magistério, que teve como impulsionador o PSPN. Porém, esta ainda não é a realidade de todos os municípios goianos. De acordo com o Sintego, ainda existem municípios onde os professores não possuem planos de carreira nem têm respeitado o direito ao PSPN (Sintego, 2012b). Existe, portanto, muito a se fazer no estado de Goiás nesse processo de valorização do trabalho do professor. Nas carreiras das redes estadual de Goiás e municipais de Goiânia e de SLMBelos, os mecanismos de progressão horizontal obedecem aos mesmos critérios e estão vinculados aos mesmos quesitos: tempo de serviço, avaliação de desempenho e aperfeiçoamento/capacitação.
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Como nas três redes o tempo de serviço também é considerado para o pagamento de adicional específico (quinquênios), esse ainda é um quesito predominante nas carreiras analisadas. As progressões verticais possuem o mesmo critério de evolução nas três redes, que é o de considerar a formação. O diferencial está na rede municipal de SLMBelos, que possui cinco níveis que contemplam o mestrado (30% sobre o nível de especialização) e o doutorado (30% sobre o nível de mestrado). Nas redes estadual de Goiás e municipal de Goiânia, a esses níveis de formação são atribuídos adicionais de titularidade. As atribuições na forma de adicional têm sido insuficientes para manter mestres e doutores na carreira, o que aponta para a necessidade de se repensar tais dispositivos. Conforme observado, o PSPN instituído pela Lei nº 11.738/2008 para ser um parâmetro nacional, foi implementado de diferentes formas e em diferentes momentos nas três redes analisadas. No entanto, por força desse dispositivo – depois de muito tempo tendo, no máximo, os vencimentos reajustados –, é possível constatar, nos casos analisados, evidências de aumento real para os profissionais do magistério. Assim, o PSPN, respeitado seu mecanismo de atualização, pode representar possibilidades de avanços significativos na valorização salarial do magistério, pois, acoplado às carreiras, como as discutidas neste estudo, poderá colaborar para alcançarmos patamares mais elevados, que possam representar a existência de uma educação com mais qualidade, que remunere de forma digna os professores.
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Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. Brasil. Lei n. 11.738/08, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Diário Oficial da União. Brasília, 17 jul. 2008a. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4167, de 29 de outubro de 2008. Brasília, DF: STF, 2008b. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 20 jun. 2009. Supremo Tribunal Federal. Acórdão, DJ 24.08.2011. Disponível em: www. stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1= 4167&processo=4167. Acesso em 10 de out. 2011. Supremo Tribunal Federal. Liminar proferida em 17/10/2008, publicada em DJE 30/04/2009 - ATA Nº 12/2009. DJE nº 79, divulgado em 29/04/2009. Disponível em: www.stf.jus.br/portal/processo/verprocessoandamento.asp?incidente=2645108. Acesso em 14 de nov. de 2011. (2008c) Confederação nacional nos trabalhadores em educação. A qualidade da educação depende também da valorização de seus trabalhadores. CNTE, Brasília, 2010. Disponível em: www.cnte.org.br/images/pdf/livreto_conae_diretrizes_nacionais_web.pdf. Acesso em 14 de nov. 2011. Orçamento Federal prevê reajuste para Fundeb e Piso. CNTE, Brasília, 2011. Disponível em: www.cnte.org.br/index.php/ comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/8959-orcamento-federal-preve-reajustes-para-fundeb-e-piso. Acesso em 10 de outubro de 2011. Dutra Junior, A.F.; Abreu, Marisa; Balzano, Sonia; Martins, Ricardo. Plano de carreira e remuneração do magistério público. Brasília: MEC/ Fundescola, 2000. Goiânia. Lei Complementar nº 091, de 26 de junho de 2000. Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores do Magistério Público do Município de Goiânia. Diário Oficial do Município de Goiânia 2541 (27 de junho de 2000). Lei nº 7.997, de 20 de junho de 2000. Dispõe sobre o Plano de Carreira e Remuneração dos Servidores do Magistério Público do Município de Goiânia. Diário Oficial do Município de Goiânia 2539 (21 de julho de 2000). Lei nº 8.846, de 05 de outubro de 2009. Concede revisão geral de remuneração, aos servidores públicos municipais, na forma que especifica, e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Goiânia 4712 (06/10/2009). Disponível em: www.goiania.go.gov.br/html/gabinete_civil/sileg/dados/legis/ordinaria/2009/ordinaria88462009.pdf. Acesso em 14 de março de 2012.
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Sobre os Autores
Dalila Andrade Oliveira Professora titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG na área de Políticas Públicas e Educação. Bacharel em Ciências Sociais pela UFMG(1986), mestre em Educação pela UFMG(1992) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo - USP (1999). Realizou pós-doutoramento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ(2005) e outro na Université de Montréal, Canadá (2005). Desenvolve estudos e pesquisas com ênfase em política educacional, gestão escolar e trabalho docente na América Latina. Foi coordenadora do grupo de trabalho Educación, Politica y Movimientos Sociales no âmbito do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) entre 2006 e 2009; diretora de cooperação internacional da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae) entre 2007 e 2009 e vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - Anped entre 2005 e 2009. Atualmente exerce a coordenação geral da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (Rede Estrado) e é presidente da Anped (2009/2011 - 2011/2013). Pesquisadora PQ 1C do CNPq. Danyelle Cristine Biagioli Gomes Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2009). Foi bolsista de iniciação científica do Programa Bolsa Licenciatura - Prolicen-Prograd/UFG entre 2007 e 2009 e da pesquisa Trabalho docente na educação básica em Goiás (2010). Atualmente é professora regente de educação infantil da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia e aluna do curso de especialização em Psicologia dos Processos Educativos na Faculdade de Educação da UFG. E-mail: danybiagioli@hotmail.com.
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Jarbas de Paula Machado Possui graduação em Pedagogia (2000) e em Matemática (2005) pela Universidade Estadual de Goiás - UEG, mestrado em Educação pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2010) e é doutorando em Educação pela UFG. É professor da UEG e da rede pública municipal de São Luís de Montes Belos-GO. Foi secretário municipal de educação de SLMBelos entre 2005 e 2008 e presidente do Conselho Estadual do Fundeb (2007 a 2008), como conselheiro representante da Undime-GO. É conselheiro municipal do Fundeb em SLMBelos como representante dos professores. E-mail: jarbas.belos@bol.com.br. João Ferreira de Oliveira Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás - UFG (1989), mestrado em Educação pela UFG (1994), doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo - USP (2000) e pós-doutorado em Educação pela USP (2010). É professor associado da UFG e vice-presidente da Anped (biênios 2010-2011 e 2012-2013). Foi coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação da UFG (entre 2006 e 2009) e do grupo de trabalho Políticas de Educação Superior da Anped (entre 2006 e 2009). Foi diretor de pesquisa da Anpae (2007 a 2009). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Políticas Educacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas e gestão da educação superior; gestão escolar e formação/profissionalização docente. É bolsista-produtividade do CNPq. E-mail: joão.jferreira@gmail.com. Lívia Fraga Vieira Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1978), mestrado em Educação pela UFMG (1987) e doutorado em Ciências da Educação - Université René Descartes - Paris V (2007). Atualmente é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFMG e do Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade. Tem experiência de trabalho e pesquisa na área de Educação Básica, com ênfase em Educação Infantil, atuando principalmente nos seguintes temas: política educacional, políticas públicas e história da
educação infantil, trabalho docente e formação de professores. Integra como pesquisadora o Grupo de Pesquisa sobre Política Educacional e Trabalho Docente - Gestrado e o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Educação Infantil - Nepei, ambos da UFMG. Lúcia Maria de Assis Licenciada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-MG, mestre em Educação pela Unimep-Piracicaba, doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás - UFG. Professora adjunta da Faculdade de Educação da UFG na área de Política Educacional. Atualmente coordena o Núcleo de Estudos e Documentação Educação Sociedade e Cultura (Nedesc) e é diretora estadual da Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação (Anpae). Luís Gustavo Alexandre da Silva Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (1999), mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2004; 2009). Atualmente é professor adjunto da UFG e vice-coordenador do Núcleo de Estudos e Documentação Educação, Sociedade e Cultura-Nedesc FE/UFG (biênio 2010-2012). E-mail: luisgas1@hotmail.com. Nancy Nonato de Lima Alves É doutora e mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás - UFG. Tem especialização em Psicopedagogia pela UFG. É graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-GO. Atualmente é professora na Faculdade de Educação da UFG, na área de Didática, Formação de Professores e Estágio nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Educação Infantil. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Infância e Sua Educação em Diferentes Contextos - Nepiec. Coordenadora adjunta do curso de especialização em Educação Infantil, turma 2010-2012. Tem experiência na área de Educação e Pesquisa, atuando principalmente nos seguintes temas: educação infantil, formação
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de professores, docência, políticas públicas, e práticas pedagógicas. Tem várias publicações na área da educação e da educação infantil. Nelson Cardoso Amaral Possui mestrado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RJ (1981) e doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (2002). É professor associado, aposentado, da Universidade Federal de Goiás - UFG. Atua no Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFG. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: autonomia; gestão; financiamento e avaliação institucional. Wanderson Ferreira Alves Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo- USP, com pós-doutorado em ergologia pela Université d’Aix-Marseille. Professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás UFG, onde pesquisa os seguintes temas: trabalho e educação, trabalho docente, formação profissional contínua. Em 2010, pela editora Papirus, publicou o livro O trabalho dos professores: saberes, valores, atividade. É autor de capítulos de livros e artigos publicados em diversas revistas nacionais.
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1ª EDIÇÃO : FORMATO: TIPOLOGIA:
Outubro, 2012 15,5 x 23 cm; 260 p Bodoni
PAPEL DA CAPA:
Supremo 250 g/m²
PAPEL DO MIOLO:
Pólen Soft 90 g/m²
PRODUÇÃO EDITORIAL:
Maíra Nassif
CAPA:
Ana C. Bahia
DIGRAMAÇÃO: REVISÃO DE TEXTOS:
Daniela C. Martins Leonardo Porto Passos
A pesquisa que dá suporte às análises aqui empreendidas contou com o apoio do Ministério de Educação, em projeto institucional de cooperação técnica, por meio da Secretaria de Educação Básica, com o empenho especial da Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares. Conheça os outros títulos da Série Trabalho Docente: O trabalho docente na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros Trabalho docente na educação básica no Paraná O trabalho docente na educação básica: o Pará em questão O trabalho docente na educação básica: o Espírito Santo em questão O Trabalho docente na educação básica em Minas Gerais
ISBN 978-85-8054-084-0
9 788580 540840
Org: João Ferreira Oliveira, Dalila Andrade de Oliveira e Lívia Fraga Vieira
É fruto de um trabalho coletivo e expressa os resultados da primeira fase da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, realizada em sete estados brasileiros, que teve o objetivo de analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza nas unidades públicas de Educação Básica.
trabalho docente na educação básica em Goiás
Este livro pretende contribuir com subsídios para a elaboração de políticas públicas que promovam direitos, qualidade e igualdade, para a Educação Básica, contemplando suas três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Organização João Ferreira de Oliveira Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira
Trabalho docente na educação básica em Goiás
O redesenho da organização e gestão dos sistemas escolares que vem se definindo nos últimos anos, sobretudo na última década, impõe-nos a necessidade de conhecer a diversidade de respostas e situações novas que são geradas por parte dos próprios sujeitos envolvidos, em especial os docentes, levando em conta as especificidades locais, regionais e nacional em um país com as dimensões do Brasil. Este livro tem o objetivo de ampliar a reflexão e os conhecimentos sobre as políticas educacionais em curso no âmbito federal, estadual e municipal e sua vinculação com o trabalho docente nas unidades de Educação Básica no País. O livro traz resultados de um survey realizado em unidades educacionais estaduais e municipais da Educação Básica do estado de Goiás, no qual foram entrevistados 1.113 sujeitos docentes. É parte de um projeto ambi cioso de pesquisa realizado em sete estados brasileiros e coordenado pelo Gestrado/UFMG. Soma-se à perspectiva de oferecer informações substanciais para subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de trabalho e de formação do sujeito docente, a partir das análises referenciadas na realidade do estado.