EDUCAÇÃO (EM TEMPO) INTEGRAL: DIÁLOGOS ENTRE A UNIVERSIDADE E A EDUCAÇÃO BÁSICA

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Educação (em tempo) Integral:

diálogos entre a universidade e a Educação Básica

ORGANIZAÇÃO

Levindo Diniz Carvalho Larissa Medeiros Marinho dos Santos


Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Levindo Diniz Carvalho, Larissa Medeiros Marinho dos Santos Este livro ou parte dele pode ser reproduzido por qualquer meio, sem a autorização da editora, desde que para utilização em caráter pedagógico e preservada a autoria dos textos.

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj E26 Educação (em tempo) integral: diálogos entre a universidade e a educação básica / organização Levindo Diniz Carvalho, Larissa Medeiros Marinho dos Santos. - 1. ed. Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2016. 240 p. : il. ; 23 cm. Inclui índice ISBN 978-85-8054-290-5 1. Educação - Brasil. 2. Educação - Aspectos sociais. I. Carvalho, Levindo Diniz. II. Santos, Larissa Medeiros Marinho dos. 16-30348 CDD: 370.981 CDU: 37(81)

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Prefácio  7 Apresentação  9

1  Educação (em tempo) Integral: diálogo entre a Universidade e a Educação Básica  13 Levindo Diniz Carvalho Larissa Medeiros Marinho dos Santos

2  “Mais tempo para a criança na escola!”: do slogan às provocações para (re)pensar o tempo-escola  29 Bruna Sola da Silva Ramos

3  Educação Integral (E)M Tempo Integral no Brasil: Percurso Histórico-Legal  49 Saraa César Mól

4  Tempos e espaços educativos em questão: O Programa Mais Educação na Região das Vertentes e a especificidade do Município São João del-Rei  67 Adriana Gomes do Nascimento Alice Aldina Silva Dias

5  Refletindo sobre a Educação Física num Projeto de Educação Integral: Um Debate por “Mais Educação”  83 Ana Carolina Capellini Rigoni

6  Docência de Teatro em Escolas: Argumentos para uma Consistência  101 André Luiz Lopes Magela

7  A educação integral e a introdução ao teatro por meio dos jogos cooperativos e das brincadeiras populares na formação de cidadãos críticos e participativos  127 Cláudio Roberto Severo Junior Carlos Frederico Bustamante Pontes


8  O Programa Mais Educação e o Acompanhamento Pedagógico na região das vertentes: uma experiência  147 Maria Aparecida Arruda Tatiana Cury Pollo Vanessa Cristina Gonçalves Kelly Janaína Cruz

9  Desafios iniciais na implantação da Fanfarra na Educação Integral da Escola Municipal Pio XII, como iniciativa do Programa Mais Educação  163 André Thiago de Souza Débora Andrade

10  A formação de professores no Programa Mais Educação na região das Vertentes  179 Lídia Mara Fernandes Lopes Wanessa de Cássia Netto

11  A mandala Bioecológica da Educação Integral: uma concepção contemporânea de desenvolvimento humano para a educação  193 Paulo Frederico Medeiros Clementino

12  Oficinas de Artes na Escola: uma reflexão de tempo integral  219 Kleber Silva Sobre os organizadores  231 Sobre os autores  233


Prefácio

O debate sobre a educação integral tem se configurado, no Brasil, como um forte movimento no início do século XXI, principalmente a partir de 2007, com a implantação do Programa Mais Educação pelo Ministério da Educação. O Programa possibilitou a ampliação da jornada escolar para milhões de crianças e jovens, além de abrir a escola para o seu entorno, dialogando com experiências do bairro, da cidade e com os saberes oriundos dessas experiências. Hoje parece não haver divergência em relação à importância das políticas públicas de Educação Integral, mas isso não significa que haja um consenso sobre as concepções que as orientam, já que, como bem afirma Paulo Freire, a educação não é neutra. O que podemos perceber é que existem projetos em disputa, sintetizados em duas grandes matrizes: a educação vista como mercadoria e a educação vista como direito. De um lado, temos a perspectiva dos Movimentos Sociais que lutam pelo direito a serem reconhecidos como sujeitos de direito, entre eles, o direito a ter sua cultura, sua forma de expressar o mundo legitimada pela escola. De outro, temos a perspectiva neoliberal, com a educação sendo vista como mercadoria e a escola como um grande mercado. Assim, há concepções de educação que estão diretamente relacionadas a projetos sociais e políticos em disputa na sociedade brasileira e a Educação Integral se encontra no meio desta disputa. Sob o nome de Educação Integral encontramos, por exemplo, propostas que lutam para que a ampliação do tempo escolar seja sinônimo de novos saberes, novos processos educativos, novos diálogos com o território e outras, que querem que o tempo ampliado seja usado para reforço escolar, com aulas de Português e Matemática. E é dentro desse contexto, em tempos de tensão e de projetos em disputa, que o livro “Educação (em tempo) Integral: diálogos entre a universidade 7


e a Educação Básica” é publicado, trazendo uma importante contribuição para este debate. Resultado de uma experiência de extensão universitária, é uma produção coletiva de docentes e estudantes da Universidade Federal de São João del Rei que atuaram no Projeto Educação Integral na região do Campo das Vertentes em Minas Gerais. São textos que brotam da prática, que traduzem experiências vividas e refletidas por professores e estudantes da UFSJ, por professores e agentes culturais de escolas de Educação Básica. Mostram como a arte, o teatro, a música, a dança dialogam com tradições culturais e podem ser instrumento importante na formação de crianças, jovens e adolescentes. Por ter sua origem na experiência, o livro nos brinda com textos que revelam tanto a riqueza presente nas práticas de Educação Integral como os desafios que esta prática nos coloca. O livro, assim, interroga as práticas escolares que desconsideram os sujeitos e sua realidade cultural e sua leitura nos impulsiona a avançar na luta por uma educação que seja integral e democrática, voltada para a justiça social. Melbourne, 21 de outubro de 2015. Lucinha Alvarez

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Apresentação

O livro Educação (em tempo) Integral: diálogos entre a universidade e a Educação Básica é o resultado de um trabalho coletivo e colaborativo de docentes e estudantes da Universidade Federal de São João del Rei que atuaram no Projeto Educação Integral na região do Campo das Vertentes em Minas Gerais, experiência de extensão universitária financiada pelo Ministério da Educação, que assumiu nos anos de 2013 e 2014 o desafio de atuar na formação inicial e continuada de professores contribuindo para o desafio da implementação de um Educação Integral de qualidade a todos e cada um. Os textos trazem reflexões e experiências de e sobre a educação (em tempo) integral, que incluem questões sobre a organização do tempo e o espaço da educação integral, sobre o próprio conceito de integralidade na formação de crianças e jovens, sobre o desenvolvimento humano, a corporeidade, além de relatos de oficinas realizadas em alguns dos Macrocampos selecionados pelas escolas da região. Enfim, os capítulos focalizam questões educacionais e práticas que consideramos relevantes em direção a uma proposta de educação integral de qualidade. O material aqui compilado pretende fazer parte de uma reflexão ampla em diálogo com a experiência da oferta de ampliação da jornada escolar na região. Temos ciência de que profissionais de educação vivem um momento de ansiedade, incômodos e descobertas gerados a partir desta política. Pretendemos que este material possa dar a estes educadores um conjunto de conhecimentos e questionamentos que permitam um diálogo com suas próprias experiências. Os materiais aqui encontrados se referem a temáticas presentes no cotidiano do Programa Mais Educação - PME, questões encontradas nas cidades, na escola e nas oficinas propostas. Os capítulos estão organizados a partir de questões teóricas e práticas, tal como apresentado a seguir. 9


No primeiro capítulo, Educação (em tempo) Integral: diálogos entre a universidade e a Educação Básica, os autores fazem uma reflexão sobre a relação entre a universidade e a educação básica, em contextos como o de formação de professores e profissionais da educação, e suas implicações para uma proposta de educação (em tempo integral, que considere o conceito de integralidade e a qualidade do processo educativo. No segundo, “Mais tempo para a criança na escola!”: do slogan às provocações para (re) pensar o tempo-escola, a autora fundamentada pelo olhar freireano, a autora busca sentidos possíveis para os tempos de uma escola reinventada, na expectativa de provocar um diálogo sobre as possibilidades que a educação em tempo integral encerra quando, para além de um slogan, faz-se compromisso ético com a mudança. O estudo Educação Integral (E)M Tempo Integral No Brasil: Percurso Histórico-Legal traça o percurso histórico-legal da educação integral e(m) tempo integral no Brasil. Aponta que a ampliação da jornada escolar tem sido realidade em nosso país, constituindo-se desafio que ela seja associada a uma educação integral que considere as especificidades da escola. E no, Tempos e espaços educativos em questão. O Programa Mais Educação na Região das Vertentes e a especificidade do Município São João del-Rei, aborda a partir do PME a questão dos territórios e dos espaços, a dinâmica e a vivência corpo espaço tempo que engloba variantes que diferenciam a dinâmica dos lugares e os processos educativos, tanto em relação e nas relações entre os equipamentos coletivos educativos e os sistemas construídos com o objetivo educacional. Em, Refletindo Sobre A Educação Física Num Projeto De Educação Integral: Um Debate Por “Mais Educação”, a autora busca desconstruir uma visão da Educação Física pautada na técnica e no desenvolvimento motor dos alunos. Com base em uma abordagem sociocultural, ela defende que a aula de EF na escola e, principalmente na escola de tempo integral, precisa estar atenta ao corpo e ao movimento a partir de uma noção de totalidade. Neste caso, não é só o corpo biológico que está em jogo, mas o corpo histórico, psicológico, social, cultural, etc. Para a autora, a aula de EF deve possibilitar aos alunos o conhecimento integral das práticas corporais que dizem respeito aos conteúdos previamente definidos pela área. 10


E, no texto, Docência de Teatro em Escolas: Argumentos para uma consistência, o autor aborda o ensino de teatro e a mudança de perspectiva que vem ocorrendo, assim como sua relação com a perspectiva da educação integral. O autor argumenta que as aulas de teatro devem estar em direção a uma estética da vida, “uma vida bela”. O relato do texto A educação integral e a introdução ao teatro por meio dos jogos cooperativos e das brincadeiras populares na formação de cidadãos críticos e participativos apresenta atividades introdutórias de um primeiro módulo de trabalho em uma oficina de teatro na qual o objetivo inicial é a integração dos alunos por meio de jogos cooperativos e populares. O estagiário, aluno da licenciatura em teatro da UFSJ, apresenta, no texto em questão, o seu contato com a turma de alunos do Projeto Mais Educação, as diferentes atividades que propõe, o contato com o orientador e as consequentes reflexões que vão surgindo na relação ensino-aprendizagem durante o processo de trabalho com o grupo. Ele observa os desafios no relacionamento professor-aluno, a partir do trabalho com um participante mais desajustado diante da turma em formação, e também no que concerne à infraestrutura para a realização da oficina que, em geral, costuma dificultar o trabalho de teatro na escola por ser normalmente precária. Articulando o seu relato com algumas referências bibliográficas, o estagiário constrói um texto que fala do início do seu trabalho docente e os prazeres e obstáculos que são inerentes à difícil tarefa de lecionar. O capítulo Desafios iniciais na implantação da Fanfarra na Educação Integral da Escola Municipal Pio XII, como iniciativa do Programa Mais Educação relata os desafios enfrentados por um professor de música, durante a implantação de uma banda de fanfarra, em uma escola de tempo integral, sobretudo no período anterior à aquisição dos instrumentos, quando se optou pelo trabalho de musicalização. E no texto, O Programa Mais Educação e o Acompanhamento Pedagógico na região das vertentes: uma experiência. Nesse artigo apresentamos as experiências de duas alunas monitoras envolvidas nas atividades do “acompanhamento pedagógico” nas escolas, dentro das atividades inseridas no macrocampo do Programa Mais Educação. As alunas relatam suas dificuldades na implementação do projeto e apresentam, por outro lado, alternativas possíveis em que o pensar 11


e o fazer da criança associadas podem levar a um aprendizado mais eficaz. A valorização de saberes da comunidade e a necessidade de entrosamento escola e família se imbricam. Em, A formação de professores no Programa Mais Educação na região das Vertentes é abordado a importância da formação de professores e o impacto desta na prática educacional. Para exemplificar, as autoras relatam a experiência de uma formação realizada por elas cujo publico alvo eram os professores comunitários e monitores do Programa Mais Educação na Região das Vertentes. E o capítulo A mandala Bioecológica da Educação Integral: uma concepção contemporânea de desenvolvimento humano para a educação apresenta o modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano, indicando aproximações e contribuições possíveis à concepção de Educação Integral adotada no Programa Mais Educação - Campo das Vertentes (MG). O leitor poderá encontrar no modelo um quadro orientador útil para a construção de propostas de aprendizagem que contribuam para o envolvimento dos alunos, a colaboração e a interação destes entre si e com outros sujeitos e ambientes relevantes para o desenvolvimento humano. Finalmente, as considerações apresentadas no texto Oficinas de Artes na Escola: uma reflexão de tempo integral estão referenciadas nas vivências construídas em oficinas de Artes vinculadas ao Programa Mais Educação, na cidade de São João del Rei- MG, durante o ano de 2014. Fica evidenciado como a desarticulação entre os agentes que compõem o corpo formador do ambiente escolar afeta a programação e o desenvolvimento de tais atividades, e por consequência a concepção de educação em tempo integral. Esperamos que esta leitura possa auxiliá-lo na reflexão sobre a sua prática e na proposta do PME em direção a uma educação (em tempo) integral para todo o Brasil. Levindo Diniz Carvalho Larissa Medeiros Marinho dos Santos

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Educação (em tempo) Integral: diálogo entre a Universidade e a Educação Básica Levindo Diniz Carvalho Larissa Medeiros Marinho dos Santos

Introdução “Necessitamos de um pensamento que crie pontes e não fortalezas”. Mia Couto

O presente texto pretende analisar aspectos que envolvem as ações extensão universitária e o seu diálogo com a Educação Básica, tendo em vista, especialmente, a recente demanda de ampliação da jornada escolar na perspectiva da Educação Integral. Busca-se também situar o contexto de produção deste livro evidenciando os desafios colocados para formação inicial e continuada de professores no âmbito das licenciaturas tendo em conta o do direito à educação integral para todos e cada um. Na conjuntura atual brasileira, experiências de ampliação do tempo na escola têm sido desenvolvidas e se configuram como uma tendência importante no contexto educacional. Em recente pesquisa da SECAD, foram identificadas, no país, 772 experiências de educação integral, geridas pelas políticas municipais de educação. Já no terceiro setor, uma pesquisa realizada pelo CENPEC (2002) constata a existência de aproximadamente 15.000 organizações que desenvolvem tais experiências em todo território nacional.

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Pode-se afirmar que a ampliação da jornada escolar no Brasil, que também ocorre no bojo das discussões sobre garantia do direito à educação, e que esse não é apenas direito à escolarização. Nesse sentido, o tema educação passa a ser pauta dos vários setores da gestão da vida pública avançando na compreensão de que, as políticas de educação podem contribuir para equacionar as grandes contradições e problemas da nossa sociedade, como por exemplo, a privação de direitos de crianças e adolescentes pobres que demandam políticas de proteção social. No campo da educação são encontradas diferentes designações, marcadas pela dinâmica e pelas intenções da ampliação do tempo: (1) educação integral; (2) educação em tempo integral/ampliado; (3) educação integral em tempo integral/ampliado (MENESES, 2009). Embora existam diferentes concepções para o conceito de educação integral propõe-se nesse estudo abarcar o entendimento de educação integral como ampliação do tempo da jornada escolar, seja no espaço da própria escola ou em outros equipamentos sociais, com a intenção de contribuir na formação integral de indivíduos - crianças - percebidos em todas suas dimensões (CAVALIERE, 2002). Nesta perspectiva de análise “a educação integral supõe o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, com equilíbrio entre os aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores e sociais” (GUARÁ, 2007, p. 01). Esta concepção “requer uma prática pedagógica globalmente compreensiva do ser humano em sua integralidade, em suas múltiplas relações, dimensões e saberes.” (Idem). O tema da escola em tempo integral esteve no Brasil, frequentemente associado à experiência da Escola-Parque de Anísio Teixeira no Rio de Janeiro e aos Centros Integrados de Educação Pública, os “CIEPs” de Darci Ribeiro (RIBEIRO, 1986). Embora Anísio Teixeira, já à sua época, apontasse que a educação pública de qualidade, configurada a partir de uma educação integral em tempo integral , constituísse, dentre outros aspectos, direito fundante da cidadania, assim como estratégia para a promoção de uma maior justiça social, foi especialmente a partir da criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) , que esta concepção de educação ganhou destaque, tornando-se, inclusive, referência para implantação dos Centros de Atenção Integral à Criança (CAICs) , em âmbito nacional. 14


A educação (em tempo) integral se apresenta no contexto das políticas de educação brasileiras como uma forma de investimento em direção à melhoria da qualidade de ensino. Enquanto políticas públicas para a educação, as propostas da educação integral visam à construção de novos espaços e tempos de escolarização amparados pela legislação atual (BRASIL, 1988; 1996; 2001; 2007) e como a 6ª meta do novo Plano Decenal de Educação PNE (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2014). A partir desses marcos legais, em todo Brasil, têm sido implantadas experiências de ampliação da jornada escolar diária de alunos do ensino fundamental. Este tempo de atendimento ocorre para além dos turnos parciais, o contraturno escolar, de quatro horas que, até então, constituem a forma tradicional de organização do tempo escolar no país. Estas experiências têm sido desenvolvidas especialmente no sistema público de ensino, em diversos municípios e estados da federação, pode-se afirmar que se trata de uma tendência importante no contexto atual da educação brasileira, passando a constituir, também, um tema fundamental de discussão na agenda dos debates dessa área. Na atualidade o debate acerca da educação integral vem ganhando novos matizes e consignando uma pluralidade de compreensões para o tema. Expressões como: “contraturno da escola”, “jornada ampliada”, “atividades socioeducativas”, “ampliação do tempo na escola”, “educação integral”, “educação em tempo integral”, não necessariamente indicam as mesmas realidades. Pode-se apontar de maneira geral três modalidades deste tipo de atendimento: (1) políticas no campo da assistência social, em programas de atendimento à infância em condição de vulnerabilidade social e fragilização de vínculos; (2) Iniciativas do terceiro setor, geridas por organizações sociais que oferecem atendimento a crianças no turno contrário da escola; (3) Políticas de educação que ampliam o tempo da jornada escolar com diferentes ofertas e modelos de atendimento. No campo da assistência social e nas iniciativas com gestão do terceiro setor o atendimento no contraturno da escola é concebido com um serviço socioeducativo que, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, contempla educação e proteção social às crianças e aos adolescentes e tem como objetivo contribuir para sua formação integral para cidadania.

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Desta forma, embora seja uma forte tendência da educação atual, o conceito e a noção de “educação integral” ainda não são consensuais, mas sempre utilizados no sentido de uma nova concepção educacional, destacando-se a questão política e social da educação. A luta pelo direito à educação, hoje, passa não só pela garantia da permanência na escola, mas também pelo direito a uma educação integral, tanto na perspectiva quantitativa, educação em tempo integral para todos, como na perspectiva qualitativa, uma educação que contemple todas as dimensões da formação humana. A educação, nesta perspectiva, é parte fundante de um projeto político de sociedade que tem como propósito a garantia do direito de todo indivíduo a aprender e a se desenvolver como cidadão ativo, em todas as suas dimensões. Atualmente, há no Brasil inúmeras experiências educativas que vão nesta direção, buscando o diálogo entre uma escola que se pretende cidadã e uma cidade que busca ser educadora. Neste contexto, o Programa Mais Educação (PME) se destaca especialmente por ter sua implementação estimulada em âmbito nacional (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009, 2009a). Na sua concepção o Programa Mais Educação tem como objetivo estimular e ampliar as discussões sobre o papel da escola, da família e da sociedade na formação integral das crianças, adolescentes e jovens, reconfigurando conceitos associados, por exemplo, ao tempo escolar e espaço educativo, além de reunir novas categorias de análise aos debates sobre educação integral, entre as quais intersetorialidade, ações integradas e proteção integral. Voltado especialmente para as unidades escolares com Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) abaixo da média do município/do estado, as discussões desencadeadas pela Secretaria de Educação Básica (SEB), em torno do PME, direcionaram-se para a necessária avaliação e acompanhamento do processo de implementação desse Programa no contexto das secretarias de educação e de suas escolas no país. Minas Gerais, em recente pesquisa sobre experiências de jornada ampliada na educação básica realizada pela SECAD/MEC é o estado, dentro da região Sudeste, que ostenta maior número de municípios com experiências de educação em tempo integral. Se por um lado, há explicitamente um aumento do número de municípios que procuram ampliar o tempo da jornada 16


escolar em Minas Gerais, e consequentemente no númerodas matriculas, por outro as dinâmicas de implantação e funcionamento tem características distintas em cada contexto, sendo importante compreender a diversidade de experiências no Estado, seus avanços de desafios. Diante de toda a complexidade de uma proposta de educação (em tempo) integral e em tempo integral que precisa levar em conta as especificidades locais e a diversidade cultural da população atendida e pode/deve significar ainda uma transformação nas concepções tradicionais acerca da educação e formação das crianças e jovens, é que propomos o diálogo entre a universidade e a educação básica. Considerando este um contexto privilegiado de formação profissional, para estudantes e educadores e como um espaço de reflexão dessa mudança em direção à educação de qualidade a todos e cada um.

Desafio para a Educação (em tempo) Integral Assim, um desafio colocado com a implantação de experiências de educação integral é a compreensão das singularidades de cada ciclo da vida, no caso deste estudo, especialmente a infância. No âmbito legal o desenvolvimento de projetos de ampliação do tempo da escola também atende a prescrições da legislação educacional vigente, especialmente a LDB (9394/96), a lei 10.172/01 que instituiu o PNE - Plano Nacional de Educação e a Lei no 11.494/2007 que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). E ainda a Constituição Federal de 1998 que “(...) embora não faça referência literal aos termos “educação integral” e/ou “tempo integral”, ao evidenciar: a educação como o primeiro dos dez direitos sociais (art. 6°) e, conjugado a esta ordenação, apresentá-la; como direito capaz de conduzir ao “pleno desenvolvimento da pessoa, fundante da cidadania, além de possibilitar a preparação para o mundo do trabalho” (art. 205) de forma subliminar, a partir da conjunção dos artigos anteriormente citados, permite que seja deduzida a concepção do direito de todos à educação integral. (MENEZES, 2010, p. 2). Podemos afirmar também que a ampliação da “jornada escolar” vem responder ainda ao atual desafio brasileiro de melhorar a qualidade de sua educação fundamental: 17


Tendo praticamente universalizado o acesso a esse nível de ensino na década de 1990, o Brasil ostenta resultados extremamente insatisfatórios em todos os tipos de avaliação do desempenho dos alunos, tanto internacionais quanto nacionais, além de permanecer longe da universalização do ensino fundamental completo, com altas taxas de evasão e repetência. (RESENDE, 2009, p. 6).

No entanto, discute-se, se esse alargamento do tempo de educação deve significar uma ampliação do tempo dedicado às práticas tradicionais da escola e consequentemente uma intensificação delas na busca da melhoria de qualidade do ensino. Mas considerando que, em muitos casos, as atividades oferecidas fogem ao “currículo do turno regular”, cabe questionar se a ampliação do tempo escolar constitui um investimento público na formação das crianças, suprindo as lacunas apresentadas pela escola. Como vimos, na atualidade, a educação integral se faz consigna na sociedade brasileira. Contudo, a expansão de programas de educação integral no país corre por vias pragmáticas, dando-se ainda pouca atenção aos significados e intencionalidades que lhe dão sentido. As discussões concentram-se nas diversas modalidades, nos programas e nos serviços que a promovem: educação de tempo integral (ampliação da jornada escolar); atividades realizadas no contraturno escolar (dentro e fora da escola, sob responsabilidade ou não da escola); educação integral como inclusão social; educação integral na perspectiva da proteção de crianças e jovens. (MOLL, apud CENPEC, 2010, p. 26).

Assim essas diferentes modalidades coexistem e compõem um diverso quadro de oferta de atendimento na educação pública brasileira. Compreender essa diversidade e problematizar as condições de oferta e as concepções que sustentam cada uma dessas realidades é um desafio fundamental para o avanço das políticas educacionais no país. A educação integral não se resume a tempo integral, embora o tempo seja condição necessária para efetivá-la. O consenso é que deve haver mais tempo de educação escolar, presumindo-se que mais tempo possibilite uma quantidade maior de oportunidades de aprendizagem. Isso significa que uma política efetiva de educação integral não se traduz, apenas, em aumentar 18


o tempo de escolarização, mas requer mudar a própria concepção e o tipo de formação oferecido. E são estes fatores que nos levam a refletir sobre a parceria entre a universidade e a Educação Básica.

Universidade e Educação básica: resultados e desafios colocados no PME da região das Vertentes O primeiro desafio a partir do qual nos propomos a refletir a escola (em tempo) integral na relação entre a educação básica e a universidade é o próprio questionamento sobre a relação entre esses dois contextos. Em termos gerais quando buscamos textos sobre essa relação encontramos trabalhos relacionados à formação docente, tais como em Pereira (2012); e muitas delas a partir de experiências de extensão universitária (NUNES e ALVES, 2014). Como afirmam Lüdke e Cruz (2005), no caso da formação de professores, o que se observa nos cursos de licenciatura é uma separação entre as disciplinas específicas de conteúdo e aquelas relacionadas à prática pedagógica. Os autores apontam para a necessidade de diminuição deste distanciamento em direção à formação de um professor-pesquisador, capaz de refletir a sua própria prática. As observações de Lüdke e Cruz (2005) nos levam a pensar que ao tratarmos da relação da formação docente, em conjunto com as experiências da extensão universitárias, também devemos pensar na formação de um professor-pesquisador. A prática, a teoria e a reflexão sobre as práticas voltadas, no nosso caso, para a reflexão sobre a educação integral e as propostas do tempo integral. Para situar melhor as propostas, no caso do Programa Mais Educação as relações entre a Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) e as escolas públicas da região ocorreram na relação entre estes dois campos: o de formação e o de extensão. A proposta teve início em agosto de 2013 e o término da primeira experiência foi em dezembro de 2014. A UFSJ se propôs a acompanhar a implantação desta política pública, que é uma estratégia indutora das políticas públicas de Educação (em Tempo) Integral, nos Município da região das Vertentes/MG atuando na formação

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de professores, gestores, agentes culturais e universitários envolvidos no atendimento da Educação Integral. Tarefa que incluiu o acompanhamento das ações do programa nestas escolas para uma melhor fundamentação das atividades propostas. Por incluir a observação, o registro e a reflexão sobre a prática, tanto por parte dos professores, dos oficineiros e dos universitários, podemos considerar que uma experiência como a do PME pode promover ações da universidade nos campos de ensino, pesquisa e extensão, fundamentos da universidade e da própria construção do conhecimento (MARTINS, 2007). Neste contexto, a proposta de formação continuada em serviço é mais do que um conjunto de aulas, mas o espaço para a reflexão sobre a prática, o espaço para refletir e propor intervenções em relação às experiências da educação integral. A formação de professores da qual estamos falando se dá em duas frentes. A primeira se refere à formação dos professores e dos gestores das escolas envolvidas no programa e a segunda na formação dos universitários e dos agentes culturais que atuam como oficineiros nas ações do Mais Educação. A proposta é de formação continuada em serviço, ou seja, a prática formativa que ocorre de forma concomitante ao trabalho e, como afirma Gatti (2003, p. 203), permite “um entrelaçamento concreto com a ambiência psicossocial em que esses profissionais trabalham e vivem”. A formação, neste contexto, se torna uma constante investigação e reflexão sobre a prática em direção à superação de uma prática excludente de pessoas e de conteúdo. Uma superação, que para Leclerc e Moll (2013), “requer o reconhecimento de novas dimensões da formação docente, o debate sobre conteúdos escolares consagrados no currículo e os que ainda são considerados “extraescolares”.”. (p. 108). Na prática as ações de formação do Programa Mais Educação da Região das Vertentes ocorreram a partir da implantação e do acompanhamento das oficinas do programa. A implantação foi realizada pelas escolas com o apoio da UFSJ, principalmente a partir da seleção dos universitários e da oferta de orientações para os oficineiros (universitários ou agentes comunitários) de cada Macrocampo.

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Para uma melhor compreensão da proposta é importante situar a UFSJ que é uma instituição multicampi com mais de quatro mil alunos que desenvolve ações de pesquisa e extensão, sobretudo nas áreas das ciências humanas especialmente em atividades culturais e ligadas ao patrimônio histórico. Particularmente o projeto Mais Educação contou com o a participação de alunos e docentes de quinze cursos de licenciaturas além da Psicologia. O acúmulo teórico produzido nos programas de Mestrado em Educação e Mestrado em Psicologia contribuiu também para as reflexões no âmbito desse projeto. Cada Macrocampo foi, portanto, acompanhado por um dos docentes da universidade envolvidos no programa. Dentro da proposta do MEC (2013), mas respeitando as particularidades da região, os principais Macrocampos selecionados pelas escolas foram: • Acompanhamento pedagógico (obrigatório), que se refere à de leitura e estudo e que visa, segundo o MEC (2013), “a articulação entre o currículo estabelecido da escola e as atividades pedagógicas propostas pelo PME.”. (p. 07). • Comunicação, uso de mídias, cultura digital e tecnológica - aqui desenvolvido no campo das tecnologias educacionais, da robótica educacional, e do jornal escolar. • Cultura Artes e Educação Patrimonial - em que foram desenvolvidas oficinas de musicalização, artes plásticas e teatro. • Esporte e Lazer, que incluiu múltiplas vivências e, em algumas escolas, a capoeira. • Educação ambiental e sociedade sustentável - que trabalhou seus conteúdos, principalmente, a partir da perspectiva da horta escolar. Cabe destacar que cada escola escolheu o Macrocampo desejado, assim como delineou as atividades desenvolvidas em cada um. Dentro da perspectiva da formação continuada em serviço, a Universidade ofereceu o apoio de docentes dos cursos de licenciaturas, relacionados a cada Macrocampo, com a disponibilização de espaços que permitiram momentos de discussão entre os participantes das diversas escolas e acompanhamento das propostas. Além disso, a Universidade promoveu 21


três seminários regionais sobre o tema de educação integral e desenvolveu, quinzenalmente, encontros de formação com professores comunitários e gestores de programa. Para um melhor acompanhamento a equipe da Universidade realizou visitas às escolas com o objetivo de conhecer a prática do programa e os desafios vivenciados no cotidiano escolar. Considera-se que estas atividades de observação e diálogo com os professores e oficineiros in loco permitiram uma maior aproximação do contexto escolar e conhecimento das conquistas e dificuldades experienciadas. A discussão com os professores a partir da observação do seu cotidiano nos trouxe a experiência da relação teoria e prática e, também, a experiência da investigação por meio da observação. Como incentivo à formação do professor-investigador suas experiências, suas observações e aquelas realizadas pela equipe eram problematizadas nos encontros com o grupo. Devido às inter-relações proporcionadas pelo contexto da formação continuada de professores em serviço, um segundo desafio na relação entre a Universidade e a Educação Básica, no Programa Mais Educação da Região das Vertentes, foi a delimitação e compreensão dos papéis de cada uma das instituições envolvidas, a começar pelo Ministério da Educação. Em complementação ao suporte oferecido pela Universidade às escolas da região, que deveria ter se constituído no campo da formação continuada, ocorreram solicitações de apoio e orientação em relações aos trâmites burocráticos do programa. Constantemente nos deparávamos com questões sobre a implementação do programa, o uso das verbas transferidas pelo MEC ao caixa escolar para a execução do programa, dentre outros. Estamos tratando de desafios de gestão escolar decorrentes da implantação de um programa realizado em parceria entre as escolas, os estados e os municípios e o Governo Federal. Segundo Leclerc e Moll (2012), é o que se refere a uma “aproximação entre os sistemas de ensino e o chão da escola, mediados pela assistência técnica e financeira do Ministério da Educação no contexto da implementação de programas.”. (p. 100). Os desafios por nós vivenciados antecediam à necessidade de uma gestão democrática, à compreensão do projeto pedagógico da escola e à parceria com a comunidade. Eram questões básicas sobre como gerenciar 22


o financiamento disponibilizado pelo MEC diretamente no caixa escolar. Problemas relacionados com a compra de material e a ajuda de custo para os oficineiros, controle de despesas e relatórios. Por um lado, isso se caracterizou como um desafio, pois as demandas por auxílio no controle destas questões eram direcionadas à Universidade, cuja equipe não era detentora destes saberes. Por outro lado, se caracterizou como um desafio, pois dificultou a implementação das atividades do programa e a concretização da proposta. Além disso, outros desafios foram postos no campo da gestão, tais como as diversas relações das prefeituras com as escolas e a contrapartida oferecidas por estas para a implementação do programa (a contrapartida faz parte do acordo dos municípios com o Governo Federal). Fator que incluiu a possibilidade ou não da ocupação dos diversos territórios das cidades, um maior incentivo na compra de material, lanche e condições de trabalho para os professores comunitários e oficineiros. As diversas demandas eram encaminhadas à equipe da Universidade que, apesar de não ter como atuar em diversas dessas questões, buscou formas de atender às escolas e seus gestores. Assim, além da formação continuada em educação integral passaram a ocorrer formações mensais com os gestores escolares sobre questões específicas. Estas foram oferecidas com a colaboração de um membro da equipe do MEC. Considera-se que a delimitação dos papéis, de cada uma das partes, nas relações estabelecidas entre a Universidade e a Educação Básica é essencial para o bom andamento dos processos. Não cabe à universidade desafiar a autonomia escolar ditando saberes ou práticas, seja de gestão ou pedagógicas. Assim, a equipe da UFSJ planejou suas ações no sentido de suporte às atividades das escolas dos municípios participantes, participando, principalmente, na construção de uma concepção de educação integral.

Pontes entre a escola e Universidade A reflexão sobre o que é a educação em tempo integral e, mais que isso, a educação integral, a construção de uma interligação entre os conteúdos propostos para a educação (em tempo) integral e as diretrizes curriculares, os desafios aplicados à gestão escolar, e a noção de cidade educadora; são 23


alguns dos temas geradores das discussões do PME na região das Vertentes. Estas questões serviram de base para a construção de pontes entre a escola e a Universidade. A escola se apresentou nesse contexto como o espaço de aplicação e aprendizagem para discentes da universidade e para agentes comunitários. O espaço foi base para vivências práticas desses participantes que não são possíveis na academia e que muitas vezes não são proporcionadas pelos estágios curriculares. Pois a ação de oficineiro no PME inclui lidar com dificuldades do contexto escolar, inclusive políticas, que dificilmente são proporcionadas por um estágio. Por sua vez, a Universidade se apresentou nesse contexto como espaço de discussão, troca e reflexão aberto à comunidade (professores, professores comunitários, gestores, agentes comunitários) envolvida no PME. Um espaço que congregou experiências de 19 (dezenove) municípios da região das Vertentes que trouxeram suas dificuldades e suas descobertas no decorrer do processo. Para realização desse trabalho, utilizamos diversas estratégias que se constituíram como pontes nesse processo, entre estas: • A implantação, o registro e a discussão das oficinas ministradas por estudantes da UFSJ nos macrocampos do PME nos diferentes municípios da região das Vertentes. • A realização de três seminários regionais de educação integral. • O fomento e a participação no comitê territorial de educação integral. • Relatórios dos estágios realizados e das ações nas diferentes áreas. • A formação de aproximadamente 760 professores por município, 50 gestores, 20 agentes culturais, 70 estudantes universitários, de pelo menos 19 municípios mineiros da região das Vertentes que fazem parte do Programa Mais Educação. • Visitação às escolas e às cidades, territórios educativos, participantes do programa. • E, finalmente, a sistematização da experiência de implementação do PME na interface com o trabalho do Observatório da Educação Integral (CAPES) na UFSJ.

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As pontes foram construídas apesar dos desafios impostos pela implantação do programa. Entre esses desafios podemos citar a própria compreensão da concepção de educação integral, as políticas locais e formas de gestão financeira, a necessidade de construção de uma concepção de territórios educacionais, uma compreensão equivocada de que a educação integral como diferente do ensino regular, uma alta rotatividade de oficineiros, entre outros. Mas foram construídas, principalmente, a partir de uma vontade coletiva de acertar e oferecer aos estudantes das escolas públicas uma educação diferenciada. Entre as possibilidades identificadas encontram-se a própria participação dos professores e gestores nas discussões e momentos de reflexão sobre o tema e a busca de solução para vencer as dificuldades. Mudanças foram observadas, tais como uma maior apropriação dos territórios educativos presentes nas cidades, a promoção de parcerias com a comunidade, a incorporação do papel do professor comunitário como uma função gestão do programa. A partir da visão proporcionada pela relação entre a Universidade e a escola, consideramos necessário fazer algumas sugestões para a melhoria do PME na região, entre elas, uma reorganização dos municípios em relação à gestão da educação integral e uma reapropriação dos currículos de cada uma tendo em vista uma educação não apenas em tempo integral. Nas relações com o MEC, nossa sugestão é de que esta política seja ampliada e que a educação integral, não apenas em tempo integral, se torne a forma de educação brasileira, após a devida estruturação das escolas de cada região. As ações que formaram a ponte entre a escola e a Universidade permitiram um acompanhamento constante durante todo o período, a partir do qual foram observadas as facilidades e as dificuldades de implementação do programa, assim como para cada oficina. A inter-relação escola-universidade foi fortalecida principalmente a partir de uma aproximação desses dois territórios em direção a um objetivo em comum: uma educação pública de qualidade, em todos os seus aspectos, e aqui caracterizada pela concepção de integralidade.

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Referências bibliográficas BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal: Brasília. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/ CON1988_07.05.2015/CON1988.pdf. Acesso em: 10 jun. 2015. BRASIL. Lei das Diretrizes e Bases da Educação. Presidência da República/ Casa Civil: Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l9394.htm. Acesso em: 10 jun. 2015. BRASIL. Lei Nº 11494 de 20 de julho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos profissionais da Educação - FUNDEB. Presidência da República – Casa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/ lei/l11494.htm. Acesso em: 10 jun. 2015. BRASIL. Lei Nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001. Aprova Plano Nacional de educação e da outras providências. Presidência da República – Casa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172. htm. Acesso em: 10 jun. 2015. CAVALIERE, Ana Maria Villela. Escolas públicas de tempo integral: uma idéia forte, uma experiência frágil. In: CAVALIERE, A. M.; COELHO, L. M. C. Educação brasileira e(m) tempo integral. Petrópolis (RJ): Vozes, 2002. CAVALIERE, Ana Maria Villela. Educação integral: uma nova identidade para a escola brasileira? Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81. dez. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v23n81/13940.pdf. Acesso em: 19 set. 2011. CENPEC e FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL. Parâmetros das Ações Socioeducativas. São Paulo: Cenpec, 2007. CENPEC e FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL. Tendências para educação Integral. 2011. GATTI, Bernardete A. Formação continuada de professores: a questão psicossocial. Cadernos de pesquisa, v. 119, p. 191-204, 2003. LECLERC, Gesuína de Fátima Elias; MOLL, Jaqueline. Programa Mais Educação: avanços e desafios para uma estratégia indutora da Educação Integral e em tempo integral. Educar em Revista, n. 45, p. 91-110, jul./set. 2012. Editora UFPR. 26


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“Mais tempo para a criança na escola!”: do slogan às provocações para (re)pensar o tempo-escola Bruna Sola da Silva Ramos

Este texto é movido por algumas inquietações que venho acumulando no campo das propostas de ampliação do tempo-escola. De imediato, parece mesmo difícil discordar do slogan “Mais tempo para a criança na escola!”, que tem arrebatado o discurso pedagógico contemporâneo. Afinal, clamamos mesmo por melhores condições de formação em nossas escolas básicas, por uma educação integral e integradora, o que imediatamente levaria a supor uma ampliação do tempo de atendimento à escola. Mas, para além de uma adesão acrítica, que nos impeça de admirar analiticamente a proposta, é preciso ir além do slogan em seu significado mais óbvio, [o do aumento quantitativo do tempo escolar], para podermos nos perguntar que tempos contribuirão para o redimensionamento de nossas possibilidades de formação, orientando-se, como em legado freireano, a uma educação humana e libertadora. Por isso, problematizar o tempo da chamada “escola de tempo integral” é, antes de tudo, dialogar com o pressuposto que está na base de qualquer consideração feita: o de que só faz sentido ampliar o tempo-escola se o fundamento da expansão das horas for a busca pela formação integral do sujeito aprendente. Entendo por educação integral aquela que considera a multidimensionalidade do humano, fiada não apenas da cognição e da racionalidade afeitas aos processos de escolarização, mas por dimensões outras que anunciam a complexidade do existir. Dentre tantas, poderíamos citar a espiritual, a

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social, a física, a emocional, a política, a afetiva, a corpórea, a ético-estética, a sensorial. Mas há que se lembrar de que há limites para a escola desenvolver todas essas dimensões, especialmente porque o sujeito é um “sujeito que está sempre se fazendo, está sempre inconcluso, nunca é igual a si mesmo, e não encontrará jamais uma integralidade que o conforte” (GERALDI, 2010, p. 145). Mas é possível que na escola, através de linguagens diversas, atividades variadas e múltiplas circunstâncias, se possa explorar muitas dessas dimensões. Isso significa, junto a Gonçalves (2006), a perspectiva de que o horário expandido amplie as oportunidades e situações capazes de gerar aprendizagens significativas e emancipadoras. E isso não se pode fazer com um tempo que apenas reproduza “mais do mesmo”, ou que potencialize as já precárias condições educacionais com as quais diariamente convivem alunos e professores. Segundo Cavaliere (2007), a ampliação do tempo sem considerar a qualidade faz com que os alunos permaneçam na escola realizando atividades tradicionalmente conteudistas. Daí a sua afirmação de que uma maior quantidade de tempo na escola não determine por si só, embora possa propiciar, práticas escolares qualitativamente diferentes. Ampliar o tempo-escola em busca de eficiência e produtividade nos resultados escolares, ou mesmo em busca da adaptação dos corpos às rotinas da vida urbana contemporânea, “limita os possíveis sentidos ou significados educacionais inovadores dessa ampliação” (p. 1017). Importa, assim, atentarmos para a lógica temporal da escola, com suas durações fixas e cadências uniformes. Para Arroyo (2004), tempos predefinidos de uma lógica transmissiva e acumulativa que se cristalizou há séculos: conteúdos organizados em disciplinas e grades fechadas, séries e graus, bimestres e semestres. Uma etapa como condição da próxima. Aprovação ou reprovação. Tempos predefinidos. Tempo determinado para aprender. Características que, de tão impregnadas no modo de ser da escola, já não apenas se confundem com sua própria essência como impedem possíveis rompimentos com sua lógica rígida. (PARENTE, 2010). Na contramão de uma tendência naturalizante do tempo-escola, que obscureça nossa chance de repensá-lo, busco compreendê-lo na perspectiva 30


de que a ampliação da jornada escolar se faça necessariamente acompanhada por uma mudança no modo como “praticamos” o tempo na escola e, especificamente, em nossas salas de aula. Mais: por uma mudança no modo como “encaramos” e “praticamos” a formação de nossos alunos. Isso significa dizer que, com a proposta de tempo integral, temos a feliz oportunidade para transformar a escola “por dentro”, o que poderá alterar paradigmas e práticas há muito cristalizados em nosso fazer educativo.

Novos tempos, outras questões: em que macrocenário se institui a escola de tempo integral? Vou de novo para a escola, Vou, pequenino, anular-me, Grão de sal Que se adoça ao som da viola, A ver se desperto um carme Bem natal. Carlos Drummond de Andrade, Conversa Informal com o Menino.

É unânime a acepção de que a escola precisa reencontrar seu lugar como espaço sociocultural frente aos desafios desses novos tempos. Tempos demarcados pelo sentido mercantilista que a tudo enreda e seduz. Tempos de caráter e atitude presentistas, que refletem o esquecimento da própria história e da experiência humana. Tempos de velocidade fortuita impressa à lógica do mercado, que garante legitimidade à celeridade das mudanças. Tempos de um “regime de tempo convulsivo das tecnologias disparadas”1, na imposição de novos ritmos e comportamentos. Tempos de um consumismo exacerbado, considerado uma das principais fontes de referência da identidade do homem contemporâneo (SEVERIANO e ESTRAMINA, 2006) e gerador de um movimento de descarte que, na perspectiva de Harvey (2009), significa mais do que apenas jogar fora bens produzidos, mas “também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser” (p. 58). 1. Segundo Moraes (2006), feliz expressão cunhada por Gabriel García Marquez.

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São ainda tempos nos quais construímos uma suposta “sociedade do conhecimento”, em que se fala, com certa insistência, em uma “revolução” no campo da produção de saberes. Neste sentido, cabe a inversão feita no século XX à indagação de Platão, que na Grécia antiga se perguntava: “como é possível que com tão poucas informações nós tenhamos chegado a saber tanto?” Na contemporaneidade, essa máxima é invertida por George Orwell: “Como é possível que com tantas informações nós tenhamos chegado a saber tão pouco?” (KONDER, 2003, s/p). Fato é que, ao tornar-se força produtiva, o conhecimento também é incorporado como componente do capital, sendo considerado por seu valor aplicável, em forte sinalização de que passa a ser vantagem competitiva de caráter decisivo para o enfrentamento da pretendida “globalização”. Como lugar de acesso à informação e como instância privilegiada de produção de conhecimento, a educação passa a ser responsabilizada por atender as demandas do processo produtivo, o que não só consolida a escola como consumidora dos produtos da tecnologia cultural e da informática (MARRACH, 1996), como também representa uma concepção economicista da educação. É a educação como mercadoria que passa a fazer parte da retórica educacional. O sentido mercantilista dessas transformações privilegia uma visão utilitarista que valoriza apenas a eficiência do sistema, pautada tanto na redução dos custos da educação quanto no seu ajustamento às demandas do mercado. É desse modo que avulta também o foco no desempenho, tendo em vista a produtividade que passa a ser requerida da educação, instaurando-se uma equivocada percepção de que os aspectos que não podem ser observados ou medidos não são relevantes para a avaliação do trabalho (FIDALGO e FIDALGO, 2009). Escolas e professores, imersos nessa “cultura do desempenho” perdem o interesse em trabalhar com atividades e aspectos que não diretamente relacionados aos indicadores e desempenho, enquanto os alunos terminam por serem treinados para obter bons resultados em testes (SANTOS, 2004). Nesse cenário, Fairclough (2001) anuncia uma contradição nos termos da constituição dos próprios aprendizes:

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De um lado, são construídos no papel ativo de clientes ou consumidores conscientes de suas ‘necessidades’ e capazes de selecionar cursos que venham ao encontro de suas necessidades. Por outro lado, são construídos no papel passivo de elementos ou instrumentos em processos de produção [...] que sejam alvos para treinar ‘habilidades’ ou ‘competências’ requeridas, com cursos concebidos em torno de ‘metas de realização’ precisas resultando em perfis de aprendizes, ambos os quais são especificados em termos de habilidades bastante precisas (FAIRCLOUGH, 2001, p. 256).

Obedecendo à lógica do mercado, a educação é elevada à função de adaptar e instruir, preparando os indivíduos para resolver problemas concretos de uma realidade imediata. Nesse cenário, o conceito de competências ganha fôlego e é apresentado como um “novo” paradigma educacional. Por intermédio deste conceito, é organizado o discurso que objetiva construir a qualidade da formação escolar, reforçando uma visão determinista entre o desempenho do professor e o de seus alunos. No dizer de Barreto (2002, p. 133), “é um discurso que parece adotar um colorido construtivista”, para legitimar um paradigma curricular novo. É, portanto, em meio à cultura do desempenho e da competência, que as instituições de ensino e o próprio trabalho docente vão sendo expostos negativamente, no bojo de avaliações sistemáticas traduzidas em rankings que acabam por evidenciar a falência de nossos processos educativos, focalizando os objetivos não alcançados. Problematizar estes elementos da sociedade contemporânea e suas contradições é fator fundamental na assunção da escola que queremos construir, indo ao encontro daquilo que Kuenzer (1999) pensa ser, hoje, tarefa dos pesquisadores e profissionais da educação: [...] traduzir o novo processo pedagógico em curso, elucidar a quem serve, explicitar suas contradições, e, com base nas condições concretas dadas, promover as necessárias articulações para construir coletivamente alternativas que ponham a educação a serviço do desenvolvimento de relações verdadeiramente democráticas (p. 166).

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Junto a Libâneo (2003), conceituamos a escola desejada como aquela que vai “de dentro para fora e de fora para dentro” (p. 40), assegurando a todos a formação cultural e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã; enfim, um espaço de síntese. Síntese que se constrói entre a cultura vivenciada na comunidade, na cidade, nas ruas, nas praças, nos pontos de encontro. Síntese geradora de cultura crítica, própria de uma escola que deve prover elementos cognitivos, não para uma formação intelectualista, mas para formar sujeitos que possam analisar criticamente e atribuir significados às informações, passando de objetos à condição de sujeitos de seus próprios conhecimentos. Nesse sentido, à escola se imprime papel vital: o de ensinar a pensar. Cabe sempre lembrarmos que, para Paulo Freire, educar é libertar o homem do determinismo social no qual ele está inserido, sendo a dimensão da identidade cultural fundamental neste sentido. Sem respeito à identidade do educando, sem autonomia e sem levar em conta as experiências por ele vividas, o processo se fará esvaziado de real significação para o aluno. Daí que não adianta apenas “esticar a corda do tempo”, como nos ensina Moll (2009), pois ela não redimensionará, obrigatoriamente, o espaço escolar ou as práticas educativas que aí se desenvolvem. Desse modo, pensar a ampliação da jornada escolar significa nos empenharmos na construção de uma escola significativa, que é, em primeiríssimo lugar, significativa para o aluno; um ambiente que, por princípio, deve ser de expansão da capacidade criativa, do pensamento e da interação. Significativa é a escola em que o aluno se sente acolhido, reconhecido e pertencente, na qual ele se realiza pelo que aprende e pelas interações que estabelece. É também aquela que lhe permite construir múltiplos sentidos sobre diferentes experiências e atividades, favorecendo seu desenvolvimento intelectual, emocional e estético (VILLELLA e ARCHANGELO, 2013). Esse entendimento contrasta com o que se tem percebido no cotidiano escolar, demonstrando o quanto ainda estamos longe de vivenciar experiências significativas na escola.

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As relações costumam ser tensas, excessivamente normatizadas e pouco frutíferas de todos os lados. Professores adoecem, alunos demonstram desinteresse, gestores se perdem na burocracia estatal, pais não veem a instituição como parceira, nem vice-versa, para dizer o mínimo. A escola, como ambiente e experiências significativos, antevista em pequenas iniciativas ou grandes projetos, ainda está longe de ser vivida cotidianamente como tal por professores, alunos, pais e gestores. (VILLELA e ARCHANGELO, 2013, p. 16)

Urge, portanto, fazermos da escola espaço de expansão das potencialidades humanas e de emancipação do coletivo, construindo, em lugar da adaptação passiva e alienadora, a capacidade de nos tornarmos sujeitos de reflexão, de crítica e de posicionamento acerca de nós mesmos e do mundo que nos rodeia. É com este olhar que nos propomos a pensar a ampliação da jornada escolar, para que, em lugar de multiplicarmos a já conhecida precariedade educacional, aproveitemos a oportunidade que o tempo expandido nos oferece para, definitivamente, reinventarmos a escola e seus caminhos de formação.

Tempos de ensinar, tempos de aprender: provocações freireanas para (re)pensarmos o tempo escolar No campo da teorização da prática educativa, Paulo Freire se ressignifica e reatualiza, com o passar dos anos, como referência de uma pedagogia progressista, testemunhando a potencialidade criadora de uma educação fundada no diálogo e em um processo de reflexão permanente sobre o vivido. Seus pensamentos nos levam a um sujeito histórico-crítico, um “corpo consciente”, capaz de olhar para si mesmo e para a complexa realidade em seu entorno, ao mesmo tempo em que dela se distancia, para que, admirando-a, se faça capaz de melhor compreendê-la e, quiçá, transformá-la. Fundamentada pelo olhar freireano, busco alguns sentidos possíveis para os tempos de uma escola reinventada: tempos de inacabamento; tempos de alteridade constituinte; tempos de curiosidade e tempos de conscientização crítica. Com eles, espero provocar o pensamento para as possibilidades que a proposta de educação em tempo integral encerra quando, mais que um slogan repetido indiscriminadamente, faz-se compromisso ético com a possibilidade da mudança. 35


Tempos de inacabamento Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismos. Paulo Freire, 1996.

Pensar a jornada ampliada do tempo escolar e a prática pedagógica que nela se constitui em busca de uma formação integral do sujeito é, antes de tudo, assumir como pressuposto a condição humana do inacabamento. Como um ser histórico-social e consciente de seu inacabamento, o homem participa de um movimento permanente de busca, de procura, que o faz sempre devir de si mesmo na interação com os demais. Desse modo, a inconclusão coloca em cena a responsabilidade e a eticidade fundamentais de nossa presença no mundo. Afinal, como enfatiza Paulo Freire: “minha presença no mundo não é a de quem apenas se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História” (FREIRE, 1996, p. 60). Junto a Freire, entendemos que é na consciência do inacabamento que reside a raiz da educação como uma manifestação exclusivamente humana. Na inconclusão funda-se a educação como um processo permanente, o que torna os homens educáveis e capazes de serem constantemente “mais”. Inconclusos, somos plenos de possibilidades, e a educação assume o propósito de criar condições para que elas se atualizem, mediante a problematização consciente de nosso próprio inacabamento. É assim que nos fazemos conscientes de nosso inacabamento: curiosos, inquietos, sujeitos de nossas próprias experiências, abertos a criar outros sentidos, construir novas histórias, pensar e produzir “mundos” originais. Esse é o eu que importa, afirma Larrosa (2006): “aquele que existe sempre mais além daquele que se toma habitualmente pelo próprio eu”. Um eu que

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“não está para ser descoberto, mas para ser inventado; não está para ser realizado, mas para ser conquistado; não está para ser explorado, mas para ser criado” (p. 9). Desse modo, o ato de aprender, criar e produzir conhecimentos corresponde à vida em permanente movimento de transformação criativa. Por isso, a condição do inacabamento nos motiva a pensar a formação de modo muito mais amplo, como um processo de desenvolvimento emancipatório e autônomo, que traz em si a ideia de percurso como continuum da experiência. E, aqui, entendemos por experiência o que anuncia Larrosa (2002, p. 25-26): “aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma”. Vale sempre a lembrança do autor de que “somente o sujeito da experiência, está, portanto, aberto à sua própria transformação”. Algo em torno do que, em forma de poesia, o saudoso Manoel de Barros (1998) nos convida a ler. A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai! Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

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Tempos de alteridade constituinte Quando me olho no espelho, em meus olhos olham olhos alheios. Carlos Alberto Faraco, 2005.

Tratar de uma educação integral requer, ainda, que reconheçamos o estatuto da tríade alteritária de Bakhtin (2000) na constituição dos sujeitos: o eu para mim, o eu para o outro, o outro para mim. Tempos de vida em que nos fazemos sujeitos, demarcados por uma radical alteridade que nos humaniza e (trans)forma. Daí que para tratarmos de uma escola significativa é preciso trazer à tona seus protagonistas: o sujeito-professor e o sujeito-aluno. Indivisíveis um ao outro, como faces de uma mesma moeda. E é do encontro entre esses sujeitos que vamos tratar. Como não há possibilidade de tomar o ensino sem que se considere a aprendizagem, é preciso explorar a tensão permanente gerada entre esses dois polos, dois sujeitos que ensinam-aprendem e aprendem-ensinam. Mas de que “sujeitos” tratamos aqui? Encontramos aporte em Paulo Freire, para quem “o homem integrado é o homem Sujeito” (FREIRE, 1980, p. 42). Daí que seja não apenas um homem enraizado historicamente, mas, sobretudo, um ser que expressa sua humanização. Sujeito que exercita sua liberdade, assume as tarefas de seu tempo, reflete e posiciona-se criticamente, tomando decisões que transformam a realidade em que vive. Mas não faz isso sozinho. Faz junto com os demais. Dialoga e age, em comunhão. Contudo, o homem pode também situar-se no polo oposto, o da adaptação e o da passividade, onde existirá apenas como objeto. Já não se faz capaz de alterar sua realidade, mas “coisifica-se”, “altera-se a si para adaptar-se” e “afoga-se no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto.” (FREIRE, 1980, p. 42, 43). É imprescindível, pois, reconhecer-se como sujeito, “ser autônomo, livre e responsável em todas as suas ações” (PEREIRA, 2007, p. 25), realizando-se em suas múltiplas dimensões. Dotado de consciência pode o sujeito agir sobre sua própria vida, definindo-se em um duplo movimento de devir outro: “o sujeito se ultrapassa, o sujeito se reflete” (DELEUZE, 2001, p. 93). 38


É nesse sentido que uma educação realmente libertadora requer que alunos e professores se assumam como sujeitos. Ao sujeito é conferida a autonomia de decidir o caminho, agir consciente através de seus atos responsáveis (BAKHTIN, 2010). Essa é a atitude de quem não se restringe, de quem não se constrange e se percebe autor de sua própria história. Ao assumir-se como sujeito, o professor estará encarando o seu aluno como sujeito também, o que significa colocá-lo frente à realidade teóricoprática, levando-o a se construir e a reconhecer-se como sujeito. Habituados que estamos a nos preparar para ensinar, a nos preparar para dar respostas, torna-se estranho e difícil mantermo-nos numa atitude coerente de deixá-los buscar suas próprias soluções. E, especialmente, de fazer com os que os alunos percebam os seus próprios erros, pois é com eles que realmente todos aprendemos (PEREIRA, 2007, p. 26).

Desse modo, o enfoque passa a ser uma aprendizagem participativa, dialogada, significativa, que possibilita ao aluno construir conhecimentos, experimentando e transformando suas ações e a realidade em que está inserido. Nessa composição cujo enfoque está na alteridade, ou seja, nas relações eu-outro/professor-aluno, investigamos a aula sob o enfoque do acontecimento (GERALDI, 2010) para dizermos de uma sala de aula aberta para a vida, dinamizada pelo fluxo dos acontecimentos. Se encontramos uma escola significativa é porque há um ensino-aprendizagem significativo e, portanto, uma aula e também uma sala de aula significativas. A sala de aula pode ser considerada como um espaço complexo, em que os sujeitos que dele compartilham, considerados tanto em sua totalidade quanto em sua subjetividade, vão se constituindo mediante as interações que estabelecem. Desse modo, o que se quer enfatizar é que a relação com o vivido inspira o processo educativo e a própria assunção de professores e alunos como sujeitos do aprender-ensinar. O enfoque passa a ser reencontrar o vivido para nele desvelar o saber, mediado pelos conhecimentos disponíveis na herança cultural. Esse reencontro com o vivido “demanda tomar o acontecimento como lugar donde vertem as perguntas” (GERALDI, 2010, p. 97). Professores e alunos tornam-se sujeitos ao refletirem sobre o vivido, escrevendo seus textos em seus diferentes contextos e estabelecendo novas e produtivas relações com o já produzido. 39


Daí que ensinar não é apenas transmitir e informar, mas ensinar o sujeito aprendente a construir respostas, donde se conclui que só se pode partir de perguntas. Por sua vez, aprender também não é apenas se tornar um depósito das respostas que estão já lá, dadas a priori. Conhecer é muito mais do que dispor de um repertório de respostas, mas fazer-se capaz de compreender problemas, formular novas perguntas e buscar os caminhos que possam conduzir à construção das respostas.

Tempos de curiosidade A curiosidade de que falo não é, obviamente, a curiosidade “desarmada” com que olho as nuvens que se movem rápidas, alongando-se umas nas outras, no fundo azul do céu. É a curiosidade metódica, exigente, que, tomando distância do seu objeto, dele se aproxima para conhecê-lo e dele falar prudentemente. Paulo Freire, 1993.

Tratar de uma educação integral cultivada em uma escola tempo integral supõe a assunção de um tempo-escola voltado para o incentivo à curiosidade. Isso significa permitir a professores e seus educandos que explorem livremente a sua existência. Fundamentada em Freire, não trato aqui de uma curiosidade feita de pureza ingênua, “desarmada”, mas daquela capaz de criticizar-se no movimento que o sujeito assume em direção ao seu objeto de saber, sustentada em uma inquietação e por certa rebeldia reflexiva. Na busca permanente em que o homem se insere, como sujeito consciente de seu inacabamento, a curiosidade desponta como “matriz do pensar”. Daí que sem curiosidade não se pode aprender, nem mesmo se poderia ensinar. É por isso que uma prática educativa constituída em favor da autonomia deve se comprometer com a criticização da curiosidade, o que significa promover a curiosidade ingênua – “saber de pura experiência feito” –, em curiosidade epistemológica, “curiosidade crítica, insatisfeita, indócil”, necessária para que se efetive o ato de conhecer na perspectiva da criação e não apenas da reprodução do conhecimento. Nesse processo, não há

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ruptura, mas superação, pois “não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos” (FREIRE, 1996, p. 32). Em sua obra, Paulo Freire aponta os riscos de uma curiosidade “domesticada”, que pode levar à memorização mecânica de um objeto, mas não ao seu aprendizado real. Seu chamado é claro: é preciso que professores e alunos se assumam como seres epistemologicamente curiosos. Pois se há uma prática exemplar de negação da experiência formadora é justamente aquela que inibe a curiosidade do educando e, por consequência, a do próprio educador. “É que o educador que, entregue a procedimentos autoritários ou paternalistas que impedem ou dificultam o exercício da curiosidade do educando, termina por igualmente tolher sua própria curiosidade” (FREIRE, 1996, p. 94). Pensar a escola de tempo integral é, portanto, superar as certezas castradoras da curiosidade dos educandos. Isso só se faz possível a partir do estabelecimento de relações dialógicas, a partir das quais os sujeitos vivenciem posturas crítico-reflexivas diante do conhecimento. Isso também traz como exigência uma formação permanente comprometida com um processo contínuo de criticização da consciência.

Tempos de conscientização crítica – Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem. José Saramago, 1995.

Recorro à literatura como espécie de trapaça salutar (BARTHES, 2007), para trazer à cena a importância da conscientização crítica, nesses tempos em que o pensamento crítico nos parece “acorrentado” (SANTOS, 2004), e se impõe como iminente a falência da crítica. Diante da constituição progressiva de uma sociedade capitalista “global”, há, segundo Moraes (2004), uma “persistente intenção de neutralizar os ecos do pensamento crítico” (p. 11),

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fluindo livremente a ideia de que já não há mais contrastes, de que temos mesmo é que nos “adaptar”, de que uma única explicação basta, e, portanto, já não necessitamos tanto de inquietações críticas (NOGUEIRA, 2004). Preocupado com a crescente distância entre a prática educativa e o exercício da curiosidade epistemológica, Paulo Freire aposta na necessidade de uma educação que estimule criticamente a capacidade de aprender, de se aventurar na busca pelo conhecimento, através do exercício fundamental da inteligibilidade crítica do mundo. E denuncia: Como, porém, aprender a discutir e a debater numa escola que não nos habitua a discutir, porque impõe? Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas, Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomo-lhe uma ordem a que ele não se ajusta concordante ou discordantemente, mas se acomoda. Não lhe ensinamos a pensar, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as “guarda”. Não as incorpora, porque a incorporação é o resultado da busca de algo, que exige, de quem o tenta, esforço de realização e de procura. Exige reinvenção. (FREIRE, 2003, p. 90).

Em direção a esse movimento de reinvenção, é preciso apostar no “potencial de fissão” (TRIVINHOS, 2001) que o pensamento crítico oportuniza à reflexão, como modo de fazer emergir a tensão de sentidos e se tornar “fagulha” para a possibilidade de (des)ver ou simplesmente ver de maneira diferente a realidade em construção. Falo, portanto, da necessidade apontada por Moraes (2004) de que se reencontre a vocação intelectual para duvidar das aparências enganosas e esquivar-se de juízos rotineiros, ou, “emancipar-se, falar com a própria boca, cultivar o inconformismo” (PUCCI, 2010, p. 54). Mediante leitura crítica da palavra e do mundo, o sujeito abala a confiança das certezas, elabora e dinamiza conflitos, organiza sínteses, enfim, “combate assiduamente qualquer tipo de conformismo, qualquer tipo de escravização” das ideias (SILVA, 1998, p. 26). É nesse sentido que Paulo Freire aposta na perspectiva de uma crítica que traga em si germes de resistência e de ruptura, considerando-a na perspectiva da responsabilidade ética que orienta nossa inserção no mundo. 42


Segundo nos ensina Freire, a criticidade “implica a libertação do homem de suas limitações e indigências” (FREIRE, 2003, p. 33). Porque com a poesia crítica de Quintana (1995), somos levados a crer que “se esta nossa “civilização” não arrebentar, acabamos um dia perdendo a fala – para que falar? para que pensar? – ficaremos apenas no batuque: “Tan!tan!tan!tan!tan!”.

Para [provisoriamente] encerrar... Quanto tempo dura o eterno? Às vezes apenas um segundo! Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, (1865).

Como sentido forte que tece o encerramento do texto e medida de seu necessário acabamento, fica o enigma colocado por Alice, do País das Maravilhas, em célebre diálogo com o Coelho. Para pensarmos um novo tempo-escola, há que encontrarmos a trangrediência do segundo eterno. Isso significa não podermos tomá-lo apenas como ampliação quantitativa das horas ou métrica controlada de relógios, rotinas, calendários, bimestres, diários ou avaliações. Mas, sim, como aquele que instiga um tempo fértil de reflexões/ações, na rota de uma tão esperada mudança em nosso quefazer educativo. De uma escola que fale da beleza do encontro. Encontros como o que coloca numa sala de aula um professor diante de seus alunos, partejando a alegria do saber. Saber que não tem um fim em si mesmo, mas que dá base a sujeitos livres, pensantes, autores de sua própria história. Por isso a prática pedagógica é assim rigorosa: exige do professor que a assuma como um compromisso a que se dedica com toda sua existência: com seu corpo e sua alma, com pés e mãos, cabeça e coração. Porque não há, é certo, tarefa mais urgente do que formar e transformar nossas gentes, expandindo a liberdade que o pensar autêntico anuncia. Lembro-me aqui de Darcy Ribeiro, em belo confronto com o “óbvio”, quando afirma que

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[...] um povo chucro, neste mundo que generaliza tonta e alegremente a educação, é, sem dúvida, fenomenal. Mantido ignorante, ele não estará capacitado a eleger seus dirigentes com riscos inadmissíveis de populismo demagógico. Perpetua-se, em conseqüência, a sábia tutela que a elite educada, ilustrada, elegante, bonita, exerce paternalmente sobre as massas ignoradas. (RIBEIRO, 1986, s/p)

É com esse olhar que busquei problematizar um tempo de liberdade, no qual o educando vai-se constituindo sujeito-integral, feito curioso, ativocriativo, crítico. Livre de amarras ideológicas alienantes, livre para andar ao encalço do que lhe aprouver, livre para suspender ao outro, e a si mesmo, com curiosidade movente; livre, enfim, para criar e agir de forma responsiva no e com o mundo. Falo, portanto, daquela gentidade tão necessária que Paulo Freire incita para pensarmos os caminhos da autonomia, fazendo da educação uma prática da liberdade. E é com ele que nos inspiramos à recusa das obviedades e determinismos, à recusa de todo fatalismo e à recusa da impossibilidade do ser, já que toda realidade é passível de intervenção. Por isso, fazer da escola de tempo integral um espaço de experiências transformadoras traduz a possibilidade de uma educação mais humana e libertadora; de uma escola mais significativa, que efetivamente (trans)forme para a vida: uma vida digna e boa de se viver. Nesse momento de tecnologias e informações disparatadas, consumismo exacerbado, falência da crítica, obsessão por medidas de desempenho e garantias de produtividade, temos a responsabilidade ética de cuidar da autoria e da autonomia de nossos educandos, de modo a cercá-los de todas as possibilidades de serem sujeitos de sua própria história. Falo, aqui, de uma autoria-autonomia que se espraia pelo pensamento livre, inquieto, curioso e indagador. É também autoria-autonomia daqueles que não apenas se detêm a olhar a realidade, mas são capazes de ad-mirá-la, de modo que, mirando-a a distância – possam melhor compreendê-la e, possivelmente, transformá-la. É, ainda, a autoria de quem se assume como sujeito e busca construir, em si e com os demais, uma consciência crítica que viabilize a intervenção. Para que, seguindo sua vocação humana,

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tenha múltiplas possibilidades em seu horizonte; não como um futuro a ser improvisado, mas um vir a ser que será tecido nas ações e nas apostas que cotidianamente fará em sua trajetória. Aqui nos perguntamos: que tempo para a criança na escola? Mais: que tempo para que escola? Perguntas que não podem cessar, sob pena de fazermos esmaecer os gestos de enfrentamento (e por que não dizer de certa rebeldia?), que nos mantém, firmes e lúcidos, no encalço da mudança.

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Educação Integral (E)M Tempo Integral no Brasil: Percurso Histórico-Legal Saraa César Mól

Introduzindo o percurso... A busca por uma educação que considere a integralidade do ser humano não é algo exclusivo da contemporaneidade. Seu embrião encontra-se na Antiguidade, na Paidéia Grega e é retomado com a Revolução Francesa, tendo em vista a constituição da escola pública como lócus privilegiado de ensino (COELHO, 2009). Contemporaneamente o tema da educação integral tem ganhado centralidade no debate público brasileiro e quase sempre aposto à ideia de educação em tempo integral, que vem sendo alvo de investimentos por parte de políticas públicas governamentais, além de contar com recentes garantias constitucionais-legais. Deparamo-nos neste contexto, frequentemente, com a redução do conceito de “educação integral” ao de “educação em tempo integral”, mas esclarecem Azevedo, Coelho e Paiva (2014) que, apesar da semelhança, tais terminologias não são sinônimas, uma vez que a oferta de uma educação em tempo integral não implica o oferecimento de uma educação integral. Em geral, educação integral é uma ação educacional que envolve dimensões variadas e abrangentes da formação dos indivíduos, pretendendo abarcar diferentes aspectos da condição humana como os cognitivos, emocionais, societários (GABRIEL e CAVALIERE, 2012), como também apontam Coelho e Hora (2013), pois para elas, a educação integral pressupõe a constituição de uma educação para a formação completa do ser humano, considerando seus aspectos físicos, cognitivos-intelectuais, éticos, estéticos. 49


Mas, como tal integralidade pode estar atrelada a diferentes projetos de educação, torna-se necessário se perpassar pelo percurso histórico-legal da educação integral e(m) tempo integral no Brasil, compreendendo as concepções subjacentes a ele. É nesse sentido que caminha este trabalho, ao apresentar um recorte de nossa pesquisa de mestrado1. Delineia-se a partir de um caminho metodológico de cunho qualitativo, orientado por discussões bibliográficas do campo da educação integral e(m) tempo integral, bem como por referenciais normativo-legais do campo da Educação. Então, apontamos algumas considerações, incitadas pelo movimento do resgate efetuado.

Vias e trilhas do percurso... Coelho (2009) identifica na concepção de formação humana da Paidéia Grega o embrião do que mais tarde configurou-se como educação integral. No seio de tal concepção, a formação humana compreende um sentido de completude que forma integralmente o ser, de maneira a não se hierarquizarem experiências, saberes e conhecimentos. As reflexões e ações - sejam intelectuais, físicas, metafísicas, estéticas ou éticas e que constituem essa formação - são consideradas no mesmo patamar (JAEGUER, 1996). O ideal da educação integral foi retomado no século XVIII com o movimento revolucionário francês, que delineou duas vertentes opostas à terceira vertente do pensamento político ideológico do estado monarca, e que representariam, no futuro, as tendências político-ideológicas que se consolidaram no século XIX, respectivamente: conservadorismo, liberalismo e socialismo (WALLERSTEIN apud COELHO e PORTILHO 2009). Para Wallerstein e Bobbio apud Coelho (2009), as três ideologias, com suas diferentes visões sociais de mundo, forjam representações, crenças, hábitos e construções epistemológicas também diversas entre si, engendrando, no campo da Educação, práticas relacionadas à forma como veem e entendem o mundo. 1. MÓL, Saraa César. Programa Mais Educação: mais de qual educação? 185 fl. 2015. Dissertação (Mestrado em Processos Socioeducativos e Práticas Escolares) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei.

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No Brasil, a visão conservadora pode ser exemplificada pelos interesses médico-higienistas, jurídico-policiais e religiosos do final do século XIX e início do século XX, e pelo movimento integralista da década de 1930 (COELHO, 2009). Para Cavaliere (2010), essas correntes autoritárias e elitistas encobriam a educação integral no sentido da ampliação do controle social e dos processos de distribuição nos segmentos hierarquizados da sociedade. Seu extremo expressou-se pela concepção de educação integral da Ação Integralista Brasileira (AIB). Segundo a autora, a AIB, criada como um movimento cultural, em 1932, e, mais tarde, transformada em partido, tinha como lema a “educação integral para o homem integral”, educação no sentido de ação doutrinária, que engloba a incorporação da dimensão religiosa à educação escolar. A educação integral envolvia o Estado, a família e a religião em sintonia com a escola, indo além da alfabetização e visando elevar o nível cultural da população no que concerne aos seus aspectos físicos, intelectuais, cívicos e espirituais (CAVALIERE, 2010). Para ela, os valores desse movimento tangenciavam-se pelo sacrifício, sofrimento, disciplina e obediência, revelando o papel moralizador da educação, que submetia as dimensões do processo educativo ao Estado, segundo o qual os indivíduos deveriam ser moldados para servir conforme seu interesse. No que tange ao pensamento socialista, podem ser demarcados tanto os ideais marxistas como os anarquistas. Rejeitando qualquer proposta de educação advinda do governo ou mantida pelo Estado, no projeto anarquista os trabalhadores deveriam conquistar eles próprios a sua liberdade2, criar suas próprias escolas (GALLO, 1995). Nesse sentido, Proudhon3, ao apontar ser objetivo de toda a educação “[...] produzir o homem e o cidadão - segundo uma imagem, em miniatura, da sociedade - pelo desenvolvimento metódico das faculdades físicas, intelectuais e morais da criança” (PROUDHON4apud GALLO, 1995, p. 46-47), 2. Segundo Gallo (1995), o conceito de liberdade dos socialistas libertários é entendido como um fato eminentemente social, só terá sentido se for conquistada por todos e para todos. 3. Conforme Gallo (1995), o francês Pierre-Joseph Proudhon (França, 1809-1865) foi um dos mais importantes pensadores socialistas do século XIX e o iniciador do movimento anarquista moderno. 4. PROUDHON, Pierre-Joseph. A nova sociedade. Porto: Rés, s/d.

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cria os rudimentos da educação integral mais tarde aprofundada teoricamente por Bakunin5, que faz uma retomada da perspectiva educacional de Proudhon e um alargamento de suas críticas e considerações, associando a educação para a liberdade, com uma educação integral que forme o homem em sua inteireza, em suas habilidades físicas, intelectuais e sociais (GALLO, 1995). No que tange à linha marxista, para Manacorda6 (2010 apud Maciel, 2014), as questões pedagógicas não são o cerne de reflexões sistemáticas pelos seus precursores, que nos deixam um legado a esse respeito por meio de abordagens ocasionais em Marx e Engels. Para Maciel (2014), no Brasil, o marxismo chega no início do século XX, mas é abafado pela predominância do anarquismo. No entanto, com a criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1922, uma perspectiva pedagógica em linhas próprias começa a surgir. Faz-se importante, para este movimento, um processo formativo que dê conta das dimensões da educação corporal, educação intelectual e educação tecnológica (MARX/ENGELS7, 2004 apud Maciel, 2014) de forma articulada, reconhecendo a integralidade humana. Maciel (2014) salienta o trabalho com um papel preponderante no processo educativo em Marx, tendo em vista seu potencial para dar conta das três dimensões assinaladas, de forma a preparar os estudantes/trabalhadores para enfrentar os desafios da sociedade capitalista. Em relação à perspectiva liberal, Coelho (2009) aponta a Escola Nova como a principal representação dessa corrente. Para Cavaliere (2010), nela se destaca8 Anísio Teixeira, por sua significativa elaboração teórica e técnica, com vistas à ampliação das funções da escola e ao seu fortalecimento como instituição. Com Cavaliere (2010) compreendemos que as reformas educacionais no Brasil nos anos 1920 tenderam a incorporar uma concepção de escola com tarefas e responsabilidades ampliadas, além de se aterem à expansão da escolarização. As formulações de Anísio sobre uma nova escola surgiram 5. De acordo com Gallo (1995) Mikhail Alexander Bakunin (Rússia, 1814-1876), constitui-se expoente expressivo da construção do alicerce teórico educacional anarquista. 6. MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. 2ª ed. Campinas, SP: Alínea editora, 2010. 7. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 4ª ed. São Paulo: Centauro, 2004. 8. Por este motivo, enfocamos nesta figura, apesar de ela não se configurar na única a difundir a concepção liberal.

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no contexto da contradição entre a abordagem sanitária do analfabetismo e a visão liberal e, amparadas pelo pensamento de Dewey9, suscitaram a superação da abordagem mencionada. Desloca-se a bandeira da alfabetização com seu conteúdo moralizador, para a defesa de uma educação de caráter formativo mais amplo e democrático, o que apareceu no Manifesto dos pioneiros da Educação Nova de 1932, que defendia o direito do indivíduo a uma educação pública ao encontro das diversas dimensões de sua formação (CAVALIERE, 2010). Conforme a autora, a educação integral, assim, surgiu como um contraponto no seio do processo de expansão da educação pública no Brasil, tendo sido desenvolvida com consistência teórica durante as décadas de 1920 e 1930, a partir do contato com o pragmatismo americano. Sob a ótica de fundamentos psicológicos da aprendizagem, Teixeira (1967) esclarece que, para ter uma função integral de educação, a escola deve organizar-se de forma que a criança encontre nela um ambiente social em que possa viver plenamente, não podendo, assim, ser uma simples classe de exercícios intelectuais especializados. Dessa forma, a escola é transformada em um centro onde se vive e não em um centro onde se prepare para viver. Anísio Teixeira trabalha na UNESCO em 1946 e logo assume o cargo de Secretário de Educação e Saúde da Bahia, quando implantou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR) nesse estado, uma escola pública de horário integral inaugurada parcialmente em 1950, em Salvador (BA), sob a gestão do governador Otávio Mangabeira. Essa instituição era integrada por professores, além de artistas e artesãos qualificados, e suas atividades ocorriam em nove horas por dia. Dirigida a crianças e jovens dos sete aos quinze anos, constituía-se por quatro escolas-classe e uma escola-parque, com toda uma infraestrutura10 para o desenvolvimento das atividades em áreas como linguagem, aritmética, ciências e estudos sociais (EBOLI, 1969). 9. John Dewey (Estados Unidos 1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano, expoente máximo da escola progressiva americana na primeira metade do século XX. 10. As escolas-classe funcionavam em prédios amplos e modernos, localizados em quatro bairros da cidade e eram compostas por salas de aula, áreas cobertas, gabinete médico e dentário, instalações administrativas, jardins, hortas e áreas livres. Lá se desenvolviam as matérias de ensino. Já a escola-parque, localizada em área arborizada, era composta por pavilhões com setor de trabalho; setor socializante; setor de educação física, jogos e recreação; setor de extensão cultural e biblioteca; setor administrativo geral e almoxarifado; teatro de arena ao ar livre; setor artístico. O centro ainda contava com assistência médico-odontológica aos alunos e assistência alimentar (EBOLI, 1969).

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Anísio fora relator do Plano Nacional de Educação (PNE) de 1962, que previa a instauração do dia completo para as duas últimas séries do ensino primário; a expansão do dia letivo de seis horas para o ensino médio; a inclusão de artes industriais no programa da 5ª e da 6ª série; e o diferencial do ensino superior contando com pelo menos 30% de alunos e professores de tempo integral. Previa, ainda, uma escola de tempo integral nos moldes do CECR para localidades a partir de dois mil habitantes. As propostas de Anísio Teixeira não lograram continuidade após seu afastamento da vida política brasileira, na ditadura militar iniciada em 1964. Sua concepção de educação integral só iria engendrar novas ações nos anos 1980, com a implantação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio de Janeiro, experiência idealizada pelo antropólogo Darcy Ribeiro (CAVALIERE, 2010). No seio dos anos 198011, apesar do sistema educacional brasileiro abarcar trinta milhões de alunos, deflagrava-se o fracasso educacional numa escola de caráter elitista, hostil à sua clientela verdadeira, os alunos de camadas populares (RIBEIRO, 1986). Cavaliere e Coelho (2003) detalham que o primeiro CIEP foi inaugurado em 1985; depois foram construídos e postos em funcionamento 506 unidades entre os anos de 1980 e 1990, durante os mandatos do governador Leonel Brizola (1983-1986/1991-1994). Projetados por Oscar Niemeyer, suas edificações compreendem três blocos compostos por salas de aula, centro médico, cozinha, refeitório, áreas de recreação, ginásio, biblioteca e até por moradias para alunos residentes. O atendimento ocorria por nove horas diárias vespertinas, para crianças de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª séries12 e, separadamente, por quatro horas noturnas, para jovens de quatorze a vinte anos, analfabetos ou insuficientemente instruídos. 11. É importante lembrar que no início dos anos 1980 encontramos, em nosso país, um rescaldo do período autoritário aliado à influência das ideologias político-revolucionárias, resultando em grande desinteresse pelas questões da educação escolar por parte das forças progressistas intelectuais e políticas. Assim, entre os governos eleitos em 1982, o do Rio de Janeiro destacou-se em função de um conjunto de medidas que contribuíram para romper com a inércia da área, pautando a educação escolar como questão estratégica universal (CAVALIERE, 2002). 12. A 1ª e 4ª séries são os atuais 2º e 5º ano, respectivamente. E as 5ª e 8ª sérias, atuais 6º e 9º ano, respectivamente, conforme a lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11274.htm. Acesso em: 01. jan. 2015.

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A proposta pedagógica13 dos CIEPs, segundo seu referido idealizador, ia ao encontro do respeito ao universo cultural dos alunos, valorizando suas vivências e bagagens, sendo uma ponte entre os conhecimentos práticos adquiridos e o conhecimento formal exigido pela sociedade. As disciplinas, estabelecidas num contexto de resgate do papel político da escola pública para os estudantes do período vespertino, eram língua portuguesa, língua estrangeira, matemática, história, geografia, ciências e educação artística. Sobre a continuidade dos CIEPs após o governo Leonel Brizola, Cavaliere e Coelho (2003) afirmam que no início da gestão estadual de 1999 a 2002, 359 CIEPs ficaram a cargo do governo estadual e os demais foram municipalizados. Em 2001, existiam 197 na rede estadual e 164 na rede municipal, funcionando em horário integral. Conforme informações da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC) do Rio de Janeiro, no ano de 2015, a rede estadual de educação conta com 65 CIEPs pelo menos com uma turma em tempo integral, uma vez que os demais foram municipalizados. É com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), lei n. 9.394, de 1996 (BRASIL, 1996) que a ampliação da jornada escolar no Brasil adquire sustentabilidade legal quando, em seu artigo 34, esta lei indica que: “A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola” (BRASIL, 1996). Ao prever o aumento do período de permanência na escola, a lei dá indícios de que essa instituição seja o lócus das atividades de jornada ampliada. Não faz relação, no entanto, entre ampliação da jornada escolar e educação integral. Destaca-se, posteriormente, a lei n. 10.172, de 200114 (BRASIL, 2001), que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) para o período entre 2001 e 2010, vinculando o tempo integral ao Ensino Fundamental e à Educação Infantil. Sobre a Educação Infantil, prevê no objetivo n. 18, a adoção progressiva do atendimento em tempo integral para crianças de 0 a 6 anos. No que concerne ao Ensino Fundamental, indica a intenção de: “Ampliar, progressivamente 13. As atividades, no primeiro governo de Leonel Brizola (1983-1986), funcionavam no turno oposto ao das aulas convencionais e, posteriormente, já no segundo governo de Brizola (1991-1994), havia a intercalação das atividades durante todo o dia. 14. Esta lei atrela o tempo integral também à Educação Infantil.

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a jornada escolar visando expandir a escola de tempo integral, que abranja um período de pelo menos sete horas diárias, com previsão de professores e funcionários em número suficiente” (BRASIL, 2001). Ainda aponta para uma ampliação da jornada escolar que englobe atividades como práticas de esportes e atividades artísticas, no entanto, posta como estratégia para resolução de problemas sociais e educacionais. Silva e Silva (2012) destacam que os objetivos e metas previstos, tanto pela LDBEN quanto pelo PNE/2001-2010, não foram cumpridos pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo em vista o veto do presidente ao ordenamento do financiamento que previa o aumento do investimento na educação para 7% do Produto Interno Bruto, patamar mínimo para a consecução das metas e objetivos do plano. Os autores (p. 26) destacam a manutenção do veto pelo presidente Lula, “consolidando a neutralização do PNE como política de Estado e tornando-a uma mera “carta de intenções””. Há de se destacar, já no segundo governo Lula, referente à ampliação da jornada escolar, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), criado pela Emenda Constitucional n. 53, de 2006 (BRASIL, 2006), e regulamentado pela lei n. 11.494, de 2007 (BRASIL, 2007c), e pelo Decreto n. 6.253, de 2007 (BRASIL, 2007b), em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que vigorou de 1998 a 2006. A lei n. 11.494, de 2007 (BRASIL, 2007c), no que tange à distribuição de recursos, estabelece, em seu artigo 10, a distribuição proporcional de recursos por etapa, modalidade e tipos de estabelecimento de ensino da Educação Básica, incluindo creche em tempo integral, pré-escola em tempo integral, ensino fundamental em tempo integral e ensino médio em tempo integral. Ao associar o tempo integral a todas as etapas da educação básica, Menezes (2012) aponta o avanço do FUNDEB em relação à LDB e ao PNE. Segundo o Decreto n. 6.253, de 2007, [...] considera-se educação básica em tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total que um mesmo aluno permanece na escola ou em atividades escolares, observado o disposto no art. 20 deste Decreto (BRASIL 2007b). 56


Menezes (2012) demarca assim, o avanço na possibilidade de um percentual maior de recursos para a educação em tempo integral, mas ressalta o risco da falta de um regulamento detalhado acerca da educação básica em tempo integral, o que pode possibilitar a realização de toda a sorte de atividades enquanto alternativa para a ampliação da jornada escolar. Destacamos, por sua vez, o Decreto n. 6.094, de 2007 (BRASIL, 2007a), alicerce jurídico do Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE)15, que dispõe sobre o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, movimento que, embora tenha sido apresentado como uma iniciativa da sociedade civil, foi constituído por grupos empresariais. Dentre as suas vinte e oito diretrizes, o plano estabelece, na sétima, o objetivo de “ampliar as possibilidades de permanência do educando sob responsabilidade da escola para além da jornada regular” (BRASIL, 2007d), o que não associa tal ampliação à educação integral, nem ao espaço da escola. Em se tratando de política pública, como estratégia operacional do PDE (SILVA e SILVA, 2012), o governo federal lança o Programa Mais Educação (PME)16, ação instituída pela Portaria Interministerial n. 17 de 2007 (BRASIL, 2007e) e posteriormente regulamentada pelo Decreto n. 7.083, de 2010 (BRASIL, 2010) como uma estratégia do Ministério da Educação (MEC) para induzir17 a ampliação da jornada escolar na perspectiva da educação integral. Apesar das atividades dos programas se configurarem no contraturno escolar, o conceito de “educação em tempo integral” é expresso pelo Decreto n. 7.083, de 2010 (BRASIL, 2010) como: “A jornada escolar 15. O Plano de Desenvolvimento da Educação (BRASIL, 2007d) foi lançado oficialmente no Brasil em 24 de abril de 2007 no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), dispondo de trinta ações, ampliadas posteriormente, e que dizem respeito à educação em seus diversos níveis e modalidades. 16. O PME teve origem na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), pertencendo à Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania. Em 2011, migra para a Secretaria de Educação Básica (SEB), sob a égide da Diretoria de Currículos e Educação Integral. É empreendido de forma intersetorial,ou seja, sob a responsabilidade de diferentes áreas da gestão pública (MOLL, 2012), por meio de ações dos ministérios: da Cultura (MINC), do Esporte (ME), do Meio Ambiente (MMA). 17. É válido ressaltar que, com o PME, o Governo Federal se coloca na posição de indutor, responsabilizando os estados e municípios pelo provimento das condições para o sucesso da iniciativa, como a valorização docente, a regulamentação do piso salarial e o incremento do financiamento (SILVA E SILVA, 2014). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0102-46982014000100005&script=sci_arttext. Acesso em: 30 mar. 2015.

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com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares em outros espaços educacionais”. O PME assume notoriedade pelo seu alcance nacional. De 54 municípios em 2008, em 2013 o PME estava implantado em 4 mil e 936 municípios, estando presente em 86,9% dos municípios brasileiros, o que representa um crescimento de 8.855,5 (BRASIL, 2013). No entanto, toda esta capilaridade, inédita na história das experiências de ampliação de jornada escola no Brasil, tem sido marcada por desafios à qualidade das experiências. Necessário se faz notar que a proposta de tal programa associa a integralidade de formação do ser humano a um currículo que parta da realidade da comunidade na qual a escola está inserida, do entrelaçamento entre diferentes culturas, saberes, identidades, valorizando a diversidade, relacionando os “saberes comunitários” e os “saberes escolares” (BRASIL, 2009b), por meio do oferecimento de diversas atividades, a depender dos espaços e dos sujeitos disponíveis para sua consecução. Abre espaço para a atuação de monitores, educadores populares, estudantes em processo de formação docente e agentes culturais que sejam referências em suas comunidades por suas práticas em diferentes campos18 (BRASIL, 2014b) para além daqueles com os quais a escola opera, buscando a ampliação das dimensões formativas. Sobre a questão dos espaços o Decreto n. 7.083, de 2010 (BRASIL, 2010) orienta que as atividades ocorram dentro do espaço escolar, de acordo com a disponibilidade da escola, ou fora dele sob sua orientação pedagógica, por meio da constituição de “territórios educativos” para o desenvolvimento de atividades de educação integral. Esses territórios se configuram por meio da integração dos espaços escolares com equipamentos públicos - como: centros comunitários, bibliotecas públicas, praças, parques, museus e cinemas e do estabelecimento de parcerias com órgãos ou instituições locais. Os objetivos do PME são visíveis quando a Portaria n. 17, de 2007 (BRASIL, 2007e) aponta seu intuito de ampliar o raio dos saberes a serem oferecidos aos alunos, e de agir como estratégia para a melhoria do 18. Intitulados de macrocampos, a saber: acompanhamento pedagógico; comunicação, uso de mídias e cultural digital e tecnológica; cultura e artes e educação patrimonial; educação ambiental, desenvolvimento sustentável, e economia solidária e criativa/ educação econômica (educação financeira e fiscal); esporte e lazer; educação em direitos humanos; promoção da saúde (BRASIL, 2014b).

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desempenho educacional e para a garantia da proteção e assistência social. Estes objetivos são condizentes com os critérios de prioridade dos sujeitos a serem contemplados pelo programa, que abarcam alunos com problemas educacionais e sociais (BRASIL, 2014b). O PME se aloca numa concepção de educação integral, tal como posta pelo pela pesquisadora Guará (2009), que defende a proposta “multissetorial” de educação integral, justificando-a pelo fato das escolas serem carentes de equipamentos, espaços e pessoal para ofertar o tempo integral (AZEVEDO; COELHO; PAIVA, 2014). Guará (2006) propaga, ainda, a educação integral como formação integral, no sentido do desenvolvimento integrado das faculdades cognitivas, afetivas, corporais e espirituais, resgatando a formação do homem em sua totalidade. Ela a entende como direito de toda criança ao desenvolvimento e proteção integral e como possibilidade de inclusão social que pressupõe a articulação com as demais políticas sociais (GUARÁ 2009). A autora chama a atenção para a necessidade da conjugação de experiências escolares e extraescolares que propiciem a conexão entre os saberes. Reconhecendo que os processos educativos ocorrem em diferentes lugares, ela coloca que a proposta de educação integral como articulação de saberes a partir de projetos integradores, demanda a articulação das redes institucionais operando de forma compartilhada e complementar com os programas e as políticas (GUARÁ, 2006). Também é importante citar a lei n. 13.005, de 2014 (BRASIL, 2014a), que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE) com vigência entre 2014 e 2024. No que tange à Educação Infantil a lei, na estratégia 1.17, apresenta a estratégia19 de “estimular o acesso à educação infantil em tempo integral, para todas as crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos, conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (BRASIL, 2014a). O PNE em questão20 destina a sexta meta especificamente para a educação em tempo integral e, pelo exposto, com ela pretende: “oferecer educação 19. Referente à meta 1, a saber: “universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE” (BRASIL, 2014a). 20. Também faz inferência à ampliação da jornada escolar para a Educação Infantil. A lei na íntegra está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/ Lei/L13005.htm. Acesso em: 04 jan. 2015.

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em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica” (BRASIL, 2014a). As metas preveem estratégias para sua consecução, que se referem aos espaços e aos tempos/atividades concernentes à “educação em tempo integral” posta como meta. No que tange aos espaços pretende-se instituir, em regime de colaboração, programas de construção e reestruturação das escolas para o atendimento em tempo integral (estratégias 6.1 e 6.3), prioritariamente em comunidade de vulnerabilidade social, além da produção de material didático e recursos humanos para a educação em tempo integral. Fomenta-se, também a articulação da escola com outros espaços educativos (estratégia 6.4). Sobre as estratégias correspondentes ao tempo e às atividades relativas à meta seis, a União se propõe a apoiar a educação em tempo integral a partir de sete horas diárias, seja na escola ou sob sua responsabilidade, associando-a a atividades de acompanhamento pedagógico, multidisciplinares, culturais e esportivas (estratégia 6.1), demonstrando a intenção de ampliar o raio de saberes e conhecimentos a serem trabalhados com os alunos, com a novidade do incentivo da ampliação da jornada de professores em uma única escola. Mas também se percebe o incentivo ao oferecimento de atividades por parte de entidades privadas de serviço social (estratégia 6.5), entidades estas que não possuem natureza escolar. Silva (2013) situa a predominância, até os anos 2000, da estruturação das escolas como fator na elaboração das experiências de educação integral em tempo integral, ao contrário do que se vê hoje, que é a predominância da preocupação maior com o número de alunos atendidos. O autor associa tal mudança ao período histórico brasileiro propício à divisão de tarefas da parte do Estado em relação à oferta dos direitos sociais, convidando a sociedade civil organizada a compartilhar ações, (principalmente no âmbito dos serviços sociais) com o Estado, buscando uma melhora na eficiência da oferta desses direitos. Percebemos, no seio do percurso histórico legal da educação integral e(m) tempo integral, movimentos que nos levaram a algumas reflexões, é nesse sentido que apresentamos o tópico a seguir. 60


Considerações sobre o percurso... O percurso histórico delineado revela que, embora sob diferentes óticas e objetivos, as correntes ideológicas citadas apresentam um ideal de educação integral que engloba múltiplas dimensões de formação humana. Considerando a experiência do CECR que, na perspectiva liberal, despontou na materialização de uma concepção de educação integral em jornada ampliada em nosso país nos anos 1950, inclusive inspirando os CIEPs nos anos 1980, destaca-se a valorização da adequação dos espaços educativos dentro da escola e o fortalecimento dessa instituição através de melhores equipamentos escolares para o crescimento da qualidade do trabalho educativo, necessidade já apontada por Cavaliere (2007). O século XX é encerrado deixando uma indicação para a necessidade da ampliação da jornada escolar, com a LDBEN. Indicação esta que se amplia no contexto do século atual com os diversos aportes legais mencionados e que, como visto, inovam ao prever, no contexto da ampliação da jornada escolar, a articulação da escola com outros espaços, instituições e políticas, para a ampliação do raio de conhecimentos e saberes a serem ofertados no período de tempo a mais dos alunos na escola ou sob sua responsabilidade. Há de se perceber uma concepção de educação sendo delineada no bojo de tais indicativos legais, em afinidade com aquela subjacente ao Programa Mais Educação, que vai além de tais indicativos, por fomentar a educação integral, mas que se diferencia das experiências do século anterior por apontar que, ainda que a educação pública deva ter centralidade na escola, ela não é a única responsável pela educação integral, podendo empreender parcerias com outros equipamentos e políticas. Importante se faz o reconhecimento da legitimidade de outros espaços e outros sujeitos rumo à ampliação do horizonte formativo dos alunos, mas também, torna-se basilar, neste contexto, a ressalva acerca da peculiaridade da formação humana integral no contexto escolar. É nesse sentido que Coelho (2014, p. 186) enfatiza o caráter formal e intencional da educação integral no espaço da escola. Educação integral esta apontada como o trabalho educativo que entretece as várias possibilidades de conhecimento e saberes que consolidam, sócio-historicamente, a formação humana.

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Constitui-se cada vez mais urgente, diante da visível indução da ampliação da jornada escolar em nosso país, que a natureza das ações desenvolvidas neste contexto, seja questionada e discutida, tendo em vista que não basta simplesmente ampliar o tempo em que os educandos permanecem na escola, é preciso fazer desse tempo ampliado um tempo de qualidade e não somente um tempo de quantidade (COELHO21, 2004 apud AZEVEDO; COELHO; PAIVA, 2014, p. 54). Impõem-se como desafio, ainda, que a oferta de atividades a partir de outros sujeitos, outros espaços e em articulação com outras políticas, não coincida com a abdicação da escola enquanto instituição “do aluno e para o aluno” (CAVALIERE, 2007, p. 1031) e do papel do professor. Faz-se mister que toda e qualquer atividade desenvolvida pela/na escola seja articulada ao seu projeto pedagógico, reconhecendo-se a natureza da educação escolar, e não se secundarizando o trabalho, em toda a sua amplitude, com os conhecimentos sócio-historicamente construídos. Se, ainda, remetermo-nos à Paidéia Grega, vislumbramos a necessidade de que tais conhecimentos não sejam hierarquizados, mas considerados no mesmo patamar.

Referências bibliográficas AZEVEDO, Denilson Santos de; COELHO, Lígia Martha Coimbra da Costa; PAIVA, Flávia Russo Silva. Concepções de educação integral em propostas de ampliação do tempo escolar. Instrumento R. Est. Pesq. Educ., Juiz de Fora, v. 16, n. 1, jan./jun. 2013. Disponível em: http://instrumento.ufjf.emnuvens. com.br/revistainstrumento/article/view/2818/1930. Acesso em: 30 mar. 2015. BRASIL. Lei n. 9394 de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 18 ago. 2014 BRASIL. Lei n. 10.172 de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano nacional de Educação e da outras providencias. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 21. COELHO, Lígia Martha Coimbra da Costa. Educação integral: concepções e práticas na educação fundamental. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 27., 2004. Caxambú: Sociedade, democracia e educação: Qual universidade? 2004, p. 1-19.

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Tempos e espaços educativos em questão: O Programa Mais Educação na Região das Vertentes e a especificidade do Município São João del-Rei Adriana Gomes do Nascimento Alice Aldina Silva Dias

O presente artigo é fruto do projeto de pesquisa Sistema de Equipamentos Coletivos e Espaços Públicos (Curso de Arquitetura e Urbanismo) apresentado em 2010 em nossa entrada na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e resulta ainda da relação com diferentes grupos de pesquisa, convênios e projetos.1 Numa colaboração com o Observatório da Educação (OBEDUC) – parceria atual entre Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a UFSJ - associada ao Programa Mais Educação na Região das Vertentes, vimos atuando junto com à Prefeitura Municipal de São João del-Rei (PMSJ) e à Secretaria de Educação em pontes que vêm fortalecendo estudos e debates em andamento, seja no âmbito acadêmico e/ ou prático, e nos distintos campos da/na cidade de São João del-Rei e na Região do Campo das Vertentes. A amplitude proposta pela pesquisa aborda desde o estudo das escalas, das formas, das qualidades e quantidades, tanto como as ações e os modos de se atuar formal e/ou politicamente, buscando criar análises associadas a outras práticas e projetos (incluindo os artísticos) relacionados desde as cidades de média e pequena escalas, assim como aos seus diferentes âmbitos: territoriais, regionais e atenta às suas implicações nacionais. 1. Adriana Gomes do Nascimento é professora de Arquitetura e Urbanismo na UFSJ, Mestre em Urbanismo e Doutora em Planejamento Urbano e Regional. E-mail: adrianan@ufsj.edu.br Alice Aldina Silva Dias é Historiadora, e atualmente é estudante de Arquitetura e Urbanismo, ambos na UFSJ. E-mail: aliceald@yahoo.com.br

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Entendemos que há diferentes questões e pontos de vista acerca do território, seja ele analisado e/ou vivenciado, a partir da localização dos equipamentos coletivos educativos na direção do que se estabelece como espaço público, direitos e deveres (LEFEVBRE, 1969), ou das distintas regiões do município, em âmbito urbano (bairro) e/ou rural (distrito), além de outras a serem desveladas ou mesmo construídas, teórica e/ou praticamente. Cabe ainda salientar que tal proposta de pesquisa se insere nas diretrizes estabelecidas pelo projeto pedagógico do Curso de Arquitetura e Urbanismo (PPC, 2013, p. 11) com ênfase local e regional e na problemática relacionada às dificuldades para gerenciar problemas como manutenção do patrimônio edificado. Cito o PPC: Atualmente, a cidade desempenha um importante papel na “Mesorregião do Campo das Vertentes” e é sede da “Microrregião São João del-Rei” onde vivem cerca de 180 mil habitantes. Dentro desse cenário e características, salienta-se, no entanto, que a maior parte dos municípios de sua meso e microrregião, passa por uma expansão urbana sem planejamento adequado, apresentando dificuldades para gerenciar problemas como manutenção do patrimônio edificado, déficit habitacional e carência de recursos técnicos, e por vezes econômico-financeiros. (Grifo nosso).

Ao entendermos que a cidade ao ser observada, estudada e praticada a partir dos equipamentos coletivos e dos espaços públicos pode contribuir para a compreensão daquilo que é patrimônio (objetos) e o seu porquê, assim como com a construção de seres mais envolvidos (ações) com a vida e com o presente no sentido de futuros. Apresentamos aqui algumas das análises e leituras fruto das investigações e estudos urbanos realizados dentro desse projeto por meio do mapeamento do território municipal educativo através de seu sistema/rede de infraestrutura (infrastructural network), que integra e articula os equipamentos coletivos educativos edificados aos principais elementos constitutivos do espaço urbano, às políticas públicas existentes e face aos dados gerados pela pesquisa e assim respondendo novamente às demandas do PPC (2013, p. 11), “tanto nas escalas regional e urbana quanto na escala do edifício”.

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O trabalho aqui apresentado trata da rede (espaço-territorial) de educação municipal, estabelecida tanto como política pública, quanto como implementação prática local e de uma concepção possível de cidade-escola (MEC, 2011), que associa o espaço urbano à sua dimensão efetivamente pública e que, se parece óbvia ou mesmo paradoxal noutros lugares, culturas e escalas – como a metropolitana – vem se apresentando em processo face aos mapeamentos, às inventariações, às análises espaço-forma-estruturais e às dinâmicas urbanas em estudo. Ao estabelecermos que a base analisada deva ser entendida como um sistema que integra e articula ações e objetos (espaços) (SANTOS, 1996) incluindo relações entre o público e o privado, seja por meio de instrumentos e/ou de categorias analíticas como o tipo, o modo e o campo (NASCIMENTO, 2009; CORPOCIDADE, 2014), vimos estruturando nosso trabalho num ajuste fino entre o existente e o desejado. Dizemos desejado, pois processo e fruto de análise coletiva fortalecida pelas atividades do Curso Educação Integral: escola e cidade na Região do Campo das Vertentes incluindo, nesse momento, a especificidade das escolas municipais da cidade de São João del-Rei. Os autores e teorias que orientam e sustentam tal debate podem ser localizados em diferentes campos do conhecimento, e têm como base a ação e os espaços do humano, fundamentadas, portanto por teorias oriundas dos estudos dos sistemas, da ação, do urbano e do espaço e em diferentes áreas como: o planejamento urbano e regional, a arquitetura e urbanismo, a geografia, a sociologia, a antropologia, as artes, a economia, a política, a ecologia e a educação. Do ponto de vista metodológico, pauta-se na experimentação metodológica (CORPOCIDADE, 2012) orientada tanto na direção dos objetos em estudo quanto dos indivíduos que o compõem. Adotamos os seguintes procedimentos: estruturação metodológica sobre os temas em estudo em cada fase (projetos de iniciação científica), a partir de uma base conceitual estruturada por pedagogias, instrumentos e ferramentas, assim como por categorias analíticas próprias aos seus desenvolvimentos, desde a relação dos elementos entre si e com o todo, inclusão do método de análise morfológico com recurso de diferentes escalas (STRAPPA, 2014) e de pesquisas analíti69


co-propositivas para a Arquitetura e Urbanismo e o Planejamento Urbano e Regional, respeitadas suas diferenças e posicionamentos. Os produtos gerados por este projeto de pesquisa e apresentados neste artigo estão em diferentes frentes e escalas, desde a urbana, passando pela escala do bairro, pela escala de projeto e atingindo e orientando as noções de território e de planejamento (através de ações, cartografias (mapeamentos), programas e propostas de análises – estudos – e/ou projetos e planos).

Territórios Educativos: tempos e espaços, fixos e fluxos Se a dinâmica do território é móvel e movente (SANTOS, 2011; CARLOS, 2011) de que modo apresentá-lo em suas distintas escalas e dimensões (temporais, do corpoespaçotempo, urbana, rural, pública, nacional, internacional, educativa)? Milton Santos nos apresenta algumas indicações para a compreensão do território: Num primeiro momento, o funcionamento do território deve muito às suas feições naturais, às quais os homens e suas obras se adaptam com pequena mediação técnica, porque então as técnicas de alguma forma herdeiras da natureza circundante, ou um prolongamento do corpo (SANTOS, 2011, p. 15).

O mesmo autor nos aponta ainda, por outro lado, o território na contemporaneidade, que ganha complexidades que não podem ser deixadas de lado, questionadas e mesmo refutadas “... hoje o território escapa a toda regulação interna. É o problema do Brasil atual.”. (SANTOS, 2011, p. 15). Educar nesse contexto e condições aponta para os desafios educativos que, mais do que nunca, devem se posicionar quanto ao trato dos sujeitos e de sua negação como objetos (FREIRE, 2014). Nosso olhar para o território se coloca então como uma análise do presente e do existente sob a perspectiva educativa, seja enquanto rede/ sistema, e/ou como unidade e a partir da localização que os equipamentos coletivos educativos ocupam e compõem, como tecido urbano público entretecido ao/pelo privado.

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É certo que, dentro da categorização territorial que estabelecemos em nosso recorte de estudo urbano, a noção de centralidade (CARLOS, 2011; HARVEY, 2013; CASTELLS, 2009) aparece como lugar privilegiado, e que se contrapõe à noção de periferia, pois reposiciona sua condição espacial de movimento, dependendo das trocas e dos usos que por meio dele podem e/ou são estabelecidos. Entendemos ser importante tornar claro que o equipamento coletivo educativo é central nessa abordagem territorial, dado que parte de uma rede de elementos de mesma natureza, existente em diferentes tipos, escalas, espaçotempos, regulações, regulamentações e gestão - as que dizem e articulam às externalidades, e as que se referem às internalidades2 (OSORIO, 2002; SANTOS, 1996; CORPOCIDADE, 2010) – campo da educação/formação integral e integrada situada em sua relação com o lugar, a cidade, o urbano, o rural, o município e a região. Ainda que internalidades e externalidades se complementem e sejam necessárias aos sentidos de intersetorialidade, da interinstitucionalidade, para se cumprir com a função social à qual deve corresponder, assim como com a sua manutenção, como rede/sistema e/ou como unidade, numa relação entre o dentro e o fora, nem sempre são assim, dialeticamente compreendidas e/ou tratadas. Identificar o que é internalidade e o que é externalidade e gerenciar atribuições atreladas à noção territorial e às diferentes escalas existentes simultaneamente é a tarefa que, caso não haja subsídios para tais visualizações, torna-se praticamente ineficaz. E ainda, no caso dos equipamentos coletivos educativos, para os fins a que se destinam deveriam abarcar ou dispor de condições que permitam a formação do corpoespaçotempo3cidadão independente de sua origem de campo ou de cidade, menos ainda de seus destinos. Assim, dizemos do território que simultaneamente diz e escapa à especificidade do lugar, e/ou do equipamento, que por meio de práticas criativas e coletivas realiza seus próprios ajustes espaciais (CARLOS, 2011), numa 2. Entrevista realizada por Luis Camillo Osório ao artista Milton Machado, publicada na Revista Intem n. 5, fev. 2002. 3. Estrutura conceitual apresentada no artigo submetido ao ENANPUR em 2011.

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articulação (entre) escalas na qual seja possível reconfigurar também o sistema e a rede através das novas relações com outros espaços. E ainda, do lugar como parte da territorialidade numa indissociabilidade entre sistemas de objetos e sistemas de ações (SANTOS, 1996). Em nosso entendimento o lugar é onde o homem se situa, localiza, age e não apenas ocupa. Se não há situação, não há lugar (NASCIMENTO, 2009) e, segundo Milton Santos (1996), o “lugar é a oportunidade para o evento”. Entender os elos, os espaços e as lacunas como relações complexas com/na (cidade), exige a compreensão tanto do duradouro (material e atemporal), quanto do efêmero (ação-intervenção e imaterial) como mediações possíveis na construção dialética corpocidade4.

(Entre) as escalas e as qualificações do território no Município – sobre os dados e as sobre posições dos/ nos equipamentos existentes. A prefeitura da cidade de São Joãodel-Rei, até 2013, encontrava-se sem levantamentos e/ou mapeamentos atualizados de sua posição/situação territorial, com a lista de dados incompletos sobre os seus equipamentos, permanecendo ainda na atualidade com poucas plantas5e levantamentos6de cada escola. As ações do projeto foram, e vêm sendo, portanto, em diferentes frentes, no sentido de se produzir dados para o ensino, a pesquisa e a extensãoe em diferentes escalas, ou seja, do equipamento coletivo educativo aos espaços públicos, inseridos numa rede e como sistema municipal e regional. A escala de abrangência que aqui apresentamos diz, num primeiro momento, da municipal que, composta pela cidade e seus distritos, e que não pode ser classificada como apenas urbana ou rural por reduções que deixariam de lado nuanças e diferenças na identidade que conforma cada uma de suas partes. Se o equipamento é central dentro da estrutura urbana, em especial se for escolar, a população que a utiliza pode ser oriunda de diferentes áreas. 4. Vide a plataforma Corpocidade no site: www.corpocidade.dan.ufba.br/. 5. Desenho técnico e formal com os dados e dimensões espaciais de toda e escola e de suas partes internas e externas. 6. O levantamento é necessário caso a escola não possua planta original ou com as modificações realizadas ao longo do tempo. Base necessária para as futuras obras de intervenção seja para sua adaptação, atualização e/ ou melhorias espaciais e qualitativas. Pode ser realizada sob demanda e por técnicos especializados.

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A escala do município pode, portanto, ser apresentada por aquilo que se entende como dimensão territorial, pelos seus quilômetros quadrados sobre o número de sua população total (IBGE, 2010), no caso, numa relação de densidade populacional bastante generosa e envolvida por áreas de preservação ambiental sugerida (PMSJ, 2006) e, não necessariamente praticada. Assim, os mapas produzidos para os estudos e a produção de conhecimentos sobre o município foram gerados em sistema georreferenciado, cruzando, adaptando e ajustando bases cartográficas diversas como a do Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE), a gerada pela Companhia de Energia de Minas Gerais (CEMIG) e o arquivo digital produzido como base para os dados gerados pelo processo do Plano Diretor Participativo da Cidade de São João del-Rei (2006). Além dos ajustes realizados em arquivos digitais, foram associados dados dispersos documentalmente como os endereços e a localização exata dos equipamentos educativos do município, oriundos de listas de diversas. No mapa dos equipamentos coletivos educativos do município de São João del-Rei (Mapa 1) observamos a concentração e a dispersão de escolas tanto na escala do município, quanto na escala da cidade –núcleo urbano/ sede– comformações tanto de aglomerados, quanto de vazios. Mapa 1 Área rural no detalhe e núcleo urbano em destaque

Fonte: Projeto de Pesquisa Sistema de Equipamentos Coletivos e Espaços Públicos, realizado por Alice Dias e Marcelo Silva. 73


Neste sentido, ao refletirmos sobre as áreas fora do núcleo urbano/ sede, e fora dos distritos, em áreas tidas como “rurais”, torna-se necessário também considerar a relação corpoespaçotempo específica, inserida na escala municipal, já que com infraestrutura e cotidiano rurais. A distância de 1 km a ser percorrida em estradas de terra batida, em vias sem iluminação, entre uma fazenda e outra, no meio do campo, sem outras edificações, sem transporte público adequado, e, geralmente com o trânsito raro de pessoas é diferente de uma mesma quilometragem em via calçada, com transporte público eficiente, iluminação pública, edificações no entorno e trânsito frequente de pessoas. Sem necessariamente uma ser melhor ou pior do que a outra, apresentam realidades distintas, ricas em suas condições e diferentes em suas necessidades. As distâncias são relativas, a vivência corpoespaçotempo engloba variantes que diferenciam a dinâmica dos lugares e os processos educativos experienciados, tanto nos equipamentos coletivos educativos, quanto em seus sistemas construídos e nos emaranhados de suas relações. Quanto maior a distância da moradia (fazenda, sítio, chácara, rancho) até a escola, maior será a dificuldade para acessá-la, maior o tempo gasto no percurso, ainda que com possibilidades valiosas em seu cotidiano. Se for a pé, maior será o desgaste sofrido pelo estudante; de bicicleta ou a cavalo altera as condições de permanência e transitoriedade, assim como o entendimento das necessidades de investimentos que garantam o ir, o vir, o estar, o caminhar, o deslocar, o experimentar e o vivenciar. A maioria dos povoados não possui transporte adequado e, em alguns casos, isto impede a implantação do sistema de tempo integral na escola. A ausência de infraestrutura adequada e de um sistema de transportes que garantam o acesso dos alunos aos equipamentos educativos gera isolamento e déficit educacional. A evasão escolar por falta de mobilidade urbana, com a desativação de escolas rurais, é um processo que ocorre, nos últimos anos, numa escala municipal e mesmo regional (PME nas Vertentes, 2014) e com indícios, que também, numa escala Nacional.

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Quanto ao núcleo urbano/sede, há em São João del-Rei uma concentração de equipamentos educativos nas três principais centralidades da cidade: Centro, Fábricas e Matozinhos7. A primeira compõe o núcleo principal da cidade; a segunda simboliza o período de desenvolvimento econômico da comarca, com o vetor de crescimento no sentido da região onde se instalaram as fábricas de tecido e a estrada de ferro no final do século XIX; e, a terceira, apesar de retomar o processo de formação da cidade, emerge como um dos centros de maior relevância para o município com o loteamento das chácaras fundadas pelos paulistas. Ao mesmo tempo, temos uma ausência de escolas nas demais áreas8, que coincidem com os trechos da cidade que atualmente passam por um processo de expansão, com a formação de novos loteamentos e consequente ampliação do fluxo migratório, sem um planejamento que crie uma estrutura pública e/ou coletiva adequada. Mapa 2 Áreas com concentração e carência de escolasdonúcleo sede de São João del-Rei

Fonte: Pesquisa Sistema de Equipamentos Coletivos e Espaços Públicos, realizado por Alice Dias. 7. Ver mapa 2, áreas com concentração de equipamentos educativos destacadas com linha contínua. 8. Ver mapa 2, áreas com carência de equipamentos educativos destacadas com linha pontilhada.

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Ao cruzarmos os dados levantados na pesquisa com o Plano Diretor Participativo de São João del-Rei, apontamos algumas observações. Na escala do município, ao observarmos o macrozoneamento percebemos que as escolas estão localizadas na ZCA – Zona de Controle Ambiental, ZRA – Zona de Reabilitação Ambiental e na ZAA – Zona de Adequação Ambiental, esta última correspondendo à mancha urbana do município, caracterizada pela ocupação urbana consolidada e pela necessidade urgente de infraestrutura básica. A ZCA se caracteriza pela presença de pequenos povoados e pela atividade agropastoril, tendo como diretrizes a manutenção dos recursos naturais e da qualidade ambiental. E a ZRA é uma área com presença de atividade industrial, degradada pela monocultura de eucalipto, atividade fortemente praticada na região. Esta área necessita de reabilitação e controle ambiental, com a reversão dos processos erosivos existentes. Mapa 3 Escolas e macrozoneamento de São João del-Rei com base no Plano Diretor Participativo do Município de São João del-Rei. Lei municipal nº 4.068, de 13 de novembro de 2006

Fonte: Pesquisa Sistema de Equipamentos Coletivos e Espaços Públicos, realizado por Alice Dias.

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As zonas onde estão localizadas as escolas do município são as áreas ocupadas pelo homem. Quando o ser humano começa a explorar uma área, seja com atividades agropastoris ou industriais, ele se estabelece e constrói ali a sua vida, podendo formar família. Com o crescimento das famílias, temos a necessidade da implantação de instituições educacionais para atender à necessidade familiar de educação das crianças. A ZAA, ou seja, o núcleo urbano/sede do município de São João del-Reiainda se subdivide em outras zonas, num Microzoneamento de Adequação Ambiental. As escolas do núcleo urbano/sede estão concentradas principalmente na ZPC – Zona de Proteção Cultural, área caracterizada por um conjunto arquitetônico dos séculos XVIII e XIX, ou seja, uma ocupação consolidada há muitas décadas. Para essa área, o Plano Diretor prevê a manutenção das características urbanas e arquitetônicas, tratando as novas intervenções e adaptações a novos usos com coerência aos atributos históricos e culturais existentes, e o aumento das áreas verdes. Mapa 4 Escolas e microzoneamento de São João del-Rei com base no Plano Diretor Participativo do Município de São João del-Rei. Lei municipal nº 4.068, de 13 de novembro de 2006

Fonte: Pesquisa Sistema de Equipamentos Coletivos e Espaços Públicos, realizado por Alice Dias.

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Quanto às áreas com ausência de escolas, estas coincidem com as ZRU – Zona de Reabilitação e ZCU – Zona de Controle Urbanístico. A primeira possui a necessidade de infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos. O foco das ações está na mitigação dos impactos atuais causados pela ocupação realizada nos últimos anos, além da promoção imediata de novas ocupações, sustentáveis e seguras, por meio de loteamentos de Interesse Social9. A segunda possui uma ocupação consolidada nas últimas décadas, sendo previsto, assim, a restrição da ocupação, nas proporções e nos gabaritos, o incentivo à multiplicidade de usos e o parcelamento do solo que preservem as relações sociais existentes.

Forma e função territorial: numa busca por tempo-espaço, espaço-tempo e escola-cidade. Desde o chamado Movimento Moderno e a afirmação do arquiteto Mies Van der Rohe10 de que a forma segue a função em Arquitetura, muitas coisas vêm sendo revistas. Atravessando a noção de forma por sua legalidade e/ou ilegalidade, e atingindo a função em sua dimensão social, os problemas aumentaram em escala e velocidade, sobretudo nas grandes metrópoles, e aqui enfatizamos as Latino Americanas. No entanto, num outro ponto do sistema urbano temos as cidades de pequena e média escalas, cujas transformações têm sido mais lentas e, nem por isso, responsáveis. Nas cidades de médio e pequeno porte, a questão é prioritariamente de tempo, já que o espaço vem sendo, em muitos casos, ocupado de modo abrupto e com o mínimo daquilo que se refere à ordem. E, aqui o existenminimum ganha um sentido arcaico, talvez, por aquilo que descarta de tempos e espaços conquistados histórica e praticamente. O estado das ocupações é do mínimo, apenas enquanto lote e lugar para alguma sobrevivência, já que, visível e visualmente, vem desconsiderando 9. O tema apresentado pelo Plano Diretor deve ser observado e analisado cuidadosamente para não responder com projetos e loteamentos que segreguem ainda mais parte da população, sobretudo ao se fixar ideologicamente somente na baixa-renda. 10. Arquiteto judeu-alemão, um dos fundadores da Bauhaus, escola de Arquitetura Moderna no inicio do século XX.

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o solo, a água ou o saneamento. Noutros aspectos perceptivos, pouco e/ou nada considerados, ainda que corporalmente sentidos (sonora, olfativa e/ ou climaticamente). As condições que permitem algum alcance de urbano são limitadas tanto em termos de legislação quanto de aprovação, pois ineficazes e/ou inexistente e, se existem, permanecem em grande parte inutilizada e/ou em fase de primeiro contato. Com relação às precárias condições de sua infraestrutura urbana, a cidade ainda carece de alternativas que visem, para além de sua financeirização a incorporação de possibilidades alternativas, incluindo as construtivas. Perdas de sentidos do urbano vêm gerando corruptelas de cidade. Nos parece crucial que o entendimento do territóriose faça pela consonância entre saberes, senão globais, ao menos locais. Dizemos ao menos por retomarmos aqui as dimensões relacionadas às internalidades e externalidades que se referem ao lugar. Nessa relação destacamos a transição entre o dentro-fora e consideramos a mútua dependência entre o campo e a cidade11. Na atualidade, a população que se tornou prioritariamente urbana vem se fundando sobre o abandono de uma relação secular entre o homem e seu lugar e, que entendemos poder ser estabelecida por algum equilíbrio entre o lá e o cá, já que aflorada em evidentes desequilíbrios.

Algumas Considerações Em fase de ampliação nosso projeto vem sendo estruturado em múltiplos sentidos, seja no de abarcar o espaço publico como estrutural e estruturante na cidade e para a qualidade de vida urbana, seja para analisar questões acerca da vida no campo e outras relações que vêm sendo deixadas de lado e, por nós consideradas irreparáveis. Assim, estudar os equipamentos coletivos em suas especificidades, relações com outros espaços públicos, as dinâmicas urbanas relacionadas 11. Ha distintos autores que tratam dessa relação entro o homem e o lugar, analisados a partir da noção de espírito da época ou do tempo, do genius loci como apresentado por Heidegger ou Nobert Schulz, ou ainda por Ebenezer Howard, um dos teóricos, pré-urbanista por Françoise Choay, considerado como um dos precursores da relação campo-cidade.

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às praticas cotidianas e à mobilidade, as perdas do rural e do campo, a situação do município, de formação espacial histórica, de presente e de futuro, avançamos ainda em direção aos outros municípios da Região do Campo das Vertentes, num movimento dialético entre aquilo que é de dentro e o que é de fora. Assim reiteramos as questões relacionadas à localização dos equipamentos em relação ao que se considera como centralidade e dizemos do corpo na cidade, sobretudo daqueles em condições de vulnerabilidade. Entendemos ser necessário estabelecer o que é externalidade e o que é internalidade, separando e refutando as pressões do mercado via mídia, daquilo que necessita de envolvimentos locais e reais no fortalecimento e estabelecimento de vínculos que permitam a recriação de instâncias assim como de projetos com participação coletiva (quaisquer que sejam) e derurbano (FREYRE, 1982) em diferentes níveis e dimensões.

Agradecimentos Reconhecemos a colaboração dos envolvidos nos projetos de Iniciação Científica subsidiados pela CAPES e pelo MEC, à parceria com os projetos coordenados pelo Professor Levindo Diniz Carvalho do Departamento de Ciências da Educação (OBEDUC - UFMG/UFSJ), ao José Mario Daminello, à Danielle de Souza Dias, à Rua na Santa Rosa Cruz e em especial ao Marcelo José Silva, estudantes do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de São João del-Rei, à Prefeitura Municipal de São João del-Rei, ao IBGE e ao arquiteto Benedito Fernando Moreira, parceiro intelectual.

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Refletindo sobre a Educação Física num Projeto de Educação Integral: Um Debate por “Mais Educação” Ana Carolina Capellini Rigoni

Introdução Nas últimas décadas grande parte da produção teórica da Educação Física (EF) vem advogando a favor de um corpo que seja pensado do ponto de vista cultural e simbólico. “Lutar” por isso fazia pleno sentido numa época em que a EF era considerada, como afirma Jocimar Daolio (1994), uma disciplina que entendia o corpo como um conjunto de ossos e músculos. Em abordagens teóricas tradicionais, como a Tecnicista (herança do eugenismo e do militarismo), ou como a denominada Abordagem da Aptidão Física, a EF era a disciplina responsável por “cuidar” de um corpo estritamente biológico. A partir da década de 1970, as novas discussões que tinham como base os conhecimentos produzidos no âmbito das Ciências Humanas contribuíram para a ampliação dos conceitos apropriados pela EF bem como de sua própria constituição enquanto prática pedagógica1. Esta passou a ser vista, conforme podemos constatar nos escritos de diversos autores, como uma disciplina responsável por tratar pedagogicamente os conteúdos da cultura corporal de movimento, produzidos e apropriados pela Humanidade ao longo de sua história (BRACHT, 1999; DAOLIO, 1995; SOARES et al, 1992 e outros). Estes conteúdos compreendem todas as práti1. Ver: DAOLIO, J. Educação física brasileira: autores e atores da década de 1980. São Paulo: Papirus, 1998.

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cas corporais que estão relacionadas às danças, às ginásticas, aos jogos, aos esportes e às lutas. Neste sentido, os objetivos da EF escolar foram sendo desconstruídos e reelaborados com vistas a uma perspectiva mais crítica, considerando os fatos e problemas sociais/culturais como questões a serem tratadas durante as aulas. De acordo com esta perspectiva acima descrita, uma aula sobre o conteúdo futebol, por exemplo, deve abarcar não somente o aprendizado dos movimentos fundamentais ou de suas técnicas e táticas. A aula, dentro desta perspectiva sociocultural, deve possibilitar aos alunos uma reflexão crítica a respeito do futebol como fenômeno social. Ela deveria abordar os problemas relacionados às questões de “gênero”, os assuntos relacionados às torcidas e ao problema da violência nos estádios, a relação entre o futebol e a mídia, as relações capitalistas dentre outras coisas. Não há espaço, nesta visão de EF, para uma aula que exija de seus alunos a realização de movimentos que tenham como modelo os gestos técnicos do esporte de alto rendimento e performance. Nesta perspectiva a aula não é mais vista como um espaço para treinar o corpo e tornar os alunos mais habilidosos (ainda que o desenvolvimento de determinadas habilidades seja, possivelmente, o resultado/consequência de aulas bem ministradas). É obrigação do professor, numa abordagem sociocultural de EF, possibilitar aos alunos o conhecimento integral das práticas corporais que dizem respeito aos conteúdos previamente definidos pela área. Nesta perspectiva de EF deixamos de pensar o corpo e, consequentemente, o ser humano, a partir do modelo cartesiano (que divide o corpo da mente) para compreendê-lo em sua integralidade. A disciplina, que até então acreditava ser responsável apenas por um corpo biológico, é encarregada de educá-lo em sua totalidade. Alguns pesquisadores da área, especialmente os membros do grupo de estudos do qual faço parte (GEPEFIC2), que é liderado pelo professor Dr. Jocimar Daolio, desenvolveram seus estudos com base na Antropologia Cultural. Para pensar o ser humano e o corpo, os membros do grupo têm 2. O GEPEFIC - Grupo de Estudo e Pesquisa Educação Física e Cultura tem como sede, atualmente, a Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

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como base a noção de Homem Total do antropólogo Marcel Mauss, desenvolvida há quase cem anos, mas absolutamente apropriada aos dias de hoje. Em seus escritos o autor sugere a necessidade de partirmos de uma ideia de totalidade humana para pensarmos os fenômenos sociais e o comportamento dos indivíduos. Para Mauss (2003), durante muito tempo o pensamento científico estudou o ser humano como se este fosse dividido em partes. Esta divisão compreendia basicamente as esferas biológica, psicológica e sociológica. A ciência, por sua vez, era desenvolvida a partir do pressuposto de que era possível isolar cada uma destas esferas ao estudar o homem e o seu comportamento. O autor, desconstruindo esta visão, nos alerta sobre o fato de qualquer realização do homem só poder ser compreendida na unidade de suas dimensões. A noção de Homem Total é desenvolvida por Mauss (2003) paralelamente à noção de Fato Social Total (FST), na qual o ser humano é considerado uma expressão do grupo a que pertence e, portanto, os fenômenos sociais só podem ser compreendidos a partir da mesma tríade utilizada para definir o Homem Total (esferas biológicas, psicológicas e sociológicas). Tendo em vista que o pressuposto básico contido na ideia de FST é a de que não é possível compreender o homem apenas em seus aspectos biofisiológicos, entendo que é possível pensar uma aula de EF a partir desta noção. Compreender a aula de Educação Física escolar a partir da noção de FST “implica compreender as expressões humanas (Jogo, Dança, Esporte, Ginástica e Luta) como uma totalidade” (GEPEFIC, 2007, p. 542). Se durante um jogo de futebol um menino estará se expressando em termos biológicos e seu chute poderá ser analisado em termos biomecânicos, ao mesmo tempo suas ações perpassam relações sociais que não podem ser consideradas menos importantes. Não é raro, por exemplo, ouvir crianças jogando futebol e após um lance bem sucedido comemorarem gritando o nome de um jogador famoso. Não há dúvidas, ainda, de que o seu relacionamento afetivo com o jogo, bem como com os colegas evidencia uma dimensão psicológica que também merece atenção. O conhecimento que o aluno traz para a escola é compartilhado e influenciado pelas experiências que ele tem fora da escola. É neste sentido que o trato pedagógico do professor de EF deve se dar no plano da integralidade dos sujeitos. “A aula de 85


Educação Física escolar no Brasil é um fenômeno de totalidade, em que estão contidos significados não apenas escolares, mas familiares e comunitários que se revelam nas expressões de cada discente” (GEPEFIC, 2007, p. 545). Por isso a intervenção pedagógica em EF pressupõe que se olhe para o ser humano não de maneira fragmentada, mas INTEGRAL.

A Educação Integral e a Educação Física Ao assumir o projeto Mais Educação, como orientadora dos estagiários das oficinas de EF, a primeira reflexão suscitada foi sobre o que significa, de fato, uma educação integral. O próprio plano de desenvolvimento do Ministério da Educação afirma que para a concretização de uma educação integral não basta dobrar o tempo de permanência do aluno na escola. O termo “integral” pressupõe muito mais do que simplesmente o tempo cronológico. A integralidade proposta pelo projeto Mais Educação referese a um tempo significativo, onde o que se aprende na escola ultrapassa as barreiras da própria escola e atinge a dimensão da vida cotidiana dos alunos que nela se encontram. É preciso compreender as múltiplas dimensões do aluno, dando-lhe autonomia para que este se constitua enquanto ser humano emancipado e protagonista de sua própria vida. Segundo a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008), a EF está localizada na área de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”, junto com as disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira e Arte. A linguagem é vista, aqui, como a capacidade humana de articular significados coletivos, que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências de cada grupo social. Elas podem ser do tipo escrito, oral, corporal, musical, gestual, etc. Nesta perspectiva, a função da linguagem é a produção de sentido. A escola é o espaço onde se ensina e se aprende a produzir sentidos e, por isso mesmo, quanto mais sistemas de linguagem os alunos aprenderem a acionar, maiores serão suas possibilidades de interpretação e manipulação das informações e experiências vividas. Somente quando dominamos (sabemos usar) determinada linguagem é que nos tornamos protagonistas no processo. Pensemos, como exemplo, numa pessoa que só possui o domínio da língua portuguesa e que se encontra, inesperadamente,

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num local onde só haja pessoas conversando em outra língua. Esta pessoa se sentirá como “um peixe fora d’água”, pois não possui o acesso à linguagem dominante naquele local. Podemos pensar em um exemplo que se aplique à EF: imaginemos uma pessoa que não conheça nada sobre futebol e que se encontra numa situação onde todos dominam o conhecimento sobre esta prática e conversam muito sobre o tema. Esta pessoa, que não é capaz de acionar a “linguagem do futebol” jamais se tornará protagonista enquanto o assunto for este. Sobre o caso exemplificado podemos, como fez Fensterseifer (2010), nos fazer a seguinte questão: o que sabemos quando sabemos sobre futebol? Ou seja, o que nos garante ter acesso a tal linguagem e afirmar que sabemos sobre um determinado tema ou conteúdo? Saber sobre futebol é dominar sua técnica? É executar “corretamente” seus chutes, passes e recepções? Ou, saber sobre futebol é conhecer os times, jogadores e técnicos, seguindo os campeonatos pela televisão para acompanhar os resultados e a classificação? Ou seria, ainda, compreender as desigualdades presentes no “mundo do futebol”, bem como os problemas sociais que ele engendra? Notemos que uma pessoa que possua o domínio em um dos quesitos exemplificados pode não o ter sobre os outros dois. Notemos também que estas questões expostas não encerram os “saberes” que envolvem a temática do futebol. Muitas coisas poderiam ser atreladas a elas, como por exemplo, a relação entre o futebol e a mídia, as questões de gênero no futebol e a própria história da modalidade. Neste sentido, percebemos que os conhecimentos sobre o conteúdo não se esgotam facilmente quando “olhamos” para ele como fenômeno sócio-histórico-cultural. Apesar de termos clareza sobre tais fatos, se nos questionarmos sobre o que, de fato, um aluno sabe sobre futebol e que é fruto do aprendizado escolar veremos que tais saberes se detêm apenas nos conhecimentos mais mecânicos desta modalidade. O mesmo ocorre com o conhecimento vinculado a todas as outras práticas corporais que são conteúdo da disciplina de EF na escola. É fácil perceber que o acesso exclusivo a esta dimensão do conhecimento não garante aos alunos que eles sejam capazes de acionar a linguagem necessária para uma atuação na qual sejam protagonistas. Se nossos alunos saem de nossas aulas e ao final do processo de escolarização dominam apenas um tipo de conhecimento mecânico, ao invés de 87


protagonismo, é provável que ele seja “refém” das opiniões e informações repassadas e perpetuadas no e pelo senso comum. É preciso frisar que não há nada contra o conhecimento de senso comum. Ao contrário, sabemos que é um tipo de saber altamente relevante. No entanto, admitimos que o papel da escola seja exatamente o de ampliar as práticas e conhecimentos que circulam no senso comum, possibilitando reflexões críticas e alunos capazes de questionar, desconstruir e ressignificar a dinâmica cultural e tudo que dela emerge. No caso específico da EF, espera-se que uma boa aula seja capaz de auxiliar os alunos na ressignificação das questões que envolvem o corpo, o movimento e o movimentar-se. A EF escolar, no entanto, vem tradicionalmente fazendo o contrário. Estereotipada no e pelo senso comum, os próprios professores da área vêm fornecendo justificativas para lá de convincentes para tal estereótipo. Podemos perceber com frequência dois modelos básicos de EF nas escolas brasileiras: aquele que comum e pejorativamente denominamos de “rola-bola” e aquele que é pautado no modelo “esportivizado”. A negatividade do primeiro modelo é óbvia. Trata-se daqueles professores que não dão aula, apenas soltam a bola entre os alunos e os deixam livres para jogar como e por quanto tempo quiserem. Pode ser utilizado, por aqueles que observam, como a “prova máxima” do argumento de que a EF é menos importante e não possui conteúdos ou especificidade. Além do fato deste modelo não estar comprometido com um projeto educativo ele é excludente, uma vez que os alunos que jogam são sempre os mesmos (os “donos” na quadra), enquanto os outros nunca têm chance de participar. O segundo modelo, por vezes erroneamente considerado melhor pelo fato de demonstrar que a EF possui uma didática, pode ser até mais nefasto que o primeiro. Demonstra uma EF subordinada às instituições esportivas (herança do período pós-guerra). Como afirma Bracht (1992, p. 33): “Mais uma vez a Educação Física assume os códigos de uma outra instituição, e de tal forma que temos então, não o esporte da escola e sim o esporte na escola, o que indica sua subordinação aos códigos/sentidos da instituição esportiva”. Neste modelo o professor assume o papel de técnico e/ou treinador. O modelo é altamente excludente quando a aula de EF passa a ser vista como a base da “Pirâmide Esportiva” (BRACHT 1992). De acordo com um 88


modelo piramidal, a EF só interessa àqueles que sairão da base e passarão para outro estágio. Na gíria do senso comum, utilizada principalmente pelos “boleiros”, a escola se torna o local de uma prática semelhante à das famosas “peneiradas”. Assim sendo, só os mais habilidosos têm direito a aula (treino). É na tentativa de deixar para traz estes estereótipos que um grande número de professores e intelectuais passou a defender um tipo de abordagem sociocultural para a EF. No entanto, muitos foram os equívocos que surgiram no âmbito de tal discussão. Muitos professores entenderam que se tratava de uma proposta que criticava a “prática” e enaltecia a “teoria” nas aulas de EF nas escolas. Longe disso, a proposta de EF que aqui trato3 é fundamentalmente prática. Trata-se, no entanto, de compreender os significados do termo “prática” e o que dela emerge no contexto escolar da área. Muitos autores e professores têm lutado por uma EF que seja prática, e sendo prática mobilize aspectos intelectuais (cognitivos), pois esta aula não pode ser esvaziada de sentido. Betti (1996) já alertou-nos para o fato de que a EF não pode se tornar um discurso sobre a cultura corporal de movimento, mas numa ação pedagógica com ela. Ainda nesta direção Bracht (1996) afirma que não é possível pensar numa prática sem reflexão (sem pensamento), mas também é inconcebível inferiorizar a prática numa disciplina que tem sua origem nela. Neste sentido, o autor defende uma ação reflexiva que é possibilitada pelo movimento. Para o autor o desafio parece ser: “nem movimento sem pensamento, nem movimento e pensamento, e, sim, movimentopensamento” (BRACHT, 1996, p. 27). Portanto, se o aluno é “livre” para realizar o movimento da maneira que lhe é possível, ele não é livre para não participar da aula. Se o professor não deve exigir um movimento “técnico” ou considerado correto por uma elite esportiva, ele pode e deve exigir que seus alunos tentem realizar as práticas. Eles precisam experimentar o movimento para conhecerem suas possibilidades e se darem conta de seus limites pela ação. Nestas condições, a experiência prática já inclui uma reflexão teórica capaz de gerar autonomia e protagonismo aos alunos em relação ao corpo e às práticas corporais. 3. É preciso frisar que esta perspectiva já é consenso entre os Currículos dos Estados Brasileiros e é garantida pelas Diretrizes Nacionais, propostas pelo MEC.

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Quando Kunz (1998) afirma que é objetivo da EF educar os alunos para o “Se-movimentar”, ele utiliza o “Se” propositadamente antes do “movimentar” e com a inicial em maiúscula, para sustentar a ideia de que a EF deve proporcionar o protagonismo do sujeito-agente em relação ao corpo e as práticas corporais. Gostaria de defender aqui, que este “protagonismo” só é possível quando articulado à uma noção de “experiência”, capaz de contemplar o movimento e as corporalidades num procedimento que nunca deixará de ser cognitivo. Pois a noção de “experiência” que propomos visa um tipo de vivência pautado na totalidade daquilo que possa ser o ato de conhecer. Almeida e Fensteiseifer (2011) consideram que toda experiência é confronto, pois ela opõe o novo ao antigo. Os autores ainda comentam que, em princípio, nunca se sabe se o novo prevalecerá, tornando-se verdadeiramente uma experiência, ou se o antigo ganhará consistência. É como se os autores condicionassem a experiência à substituição de um conhecimento por outro. Cremos que não se trata de confronto entre “novo” e “velho”, pois há experiência sem ter de haver substituição. Uma experiência é sempre nova, no entanto, ela não precisa obrigatoriamente substituir uma prática antiga. Antes de ser confronto ela é soma. A educação se dá pela soma das experiências. O professor precisa fazer o aluno perceber, desde as séries iniciais, que a aula de EF é o momento onde se deve experimentar (o corpo, as práticas). O aluno precisa ser educado (ou reeducado) para se sentir à vontade no momento de realizar as práticas corporais propostas em aula, consciente de que ali não existe certo nem errado (em termos de movimento). É preciso garantir que os alunos não se frustrem ao perceberem que seu gesto não foi igual ao do atleta ou do colega que mais se aproxima do nível atlético. A frustração é uma emoção ligada a circunstâncias organizadas ritualmente. Le Breton (2009), afirma que as emoções estão diretamente ligadas a lugares que dão espaço para formas ritualmente organizadas, como é o caso de uma aula de EF. Neste sentido, a aula deve ser um ritual em que se pode experimentar sem constrangimentos. Do contrário, as emoções despertadas nos alunos podem ser muito próximas à da frustração e da revolta contra a disciplina.

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Para que a frustração não ocorra - ou pelo menos tenha menos chance de ocorrer -, o sentimento de dever para com um gesto “correto” deve estar fora do ritual de uma aula de EF. Enquanto a aula for um ritual utilizado para revelar pequenos atletas ou um ritual para colocar em disputa as vaidades dos alunos sempre haverá alunos se frustrando. Enfim, a EF da escola não serve e nem deve estar a serviço da formação de atletas. Seu papel deve ser o de ensinar os conteúdos de forma a tirar os alunos do senso comum no que diz respeito às práticas corporais. Uma boa aula de EF deve ser capaz de tensionar o que os alunos aprendem fora da escola (RIGONI, 2013, p. 151).

É nesta perspectiva sociocultural que os alunos do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ são formados. É com base nela que os alunos selecionados para ministrar as oficinas no Programa Mais Educação atuam.

O papel do professor e o papel da comunidade Ainda que o projeto seja composto pelas denominadas “oficinas”, ao selecionar e orientar os alunos para o início das intervenções sempre tive como pressuposto básico uma ideia de projeto “educativo”. Este projeto, no entanto, permite que qualquer pessoa, munida de boa intenção e disponibilidade, ministre as oficinas ofertadas aos alunos. Faço este comentário porque acredito que, se por um lado a participação da comunidade nas atividades da escola é importante e necessária, por outro lado, uma pessoa sem formação específica, que simplesmente goste de esporte ou seja um ótimo praticante, pode, ao invés de contribuir com as práticas educativas de cunho emancipador, reproduzir as práticas ideológicas e de senso comum. Neste sentido, pode ser desastroso para o projeto educativo e para a própria noção de educação integral possibilitar que pessoas “despreparadas” atuem nas oficinas. Mais do isto me parece incoerente termos à disposição futuros profissionais, sendo formados em instituições públicas de qualidade, portanto subsidiados pelo Estado, e não inseri-los neste trabalho. Incorporá-los, neste caso, pode enriquecer tanto o projeto educativo quanto a experiência destes alunos que podem vivenciar a dinâmica escolar durante o seu processo de formação. Pensado nesta perspectiva teríamos um projeto 91


de educação pública no qual a formação pode ser vista como um todo ao longo do processo. Educação básica e ensino superior se retroalimentariam e estariam em permanente diálogo. Esta não se trata de uma crítica à participação da comunidade, mas de um alerta para as formas de utilização do dinheiro público. O Estado investe na formação de profissionais e este investimento deveria reverberar na educação básica. Além disso, creio que as formas de participação dos membros da comunidade devem se dar por outros meios e não pela intervenção direta no processo pedagógico. Entendo que a ideia do projeto seja justamente afinar a relação entre a escola e a comunidade, no entanto, ainda que eu corra o risco de parecer conservadora, creio que precisamos considerar a especificidade da educação formal, que está justamente no fato de romper e/ou ampliar o conhecimento adquirido e perpetuado na família, na igreja e na comunidade. Claro que a participação de alunos em processo de formação ou mesmo de profissionais formados não garante, por si só, o sucesso da intervenção pedagógica. O critério de seleção dos “oficineiros” e o olhar atento dos professores, diretores e coordenadores é absolutamente necessário. Mas como garantir que o olhar atento de diretores e mesmo dos professores comunitários sejam suficientes se estes possuem formações específicas e não são responsáveis por “dar conta” dos problemas e especificidades das diversas áreas? Como garantir que o olhar atento do professor comunitário seja capaz de evitar que as oficinas de EF não colaborem ainda mais com um modelo capitalista e estereotipado se, na maioria das vezes, eles mesmos compactuam com esta visão equivocada de EF? Não foram poucas as vezes em que meus alunos (oficineiros) narraram situações nas quais os professores de outras áreas impediram que os alunos participassem das oficinas e aulas de EF como forma de punir os alunos que não se comportaram como deveriam em suas aulas. Estes professores agem de tal forma porque sabem que esta é uma das atividades mais desejadas (prazerosas) pelos alunos e, também, porque acreditam que é uma das menos importantes, se não desnecessárias. Por todas estas questões a escola e os profissionais envolvidos no Projeto precisam conceber, de forma clara, os princípios de uma “educação integral” e da especificidade e formalidade da instituição escolar. Entendo que 92


é necessário compreender os objetivos de aproximação da escola com a comunidade, mas não confundi-los com a mera convivência dentro do ambiente escolar. Mais do que isso, acredito que é preciso manter a coerência e seriedade da intervenção pedagógica que deve, obrigatoriamente, conduzir o aluno a um “novo lugar” de conhecimento, e não simplesmente reafirmar ou manter os saberes e relações estabelecidos no e pelo senso comum, no e pela comunidade. Acreditar que qualquer voluntário com disposição pode intervir pedagogicamente num projeto de educação integral parece-me ser o equivalente a conformar a escola a um processo de “reprodução”4 permanente do status quo. Relembremos, não como exemplo positivo, o famoso projeto criado pela rede Globo de televisão em 1999, conhecido como Amigos da Escola5. No referido projeto qualquer cidadão poderia oferecer atividades aos alunos durante os fins de semana. Num projeto de educação integral não são apenas os fins de semana que estão questão, mas a dupla jornada cotidiana dos alunos. A permanência deles na escola só me parece válida se houver qualidade no processo educativo. Com isto não estou desvalorizando a colaboração de pessoas da comunidade, mas valorizando a contribuição de profissionais e futuros profissionais, que dedicaram seu tempo estudando para desempenhar tal função. Melhorar a relação da escola com a comunidade não significa colocar a comunidade para dar aula na escola. Esta discussão torna-se mais clara quando entendemos a proposição de dois autores, que apesar de não terem dialogado entre si, fazem mais sentido quando colocados em diálogo. Refiro-me ao antropólogo brasileiro Juarez Dayrell e ao filósofo e educador francês George Snyders. A comunidade é fundamental para Dayrell (1996) pois tem relação direta com o aluno e com a “bagagem cultural” que ele traz consigo para a escola. Por isto o autor afirma que é preciso considerar o aluno como sujeito sociocultural. O autor fala da importância de conhecermos a comunidade e os grupos a que nossos alunos pertencem, pois estar atento ao perfil deles 4. Refiro-me a “teoria da reprodução” desenvolvida em: BOURDIEU, P; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. 5. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Amigos_da_Escola, acessado em 21/08/2014.

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é condição essencial para a intervenção pedagógica. Para Dayrell a escola continua, equivocadamente, tentando homogeneizar os alunos. Os professores agem como se todos os alunos fossem capazes de fazer as mesmas coisas e aprender da mesma forma, desconsiderando o perfil histórico e social dos mesmos. A relação da escola com a comunidade é fundamental, pois a primeira não é um mundo à parte da segunda. Ambas são parte de um mesmo “mundo” e, por isso, é preciso resgatar o papel dos sujeitos na trama social, localizando-os num contexto cultural (comunitário). Considerar o sujeito na sua dinâmica social não significa, no entanto, tornar a escola um espaço de circulação e de trato pedagógico apenas dos conhecimentos provenientes da comunidade. A escola precisa partir disto, mas garantir, ao longo do procedimento, a expansão dos conhecimentos dos alunos sobre o mundo. Eis o grande risco de deixar o processo educativo dos alunos sob a responsabilidade daqueles que não são responsáveis por ele. Precisamos dar espaço e “cobrar” daqueles que se responsabilizaram por isso escolhendo a educação como ofício. Uma pessoa que só goste muito de esporte, por exemplo, não possui qualquer responsabilidade pedagógica em relação a esta prática. É possível que sua atuação pedagógica permaneça apenas no plano do senso comum, negligenciando ou até interferindo negativamente no aprendizado mais amplo e crítico do aluno. Já o professor (formado especialmente para isso) é responsável pela mediação pedagógica com vistas à ampliação da experiência do aluno. É claro que a formação profissional não garante, por si só, a boa atuação dos professores e oficineiros, mas permitir que pessoas sem a formação necessária atuem como mediadores pedagógicos é contribuir para o esvaziamento da função da escola. No que se refere a função da escola, Snyders (2005) afirma veementemente que o que a protege é justamente a regra. Defensor da “obrigatoriedade” da escola ele afirma que é engano pensar que o obrigatório é o oposto da alegria. Para o autor, o conceito de “obrigatoriedade” está relacionado à ideia de que o papel do professor é o de selecionador dos conteúdos, pois este – a partir do processo de formação – está preparado para saber o que necessita ser trabalhado e como, com vistas a uma série de exigências culturais. Para Snyders (2005, p. 104), a obrigatoriedade não pode ser vista como oposta à alegria por dois motivos básicos: 1- a escola pode oferecer um leque de 94


experiências emotivas sem equivalente na vida cotidiana; 2 – justamente por ser obrigatória ela garante os mesmos deveres (não os mesmos resultados) a todos e isto é bom justamente porque se um aluno não tem o direito de fazer tudo que quer os outros também não têm. A obrigação, neste caso, é a chance do aluno fazer algo que ele não faria fora da escola e, para Snyders (2005), é fundamental que ele saiba disso. Transcender o habitual é o que garante à escola sua função. Sem a obrigatoriedade o aluno correria o risco de estagnar. É claro que o autor fala de uma “obrigatoriedade” que encaminha o aluno à autonomia. Refletindo sobre os dois autores percebemos que Dayrell é fundamental para compreendermos que nós, professores, que criamos e executamos a intervenção pedagógica não podemos ignorar o perfil sociocultural daqueles que a experimentam. Mas, além disso, nos alerta Snyders, precisamos possibilitar a estes alunos a ampliação deste referencial e o acesso a conhecimentos que eles não acessariam por conta própria. Neste sentido, ensinar sobre futebol na escola é permitir ao aluno muito mais do que aprender passe, recepção, chute e regras do jogo. Ensinar sobre futebol é garantir que os alunos consigam refletir sobre as questões que envolvem esta prática e suas relações com o mundo.

Alguns exemplos Foi numa espécie de diálogo entre as ideias de Dayrell e Snyders que meus alunos - selecionados para atuar nas oficinas - foram orientados. Ao longo de nossas reuniões, que compuseram o processo de orientação para o projeto, buscamos discutir e aprimorar os planejamentos tendo como pano de fundo uma intervenção pedagógica que considerasse o perfil da escola e dos alunos, mas que a partir dele conduzisse os alunos a conhecimentos mais complexos e elaborados. Cito, a seguir, alguns exemplos selecionados para ilustrar o desenvolvimento do projeto e suas relações com as perspectivas descritas até então. Selecionei três, dentre todos os alunos que atuam ou atuaram no Projeto6. A primeira aluna que citarei desenvolveu um planejamento no qual o conte6. Agradeço aos alunos Gleyci, Galdino, Kethelen e Maysa, pela elaboração dos relatos de suas experiências, o que contribuiu com a confecção desta parte do texto.

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údo principal foi o “xadrez”. O segundo aluno trabalhou com as práticas do conteúdo “atletismo” e a última aluna com o conteúdo “futebol”. A escolha inicial dos conteúdos foi feita por cada uma das escolas, mas, posteriormente, cada aluno teve liberdade para desenvolver seu planejamento (sempre em diálogo comigo e com os colegas durante as nossas reuniões). Muitas dificuldades foram encontradas e dentre elas as principais foram em relação à falta de espaço físico para a realização das aulas e a não compreensão de professores e coordenadores sobre o papel das aulas de EF, ainda que vinculadas às oficinas. Outra coisa que chamou a atenção foi a preocupação demonstrada pelos professores responsáveis nas escolas em relação aos oficineiros. Esses eram mais valorizados por ocuparem o tempo ocioso dos alunos do que pelo trabalho pedagógico a ser desenvolvido. O caso das oficinas de xadrez serve de exemplo para demonstrar a confusão de professores, pais e alunos sobre o que eles pensam ser ou não conteúdo da EF e como a presença de um graduando transformou a visão destes ao longo do projeto. No início, quando minha aluna explicou a eles que este era um conteúdo da EF, os alunos ficaram surpresos, pois achavam, primeiro, que a EF só ensinava esportes e, segundo, que xadrez era conteúdo da disciplina de matemática. A princípio, a justificativa dos professores da escola sobre a escolha do xadrez não era condizente com seus reais objetivos dentro da escola do ponto de vista da EF. O jogo era concebido como um meio de desenvolver a concentração do aluno e isso poderia melhorar o seu desempenho em outras disciplinas. Longe de ser considerado um conteúdo com especificidades históricas e culturais ele era visto pela comunidade escolar apenas como um apêndice, um modo de auxiliar outras disciplinas. Ao longo de sua atuação na escola, minha aluna buscou trabalhar de modo a reafirmar a especificidade da área e demonstrar que o xadrez é um conteúdo que se sustenta por si só. Ela trabalhou no sentido de possibilitar que esta “outra visão” de EF atingisse os alunos e professores, que geralmente a consideram como uma disciplina auxiliar ou recreativa. Para tanto, foi preciso, segundo ela, sustentar uma ideia de que a EF pode trabalhar segundo o modelo da interdisciplinaridade, mas não deve perder a sua especificidade.

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É objetivo da EF transmitir aos alunos conhecimentos sobre o jogo de xadrez pois esta é uma prática produzida historicamente pela Humanidade e materializada na cultura corporal de movimento em nossa sociedade. A concentração e outras habilidades adquiridas com o jogo são provenientes da aprendizagem e da prática, mas são apenas consequências de aulas bem dadas. O xadrez pode até auxiliar o desenvolvimento de outras disciplinas, mas este não é o seu objetivo. Questionando e criticando um modelo de EF com objetivos desenvolvimentistas, minha aluna priorizou o respeito às diferenças de seus alunos e um trato pedagógico que visou à ampliação de seus conhecimentos sobre o xadrez. Ela trabalhou, ao longo das aulas, com as noções sobre jogo num sentido mais geral, depois introduziu os jogos de tabuleiro, utilizando jogos como o dominó, a dama e outros considerados como pré-enxadrísticos. Ela abordou, ainda, o xadrez do ponto de vista de suas relações estratégicas, de sua constituição histórica, bem como as noções de competição e cooperação durante a prática do jogo. Isto possibilitou a desconstrução do modelo de aula de EF tradicional e estereotipado muito presente entre os outros professores e a comunidade. Os alunos passaram a entender que a disciplina de EF é muito mais do que jogar bola e, principalmente, ampliaram seu repertório sobre jogos, tendo acesso a uma prática que talvez não acessassem fora da escola. O segundo aluno que utilizo como exemplo foi selecionado para trabalhar com os conteúdos do atletismo. A principal dificuldade deste aluno foi em relação ao espaço. A quadra desportiva da escola estava em reforma e o local que ele tinha para realizar as aulas era um galpão, o que dificultava bastante o desenvolvimento das atividades. O planejamento desta oficina contava com uma introdução ao atletismo levando os alunos a compreenderem sua configuração histórica. As aulas foram pensadas no sentido de questionar os alunos sobre a origem dos movimentos e como estes se configuraram em práticas institucionalizadas (esportivizadas). O objetivo desta introdução ao atletismo era ampliar os conhecimentos dos alunos em relação aos movimentos elementares do corpo (correr, arremessar, saltar) e suas relações com a necessidade de sobrevivência do homem pré-histórico. Ao longo da história estes movimentos vão se sofisticando e ganhando outro status, que não o de se alimentar, se defender, atacar os inimigos ou caçar. 97


A sociedade transforma estes gestos em patrimônio da humanidade dandolhes estatuto de prática esportiva. Na sequência o planejamento contava com discussões sobre as questões sociais que emergem ao analisarmos como e por quais camadas populares as práticas de atletismo foram apropriadas. Questões sobre o investimento econômico, a profissionalização e o salário dos atletas, bem como o modo como a mídia trata tal modalidade perpassaram as aulas durante toda a realização das oficinas. É preciso frisar que nenhuma destas aulas, apesar de críticas e reflexivas, partiu de um modelo teórico. Os alunos discutiam estas questões em meio ao aprendizado dos movimentos e regras, no decorrer de uma aula majoritariamente prática. Apresentei os exemplos do xadrez e do atletismo para demonstrar como estes conteúdos, que são pouco apropriados pelos professores de EF no cotidiano da escola podem e devem ser trabalhados. Por fim, trago como exemplo uma situação oposta às primeiras. A terceira aluna que cito desenvolveu um planejamento que tratou de um dos temas tradicionalmente mais presentes nas aulas de EF, o futebol. Em algumas escolas o futebol é o único conteúdo que compõe o cenário das quadras esportivas escolares. Talvez pensando nisso a escola tenha escolhido este conteúdo para a oficina. O desafio da minha aluna era justamente romper com a visão de senso comum sobre esta modalidade esportiva e demonstrar que saber sobre futebol é muito mais do que saber jogar. Portanto, o planejamento buscava contemplar não só a história do futebol como tudo que envolve a realidade social e cultural desse esporte. Longe de ter como objetivo treinar os alunos para que estes aperfeiçoassem suas capacidades físicas, velocidade, lateralidade e coordenação motora, a finalidade das aulas era demonstrar e fazer com que os alunos refletissem sobre o que o futebol representa na sociedade, como ele é transmitido pelas mídias e redes televisivas, como o futebol foi negado, por muito tempo, às mulheres, como, ainda hoje, o futebol feminino é pouco discutido e recebe pouco investimento em relação ao masculino, etc. As aulas visaram a participação de todos os alunos. Táticas e estratégias de ensino foram pensadas para evitar a exclusão daqueles que se consideravam “ruins de bola” ou não gostavam do jogo. Todos foram incentivados a aprender e vivenciar o jogo sem pretensões de performance ou rendimento. 98


Nem todas as aulas durante as oficinas exemplificadas aconteceram como o planejado e nem todas as intenções foram concretizadas. As surpresas inerentes ao cotidiano dinâmico e complexo da escola interferem diretamente no planejamento. Isto, no entanto, não impediu que o conhecimento dos alunos fosse ampliado em alguma dimensão. Muitos foram os depoimentos, vindos de meus alunos, confessando ansiedades e medos, ao se depararem com os alunos e com a responsabilidade de ser professor. Se, no início das intervenções, todos acharam difícil romper com o modelo estereotipado de EF, depois de um tempo de experiência todos perceberam que a mudança é possível.

Considerações finais Os três planejamentos utilizados como exemplo demonstram tentativas de intervenção pedagógica pensadas sob uma perspectiva sociocultural de EF. As aulas visaram o aprendizado dos conteúdos de maneira ampliada, de modo a considerar o processo de humanização dos alunos como pano de fundo do projeto pedagógico. Aos moldes de Paulo Freire, meus alunos são formados a partir de uma visão que entende a escola e a educação como um projeto que também é político. Este projeto exige de cada um de nós, responsáveis pela educação, o compromisso intelectual e o bom senso. Assim como já citei no início deste texto, a EF não é uma disciplina que trata das questões corporais. Antes ela é uma disciplina que educa, aos moldes do que nos alerta Mauss (2003) seres humanos totais. As aulas de EF devem permitir a cada aluno que dela participa refletir criticamente sobre o movimento e as práticas corporais, compreender o mundo e o modo como nele estão inseridos, bem como se tornar protagonista em relação à construção de si mesmo e as relações que estabelece com os outros.

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Docência de Teatro em Escolas: Argumentos para uma Consistência André Luiz Lopes Magela

O que me surpreende é o fato de que, em nossa sociedade, a arte tenha se transformado em algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida; que a arte seja algo especializado ou feita por especialistas, que são os artistas. Entretanto, não poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte, e não a nossa vida? Michel Foucault1

O Campo do Problema Paralelamente ao processo de concepção, discussão e concretização de práticas de educação integral no Brasil, o ensino de teatro também tem passado por transformações significativas, no que diz respeito às visões de educação que o amparam e aos modos de sua efetivação. Atualmente, está em questão a alteração da LDB que determina que quatro modalidades de ensino de arte (dança, teatro, música e artes visuais) sejam contempladas no currículo da educação básica quanto à presença de aulas dedicadas a elas (mais claramente, quatro disciplinas, uma para cada linguagem) e a uma 1. In: DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 261.

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maior oferta delas por todos os anos do ensino fundamental. Este paralelismo entre a educação teatral e a educação integral não é apenas por uma coincidência histórica, mas se dá por relações importantes entre as duas. De modo mais imediato, uma relação de dependência: o tempo integral é condição para que estas aulas de artes possam se dar, constatação que deu força aos argumentos para a alteração na LDB. E se analisarmos mais detidamente, vemos uma importante confluência de objetivos. Porque pensar em aulas de teatro obrigatórias em todas as escolas do Brasil e em quase todos os anos só é possível se pensamos na educação como sendo integral, uma formação integral, abrangente, não restrita por objetivos mais específicos (como formação de mão de obra, por exemplo, ou sucesso no ENEM), mas desejando e construindo uma plenitude existencial junto aos alunos, conectada a formas de vida integradas e capazes de compor novos mundos. No Programa Mais Educação, no contato que tivemos com os alunos e professores das escolas atendidas, tivemos vários problemas e necessidades de ajustes trabalhosos para a realização das aulas de teatro. Uma boa parte dos problemas se deve a questões gerais, tanto as do sistema de educação como um todo como aquelas relativas ao Mais Educação. Mas também há uma parcela de problemas que são específicos da docência de teatro em ambiente escolar. Algumas destas dificuldades são aquelas que podemos dizer quase inerentes ao trabalho na educação teatral - por exemplo, as dificuldades de alunos em aderir ou aceitar propostas de um exercício teatral que o professor traz. Isto configura grande parte do que trabalhamos nos cursos de licenciatura e se algum licenciando considera isto um real incômodo, o que tento lhe mostrar é que estes são os ossos do nosso ofício e que não aceitá-los é como ser um cirurgião que não consegue ver sangue. Mas há dificuldades também que são afeitas, acessórias, acidentais ao nosso ofício. São dificuldades que temos tentado reduzir e eliminar; dificuldades que advêm de problemas e precariedades históricas que devem ser corrigidas, mesmo que saibamos que algumas não serão totalmente eliminadas. Uma delas é a incompreensão, hoje generalizada, sobre os motivos e os conteúdos que tornam necessárias as aulas de teatro na formação dos alunos no ensino fundamental. Esta falta de conhecimento atrapalha as aulas 102


de teatro em todas as etapas de sua construção: no reconhecimento de sua importância, na criação de condições para que haja espaço e professores para haver aulas de teatro, na disponibilização de recursos de todos os tipos para que as aulas transcorram bem, e por aí vai. É sobre esta dificuldade que este trabalho que se segue pretende se debruçar, no que espero que seja uma contribuição para a educação teatral no Brasil.

Primeiro Ataque Na quase totalidade dos livros mais consagrados que abordam a docência de teatro em escolas há uma parte significativa do texto como um todo, normalmente a inicial, dedicada a justificativas para a docência do teatro em escolas. Nas maiores referências, podendo ser citadas Koudela (2009), Spolin (1982), Japiassú (2001) e Courtney (2006), a legitimação explícita ou implícita mais adotada pelos autores está amparada por uma perspectiva que pode ser chamada de “essencialista ou estética” (JAPIASSÚ, 2001, p. 22), que trata a arte como forma de conhecimento, fundamenta-se na “especificidade da linguagem teatral” e consiste em afirmar que há uma forma de pensar, de estar no mundo, especificamente artística - no nosso caso, teatral – “acessível a todo ser humano – e não apenas a um pequeno grupo de iniciados (profissionais de teatro ou aficcionados do teatro amador)” (JAPIASSÚ, 2001, p. 22). Lecionar teatro em escolas se fundamentaria, assim, no fato de que a educação formal deveria dar conta da linguagem teatral e de formas, especificamente teatrais que estão na vida de todos, de pensamento e de estar no mundo, seja no cotidiano ou em situações especiais. Desta maneira, caberia ao ensino teatral contemplar este campo relativamente distinto de saber e de atuação humana, campo este de presença tão importante na educação quanto aqueles que merecem maior atenção nos programas das escolas e nos interesses mais mercadológicos – os campos de conhecimento ligados a uma cognição racional e transponível à escrita - mais valorizados hoje ainda por conta da instauração e domínio virtualmente absoluto do ENEM quanto ao direcionamento da educação. Nesta concepção da educação teatral, o campo

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estético seria uma forma de conhecimento e pensamento fundamental para a vida do aluno, uma vez que “existe na arte um conhecimento estruturador, que permite a potencialização da cognição” (SILVA e ARAÚJO, 2007, p. 11). Concordando com estes argumentos acima, o que aqui assumo e tentarei defender é que este campo é não apenas potencializador, mas constitutivo da cognição, do pensamento, da vida do aluno. A teatralidade imbricada à vida - por exemplo o planejamento e compreensão de eventos e uma percepção teatral do espaço, do tempo e de relações humanas - seria um dos grandes processos de que as aulas de teatro em ambiente escolar tentariam dar conta. Esta perspectiva considera a “arte como uma forma de produzir conhecimento com o real (e não representações dele) tão legítimo, complexo e rigoroso, como podem ser o saber filosófico e o científico” (FARINA, 2008, p. 2). Estes processos não apenas são de leitura da teatralidade do mundo, como produzem novos mundos. Eles são o que podemos chamar de “inteligência teatral”. Uma inteligência teatral parece ser mais complexa do que a inteligência olfativa, por exemplo. A inteligência teatral não apenas percebe diferenças, mas produz decisões, novas formas; a percepção é ativa no sentido de gerar outros acontecimentos, não apenas se remetendo a perceber algo que aconteceu, mesmo que esta capacidade distintiva, de perceber uma “diferença teatral”, perceber que algo está acontecendo, já seja muito. A inteligência teatral nos permite estar em contato e lidar com os acontecimentos da vida. Ela já existe normalmente e as aulas de teatro ampliam a capacidade da pessoa de se relacionar com esta camada teatral da vida. É como nas aulas de português: já somos falantes da língua, mas as aulas (a princípio) nos permitem entrar nos fluxos de linguagem já existentes no mundo e até mesmo produzir novas maneiras de lidar com a linguagem. Entrando mais no processo de aulas de teatro, a “epistemologia do ator” seria aquilo que diz respeito eminentemente aos modos de pensamento bastante específicos que ocorrem na situação de cena, na atuação cênica. Estes modos de pensamento remetem ao pensamento teatral presente na vida, mas são intensificados e eventualmente até ensinados pelo teatro - como no jogo de xadrez, onde capacidades cognitivas de confronto e estratégia presentes na vida são potencializadas.

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Nestas operações todas, o corpo e o pensamento são considerados de maneira distinta daquela que privilegia o racional e o conhecimento quantificável pelo senso comum. O pensamento e o corpo ultrapassam a consciência e o conhecimento. A construção de uma perspectiva que dê conta deste pensamento corporal e teatral seria, esta é a aposta, a ferramenta mais importante para tecer um quadro de compreensão para melhorar as políticas de implementação do ensino de teatro em escolas de ensino formal.

Uma Primeira Distinção A lei nº 9394 de 1996, no que concerne ao ensino de arte, realizou um divisor de águas ao estabelecer que a arte “deixa de constituir-se como atividade escolar, passando a ser definida como área do conhecimento” (ANDRÉ, 2008, p. 126). Assim, o ensino de teatro em escolas objetivaria contemplar o desenvolvimento de um âmbito de pensamento estético, que é tão fundamental na vida de todos como o são, por exemplo, o âmbito matemático, o linguístico, o geográfico. O ensino de teatro em escolas para todos os brasileiros (principalmente para aqueles que não serão atores ou profissionais do teatro), desta maneira, é orientado para a vida dos alunos quanto às questões de teatralidade presentes na sua existência cotidiana, na trama social que os constitui e com que eles se relacionam. Este ensino, nesta concepção, também visa à fruição e criação de obras teatrais para ser apresentadas - componente importante, mas não o principal deste âmbito educacional. No teatro, um dos processos internos mais importantes é o de criação atoral, aquele em que o ator (aluno, no nosso caso), acompanhado ou não de um diretor ou professor (podendo ser este diretor uma pessoa ou uma função que o próprio ator desempenha), constrói aquilo que poderá ou não ser visto por outra pessoa (improvisadamente ou não). Este processo é muito rico em termos de experiência e aprendizado e inclusive tem uma predominância no ensino de teatro nas escolas. Em outras palavras, basicamente o que se ensina em termos de teatro nas escolas deriva dos processos de atuação. Mas se aceitamos a perspectiva valorizada pelos autores dos livros referenciais e por alguns pesquisadores da pedagogia do teatro, este ensino não

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precisa se submeter ao processo de “alfabetização do indivíduo na linguagem da cena produzida por profissionais.” (ANDRÉ, 2008, p. 134). Assumindo este referencial, esta docência em escolas não precisaria ser atrelada às tecnologias de atuação preconizadas de maneira quase normativa pelas formações de atores, mas poderia ser pautada por outras relações entre a teatralidade e a vida que prescindam da espetacularidade. Desta maneira, se afinado com a perspectiva “essencialista” sugerida pelos autores mais consagrados, o aluno poderia ser apresentado às aprendizagens teatrais. [...] adquiridas através do contato prolongado com a linguagem teatral, que influência a vida cotidiana dos alunos-atores, nas mais diferentes situações. Em outras palavras, (...) tudo que se aprende no ou com teatro e se leva para a vida dentro e fora do teatro, sejam elas aprendizagens conceituais, factuais, procedimentais ou atitudinais. (SILVA e FERREIRA, 2010, p. 4).

Considerando isto, e tomando as precauções necessárias com dicotomias, percebo um tipo de discernimento importante a ser estabelecido na educação teatral, dentre outros que podem ser feitos. Por um lado, o aprendizado de inteligências teatrais oriundas da epistemologia do ator ou da atuação (por exemplo, o desafio de estar em cena e a forma de pensar implicada nesta situação), inteligências estas que potencializam a operação teatral do aluno em sua vida cotidiana. E por outro lado, mas dialogando sim com o primeiro direcionamento, o domínio de uma tecnologia de atuação mais orientada para a cena profissional (a cena que visa inserir-se no circuito de produção e circulação de obras teatrais). Estas abordagens se alimentam, mas adoto aqui um posicionamento onde a educação teatral estaria claramente atrelada à primeira modalidade. Isto se dá porque percebo uma grande necessidade de disseminação das intenções de promover, nas instâncias envolvidas com o ensino de teatro no ensino formal, o desenvolvimento de uma percepção ético-estética teatral da vida no sentido mais amplo, não dependente ou hierarquizada aos interesses ligados ao sistema de produção de espetáculos teatrais. O campo da docência de teatro em escolas ainda está iniciando no Brasil, com muitas disputas, incertezas, dúvidas e equívocos inevitáveis por 106


parte de seus participantes. São inevitáveis algumas incoerências, mesmo nos cursos de formação de professores de teatro, quanto ao que motiva os critérios de composição das aulas e, principalmente, avaliação e condução dos processos dos alunos de teatro. A “epistemologia do ator”, o aprendizado pelo exercício do teatro do ponto de vista de um atuante, se por um lado realmente contribui e é fundamental para a formação do aluno no ensino fundamental e médio, por outro não deve ser tomada do ponto de vista da profissionalização. Se pensamos que a educação teatral deve visar o que seja benéfico para os alunos das escolas, o minimamente coerente é que eles sejam avaliados e amparados em seu processo de aprendizagem teatral naquilo que contribuirá para a sua formação pessoal, e não de maneira comparativa à aquisição de habilidades que um ator profissional deve desenvolver. Percebo um prejuízo para o ensino de artes causado pela excessiva influência da profissionalização do teatro e dos atores no modo como os professores de artes atuam junto a seus alunos. Neste processo de contato com a educação teatral, fui também percebendo fragilidades e inconsistências nos objetivos que fundamentam cursos de licenciatura em teatro. O interesse de “formar público”, por exemplo, se mostra para mim como um sintoma de interesse sobre os alunos de escolas para contemplar necessidades do mercado de produção teatral. O teatro, no que concerne a seu ofício e ao sistema de circulação de obras teatrais, é um âmbito necessário e importante para a sociedade. Mas considero que a educação teatral serve aos alunos, e não ao teatro, mesmo considerando que estes elementos não precisem ser antagonizados ou excludentes. O que ela promove é uma experiência teatral da vida no sentido mais amplo, uma “existência teatral” interessante. O teatro não precisa se direcionar apenas ou se restringir ao usufruto de um público teatral em termos de consumo cultural ou entretenimento. Ou, mesmo que pensando de maneira mais abrangente ou contemporânea, permanecer como um setor de trabalho que possa ser circunscrito ao chamado campo artístico de maneira mais convencional. Ele pode dizer respeito também a uma disseminação em rede de uma filosofia de produção de subjetividade, de maneiras de estar no mundo e de crítica política. As práticas teatrais podem se abrir para “novos usos” que retiram a instância teatral dos seus lugares mais cristalizados e a colocam em planos de virtualidade que 107


abrem mais possibilidades percepcionais. O teatro pode inventar possíveis, não apenas pelo seu aspecto ficcional, mas pela proposição e experimentação de novos modos de confronto com o real, pela experimentação de novas formas de agenciamento, de novos enredos e narrativas de vida, da produção de diferença. Docências que promovem processos singularmente criativos junto a seus alunos, construção de agenciamentos férteis, de ricos “agenciamentos coletivos de enunciação” (para utilizar a expressão cunhada por Deleuze e Guattari), existem e não são tão raras quanto perspectivas menos otimistas poderiam avaliar. A despeito de todos os problemas educacionais que sabemos haver, não só no Brasil como no resto do mundo, professores se valem amiúde de estratégias extremamente criativas e conseguem resultados surpreendentes na educação teatral. Estes processos podem contribuir para dinamizar a maneira como produzimos o corpo, os fatos, as relações sociais, a arte de modo que possamos experimentar mais, colocá-los em uma maior virtualidade, desterritorializá-los para novos agenciamentos. Nestes processos, se criam, se constroem, novas formas de viver - de caráter eminentemente estético-político.

Refundamentando A especificidade do ensino de teatro em escolas é ainda hoje majoritariamente fundamentada nos processos psicológicos de aprendizagem, numa referência aos estudos psicogenéticos de Jean Piaget. A arte, o teatro incluído neste campo, remeteria à capacidade simbólica do indivíduo, e seu ensino nas idades mais precoces colaboraria para o desenvolvimento psíquico de todos, principalmente neste campo simbólico. Concordo em grande parte com esta justificativa e reconheço que questões relativas ao desenvolvimento da criança são de extrema importância para refletirmos sobre a educação (sejam elas abordadas em que campo conceitual proposto que for, sendo os mais consagrados, as propostas de Piaget, Vigotski, Wallon). Eu mesmo tenho predileção por Vigotski e Winnicott, e para mim têm assumido importância cada vez maior os mais recentes estudos em neurociências e sociocognição. Mas, de certa forma, nestas acepções, o

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ensino de teatro em escolas estaria sendo necessário nos termos de outro utilitarismo (“outro” porque ainda há pessoas que pensam na docência de teatro atrelada ao ensino de outras disciplinas...). Haveria um processo de desenvolvimento simbólico operando na criança e a arte contribuiria para seu bem desenrolar, não estando considerada como instância constitutiva fundamental, mas mais uma vez como acessória, como coadjuvante. Se ela realmente o for, não há problemas: admitamos seu lugar, se nele ela deve estar... Mas uma perspectiva que associe as aulas de teatro em escolas com a teatralidade da vida não foi ainda satisfatoriamente abordada. E podemos ter a impressão de que não se dá a devida importância à necessidade de estabelecer claramente esta perspectiva sobre a conexão entre o teatro e uma trama da vida - a teatralidade imbricada com a vida. Quando a vida do aluno ou a importância das aulas de teatro entram em análise, o que normalmente se avalia são transformações pessoais que poderiam ocorrer com qualquer outra aula que dinamize melhor seus vínculos sociais, não havendo uma percepção dos aspectos teatrais propriamente ditos em seu cotidiano. Considero que isto não contribui para a constituição de subsídios para que professores tenham uma prática de docência com parâmetros mais abrangentes que a constituição de cenas para exibição. Mas, de todo modo, temos pistas e caminhos. Não parece ser dispensável nem tão complicado justificar consistentemente e construir o porquê de contratar professores de teatro para escolas e investir o tempo das crianças nesta atividade.

Visão Expandida de Teatro E se radicalizássemos o argumento “essencialista” sobre o ensino de artes e pensássemos que a arte é ligada mais profundamente à vida – em todas as suas acepções e âmbitos? Também me alio à ideia de que a arte é (também) ensinada nas escolas para o melhor desenvolvimento dos indivíduos, principalmente na infância. No entanto, considero que suas ligações com a vida das pessoas é mais radical e abrangente do que seu papel coadjuvante em algumas “fases” e âmbitos do

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desenvolvimento infantil, por mais que este desenvolvimento, nós o sabemos, seja de capital importância. Assim, temos de procurar outros, ou pelo menos mais, aparatos conceituais para dar conta desta proposta de ensino de artes, por mais que também seja importante a abrangência do campo simbólico na nossa existência. A partir dos anos 1960, basicamente com os escritos de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari, houve o aparecimento e posterior incremento e disseminação de uma série de textos, atividades acadêmicas e iniciativas na área da filosofia que podem ser agregados em um campo chamado “filosofias da diferença”. Este campo de conecta com a clínica, a política e as artes, em desdobramentos que compõem os chamados “estudos da subjetividade”. Percebo pontos de conexão entre a atual proposta acadêmica de ensino de teatro em escolas, a chamada “essencialista” (preconizando que o ensino de artes não deve ser justificado pela sua utilização como veiculador de conteúdos ou como mera atividade criativa, mas como a exploração pedagógica de uma dimensão estética teatral essencial à vida) e o que Félix Guattari chama de “paradigma estético”, uma forte junção entre vida e arte que reverbera intensamente nos estudos da subjetividade.

Estética Relacional A ideia desta radicalização estética não é original, e tem recursos à mão para se defender. Nicolas Bourriaud, por exemplo, em sua proposta de identificação e até catalogação de uma parcela de artistas contemporâneos que questionariam os lugares e concepções tradicionais da arte, já percebe a trama de indiscernimento entre, de um lado, uma suposta vida “real” e de outro, a “Arte” como vista no paradigma dominante na era moderna, como uma criação em âmbitos à parte do cotidiano. De fato, toda a arte contemporânea coloca em xeque esta dicotomia. Entretanto, apesar desta constatação notória, ainda é difícil para o homem “comum” e mesmo para muitos artistas se dar conta efetivamente desta imbricação entre a arte e a vida; menos ainda explicitar isto de maneira estruturada. O mesmo não ocorre com Bourriaud, que considera isto tudo evidente. Colocando em relevo o caráter político da arte, este autor considera que estes

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artistas contemporâneos claramente assumem uma postura estético-política em que seus trabalhos tentarão desconstruir os códigos presentes na vida para que esta decodificação permita uma reutilização do mundo, invenção de possibilidades de existência. O mundo inclusive já está ocupado esteticamente, fazendo com que tenhamos de re-ocupá-lo, re-utilizá-lo - tese fundamental de um de seus livros, no que Bourriaud designa como uma operação de “pós-produção”. É preciso notar que nesta proposta de ocupação estética do mundo, há um caráter pedagógico na arte. Para muitos artistas contemporâneos, não existe uma Arte (aquela com “A” maiúsculo, restrita, em sua produção e recepção, a uma elite de bem habilitados de um lado e de uma aristocracia culta de outro) que alça os ápices da questão humana desvinculada e desejavelmente distante de uma educação que estaria num pedagogismo rasteiro. Estes âmbitos são associados e se retroalimentam: As práticas estéticas atuais parecem tratar-se como dispositivos de desnaturalização, como lentes de aumento sobre os modos de vida dos sujeitos. Parecem funcionar como artefatos de problematização da intrincada trama da realidade, seja de seus desdobramentos políticos, tecnológicos, econômicos, estéticos ou discursivos. (FARINA, 2008, p. 4)

Se notarmos os exemplos que Nicolas Bourriaud elege, se torna inevitável a percepção de uma visão mais expandida de arte e de seu ensino tanto pela adoção das acepções exploradas pelo autor como pela escuta de propostas artísticas da contemporaneidade. Um exemplo não citado por Bourriaud (ele não cita nenhum exemplo nominadamente teatral), mas com características que contemplam as questões levantados por esta estética relacional, são os trabalhos teatrais do grupo Rimini Protokoll. Este grupo alemão constrói trabalhos (que são mais proposições do que obras no sentido convencional) onde recortes da vida comum efetivamente entram em cena, não apenas na temática, mas na utilização de atores, locais, situações concretas e fortemente estabelecidas nos setores mais arraigados da sociedade dita produtiva e normalmente alijada dos processos de circulação e, mais ainda, produção de bens culturais - como trabalhadores de telemarketing, caminhoneiros, fábricas, etc. 111


Exemplos destas propostas são “peças teatrais” que consistem na entrada de um espectador (isto mesmo, apenas um) num quarto de hotel onde há instalações (no sentido artístico do termo), realizadas pelos funcionários que arrumam os quartos, e televisões onde estes falam aos espectadores, contando suas histórias de vida e de trabalho (sic). Ou a preparação de um caminhão onde os espectadores farão uma viagem que reproduz, de maneira sintética esquematizada ou estetizada, as viagens de transporte por caminhão reais pela Europa, com suas vicissitudes e peculiaridades, sempre dando ênfase às histórias de vida dos trabalhadores. Onde fica mais clara a intenção político-estética deste grupo, e na minha leitura com características de resistência política, é o trabalho Call Cutta in a Box. Trata-se da entrada do espectador numa sala comercial em países europeus, preparada pelos organizadores em conjunto com o ator (que é um atendente de telemarketing), onde há vários objetos e dispositivos. Um telefone toca e no outro lado da linha está o atendente de call center indiano, localizado em Calcutá. Este atendente se comunica com o espectador e o leva a fazer várias atividades, por vezes até corporalmente em conjunto com ele (há câmeras e telas de computador para a videocomunicação), a descobrir várias coisas preparadas, a compartilhar hábitos. O que é importante, nesta proposta, é que o atendente de call Center faz isto dentro do seu local de trabalho, utilizando recursos de seu empregador para uma coisa diferente da produção que lhe é normalmente demandada pelo patrão. É de dentro do sistema que o atuante faz seu trabalho teatral: O que importa é nossa capacidade de criar novos arranjos dentro de equipamentos coletivos, formado pelas ideologias e categorias de pensamento, criação que apresenta várias semelhanças com a atividade artística. A contribuição de Guattari para a estética seria incompreensível se não destacássemos seu empenho em desnaturalizar e desterritorializar a subjetividade, em tirá-la de seu domínio reservado, o sacrossanto sujeito, para enfrentar as inquietantes margens em que proliferam os arranjos maquínicos e os territórios existenciais em formação. (...) é preciso aprender a “captar, enriquecer e reinventar” a subjetividade, sob pena de vê-la se transformar numa aparelhagem coletiva rígida a serviço exclusivo do poder. (BOURRIAUD, 2009b, p. 124-125). 112


Na citação acima há a menção significativa, por parte de Bourriaud, do termo subjetividade. Para Guattari, a produção de subjetividade remete às formas de viver, aos sistemas de valores nos esquemas de trocas contemporâneos (principalmente simbólicas) e a ênfase na sua importância vem atrelada a um trabalho persistente de tentar desmassificar estes processos. O “concreto” sai do lugar clássico e “senso comum” que o associa a construções imobiliárias, dinheiro, saúde física, e passa a compreender as atividades humanas como um todo: A meu ver, essa grande fábrica, essa poderosa máquina capitalística produz, inclusive, aquilo que acontece conosco quando sonhamos, quando devaneamos, quando fantasiamos, quando nos apaixonamos e assim por diante. Em todo caso, ela pretende garantir uma função hegemônica em todos esses campos. Eu oporia a essa máquina de produção de subjetividade a idéia de que é possível desenvolver modos de subjetivação singulares, aquilo que poderíamos chamar de “processos de singularização”: uma maneira de recusar todos esses modos de encodificação preesta­belecidos, todos esses modos de manipulação e de telecomando, re­cusá-los para construir modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produ­zam uma subjetividade singular. (GUATTARI e ROLNIK, 2005, p. 22-23).

Se por um lado a produção de subjetividade pode ser compreendida dentro da perspectiva elaborada pelos chamados processos de subjetivação identificados por Michel Foucault, por outro ela diz respeito, de dentro destes processos, de dentro dos sistemas que formam a subjetividade (e a educação é um dos principais sistemas constitutivos da subjetividade), a processos singulares, criativos. E todo este trabalho criativo de decodificação ligado à arte imbrica-se a isso: É evidente que a arte não detém o monopólio da criação, mas ela leva ao ponto extremo uma capacidade de invenção de coordenadas mutantes, de engendramento de qualidades de ser inéditas, jamais vistas, jamais pensadas. O limiar decisivo de constituição desse novo paradigma estético reside na aptidão desses processos de criação para se auto-afirmar como fonte existencial, como máquina auto-poiética. (GUATTARI, 1992, p. 135). 113


Faço notar que no livro “Jogos Teatrais”, de Ingrid Dormien Koudela (2009), é mencionada uma das características teatrais fundamentais no desenvolvimento da pessoa – a compreensão dos eventos que a cercam e a constituem. A decodificação que estas formas artísticas aqui colocadas em relevo se dirige não só a formas mais abstratas, mas também a padrões narrativos, enredos que nos constituem. Nicolas Bourriaud, em seu livro “Pós-Produção”, que se mostra como complementar ao seu trabalho mais conhecido, “Estética Relacional”, nota estes enredos e roteiros estruturados que compõem nossa vida cotidiana, principalmente em seu aspecto político: A sociedade humana é estruturada por narrativas, por enredos imateriais que se traduzem em maneiras de viver, em relações no trabalho ou no lazer, em instituições ou em ideologias. Os responsáveis pelas decisões econômicas projetam cenários sobre o mercado mundial. O poder político elabora previsões e planejamentos. Vivemos dentro dessas narrativas. Assim, o emprego segue o enredo dado pela divisão do trabalho; o casal heterossexual segue o enredo sexual dominante; a televisão e o turismo oferecem o enredo privilegiado para o lazer. (BOURRIAUD, 2009, p. 49).

Para o autor, os trabalhos artísticos relacionais visam justamente atuar neste âmbito estético da vida real, nestas estruturas sintéticas e previamente introduzidas nos aspectos cotidianos que vivemos de maneira clara ou não, percebida ou não. Ao desnaturalizar estes quadros predefinidos e as fronteiras ilusórias entre ficção e informação (termos utilizados pelo autor), utilizando, decodificando estas formas para produzir linhas narrativas divergentes, relatos e enredos alternativos, estes artistas visam a possibilidade de criar mundos outros que não os dominantes, mundos que concretamente vivemos no dia a dia, aspectos e questões da vida coletiva e cotidiana. Estas atividades artísticas visam dialogar diretamente com o mundo que nos cerca e o cotidiano, interagindo e agindo sobre ele, atitude presente também em algumas produções teatrais. Michel de Certeau demonstrou ter uma visão bastante positiva e otimista de todos os fenômenos cotidianos.

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Certeau percebe não só um teor político em práticas cotidianas como um poder de abrir brechas nos modos de vida já determinados de maneira global: Muitas práticas cotidianas (falar, ler, circular, fazer compras ou preparar as refeições etc.) são do tipo tática. E também de modo mais geral, uma grande parte das “maneiras de fazer”: vitórias do “fraco” sobre o mais “forte” (os poderosos, a doença, a violência das coisas ou de uma ordem etc.), pequenos sucessos, arte de dar golpes, astúcias de “caçadores”, mobilidades da mão-de-obra, simulações polimorfas, achados que provocam euforia, tanto poéticos quanto bélicos. (CERTEAU, 1998, p. 47).

Estas táticas, identificadas por Certeau, situam-se sempre no cotidiano, nunca no espetacular ou excepcional. São amigas do irracional, do não planejado, e inserem o inusitado nas estratégias, planejamentos e organizações previamente definidos, já institucionalizados. Elas operam por bricolagem, por anexação, por aproveitamento de ocasiões, por isso, em grande parte, a sua capacidade de resistência à ciência, à estatística, etc. E sim, elas dizem respeito a confrontos de poder. Questão reelaborada posteriormente por Bourriaud, seu campo de atuação em grande parte transita pelo percepcional, na linguagem, no estético, operando resistências estéticas. Lembremo-nos da pergunta-provocação de Foucault sobre o isolamento da prática artística aos rotulados (inclusive por si mesmos) como artistas, utilizada como epígrafe deste trabalho. Esta atividade criativa no cotidiano não é apenas de decodificação ou de elaboração simbólica: ela efetivamente é uma produção de vida. Porque a reutilização do mundo, esmiuçada por Bourriaud, e o paradigma estético de Guattari significam construir uma vida com propriedade, do poder de construir uma vida que, mesmo imbricada com as potências maiores da rede de poderes sociais, possa intensificar suas próprias potências, seu poder de autodeterminação situada. Autodeterminação que se constitui como prática cotidiana e que considera a vida tida como comum como o trabalho estético significativo.

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Uma Vida Estética No filme O curioso caso de Benjamin Button, realizado em 2008, há um personagem bastante interessante, Capitão Mike, interpretado pelo ator Jared Harris, que nos sugere uma relação “curiosa” entre vida e arte. Além das aparições do capitão no filme, que configuram uma figura de presença intensa, há um diálogo que explicita ambiguidades e precariedades em sua relação com o seu projeto de vida: CAPITÃO MIKE - Qual é o nome do seu pai? BENJAMIN BUTTON - Nunca conheci o meu pai. CAPITÃO MIKE - Então, você é um sortudo! Os pais só nos inferiorizam! Sou dono do barco do meu pai. Trabalho todos os dias. Aquele gordo bastardo! Quando fiquei nervoso eu disse: “Não quero passar minha vida em um barco de reboques!” Entendeu o que eu queria? Não queria passar a vida num rebocador? Precisamente! Sabe o que o meu pai me disse? Ele disse... “Quem você acha que é? Acha que consegue ser algo?” Eu disse: “Bem, já que pergunta... Quero ser um artista”. Ele riu e disse: “um artista? Deus quer que trabalhe num reboque, como eu, e é precisamente isso que vai fazer”. Mas me tornei um artista! Um artista de tatuagens! Todas foram feitas por mim. Tem que me esfolar vivo para tirá-las de mim. Quando morrer, vou lhe mandar o meu braço. Não deixe ninguém dizer o que deve fazer. Devemos fazer o que queremos! Acabei me tornando um artista. BENJAMIN BUTTON - Mas você é o capitão do rebocador!

A frase de Benjamin Button ao fim do discurso autoapologético de Mike destrói toda a magnificência da figura de artista que o capitão faz de si. Mesmo sendo um artista que faz seu próprio corpo, pelo menos visualmente através das tatuagens, Mike está também totalmente preso ao que seu pai lhe havia reservado. Mas esta semiconclusão, que, mesmo tendo ambiguidades (Mike de certo modo é realmente um artista), acaba por afirmar que esta vida que o capitão recebeu-construiu para si foi uma derrota, pede um olhar mais atento. E quinze minutos depois no transcorrer do filme, num bar, o mesmo capitão Mike está no meio de outros frequentadores da espelunca, e mais uma vez discursando efusivamente: 116


CAPITÃO MIKE - O beija-flor não é apenas um pássaro a mais. O seu coração bate 1.200 vezes por minuto. Bate as asas 80 vezes por segundo. Se pararmos as suas asas, eles morrem em menos de 10 segundos. Este não é um pássaro comum... é um grande milagre! Fotografaram o bater das asas em várias fotografias. E viram as asas assim... (GESTICULA COM OS BRAÇOS, DE MANEIRA LENTA, EXPANSIVA E GRACIOSA, COM UM MOVIMENTO EM “OITO” NA HORIZONTAL) Sabem o que descobriram, na simbologia matemática? O infinito. O infinito!

Os ouvintes, apesar do ambiente e de sua suposta camada social, estão atentos e a expressão facial de Mike é de júbilo. Numa flagrante interdisciplinaridade (cinema, biologia, atuação teatral, matemática), Mike consegue produzir um evento artístico num local dos mais inusitados e para um público dos mais improváveis. E confere poesia ao que para alguns é mera informação, produzindo experiência e novas formas de percepção e pensamento a um fato da vida cotidiana. Em outras palavras, o capitão Mike produz um acontecimento artístico fora dos âmbitos e dos quadros de percepção previamente determinados para tal. Ele pratica arte de maneira entranhada em sua vida, disseminando, às expensas de seu cotidiano, perturbações estéticas que muitas vezes não serão percebidas ou consagradas (recompensadas?) como tal. As relações e imbricamentos entre arte e vida se fazem valer e notar de diversas maneiras e em muitos campos sociais. Tocam várias questões filosóficas, políticas -, bem além das estritamente estéticas. Por muitas vezes, questões estéticas são desdobramentos e derivações de propostas políticas. A ideia de uma radicalização estética não é nova e podemos perceber, por exemplo, uma linha filosófica contemporânea que teria em propostas de Friedrich Nietzsche os motores para a construção de valores estéticos que orientem uma vida. Na arte, o século XX esteve repleto de práticas e manifestações de artistas que tocavam, de maneiras diversas e com grande variação de intensidades, estas relações arte–vida. Ao lidar com este componente estético da vida, não só tocamos uma capacidade de decodificação de um estrato já presente na sociedade (um estrato de teatralidade, digamos assim), como fomentamos a potência de produzir novos modos de teatralidade no cotidiano. Esta promoção de um 117


domínio de potências da vida está diretamente conectada ao conceito de vontade de poder, proposto por Nietzsche. Este poder, que provavelmente se associaria à autopoiese ou à heterogênese, conceitos fundamentais nas propostas de Félix Guattari está marcadamente presente na arte, como Nietzsche a concebeu. A arte e a educação, se nos aproximamos desta proposta ética, teriam o interesse em fomentar a potência, alimentar centelhas de vida. Um exemplo deste “procedimento” pode ser notado em oficinas de cerâmica para cegos em relato de Virginia Kastrup (2007). A oficina descrita por Kastrup é direcionada para cegos que adquiriram tardiamente esta ausência de visão parcial ou total. Falar que ela se foca nos trabalhos é adequado, uma vez que ela não se detém sobre os produtos cerâmicos que a oficina origina. O que interessa a Kastrup são os trabalhos mesmo – o processo de trabalho de cada participante com a cerâmica, sobre a cerâmica, a partir dela. A autora atua na área de psicologia, e falará direta ou indiretamente sobre o processo pessoal que inevitavelmente ocorre com aqueles que de confrontam com as especificidades da argila, num setting de trabalho individual e coletivo ao mesmo tempo. Uma operação terapêutica se faz notar no texto. De certo modo, todo ele fala desta operação, mas em um momento isto fica mais explícito, quando Kastrup identifica que no trabalho há o que ela chama de uma aposta numa expansão do que ali ocorre para a vida. O funcionamento terapêutico se deveria a princípio a um paralelo entra a criação de peças e a “criação de si mesmo”. Este processo terapêutico não difere muito de processos em educação. Na verdade, educação e terapia são na maior parte do tempo bastante imbricadas. A ideia é interessante e se detém sobre o estímulo de centelhas de vida naqueles a quem dirijo meu trabalho, aqueles com quem estou trabalhando como professor. Em processos terapêuticos ou em educação, talvez este seja um bom norte ou princípio: ver onde há centelhas de vida, potência, nos participantes e procurar propor situações onde composições possam ser construídas, experienciadas, composições que aumentem a potência de vida. Se pensamos numa certa ética de vida onde realmente sejam estas composições o maior orientador de ações, o trabalho na oficina é uma mimese da vida. Assim, a oficina é vida, remete à vida, se expande para a vida, expande a vida. 118


Debruçando-nos sobre os aspectos políticos na relação entre arte e vida, convém focar no fato de que a arte reconfigura, deforma, seleciona e recria a realidade; ela produz realidade. Esta reconfiguração parece ser uma operação que se coaduna com as decodificações e reutilizações de Bourriaud e uma reapropriação do mundo, enfim. Nestas acepções adotadas, a arte não é um processo excepcional, mas um âmbito fundamental da vida, um estrato que cabe a nós re-dominar e fazer diferente do que já está determinado, fazendo um novo mundo. Voltando, então, à questão da educação (se é que saímos dela em algum momento), convém lembrar a hegemonia epistemológica que ocorre no imaginário sobre o ensino: as disciplinas, o conteúdo “verdadeiro”, aquele que realmente “serve” para os alunos, é o científico, ou ao menos o intelectual, o reduzível à escrita. O ENEM fortaleceu mais ainda esta discriminação, uma vez que o conteúdo de artes nele está reduzido à forma escrita, e ainda por cima com questões de múltipla escolha. Mas lembro da perspectiva que quero defender aqui: a arte se torna um conteúdo, com elementos cognitivos (racionais e principalmente não racionais) e de produção de mundo que se mostram como fundamentais, sendo distintos dos conteúdos localizados num paradigma científico. A proposta Nietzscheana de considerar a arte como um âmbito de intensificação da vida implicou também numa crítica, então inédita, de todo o aparato epistemológico que tornou, ao longo dos três séculos precedentes à sua obra, a ciência uma instância de poder mor sobre a vida. Neste sentido, Nietzsche eminentemente criticou o conhecimento racional que veio tomando todos os espaços epistêmicos num processo crescente desde Sócrates e Platão. Para Nietzsche, o critério de valor efetivo é a intensificação da vida. A arte é que será a atividade humana, por excelência, com seu poder de “criação de formas e esquemas afirmativos da vida” (ARALDI, 2006, p. 74), que é o que realmente efetua ou promove a intensificação da mesma. Assim, podemos dizer que Nietzsche não está exatamente interessado na arte (pelo menos na maneira como a vemos no senso comum), mas na vontade de poder, no aumento de potência de vida. A operação do artista é que é o ângulo adotado. Ele considera o “fenômeno artista”, e não tanto a arte, e não dá tanta atenção à obra de arte, à cultura, mas ao fazer, à poiésis, ao artista que se compõe no ato criativo de viver de maneira potente. 119


O interesse não está naqueles que recebem a arte ou no “belo”, mas na criação. Talvez seja desnecessário dizer, a esta altura desta escrita, que interpreto esta acepção como um processo análogo ao que percebo como importante na educação teatral... Assim, o niilismo seria, por oposição, a perda desta capacidade de criar formas artísticas que deem sentido à vida. Nietzsche acaba, então, por chegar a uma “teoria da vontade de potência em que a vida é considerada como princípio último de avaliação tanto do conhecimento quanto da moral” (MACHADO, 1999, p. 11): Na atividade criadora do artista, a vontade de potência consegue alcançar sua efetividade, sua auto-afirmação, de modo que Nietzsche elege a arte como campo privilegiado porque nela se dá a única forma de “verdade” alternativa à verdade dominante da metafísica ocidental, ou melhor, a arte, enquanto o acontecimento fundamental no seio do ente como um todo, é superior à própria noção de verdade (entendida como algo supra-sensível). (WERLE, 2006, p. 80).

E esta perspectiva, construída de maneira então original dentro da filosofia por Nietzsche, fornece, acredito, condições de possibilidade conceitual e existencial para que filósofos e artistas no século XX possam seguir uma linha de raciocínio de valorização da arte como essencial à vida e da vida como critério último de valoração, de decidir o que é mais importante à vida. Não a vida como sobrevivência, mas a vida como potência de vida. E de maneira mais intensa e até radical, um posicionamento da arte nos fundamentos da tessitura da vida.

Arrematando Em cada pequeno gesto, atitude, confronto, encontro que nós professores temos com alunos estão operando os princípios que nos norteiam. Estes princípios são tão mais atuantes quanto menos os percebemos. Isto ocorre mesmo quando a ação é sutil e improvisada - na verdade, quanto mais improvisada, mais atrelada aos nossos princípios pedagógicos ela é.

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Cabe a nós todos, principalmente aos pesquisadores e professores universitários, analisar, estruturar, explicitar e sugerir princípios que permitam melhorias nas práticas docentes. Se hoje esta formação está virtualmente abandonada, isto se deve não apenas à precariedade do ensino como um todo, mas também a uma falta de consistência e concretude na proposta de presença do teatro na vida da pessoa comum (leia-se “todos”). Uma vez que aulas de teatro serão para todos, é preciso pensar em como e no que elas serão importantes na vida de cada um. Quase ninguém será ator ou profissional de teatro. E mesmo a formação de público é algo muito menor, diante de toda uma rede de trocas e experiências estéticas que não só permeiam, como definem a vida de todos. Se pensadas assim, acredito que as aulas de teatro são um lugar fundamental na formação dos alunos das escolas. A pessoa teatralmente inteligente é potente, percebe melhor as relações, sua vida. Ela tem uma experiência mais rica, menos utilitarista, valores menos suscetíveis a influências massificadas. Consegue produzir modos de viver mais pertinentes a ela; eventualmente à sociedade. Como nos faz ver Bourriaud, a própria arte, através do trabalho de muitos artistas, já tem mesclado a produção de eventos para fruição a um aspecto pedagógico. Com Nietzsche, pensamos numa valoração da vida que não se submete à verdade, mas à construção de uma vida estética, uma vida que seja uma obra de arte. No último filme de Quentin Tarantino, Django livre, há um personagem coadjuvante, que eu considero na verdade o principal, que se chama Dr. Schultz, realizado pelo ator Christoph Waltz. Schultz leva sua vida de maneira eficiente, conseguindo o que quer e o que precisa através de uma competência excepcional e um conhecimento dos fluxos, regras, trâmites da vida em sociedade. Mas no fundo, ele questiona quase todas as leis. Poderíamos vê-lo como um hedonista, um egoísta, apenas ligado a desejos individuais. Mas quase no fim do filme, mesmo já tendo obtido o que queria, ele prefere morrer a apertar a mão do vilão que ele desprezava. Ele morre pelo que vivia, por um senso estético, por uma vida bela. Viver sem esta opção não valia a pena...

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Como disse Frei Tito, “é preferível morrer do que perder a vida”. Talvez nossas aulas de teatro sejam para isso: uma vida bela. E talvez eu tenha mentido até aqui: mais do que defender que a vida é mais importante do que o teatro, é mais provável que tudo o que foi dito aqui seja para que a vida seja como ele.

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A educação integral e a introdução ao teatro por meio dos jogos cooperativos e das brincadeiras populares na formação de cidadãos críticos e participativos Cláudio Roberto Severo Junior Carlos Frederico Bustamante Pontes

Apresentação O Projeto de Extensão Educação Integral na Região das Vertentes, vinculado diretamente ao Ministério da Educação, foi pensado no intuito de viabilizar uma interlocução mais efetiva, pelo fato de ser orientada, de alunos de diferentes licenciaturas da Universidade Federal de São João delRei em sua atuação como monitores/oficineiros em escolas da Região das Vertentes, em Minas Gerais, que se cadastraram ao Projeto Mais Educação do Governo Federal. Dentre as diferentes oficinas que contribuem para as ações do Projeto nos municípios do entorno de São João del-Rei, onde se situa a universidade federal de mesmo nome, o Teatro foi contemplado como uma das áreas a serem vinculadas ao trabalho em função das solicitações das escolas em diálogo com a comunidade, alunos e professores. Em virtude da existência, na UFSJ, de um curso de teatro nas modalidades de Licenciatura e Bacharelado, a referida disciplina pôde ser oferecida pelos alunos em formação e orientada pelos professores que atuam no projeto. Enquanto disciplina regulamentada nacionalmente pela LDB de nº 9.394 e obrigatória no currículo formal das escolas de ensino fundamental

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e médio do Brasil desde 2006, o Teatro não tem ainda, por questões políticas e culturais, a expressividade de atuação requerida e necessária pela Lei em vigor, mas vem, continuamente, se fortalecendo dentro do país enquanto área do conhecimento na licenciatura através dos sempre novos cursos que são abertos nas diferentes universidades públicas e particulares dos diversos cantos do país. Na UFSJ, por exemplo, a licenciatura em teatro foi reconhecida formalmente pelo Ministério da Educação no ano de 2013, obtendo a nota máxima, cinco, em sua primeira avaliação geral. Com alunos já graduados, a licenciatura em teatro da UFSJ vem contribuindo para a formação de novos professores interessados em contribuir para o aumento desta demanda de atuação nacional no âmbito do ensino formal na Educação Básica. A atuação dos alunos/monitores em teatro, que participam do Projeto e que foram selecionados previamente pelos professores orientadores do referido curso, conjuga tanto o favorecimento da formação destes alunos, pelo viés da experiência in loco – como práxis formativa –, quanto a possibilidade de contribuição efetiva da linguagem teatral, em sala de aula, a partir do interesse das escolas por esta disciplina. Esta atuação, no entanto, tem se dado de diferentes formas e a partir das circunstâncias específicas da instituição cadastrada, local em que está situada, gestão escolar e condições de trabalho gerais. É claro que, cada aluno monitor, irá imprimir também uma característica pessoal ao seu trabalho que se unirá aos conhecimentos recebidos através da licenciatura em teatro, bem como dos professores orientadores ao longo do processo e percurso da oficina. No relato do trabalho que se segue, do aluno Cláudio Roberto Severo Junior, percebe-se a nítida integração destas diferentes contribuições, que vão se mesclando pouco a pouco a partir de sua atuação, e que vão favorecendo a constituição do educador, em formação, frente aos desafios do processo de profissionalização que a licenciatura em teatro requer. Sua atuação, no entanto, se dá por meio de uma atitude segura e ao mesmo tempo flexível diante do jogo de circunstâncias que se mostram presentes no diálogo do monitor frente às condições de trabalho que encontra e do contato com o educando no âmbito do processo educativo. Além disto, estas condições, por vezes descritas por Cláudio como bastante adversas, não o dissuadiram a desistir do enfrentamento das mesmas e, pelo contrário, o instigaram a 128


enfrentá-las através de uma atitude corajosa e sensível. Desta forma, concluo a apresentação deste relato dizendo que o ato de educar revela-se, antes de tudo, no ato de enfrentar, a cada momento, a difícil e ao mesmo tempo fascinante tarefa de nos defrontarmos com o obscuro e o luminoso em nós, no outro e no mundo, rumo a um lugar delicado em que o encontro de diferentes humanidades pode se dar diante do ato inexorável de relacionar-se e viver, tarefa a que nossa existência e o nosso ser social estão o tempo todo nos chamando a enfrentar no continuum dos dias que seguem. Carlos Frederico Bustamante Pontes

Introdução O relato a seguir é uma síntese do primeiro módulo de trabalho acontecido entre os meses de março a junho de 2014, realizado por mim, Cláudio Severo, enquanto aluno/monitor integrante do Projeto de extensão Mais Educação na Região das Vertentes e com a orientação do professor do Curso de Teatro da UFSJ Frederico Bustamante. O trabalho teve como base metodológica um roteiro de aulas práticas com o uso, a fim de resgate, dos jogos e brincadeiras populares e tradicionais no âmbito do ensino não formal da Educação Integral. Através destes jogos, os alunos da Escola Municipal Professora Alice Lima Barbosa, situada na cidade de Tiradentes/MG, puderam vivenciar e conhecer um pouco o universo destas brincadeiras populares e tradicionais existentes no Brasil. O intuito das aulas realizadas foi o de, também, desenvolver o cooperativismo por meio de jogos e debates, uma vez que as sociedades moderna e contemporânea vêm se estabelecendo cada vez mais a partir de uma perspectiva de relacionamento por meio da competição. Sendo a escola uma difusora e formadora de conhecimentos e valores éticos e sociais, pensei, enquanto proponente do trabalho, desenvolver o lado mais humano e ao mesmo tempo cooperativo dos alunos ao invés do competitivo, que, em geral, sabemos que costuma gerar problemas. Ao colocarmos o aluno em situação de rivalidade e competição na sala de aula, a aceitação pessoal e social deste fica muito vinculada ao fato de se ganhar ou perder em um determinado jogo, o que acaba por gerar, assim, um nível alto de angústia, ansiedade, estresse e agressividade na turma, visto que, a 129


competição, coloca-se como força motriz dos jogos competitivos e a perda ou o ganho seus únicos resultados possíveis e mensuráveis.

Desenvolvimento O trabalho do Projeto foi iniciado mais especificamente na escola em questão em novembro de 2013 e, até o atual momento, vem se desenvolvendo com oficinas de artes, esportes, apoio pedagógico e teatro. Cerca de vinte e cinco alunos integram a oficina com idades entre oito e doze anos. Os alunos participantes do projeto estão cursando o ensino fundamental, que acontece na parte da manhã na escola. O projeto é desenvolvido na parte da tarde com início ao meio dia e com término às quinze horas. As aulas de teatro, sobre as quais relatarei em seguida, acontecem sempre às segundas-feiras. No dia 17 de março de 2014, a primeira aula da oficina foi iniciada por volta de meio dia e meia. No primeiro momento, reservei um tempo para explicar aos alunos em que consistia basicamente o projeto e como funcionaria, uma vez que os novos participantes da oficina não sabiam direito do que se tratava. O Programa Mais Educação foi instituído pela Portaria Interministerial n.º 17/2007 e integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral. (Ministério da Educação)

Em seguida, levei os alunos para o local onde ocorreriam as aulas de teatro e que fica cerca de cinco minutos da escola. O espaço, cedido para a realização do projeto em questão, é o salão da igreja da Santíssima Trindade que fica situado atrás da Escola Municipal. Para chegarmos ao local, costumamos percorrer, normalmente, uma trilha que dá acesso ao pátio da igreja onde está instalado o salão; nesta trilha, passamos perto de barrancos e próximo ao local onde está sendo construído o espaço efetivo para a utilização das atividades do projeto. O caminho até o local da sala de aula é escorregadio, devido ao cascalho de que constituído o chão, o que torna o percurso um pouco arriscado, já, que, além do chão irregular,

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surgem brincadeiras com pedras e galhos presentes ao longo do percurso, utilizados em alguns momentos pelos alunos para brincar e arremessarem uns contra os outros. No salão da Igreja, há um pequeno palco com piso de tacos, que em sua maioria estão soltos, e o espaço é pouco iluminado com o piso escuro e áspero que se estende até a metade da parede; a pintura das paredes é branca, porém encardida, e, nos cantos do salão, ficam empilhadas várias mesas e cadeiras plásticas. Esta configuração espacial torna o local sem muitos estímulos para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, imaginário e criativo dos alunos; não há nada de lúdico e instigante no local para a realização das aulas de teatro, que, basicamente, trabalha com a criatividade dos participantes. Por outro lado, não é possível modificarmos nada no espaço, uma vez que o mesmo é também utilizado para outros diversos fins. Partindo do pressuposto que o espaço deve ser um ambiente criativo, acolhedor e provocador de estímulos visuais, Gandini (1996, p. 157) aponta que Um ambiente é um sistema vivo, em transformação. Mais do que espaço físico, inclui o modo como o tempo é estruturado e os papéis que devemos exercer, condicionando o modo como nos sentimos, pensamos e nos comportamos, e afetando dramaticamente a qualidade de nossas vidas. O ambiente funciona contra ou a nosso favor, enquanto conduzimos a nossa vida.

Apesar destas circunstâncias, as aulas aconteceram durante os meses mencionados e, em sua maioria dentro deste salão; por isto tivemos que passar por cima dos múltiplos problemas detectados e focar apenas no desenvolvimento dos alunos e no trabalho que tínhamos a realizar. No início do processo, pedi que os participantes da oficina se sentassem formando um circulo para podermos conversar melhor; este processo de organização para o início da aula levava cerca de dez a quinze minutos, pois a dificuldade dos alunos formarem uma roda sem que ninguém ficasse de fora ou mesmo algumas vezes dentro do circulo e pudessem se olhar era algo normalmente difícil. Após este primeiro momento, perguntei a eles o que achavam que era Teatro; uns não sabiam e outros arriscavam dizendo que teatro era fazer 131


novelas e fantoches. A próxima pergunta foi: O que eles gostariam de fazer e aprender nas aulas de Teatro? Logo começaram a chover respostas como brincar, bagunçar, fazer bonecos e até “nada” foi dito; para terminar os questionamentos, perguntei quem já havia assistido a uma peça de teatro; como poucos levantaram as mãos, confesso que, quando percebi que nem todos ali haviam ido ao teatro ou mesmo sabiam direito o que era teatro, fiquei um pouco perplexo com a situação, já que no ano de 2013 havia ocorrido o primeiro Tiradentes em Cena, um festival de teatro na cidade com uma extensa programação gratuita, além dos muitos eventos que acontecem normalmente e que levam espetáculos, música e dança para Tiradentes; sem falar no Centro Cultural Yves Alves, que costuma ter uma programação variada todos os meses. Depois da nossa conversa sobre o que seria o teatro, iniciamos um jogo para memorização de nomes, integração em grupo e apresentação de cada um; neste jogo, uma primeira pessoa fala seu nome e a pessoa que está sentada do seu lado direito diz o nome da anterior e assim sucessivamente; no final, a última pessoa teria que ter memorizado os nomes de todas as outras que falaram anteriormente para poder repeti-los. No primeiro dia de aula o tempo foi curto; após o encerramento desta atividade de apresentação, ensinei aos alunos uma música e todos aprenderam e cantaram conjuntamente. Além da música, uma movimentação corporal acompanhava o ato de cantar criado também para aquela atividade. Feito isto, dei por encerrada a primeira aula da oficina no projeto. Neste primeiro dia de aula não houve a divisão de turmas, embora eu, normalmente, desenvolva um plano de aula comum para ser realizado por duas turmas, modificando apenas algumas regras dos jogos entre uma e outra aula. No início, quando comecei a ministrar as primeiras aulas, o desafio inicial era a minha adaptação ao projeto, algo novo na escola de uma maneira geral. Eu era um professor diferente, assim como os outros professores integrantes do Programa Mais Educação, e o grupo de alunos era também heterogêneo, com crianças que estudavam juntas e outras que se conheciam, ou não, de turmas anteriores. Em princípio houve boa receptividade a mim e ao meu trabalho. Comecei desenvolvendo a formação e a consolidação do grupo; assim, meu objetivo maior nas primeiras aulas foi trabalhar a identificação 132


e o reconhecimento de pertencimento de cada um como parte integrada do todo da turma, objetivo fundamentado principalmente no fato de existirem crianças com idades diferentes e que não estudavam juntas e, por isso, pouco se conheciam. O meu método de trabalho baseou-se no reconhecimento do grupo através de pesquisas realizadas a partir de jogos de concentração, aquecimento e rodas de conversas. Os jogos cooperativos1 utilizados ao longo das aulas, são jogos para compartilhar vivências, unir o grupo, despertar a coragem de se arriscar, com pouca preocupação com a ideia de fracasso ou sucesso diante da realização da atividade. Eles reforçam a confiança pessoal e interpessoal. Foi a partir dos jogos de cooperação, que desenvolvi minhas primeiras aulas no intuito da integração da turma. Com estes jogos, buscávamos simplesmente jogar, estar juntos, observando as questões que surgiam no decorrer da aplicação dos mesmos e que envolviam, dentre outras coisas, o fato de existir o contato físico de um aluno com outro; conjuntamente com os jogos cooperativos, passei a aplicar também dinâmicas de interação que visavam o trabalho de respeito ao próximo. No decorrer das aulas, em sua maioria, grande parte dos alunos estava interessada em participar e executar as atividades propostas, havendo apenas o desacordo de um aluno que dizia que o que mais gostava de fazer na escola era bagunçar. Sendo assim, quase nunca se atinha às atividades realizadas, se empenhando apenas em atrapalhar os demais que queriam participar da aula. Apresentei a situação ao orientador e juntos começamos a pensar em uma possível solução para o problema; chegamos à conclusão de que eu deveria tentar integrar o aluno ao processo de trabalho e ao grupo oferecendo a ele atividades que o fizessem agir como um ajudante do professor, um monitor durante as aulas e atividades. Ao aplicar esta sugestão do orientador, os problemas de desinteresse e dispersão do aluno cessaram; o que me levou a concluir que, ao pedir para que o aluno se tornasse o meu ajudante, favoreceu que ele desenvolvesse um foco no trabalho realizado 1. Um jogo cooperativo é um jogo onde um grupo de jogadores é instruído a demonstrar comportamento cooperativo, transformando o jogo em uma competição entre grupos ao invés de uma competição entre indivíduos. Os jogos utilizados em sala de aula se encontram em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1798-6.pdf/ Acesso em: 4 set. 2014.

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e se sentisse pertencente ao grupo de forma positiva, além de valorizado como integrante do processo. Juntamente com os jogos cooperativos, iniciei um trabalho com brincadeiras populares e tradicionais com o objetivo não só do resgate destas na cultura infantil, como também de valorizá-las e ensiná-las em suas múltiplas expressões pelo Brasil afora. Além da intenção de resgatar a vivência dos jogos e brincadeiras na experiência de vida dos alunos, hoje bastante esquecida, o objetivo do uso destas atividades introdutórias ao ensino do teatro era o trabalho no intuito do desenvolvimento da imaginação, do espírito de colaboração e de socialização, favorecendo, assim, que os alunos compreendam melhor o mundo à sua volta e o lugar que eles podem ocupar no âmbito das relações interpessoais em sociedade. Segundo Piaget (1978), o desenvolvimento do jogo está ligado aos processos puramente individuais e da ordem do símbolo, inerentes à estrutura mental da criança, e só por ela podem ser explicados. Assim como no desenvolvimento infantil, o autor analisa a espontaneidade no desenvolvimento do jogo, ou seja, conforme se organizam as novas formas de estrutura mental, surgem novas possibilidades de modificações dos jogos que, por sua vez, vão se integrando ao desenvolvimento do sujeito por intermédio de um processo denominado assimilação. No mundo atual, devido às diversas mudanças urbanas que as sociedades vêm sofrendo, em que cada vez mais pessoas vão morar em prédios e condomínios fechados devido aos altos índices de violência principalmente nas grandes cidades, o que acontece é que os jogos e brincadeiras populares e tradicionais estão entrando em franco declínio, sendo substituídos pela televisão, pelos jogos eletrônicos e pelo computador. Mesmo no interior, como pude observar através do trabalho com os alunos durante a oficina, as crianças vêm sofrendo uma perda da experiência do brincar e da vivência lúdica próprias da infância; ao assumir muitas vezes as responsabilidades da vida adulta precocemente, a criança amadurece mais rapidamente e acaba queimando etapas em seu processo de cognição. Em algumas conversas, os alunos relataram os tipos de tarefas que assumiam no dia a dia, como, por exemplo, arrumar a casa, cuidar do

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irmão mais novo, etc.; além disto, a constatação desta perda da infância não se revela apenas pelos afazeres domésticos que elas realizam, mas, também, pela forma erotizada como muitas vezes se comportam e se vestem, além de assuntos, em roda de conversas, voltados para o âmbito sexual e dissonantes de suas faixas etárias. Iniciei o trabalho com os jogos a partir de uma pesquisa referente à origem e explicação do que se entende por jogos e brincadeiras populares e tradicionais; por tradicional, entendemos tudo que está relacionado ao “ato de transmitir ou entregar, transmissão oral de lendas, fatos, valores espirituais etc., através de gerações” (CUNHA, 1982, p. 780). Sendo assim, todo jogo tradicional é aquele que é passado de geração a geração. Kishimoto (1993, p. 15) caracteriza este tipo de jogo nas seguintes categorias: “anonimato, tradicionalidade, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade”. Assim, uma vez que não se tem conhecimento do criador de um jogo, mesmo havendo a possibilidade de se localizar a região de onde ele vem, o país e a comunidade de origem que designe sua autoria, este se torna algo pragmático, já que as pessoas se apropriam deles lhes concebendo, assim, uma nova autoria (KISHIMOTO, 1993). Juntamente com os alunos, fizemos um levantamento de brincadeiras populares que eles conheciam e quais eram as que mais praticavam; dentre tantas citadas, as que mais se destacaram foram: pique pega, amarelinha, pelada, peteca, corrida de saco, pique gelo, pular corda, dentre outras. Visando contribuir para o registro da memória (fig.1) desses jogos e brincadeiras populares, pedi para que os alunos anotassem um pequeno resumo contendo informações sobre o jogo que mais gostavam. Após a feitura das anotações, dividi os alunos em grupos e fizemos uma espécie ‘de caderno de bordo’ artesanal (fig. 2), no qual os próprios alunos fizeram as capas e todas as ornamentações inventivas relacionadas a cada jogo escolhido, anexando, junto às capas, anotações sobre os diversos jogos e brincadeiras vivenciados e que eles têm, normalmente, o hábito de praticar em suas casas, ruas e bairros com os amigos.

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Figura 1 Anotação feita por uma aluna

Fonte: Arquivo pessoal.

Em seguida, embasado no material disponibilizado no site da Revista Nova Escola, apresentei aos alunos uma série denominada “Brincadeiras Regionais” e que reúne cerca de quarenta brincadeiras de todas as regiões do Brasil, além de expor as regras e as músicas destas atividades com o apoio de cinco vídeos disponibilizados pela revista. Ministrei uma aula expositiva com os vídeos onde cada um visava apresentar as melhores brincadeiras de todas as cinco regiões do Brasil. Selecionados alguns jogos de regiões distintas e ministrei três aulas nas quais experienciamos os que foram escolhidos pelos alunos; na primeira aula, eu, como professor, apliquei cerca de cinco jogos: queimada, corrida de saco, peteca, pique esconde e pique gelo; na segunda aula, cada aluno, por vez, assumia o lugar do professor e aplicava um jogo de sua escolha com demais (fig. 3 e 4). Quando os alunos assumiam o lugar do professor, a atenção em ouvir o que o outro tinha a dizer aumentava perceptivelmente. Uma vez que todos participavam da atividade, os problemas que surgiam durante o jogo, eles próprios pensavam e criavam soluções para que acontecesse a fruição do mesmo, enquanto eu, de fora, observava sem interferir. Na terceira aula, apliquei os jogos da série “Brincadeiras Regionais”

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e que foram escolhidos previamente pelos alunos. A recepção em relação a estes jogos se deu de maneira positiva e curiosa, pois eles perceberam que, algumas brincadeiras, mesmo apresentadas como de outra região, tinham variações pelo fato de terem sido passadas de uma geração a outra e de um povo a outro, com as devidas modificações em virtude das diferenças culturais de cada lugar, mas, que, em essência, o jogo permanecia basicamente o mesmo. Podemos citar a brincadeira pique pega, que ganha diferentes variações como: pique gelo, pique altinho, pique cola e etc.. Figura 2 Construção das capas

Fonte: Arquivo pessoal.

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Figura 3 Alunos jogando pique – novela

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 4 Alunos jogando morto vivo

Fonte: Arquivo pessoal.

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Outra característica do jogo tradicional refere-se à sua conservação. Nota-se que há uma estrutura que é continuamente transmitida, mas que é também modificada a cada geração. O coletivo se apodera do jogo, transformando-o e acrescentando a ele variações a seu bel-prazer. (TADEU, 2012, p. 2)

No final de todas as aulas realizávamos sempre uma roda de conversa, onde todos tinham o espaço de falar e fazerem os apontamentos que lhes fossem convenientes; as discussões, após os jogos, pautavam-se basicamente na avaliação sobre o descumprimento das regras, a não aceitação da perda, problemas pessoais, acidentes ocorridos, como quedas, empurrões e esbarrões. Para finalização deste primeiro módulo da oficina de teatro, estruturei uma gincana com a monitora de Apoio Pedagógico; a partir da junção de todos os alunos, dividimos as duas turmas em dois grupos com um número igual de participantes em cada grupo e, cada um deles, deveria vivenciar vários jogos a fim da obtenção das fichas de pontuação. Estas fichas foram representadas por diferentes cores e valores distintos, como, por exemplo, ficha vermelha valendo dez pontos, ficha amarela valendo cinco pontos, ficha azul valendo dois pontos e ficha verde valendo um ponto. Cada jogo tinha uma ficha preestabelecida como prêmio cumulativo e as equipes que jogavam iam acumulando mais fichas através de um placar. Para irem ao ultimo jogo da gincana, o placar deveria empatar; enquanto não houvesse o empate, o ultimo jogo não iria ocorrer e os alunos continuariam jogando. Os jogos que fizeram parte da gincana foram os que eles mais gostaram de realizar no decorrer das aulas. A gincana ocorreu em uma área externa que fica localizada na frente do salão onde aconteciam as aulas, sendo este um espaço amplo com grama, árvores e flores. A última prova da gincana era um jogo de ‘caça ao tesouro’, onde os times deveriam ir atrás das pistas para encontrar o tesouro do pirata que havia sido escondido em algum lugar. Todas as duas equipes tinham um mapa com as indicações de onde se encontravam as pistas e, junto com cada uma delas, havia uma peça do quebra cabeça final que, só depois de conseguir montá-lo por inteiro, é que eles iriam até a última pista que indicaria o local onde se encontrava o tesouro. As pistas eram charadas em forma de trava-línguas, que é também

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uma brincadeira tradicional, e o quebra cabeça que se formava no final era o mapa do Brasil, uma vez que analisamos, a partir dos jogos tradicionais, cada uma das cinco regiões do país. No final, quando as crianças encontraram o tesouro, dentro dele havia uma mensagem para que o capitão que o tivesse encontrado ficasse responsável por partilhar com todos os demais o prêmio que se achava dentro do baú. Como forma de integração do grupo e a fim de minimizar o espírito de competição, no final todos ganharam um bombom que significava o tesouro do pirata e que foi conseguido pela equipe que primeiro o encontrou. Com esta atividade de integração maior do trabalho, demos por encerrada este primeiro módulo da oficina do projeto.

Fotografias da gincana Equipes jogando acerte o alvo

Fonte: Arquivo pessoal.

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Equipes alongando

Fonte: Arquivo pessoal.

Equipe laranja juntando as pistas

Fonte: Arquivo pessoal.

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Equipe roxa juntando as pistas

Fonte: Arquivo pessoal.

PontomĂŞtro - Marcador de pontos

Fonte: Arquivo pessoal.

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Equipes jogando corrida de sacos 1

Fonte: Arquivo pessoal.

Equipes jogando corrida de sacos 2

Fonte: Arquivo pessoal.

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Considerações finais Concluo que a entrega e o interesse dos alunos neste primeiro módulo do trabalho foram satisfatórios; uma vez que pude perceber que os objetivos iniciais a serem atingidos através do fortalecimento, da integração e da formação de um grupo foram alcançados. A dificuldade inicial dos alunos que, no início, não conseguiam sequer se organizar para executar a tarefa da formação de um círculo – cujas propriedades simbólicas são a perfeição e ausência de divisão, separação, entre cada um e a partir da ideia de integração em que ninguém ficasse de fora –, tornou-se algo ritualístico nas aulas quebrando assim a simetria quadrangular assumida e imposta a eles pelo ambiente escolar nos horários das aulas convencionais. Além disto, cabe, normalmente, ocuparem sempre os mesmos lugares em uma fila através da qual olham apenas a nuca do colega. Nas aulas de teatro, os alunos deixaram de olhar os colegas pelas nucas e passaram a se olhar frente a frente. O círculo é fonte de toda geometria e o seu maior mistério. Na geometria sagrada, o quadrado representa a matéria, o fenômeno, a estabilidade e a solidez, enquanto o círculo representa o espírito, a essência, a transcendência. Um, o mundo terreno; outro, o mundo celeste (JAFFÉ, 1976, p. 235).

A rodas de conversas, que gradativamente foram se estabelecendo ao longo das aulas, foram de suma importância para o trabalho da oficina, uma vez que, nelas, nivelamos por igual todas as diferenças existentes em uma sala de aula, ainda que, sem deixarmos de respeitar e escutar a individualidade de cada um. Estas diferenças, que se referem inclusive à relação entre professor e aluno e o ponto de vista tradicional que o professor é o enunciador de saberes e os alunos seus meros receptores também foi modificada. Em roda, éramos todos integrantes de um todo do qual fazemos parte e pertencemos conjuntamente enquanto membros de um grupo; em roda, os alunos estão dispostos a participarem ativamente dos debates, contribuindo para a formação e a criação da identidade do grupo, bem como de suas próprias formas de ser, ver, pensar e agir no mundo.

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Turma e os professores Cláudio e Sarah

Fonte: Arquivo pessoal.

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GANDINI, Leila. Espaços educacionais e de envolvimento pessoal. In EDWARDS, Carolyn (et al). As cem linguagens da criança – A abordagem de Reggio Emilia na Educação da primeira infância. São Paulo: ARTMED, 1996. GASPAR, Lúcia; BARBOSA, Virgínia. Jogos e brincadeiras infantis populares. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/. Acesso em: 4 set. 2014. JAFFÉ, Aniela. O simbolismo nas artes plásticas. In: JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. 10ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 230-271, 1976. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogos Tradicionais Infantis. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. PEREIRA, Eugenio Tadeu. Pedagogia do Teatro: Práticas Lúdicas na Formação Vocal em Teatro. 2012. 248 p. Tese (Doutoradoem Artes Cênicas) – Escola de comunicações e Artes – ECA/ Universidade de São Paulo, Orientadora: Profa. Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, São Paulo, 2012. PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

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O Programa Mais Educação e o Acompanhamento Pedagógico na região das vertentes: uma experiência Maria Aparecida Arruda1 Tatiana Cury Pollo2 Vanessa Cristina Gonçalves3 Kelly Janaína Cruz4

Nesse trabalho buscamos refletir acerca da proposta que envolve o “acompanhamento pedagógico” nas escolas, tema esse que se apresenta como uma das atividades inseridas no macrocampo do Programa Mais Educação. A inclusão das escolas no projeto se efetua a partir de critérios que se inserem no projeto voltado para a região do Campo das Vertentes. Fizeram parte do projeto escolas da rede pública com perfil de alunos provenientes, em sua maioria, de camadas populares. O projeto teve início em julho de 2013 e contou com a participação, no início do seu funcionamento, das escolas municipais: Maria Tereza, Pio XII, Celso Raimundo, Dr. Kleber, na região metropolitana e Goiabeiras, na zona rural do município de São João del Rei, e da Escola Arthur Napoleão, no município de Barroso. Algumas escolas, como a Professor Domingos Horta, no bairro de Rio Acima, e Professora Alice Lima Barbosa, no município de Tiradentes, fizeram a adesão ao programa alguns meses após o seu início, no começo do ano letivo de 2014. Foram responsáveis pela orientação dos alunos monitores, as professoras 1. Professora responsável pelo Acompanhamento Pedagógico. Pertence ao Departamento das Ciências da Educação da UFSJ. 2. Professora responsável pelo Acompanhamento Pedagógico. Pertence ao Departamento de Psicologia da UFSJ. 3. Monitora do Acompanhamento Pedagógico, aluna do curso de Pedagogia da UFSJ. 4. Monitora do Acompanhamento Pedagógico, aluna do curso de Pedagogia da UFSJ.

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Maria Aparecida Arruda do Departamento das Ciências da Educação e Tatiana Pollo, do Departamento de Psicologia, ambas pertencentes ao quadro docente da Universidade Federal de São João del Rei. O Programa Mais Educação foi implementado em São João del Rei em julho de 2013, iniciando as atividades de acompanhamento pedagógico nas escolas em outubro do mesmo ano. Nossa participação no projeto deve ser entendida, para efeito desta análise, no período compreendido entre outubro de 2013 a agosto de 2014. A proposta do projeto se insere na linha de uma política educacional que prevê a oferta de atividades socioeducativas no contraturno escolar, para alunos do ensino fundamental, tendo em vista a ampliação do tempo e dos espaços escolares neste nível de ensino, visando um esforço importante no sentido de desenvolver uma “Educação Integral em tempo integral”. Utilizamos como fonte para escrita deste texto os relatos de experiências de duas monitoras “oficineiras”, Vanessa Cristina Gonçalves que atuou na Escola Municipal Professor Domingos Horta (que iniciou sua participação no programa apenas no início de 2014, sendo uma das monitoras mais recentes do apoio pedagógico) e Kelly Janaína Cruz (que desenvolveu suas atividades desde o início do projeto, no período de novembro de 2013 a agosto de 2014, sendo uma das monitoras mais antigas do projeto), na Escola Municipal Celso Raimundo da Silva, localizada no bairro da COHAB, em Matozinhos, São João del Rei. As duas monitoras são alunas do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São João del Rei – UFSJ. Os critérios de seleção dos alunos das escolas participantes do projeto foram definidos a partir de sua vulnerabilidade social e da necessidade dos pais trabalharem fora do lar. Levando em conta esses parâmetros a escola Domingos Horta selecionou 45 alunos para participar do programa Mais Educação. No apoio pedagógico foram seis alunos no 1° ano, sete alunos no 2° ano e sete no 3º ano, dez alunos no 4° ano e 12 alunos no 5°ano, divididos entre duas monitoras nos turnos da manhã ou tarde. Na escola Celso Raimundo, participaram do projeto Mais Educação 115 alunos, entre o 1º e 5º ano do Ensino Fundamental. No 1º e 2º ano a turma foi composta por 28 alunos em cada turma, no 3º ano a turma foi de 22 alunos e o 4º ano em torno de 17 alunos. A turma do 5º ano, a pedido da monitora Kelly, participou do apoio pedagógico com outra professora. 148


As alunas tinham ciência de seu papel no processo ensino-aprendizagem, tendo como foco a construção do ser em sua plenitude (cognitiva, emocional, afetiva, social e psicomotora). A ideia era associar o pensar e o fazer da criança levando em conta suas vivências e experiências. Nesta perspectiva consideravam importante valorizar os saberes da comunidade e a necessidade de entrosamento escola e família, princípios norteadores do projeto. A participação dos moradores do bairro onde está localizada a escola é outro fator que deveria ser considerado na interação bairro-família-escola. Trata-se de pensar a escola para além dos muros com envolvimento da comunidade. Neste aspecto, conhecer o cotidiano da escola, os alunos e o bairro se apresentou como essencial no desenvolvimento das atividades. As monitoras relatam o primeiro contato com as escolas: “fui informada que deveria trabalhar a leitura e a escrita e que na semana seguinte deveríamos levar o planejamento das próximas aulas” (Kelly Janaína Cruz, 2014). Sem conhecer os alunos, suas dificuldades e seus conhecimentos prévios, tornarse-ia difícil pensar em qualquer planejamento que levasse em conta suas necessidades para atender os requisitos solicitados pela escola, relata Kelly. Foi necessário identificar, nos alunos, suas dificuldades, tornando-se tarefa principal no primeiro contato. E pelo que se pôde verificar, essas tarefas eram muitas. Vanessa Cristina Gonçalves, ao relatar sua experiência no primeiro contato com a escola, descreve, Para iniciar a oficina foi fundamental dialogar com a professora do contraturno da turma, ela sugeriu então que eu trabalhasse a produção de texto. No primeiro mês tudo o que eu havia planejado não aconteceu. Mencionar escrita e leitura na sala de aula pareciam impossíveis de acontecer, era algo muito negativo dentro do mundo deles. Criaram um bloqueio, talvez porque na escola tradicional escrever e ler são obrigações, algo abstrato, distante do seu contexto social e cultural. “Escrever para mim é igual jiló, odeio!”, relatava um aluno à monitora.

Seguindo a mesma direção, em contato com a professora orientadora da escola Municipal Celso Raimundo da Silva, Kelly foi informada que deveria trabalhar com leitura e escrita. Os temas escolhidos pela monitora foram a diversidade cultural, profissões, reportagens, reciclagens, poesias, todos eles para incentivar a leitura e a escrita. Um problema fora então identificado: a indisciplina. Sobre esse tema retornaremos em momento oportuno. 149


Procurando identificar as representações que os alunos tinham sobre a escola que frequentavam, Vanessa elaborou uma atividade solicitando aos alunos que desenhassem a escola dos seus sonhos. O desafio era trabalhar escrita e leitura sem se tornar “mais do mesmo”. O resultado pode ser verificado nos desenhos apresentados nas figuras 1, 2, 3, 4 e 5, cujas representações nos levam a questionar “os modelos” de escolas existentes bem como o estilo de educação oferecido por essas instituições. Chama atenção a forma negativa como um aluno vê o espaço escolar. No desenho pode-se observar uma escola explodindo e no outro lado ele escreve: “fechada permanentemente”. Figura 1 Desenho de um aluno do 5º ano da Escola Municipal Professor Domingos Horta

Fonte: Arquivo pessoal.

Na figura 2, observamos outro desenho em que o aluno situa a escola em meio a uma batalha de guerra.

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Figura 2 Representação de uma escola realizada por um aluno do 5º ano da Escola Municipal Professor Domingos Horta

Fonte: Arquivo pessoal.

Na figura 3, observamos uma representação de escola mais florida, mais alegre, iluminada pelo sol. Figura 3 Desenho de um aluno do 5º ano da Escola Municipal Professor Domingos Horta

Fonte: Arquivo pessoal. 151


Na figura 4 o aluno traz uma representação de uma escola que contenha brincadeiras, demonstrando a provável falta de momentos de ludicidade na escola. Figura 4 Desenho de um aluno do 5º ano da Escola Municipal Professor Domingos Horta

Fonte: Arquivo pessoal.

Já na Figura 5, o aluno demonstra ser a escola um local mais agradável que sua residência, manifestando o desejo de alí residir. O dado indicado por ser revelador de uma escola como um local de grande prazer para o aluno, mas pode sugerir também que este aluno esteja convivendo em um ambiente familiar conflituoso.

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Figura 5 Desenho de um aluno do 5º ano da Escola Municipal Professor Domingos Horta

Fonte: Arquivo pessoal.

Pensar a escola a partir das manifestações dos alunos é uma experiência que nos coloca em contato com esse espaço de formação e possibilita repensar os valores sociais que ali são desenvolvidos. A utilização de desenhos como alternativa à escrita foi um instrumento utilizado pelas monitoras. Esta pareceu-nos ser uma forma de inserir o aluno no processo ensino-aprendizagem de forma lúdica. As monitoras também ofereceram atividades alternativas às tradicionalmente associadas à escola regular como textos livres, jogos do passa ou repassa, bingo de matemática, interpretação de textos, jogos didáticos, dentre outras atividades. Todas essas ações foram realizadas mantendo o enfoque na leitura, na escrita e na matemática. Apropriamo-nos de uma referência citada por Edith Derdyk (1994, p. 239) ao se referir à utilização do lúdico como possibilidade de expressão. Desenhar é brincar, imaginar, elaborar, a criança se expressa, desenvolve potencialidades, manifesta reflexões.

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Desenhar é registrar o lúdico, o artístico ou o científico através de linhas, pontos e manchas. Daí o desenho ser um eficiente meio de comunicação enquanto expressa ideias graficamente. Indivíduos de diferentes origens e valores sociais têm no desenho uma indispensável e importante ferramenta para a comunicação.

As experiências das monitoras são reveladoras de uma ação pedagógica cujo formato lúdico passou a ser um dos métodos por meio do qual a escrita foi trabalhada, aliado a alguns recursos pedagógicos, tais como música, vídeos, dramatizações, jogos e bastante contato com a leitura e com a palavra utilizando de vários recursos como livros literários, letras de músicas, bilhetes, jornais, revistas, cartas, propagandas, imagens, colagens e brincadeiras. Abaixo seguem alguns exemplos de atividades realizadas em sala de aula com intenções diferenciadas, todas elas relacionadas ao aprendizado da escrita. Atividade 1: Cada dupla deveria inventar um produto bem diferente, faria um desenho desse produto e escreveria as características principais e o valor. Depois os alunos e a monitora foram para o pátio e foi feita uma exposição das propagandas e cada inventor apresentou o seu produto. Atividade 2: Cada aluno deveria retirar um nome que estava dentro de uma caixinha (preparada anteriormente), ninguém poderia saber quem saiu. Em seguida cada aluno deveria escrever uma carta para esta pessoa contando alguma novidade. Atividade 3: Compor uma música em grupos. Neste caso, em aulas anteriores foram contadas um pouco da história da música, os diferentes gêneros musicais demonstrados por meio de imagens, vídeos, instrumentos, temas musicais de desenhos animados, dentre outros. Atividade 4: Após discussões acerca da importância da reciclagem, apresentação de vídeos sobre poluição e desmatamento, o longo tempo que leva alguns produtos para se decomporem na natureza, foi indicado um tipo de exercício que fosse capaz de conscientizá-los sobre a importância da reutilização de produtos recicláveis e do abandono de lixo em locais não apropriados. O processo de fabricação de sabão com a reutilização do óleo

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de cozinha foi demonstrado e os alunos levaram a receita para um adulto da família. Após discussões e descobertas, os alunos fizeram um desenho e mandaram um recado para quem maltrata a natureza e apresentaram para todos da sala. As produções textuais eram corrigidas em conjunto com o grupo. Foram detectados erros de grafia com muita regularidade o que exigiu da monitora mudanças de estratégias na confecção e condução de outras atividades. A solução encontrada foi a incorporação de atividades envolvendo a escrita de palavras isoladas, além da produção de textos. Escrever não bastava, “era necessário escrever corretamente”, relata a monitora. Pensando assim foram elaboradas algumas atividades que tinham como objetivo a escrita. Atividade 1: Jogo de “caça palavras”. Foi instituído um grupo de quatro alunos e escolhido um nome para cada grupo. Uma palavra seria dita e ganhava o jogo quem fosse capaz de realizar a tarefa de montar a palavra o mais rápido. Neste caso, as palavras eram com x, ch, ss, ç e h. Antes do jogo foi pedido para cada grupo escrever o maior número de palavras que conheciam contendo estas letras. Os alunos poderiam tanto utilizar as mesmas palavras quanto acrescentar outras. Atividade 2: Jogo do “passa ou repassa”. Em cada ficha foi colocado uma grafia correta e outra errada de algumas palavras escolhidas anteriormente. Se o grupo soubesse responderia, se não, deveria passar a vez a outro grupo que podia responder ou repassar a vez. E assim sucessivamente. Atividade 3: Jogo de “detetive de palavras”. Foi realizado um tour pela escola em busca de palavras que os interessassem. Os alunos deveriam anotá-las e, na sequência discutiríamos sua grafia. Atividade 4: Essa atividade envolveu a escrita de palavras conhecidas retiradas de um livro escolhido contendo as seguintes consoantes ss, ç, x, ch, h e rr, separados por grupo, durante um tempo programado. Ganhava o grupo que conseguisse alcançar o maior número de palavras. Dentre estas atividades, a n° 1 era a mais solicitada, as crianças sentiam grande prazer em realizá-las, e segundo relatos dos alunos buscavam reproduzi-las em casa: “Tia, neste final de semana brinquei de caça palavras com minhas primas”, contou, entusiasmado, um aluno à monitora.

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Com o passar do tempo, foi-se notando pelas monitoras um progressivo avanço e fluidez das atividades. As reclamações, que antes eram corriqueiras quando mencionadas atividades de leitura e escrita, foram aos poucos cessando, e a indisciplina também. Como se pode observar, o ato de escrever e ler já não se apresentava mais como uma tortura, relatado anteriormente pelos alunos. Aliando aprendizado e prazer em fazê-lo, foi-se aos poucos transformando os exercícios em conhecimento, o que antes parecia improvável. A esse respeito, Maria Augusta Sanches Rossini (2003, p. 11) nos relata o seguinte, [...] o aprender tem que ser gostoso, [deve ser] regado com o lúdico, e [realizado] de acordo com os interesses das crianças. Nesse processo, o cuidado, o interesse, a motivação, a estimulação e a criatividade são os elementos chave para o sucesso educacional e para o bom relacionamento entre o educador (ou outras pessoas, como os familiares) e o educando, quer seja na escola ou fora dela.

É possível utilizar várias brincadeiras que estimulam o desenvolvimento integral das crianças podendo ser observado um aprendizado em seus aspectos físicos, sociais, cognitivos e afetivos. Essa possibilidade foi demonstrada pela experiência de ambas as monitoras no trabalho realizado nas escolas, mas pode também ser estendido a outras experiências relatadas em nossas reuniões. Nos meses que antecederam o 8º Festival de Literatura de São João del Rei e Tiradentes – Felit5, atentas ao desdobramentos do evento para a população, foi proposto a realização de uma atividade para a exposição. Aceito o desafio, foi eleito o livro de Aladim e a Lâmpada Maravilhosa para o trabalho que foi desenvolvido para a exposição. Para realização deste trabalho participaram os alunos do 1º e 5º anos, sendo 7 alunos do 1º e 12 do 5º ano da Escola Municipal Domingos Horta. Por meio do livro, várias atividades foram desenvolvidas. Houve contação de histórias, discussões sobre as melhores partes, reprodução de filmes e desenhos. Foi separada a turma em três grupos e cada um ficou responsável 5. A Feira do ano de 2014 teve como homenageado o jornalista, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras Carlos Heitor Cony.

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em apresentar o começo, o meio e o fim da história. Pelo relato pode-se constatar a construção do conhecimento a partir destas interações. Os resultados desse projeto serão apresentados a seguir. A ideia surgiu a partir das observações das conversas entre os alunos. O tapete do Aladim era objeto de curiosidade e imaginação entre eles. Com um pano medindo 1,25 m de feltro, foi destinado a cada aluno um quadrado de tecido de algodão medindo 17x17 cm, e com material o bastante que possibilitasse aos alunos usar livremente a criatividade. Com isso as ideias foram surgindo. Houve o máximo de empenho. A professora/monitora Vanessa, se encarregou de fazer os acabamentos e quando foi mostrado o produto final a surpresa foi geral (figura 4). O sentimento era de orgulho e satisfação. É possível acompanhar essa experiência a partir das fotos 1, 2, 3 e 4. Nas fotos 1 e 2 pode-se perceber alunos do primeiro e quinto anos em atividades de confecção do tapete. Na foto 3 observa-se a primeira parte finalizada. Na foto 4 a arte final, sendo motivo de orgulho dos alunos e da monitora responsável pela atividade, Vanessa Gonçalves. Foto 1 Alunos do 1º e 5º anos em atividade

Fonte: Arquivo pessoal.

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Foto 2 Sequência da confecção do tapete sendo desenvolvida pelos alunos do 1º e 5º anos do Ensino Fundamental

Fonte: Arquivo pessoal.

Foto 3 Primeira parte finalizada

Fonte: Arquivo pessoal.

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Foto 4 Tapete finalizado

Fonte: Arquivo pessoal.

Essas atividades constituem exemplos de como pode ser prazeroso o aprendizado, em que o lúdico está presente e os alunos podem desenvolver suas potencialidades e experiências de mundo. Sendo assim o conhecimento pode ser construído por meio da interação com outros sujeitos, outras histórias. Por meio destas atividades (assim como outras não descritas neste trabalho) foi possível perceber que a leitura e a escrita (antes rejeitada), pode se tornar um exercício de prazer e a escola um local agradável de convivência (conforme o desenho da figura 5). Novas formas de estimular o aprendizado, bem como da interação entre eles são fatores importantes. No caso em questão o que se pode perceber é que a motivação e o estímulo, aliado ao respeito pelas diversas formas de aprender do aluno podem se constituir de uma importante parceria. Essas ações refletiram diretamente no comportamento dos alunos com demonstrações de interesse e participação na realização das atividades. Alguns fatores relacionados à formação da cidadania, da solidariedade, do respeito mútuo e da convivência com os outros foram problematizados. Também foram trabalhadas e construídas normas consideradas importantes em jogos de competição. Com a construção do tapete foi possível desenvolver atividades artísticas, a corporeidade, o movimento, a criatividade, o entusiasmo, a curiosidade e, principalmente a troca de conhecimentos.

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Outros exemplos de atividades que foram desenvolvidas foi a visita à Biblioteca Municipal de Tiradentes, passeio de reconhecimento do entorno da escola, assim como do bairro onde está localizada a instituição de ensino. Nesta perspectiva foi realizada uma visita ao Horto Florestal, localizado no próprio bairro. Possibilidades de parceria estão sendo pensadas a partir da realização do projeto.

Mas nem tudo são flores.... Acompanhando o trabalho das monitoras foi possível observar uma série de dificuldades na implementação do projeto Mais Educação e nele as atividades relacionadas ao acompanhamento pedagógico. Um deles (de muita recorrência) se refere à falta de estrutura física das escolas com prejuízo no desenvolvimento das ações pedagógicas. As oficinas, muitas vezes, ocorrem em salas improvisadas como bibliotecas, refeitórios ou salas de informática, desviando a atenção dos alunos. A ausência de material como lápis, borrachas, apontadores são exemplos de materiais que faltam e algumas vezes com a aquisição pelas próprias monitoras, condição esta necessária tendo em vista a realização efetiva das oficinas. As monitoras observaram também que na semana em que são realizadas provas nas escolas há uma ausência significativa de parte dos alunos. Faz-se necessário, nesta perspectiva, repensar alternativas de atividades e programações conjuntas entre turno e contraturno. Observam-se diferenças de posicionamentos entre escolas, sendo uma mais flexível que outras. No entanto, no nosso entendimento, esta é uma ação que se faz necessária, dado a necessidade de não fragmentação entre turno e contraturno, muitas vezes, prejudicial aos alunos. Ainda existe conflito entre a forma com que as monitoras e suas orientadoras percebem o apoio pedagógico e a forma que algumas escolas demandam que ele seja realizado. Percebe-se que o aprendizado no contraturno deve reforçar habilidades importantes para o aprendizado acadêmico e não acadêmico de forma lúdica, prazerosa, como foi explicitado ao longo do presente texto. No entanto, percebe-se que, em algumas escolas, apenas atividades feitas com lápis e papel e no formato tradicional são valorizadas.

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A sintonia entre as concepções de aprendizado das monitoras e da escola é fundamental para a realização das atividades de forma consistente. Por último, um ponto de conflito a respeito das oficinas de apoio pedagógico foi em relação ao trabalho de casa (TPC). Apesar de ser uma estratégia ainda bastante debatida, principalmente em relação a sua eficácia, o trabalho para casa é uma das estratégias de ensino mais comumente utilizadas por professores. Em nossas oficinas, o tempo utilizado durante o apoio pedagógico não foi destinado à realização do TPC. No entanto, professoras e pais têm a demanda de que parte do tempo do projeto Mais Educação seja destinado ao trabalho que é mandado pelas professoras para ser feito em casa. Essa questão encontra-se em discussão, já que a equipe de apoio pedagógico entende que o trabalho de casa é um momento que deve refletir a interação da família com a escola e trabalhada a independência do aluno. Tem-se discutido que, ao invés de ser um momento para a direta realização da tarefa de casa, o apoio pedagógico pode ser um momento de ensino de estratégias de aprendizagem e de organização do aluno. Desta forma, o aluno pode se sentir mais preparado para fazer o trabalho em casa de forma independente e eficaz, sem, contudo diminuir a importante interface que ele proporciona entre o que é aprendido na escola e o que acontece na residência da criança.

Considerações finais A educação sistêmica e a informal não podem ser pensadas separadamente, uma depende da outra para a construção do conhecimento. É fundamental ir além da sala de aula, além dos muros da escola, e envolver os familiares e a comunidade no desafio da Educação Integral. Uma tentativa de realizar esse desafio está atualmente sendo realizada pelo projeto Mais Educação. Neste texto, demonstramos como as oficinas de apoio pedagógico estão encarando este desafio. No apoio pedagógico, a leitura e a escrita são habilidades ditas como prioridades a ser trabalhadas com os alunos. No entanto, entendemos que a leitura e a escrita não podem ser um processo mecânico, imposto, descontextualizado, e sim um processo social e cultural do sujeito. Desta forma, a leitura e a escrita foram trabalhadas de forma lúdica, por meio de jogos e brincadeiras. 161


Com o programa Mais Educação a escola procura resgatar e valorizar outros saberes, outras culturas, outras identidades, outras possibilidades de mediar o conhecimento. Como discutido, esse processo ainda apresenta desafios e questões que têm sido discutidas. O papel do Mais Educação, no nosso entendimento, é trazer ideias novas para dentro do muro da escola e não proporcionar ‘mais do mesmo’.

Referências bibliográficas DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil: 3ª ed. São Paulo: Scipione, 2004. ROSSINI, Maria Augusta Santos. Aprender tem que ser gostoso. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. Sítio da INTERNET: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/156/maistempo-para-que-234746-1.asp. Acesso em: 30 ago. 2014.

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Desafios iniciais na implantação da Fanfarra na Educação Integral da Escola Municipal Pio XII, como iniciativa do Programa Mais Educação André Thiago de Souza Débora Andrade

Introdução Este trabalho consisteem um relato de experiência de início de um projeto que ainda está em construção, no Programa Mais Educação. Ele demonstra que enquanto escola, monitores e alunos não possuem recursos para que as oficinas tenham seu início, há muito trabalho a ser feito na área musical. E o que se propõe, neste relato, é que esse tempo seja investido em musicalizar os alunos por meio de um trabalho corporal. Aqui serão descritos os desafios enfrentados durante a implantação de uma Fanfarra na Escola Municipal Pio XII, de São João del-Rei, bem como as estratégias utilizadas ao contornar esses desafios e as frentes filosóficas que inspiraram a prática pedagógica musical aplicada ali.

Os pedagogos musicais que inspiraram esse trabalho De acordo com Fonterrada (2008), os educadores musicais do século XX, como Émile Jaques-Dalcroze, Zóltan Kodaly, Carl Orff, Edgar Willems e Shinichi Suzuki, são os pioneiros no ensino de música. Antes deles, não havia uma preocupação em prezar pelo bem-estar da criança ou do jovem. No final do século XIX, por exemplo, a preocupação dos professores de

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música era produzir bons intérpretes musicais, buscando excelência no conhecimento técnico instrumental. Já os educadores do século XX despertaram para a importância de que a vivência musical existisse mesmo antes do ensino teórico musical. São alguns desses teóricos que inspiraram a filosofia de ensino e a prática pedagógica aplicada nas oficinas de música da Escola Municipal Pio XII. O primeiro deles, Jaques-Dalcroze, compositor e pedagogo musical suíço, que viveu entre os anos de 1865 e 1950, criou uma pedagogia musical que desejava libertar o aluno da inércia do corpo cultivada por um processo de ensino enciclopédico. O principal objetivo da sua pedagogia era fazer com que o aluno se familiarizasse com os elementos da linguagem musical por meio do movimento corporal (MARIANI, 2011). Já o renomado compositor Carl Orff, propôs uma pedagogia musical na qual o ritmo, que segundo ele é a base de toda melodia, deveria ser um resultado do movimento. Ele e amiga Dorothea Gunter davam aulas de música e dança para professores de educação física, com uma proposta de integração de música e movimento. Ao trabalhar com crianças, desenvolveu o conceito de “música elemental”, uma música que envolvia fala, dança e movimento. Nesse contexto, as melodias eram pequenas e os ritmos simples, ambos de fácil assimilação. Eram cantilenas, rimas, parlendas, bem como vários jogos que faziam parte do universo infantil. Assim as crianças eram levadas a tocar desde cedo em grandes grupos instrumentais Orff.1 (FONTERRADA, 2008) Já Shinichi Suzuki, que viveu cem anos, entre 1898 a 1998, argumentava que a adaptação ao ambiente é algo natural ao ser humano, ocorrendo por meio das interações sociais e da imitação. Da mesma forma que as crianças pequenas não aprendem a ler quando estão aprendendo a falar, não devem obrigatoriamente aprender a ler partitura musical quando se iniciam no aprendizado instrumental, pois elas devem começar a tocar de ouvido. Para ele, o talento é um produto construído culturalmente (ILARI, 2011). 1. Os instrumentos Orff foram planejados pelo próprio compositor, juntamente com Curt Sachs e Karl Maendler. é formado por vários xilofones, metalofones, tambores, pratos, platinelas, pandeiros, maracas, violas da gamba, flautas doces e outros instrumentos de percussão pequenos. (FONTERRADA, 2008)

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Além disso, ele afirmava que toda criança tem capacidade potencial para aprender música da mesma forma que aprende a língua materna. Os procedimentos, a seguir, fazem parte do método de sua pedagogia musical: repetição constante; aceitação dos esforços e possíveis falhas das crianças; oferecimento de oportunidade para a criança tocar em público; formação de repertório e estímulo à habilidade de memória e à execução “de ouvido”, antes que a criança aprenda a ler partitura (FONTERRADA, 2008). São essas propostas de vivência músico-corporal, de apropriação das linguagens musicais que fazem parte do universo cultural dos alunos, de execução “de ouvido” ou por repetição, dentre outras, que respaldaram a pedagogia musical descrita a seguir.

Enquanto os instrumentos não chegam... Vem vamos embora que esperar não é saber Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. (VANDRÉ, 1979, apud SANTANA, ARAÚJO, JESUS, SANTANA, 2011, p. 85)

Esse refrão da música “Pra não dizer que não falei das Flores”, composta por Geraldo Vandré, expressa bem a ideia desse relato de experiência. Todo profissional, de qualquer área do conhecimento, gostaria de trabalhar em condições ideais, nas quais não lhe falta infraestrutura. Contudo, é preciso considerar que iniciativas, sobretudo no campo da educação, demandam tempo, paciência e flexibilidade para que sejam concretizadas. A oficina de música na Escola Municipal Pio XII, de São João del-Rei teve início no dia 14 de novembro de 2013 e tinha como objetivo inicial trabalhar Fanfarra. E já se conhecem as contribuições pedagógicas da Fanfarra para a vida dos jovens, sobretudo no aspecto social (MARQUES, 2013). Sabe-se, também, que como derivações do ensino de música escolar, é uma manifestação cultural importante que articula uma relação entre a escola e a cidade (CAMPOS, 2007). Mas entre a data de início das atividades de música até a data da chegada dos instrumentos passaram-se seis meses. O que fazer durante esse tempo? Apesar da expectativa do monitor, da escola e dos alunos, de que 165


o trabalho se concretizasse, deu-se início ao trabalho musical. Esse tempo foi aproveitado para que uma iniciação musical fosse feita, por meio de atividades musicais que privilegiassem a vivência musical corporal tanto defendida pelos pedagogos musicais do século XX, como Émile JaquesDalcroze e Shinick Suzuki, já citados. Para começar o trabalho, as turmas do contraturno escolar foram divididas em quatros grupos, o G1, de 06 a 08 anos, o G2, de 09 e 10 anos, o G3, de 11 e 12 anos e o G4, de 13 a 17 anos. Cada um desses grupos tinha, em média uma hora e meia de aula por semana. No turno da manhã, as oficinas eram ministradas nas segundas-feiras, das 09h00 às 12h00 e, no turno da tarde, nas quintas-feiras, de 12h30 as 15h30.

Análise das atividades Para demonstrar parte do trabalho de musicalização realizado nas oficinas de música, antes que os instrumentos chegassem, foram escolhidas dez atividades, que serão descritas e analisadas a seguir, sendo as cinco primeiras aplicadas ao G1 e G2 e as cinco posteriores aplicadas ao G3 e G4. Atividades musicais do G1 e G2: 1. “O jeepe do padre”

• Dinâmica: Cantar a letra acima com a melodia da música “The Battle Hymn of the Republic”, de Julia Ward Howe, adaptado para o português como “Vencendo vem Jesus” ou “Já refulge a glória eterna”, muito conhecida nos ambientes católico e protestante, cujo refrão é o “Glória, glória, aleluia”. Realizar a seguinte coreografia: 166


- O jeepe – Realizar o movimento de girar um volante de carro. - do padre – Juntar as mãos. - deu um furo – Apontar para frente o dedo indicador. - no pneu - Girar o dedo, desenhando um círculo. - Colemos com chiclete – Esconder as mãos nas costas e mostrá-las abertas, como se fizesse um sinal de “pare”. • Conteúdos vivenciados: -Coreografia; -Estruturação musical – Fraseado a / a´/ a / b. 2. ‘Comboio”

• Dinâmica: O professor realiza a seguinte sequência de ações: bate os dois pés no chão, um após o outro, bate uma vez nas coxas, uma palma e dois estalos de dedos. Depois, volta com uma palma, uma batida nas coxas e repete o ciclo. Quando os alunos estiverem familiarizados com a sequência, realiza esta atividade em roda, imitando o comboio de um trem. Para enfeitar mais a brincadeira musical, ao bater os pés no chão, emite-se o som “tchum tchum” e simultâneo ao estalar de dedos, “piuí”. Deve-se acelerar gradativamente. • Conteúdos vivenciados: -Pulsação regular; -Subdivisão binária de pulsação; -Variação de velocidade – acelerando. 3. “Nome, palma, pulo” Dinâmica: O professor organiza a turma em roda e pede para que cada aluno diga seu nome, um após o outro, criando a seguinte sequência: nome – nome – 167


nome – nome, até que todos tenham se apresentado. Na segunda vez, intercala nomes e palmas, até que todos tenham se apresentado, obedecendo à sequência nome – palma – nome – palma. Em seguida, inclui o “pulo”, formando a sequência nome – palma – pulo – nome – palma – pulo, até ela seja interrompida por um provável erro. Caso ele aconteça, reinicia-se a brincadeira. A princípio, ela é feita numa pulsação mais lenta. À medida que os alunos se acostumam, torne a brincadeira mais rápida. • Conteúdos vivenciados: -Pulsação regular; -Andamento lento e rápido; -Prontidão; -Memória sequencial. 4. “Uá tá tá”

• Dinâmica: Ensine a música para a turma e, depois, a coreografia seguinte: Uá tá tá a / Uá tá tá – Bata com as mãos nas coxas, nas sílabas em negrito. Guli guli guli guli - Estale os dedos, nas sílabas em negrito. Posicione a mão direita em cima da cabeça e a esquerda embaixo do queixo. Auê ê Auê ê – Movimentar os braços, acima da cabeça, para a direita e para a esquerda, nas sílabas em negrito. • Conteúdos vivenciados: -Coreografia; -Duração: dobro / metade; -Memória sequencial; -Estruturação Musical: Forma A B.

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5. “Tique Taque Popof ”

• Dinâmica: O professor ensina a melodia para a turma, em roda. Ele improvisa vários movimentos a cada vez que a frase é cantada. Os alunos repetem os movimentos de forma “atrasada”. Ou seja, quando o professor muda de gesto, os alunos fazem o anterior ao atual do professor. • Conteúdos trabalhados: -Pulsação regular; -Cânone gestual; -Expressão vocal e corporal. Atividades musicais do G3 e G4 1. “Peito, estala, bate”

• Dinâmica: Ensinar frase por frase a sequência: peito-estala-bate / peito-estala-peito-bate. Em seguida, unir as duas frases. Pode-se cantar junto com os batimentos qualquer música que não seja em pulsação ternária. Conteúdos vivenciados: -Pulsação regular; -Timbres corporais; -Memória sequencial; -Ostinato rítmico do “Rap”.

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2. “Ê, ô, atrele os bois”

Essa é uma versão brasileira da canção francesa “Vent frais, vent du matin”. • Dinâmica: Ensine a canção com a letra acima. Em seguida, cante-a em roda, realizando a seguinte coreografia: -Ê, ô, atrele os bois – quatro passos para a direta e uma palma. -Sinta o vento, cai a chuva sobre nós – quatro passos para a esquerda e uma palma. -Vamos colher as espigas douradas – quatro passos, na sequência direita, esquerda, direita, esquerda. Quando a melodia e a coreografia estiverem aprendidas, divida os alunos em dois ou três grupos, formando uma roda dentro da outra. Cada roda começará a cantar a música e a se movimentar em momentos diferentes, formando um cânone a duas ou três vozes, dependendo da maturidade musical do grupo. Combine com a turma a quantidade de vezes em que a melodia será repetida. • Conteúdos vivenciados: - Pulsação regular; - Expressão vocal; - Estruturação musical (cânone); - Melodias em modo menor; -Memória sequencial.

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3. Batimentos corporais

Esses batimentos corporais foram utilizados pela emissora de televisão “Globo”, em ocasião das festividades de fim de ano, quando se cantava a música “Um Novo Tempo” de Marcos Valle, cuja letra diz: “Hoje é um novo dia de um novo tempo que começou Nesses novos dias, as alegrias serão de todos, é só querer Todos os nossos sonhos serão verdade, o futuro já começou Hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser, quem vier A festa é sua, hoje a festa é nossa, de quem quiser, quem vier...” Os batimentos corporais foram ensinados à equipe da emissora pelos integrantes do grupo de percussão corporal paulista, chamado “Barbatuques” e eram familiares aos alunos da escola. • Dinâmica: Em roda, realize a seguinte sequência de ações: bata duas vezes no peito com as mãos alternadas e uma palma. Repita as duas batidas alternadas e conclua a frase com um estalo de dedo de ambas. Depois que todos estiverem treinados, cantem a música junto com a percussão corporal. • Conteúdos vivenciados: - Pulsação regular; - Síncopes; - Timbres corporais; -Memória sequencial.

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4. Frases rítmicas • Dinâmica: Primeiramente, vivencie com os alunos as frases rítmicas faladas, junto com palmas. Em seguida, escreva os ritmos no quadro e relacione as frases faladas às frases rítmicas. Esta é uma forma de ensinar a relação entre as figuras de valores antes mesmo de nomeá-las.

• Conteúdo vivenciado: -Pulsação regular; -Subdivisão binária e ternária do pulso; -Leitura rítmica de semínima, colcheia, quiáltera e semicolcheias. 5. Batimento corporal “Tchum tchum tchá” Esse otinato rítmico é muito conhecido pelos alunos da Escola Municipal Pio XII, por fazer parte da coreografia da música “Vai galera coração”, interpretada pela dupla sertaneja Edson e Hudson. Mas, na verdade, já é muito conhecida por ser a base rítmica da música “We will rock you”, da banda britânica de “hard rock” chamada Queen. • Dinâmica Em roda, o professor propõe para os alunos a seguinte sequência de percussão corporal: duas batidas de mão nas coxas e uma palma. Pode-se propor que as crianças cantem a letra da música supracitada. Depois de terem vivenciado corporalmente o ritmo, os alunos o tocam em um instrumento de percussão como a caixa de guerra, por exemplo. Transferem-se as duas batidas das coxas para o centro da pele do instrumento e a batida da palma no aro que segura a pele.

• Conteúdos vivenciados: -Batimentos corporais; 172


-Pulsação regular; -Duração – Dobro/metade.

Valeu a pena esperar! A chegada dos instrumentos trouxe muita alegria aos grupos, expressa em frases como “Nossa! Só vi esses instrumentos na banda do exército!”. A escola adquiriu vinte e seis instrumentos, sendo eles quatro caixas de guerra, quatro taróis, quatro cornetas em tonalidade “Fá”, quatro cornetas em tonalidade “Si bemol”, quatro cornetões em “Fá”, quatro cornetões em “Si bemol” e um par de pratos e um surdo. Uma vez que os instrumentos foram adquiridos pela instituição, precisou-se de um espaço amplo, com tratamento acústico, para que o som não atrapalhasse as demais aulas. Esse foi o segundo desafio enfrentado, nessa experiência. A escola não o possuía, fazendo com que explorássemos e apropriássemos de outros ambientes. Figura 1 Ensaio da Fanfarra no Galpão alugado pela Prefeitura da cidade

Fonte: Arquivo pessoal. 173


Figura 2 Os instrumentos de percussão da Fanfarra

Fonte: Arquivo pessoal.

Em um primeiro momento, as oficinas aconteceram em uma igreja evangélica, situada atrás da escola. Em um segundo momento, elas aconteciam em uma igreja católica, localizada a uma distância de cinco quarteirões da escola. Uma vez que essa distância nos tomava cerca de vinte minutos de aula, foi providenciada uma sala pequena, na própria instituição. Por fim, as aulas aconteceram em um galpão, em frente à escola, alugado por iniciativa da prefeitura da cidade. Em outro momento, as aulas começaram a ser realizadas nas ruas, no entorno da escola, numa tentativa de interação com a sociedade. Aliás, uma das praças do entorno da escola foi muito utilizada, não somente para o ensaio da Fanfarra, mas também para outras atividades como a apreciação da “Paisagem Sonora”, dentro da proposta de educação sonora de Murray Schafer (FONTERRADA, 2008).

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Figura 3 Ensaio da Fanfarra no entorno da escola

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 4 Ensaio da Fanfarra no entorno da escola 2

Fonte: Arquivo pessoal.

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Essa iniciativa nos remete ao poema “A Rua”, de Paulo Freire que diz: “Ah, a rua! Só falam de tirar as crianças da rua. Para sempre? Eu sonho com as ruas cheias delas. É perigosa, dizem: violência, drogas... E nós adultos, quem nos livrará do perigo urbano? De quem eram as ruas? Da polícia e dos bandidos? Vejo por outro ângulo: um dia devolver a rua Às crianças ou devolver as crianças às ruas; Ficariam, ambas, muito alegres.” As pessoas pararam, nas ruas, para ver este movimento, enquanto as crianças se alegravam por ter uma aula “diferente”. Nesse sentido, levar as crianças para outros espaços, proporcionou-nos levar à sociedade um pouco da escola e mostrar aos alunos que esta não se encerra entre as quatro paredes.

Considerações finais Como já foi dito, este capítulo relata apenas o início de um trabalho que ainda renderá muitos frutos musicais e culturais para a escola e a comunidade que a cerca e dela participa. Aproveitar a oportunidade de vivenciar música corporalmente, mesmo não sendo a proposta inicial da escola, foi fundamental para que a Fanfarra acontecesse. Antes da aquisição dos instrumentos, as crianças descobriram seus corpos como instrumentos ricos em timbres e possibilidades rítmicas. Após esta aquisição, surgem desafios, por exemplo, de como pegar e manusear baquetas de percussão, de forma a conseguir agilidade e diferentes dinâmicas (forte/fraco) na execução musical. Surge, então, a mesma necessidade de explorar as possibilidades musicais dos instrumentos, assim como o fizeram com o corpo. Certamente outros desafios virão. Mas é imprescindível que a mesma postura otimista ampare o compromisso de toda a comunidade envolvida nesse trabalho, a fim de que continue crescendo. Por fim, mais gratificante ainda do que ver essas crianças fazendo música juntas é sentir no grupo o prazer pela descoberta de novas possibilidades que se descortinam à sua frente.

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Referências bibliográficas CAMPOS, Nilceia Protásio. A Música na articulação entre a Escola e a Cidade: A atuação das Bandas e Fanfarras. In: Anais do VII Sempem. Goiânia. Ano I – N.1, 2007. Disponível em: http://portais.ufg.br/up/270/o/anais_VII_SEMPEM. pdf#page=58. Acesso em: 01 set. 2014 ILARI, Beatriz. Shinichi Suzuki: A educação do talento. In: MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz. (org.). Pedagogias em Educação Musical.Curitiba: Editora IBPEX, 2011. MARIANI, Silvana. Émile Jaques Dalcroze: A música e o movimento. In: MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz. (org.). Pedagogias em Educação Musical. Curitiba: Editora IBPEX, 2011. MARQUES, Marcos André Ferreira. Aprendizagem musical de alunos em fanfarras: Um estudo de pesquisa documental de vídeos de uma Fanfarra Musical Escolar. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Música) – Universidade de Brasília: Brasília, 2013. SANTANA, Adriana Alves; ARAÚJO, Joseane de Jesus Pereira; JESUS, Laila Kelly Almeida; SANTANA, Telma de Oliveira. O Contexto e o Intertexto na Música Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré. Revista Graduando. n. 2, jan./jun. 2011.

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A formação de professores no Programa Mais Educação na região das Vertentes Lídia Mara Fernandes Lopes Wanessa de Cássia Netto

É de comum acordo a importância do papel do professor no processo de formação, seja de crianças ou outras pessoas que estão passando por um processo de aprendizagem. Pacheco (2003) afirma que a formação de professores é central na discussão em todas as questões relativas ao sistema educativo. Briant e Oliver (2012), por exemplo, afirmam que uma das principais barreiras que impede que a Política de Inclusão se torne uma realidade nas escolas é o despreparo dos professores. O despreparo dos professores dificulta o processo de ensino-aprendizagem não apenas de crianças com deficiência, mas de todas as crianças, por ser ele o principal ator nesse processo e principal meio pelo qual o conhecimento será transmitido. Vygotsky (1989), em sua teoria, ressalta que “o desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sociocultural em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo”, sendo de fundamental importância o papel da interação social como mediadora na construção da subjetividade. Vygotsky usa o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), “distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial”. Cada um tem um nível de desenvolvimento que é real, ou seja, aqueles fatores que o ser humano tem a capacidade de aprender sozinho, já o desenvolvimento

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potencial é aquele que o indivíduo tem a capacidade de aprender quando outro o ajuda, por meio indireto. Daí a importância do meio no desenvolvimento de um indivíduo. Neste sentido, o professor é um ator de suma importância no contexto escolar e no processo de ensino e aprendizagem, já que é o ator com mais contato com o estudante neste processo. Em seus estudos de Psicologia com crianças, Vygotsky (1989) ressaltou a importância da colaboração e assistência advindas das pessoas que fazem parte do seu contexto, considerando o papel fundamental da linguagem no desenvolvimento cognitivo e social das funções psicológicas superiores, as quais são socialmente e culturalmente determinadas nesta perspectiva. A ideia de aprendizado inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo, ou seja, o conceito de aprendizado envolve a interação social. De acordo com Pacheco (2003), [...] se uma profissão se fundamenta num corpo sistemático de conhecimentos a do professor exige um plano curricular que contemple os seguintes componentes de formação, variáveis em função do nível de ensino em que o futuro docente vai exercer: de formação pessoal, social, cultural, científica, tecnológica, técnica ou artística ajustada à futura docência; de ciências da educação; de prática pedagógica orientada pela instituição formadora, com a colaboração do estabelecimento de ensino em que essa prática é realizada (privilegiar‐se‐á, neste caso, a lógica de situação de formação porque ligada às atividades desenvolvidas na universidade).

Foi apenas com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (Lei 9.394/96) que se elevou a formação do professor das séries iniciais ao nível superior, estabelecendo que ela aconteceria em universidades e em instituições superiores de educação, nas licenciaturas e em cursos normais superiores. Percebendo assim a importância de uma formação mais completa para os professores de uma forma geral, não apenas nos anos finais da escolarização (Tanuri, 2000). Pacheco (2003) comenta sobre a importância da interlocução entre teoria e prática, para ele “aprender a ser professor exige uma formação centrada nas dimensões “teórica” da universidade e “prática” da escola, instituições 180


jamais entendidas como sobrepostas, mas articuladas em função de um perfil de formação”. Nunes (2001) reafirma essa importância, pois considera que o professor em sua trajetória, constrói e reconstrói seus conhecimentos conforme a necessidade de sua utilização, suas experiências, seus percursos formativos e profissionais, ratificando não apenas a formação inicial do professor, mas também sua formação continuada. Briant e Oliver (2012) citam algumas pesquisas que enfatizaram a necessidade da formação continuada para atender à diversidade das experiências e demandas dos estudantes em sala de aula por constatarem na prática as dificuldades e a falta de preparo dos professores para promover a aprendizagem de alunos de uma forma geral. No contexto das pesquisas educacionais brasileiras, a temática dos saberes docentes tem se mostrado uma área um tanto recente, o que vem demandando estudos sob diferentes enfoques. Foi a partir da década de 1990 que se buscou novos enfoques e paradigmas para compreender a prática pedagógica e os saberes pedagógicos e epistemológicos relativos ao conteúdo escolar a ser ensinado/aprendido. Mas o que se encontra nas publicações recentes sobre a área ainda é uma dissociação entre a formação e a prática cotidiana, não enfatizando a questão dos saberes que são mobilizados na prática, ou seja, os saberes da experiência (Nunes, 2001). No contexto da educação integral percebemos a importância dessa associação, pois como diz Cavaliere (2002) “a escola fundamental vem sendo instada, nos últimos anos, a assumir responsabilidades e compromissos educacionais bem mais amplos do que a tradição da escola pública brasileira sempre o fez” (p. 248). Responsabilidades estas que vão além da educação de tempo integral, mas na direção a uma educação integral do aluno. Segundo a autora, uma das bases da concepção da educação integral é a predisposição para receber os educandos como indivíduos multidimensionais. Para ela, a educação integral abrange: [...] aqueles elementos que possam responder à necessidade que aflora no cotidiano escolar brasileiro de uma intencional e efetiva ação socialmente integradora, de forma tal que a natureza dessa ação possa representar uma contribuição ao processo de democratização da instituição escolar pública e não uma reafirmação de seu caráter discriminatório (Cavaliere, 2002, p. 4). 181


Pensar no educando como multidimensional foi o que impulsionou os encontros de formação de professores que serão relatados neste capítulo. Amparando-se na importância da formação dos educadores para o processo de ensino-aprendizagem de estudantes propôs-se discutir a educação integral, um tema novo e ainda a ser explorado pelos atores envolvidos no PME na região das Vertentes. Nesse sentido, a Universidade Federal de São João del-Rei, implementou um projeto de formação e acompanhamento do Programa Mais Educação nessa região, visando contribuir na formação de professores, gestores, agentes culturais e universitários participantes do Programa. Como uma sub-ação desse projeto, foi realizado mensalmente o “Encontro de discussão para os professores comunitários e monitores” das escolas que aderiram ao Programa, com o objetivo de refletir e discutir, como o próprio nome já diz, os temas pertinentes à Educação, ao conceito de Educação integral, às práticas realizadas nas escolas e os desafios encontrados. Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

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Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

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Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

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Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

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Encontro de discussão de professores comunitários e monitores

Fonte: Arquivo pessoal.

Os temas propostos e escolhidos para os encontros de professores comunitários e monitores foram Educação Integral e Gestão de tempo e espaços; Interdisciplinaridade; Diversidade, inclusão e ritmo de aprendizagem; Direitos da criança e Ludicidade; Participação da família, crianças e adolescentes na escola; Sexualidade e por fim, Avaliação das Práticas nas escolas. No primeiro encontro, o conceito de Educação integral foi amplamente discutido, visto que muitos professores o percebiam somente como uma ampliação da carga horária regular e tinham dificuldades de reconhecer outros espaços educativos que não a escola. Segundo a Rede de Saberes Mais Educação, 2009, “a educação integral não está condicionada ao espaço físico da escola, nem mesmo aos saberes que lá são construídos e, muito menos, ao tempo diário de quatro horas.” Assim, faz-se necessário um diálogo entre a comunidade e a escola compreendendo que a educação acontece e se efetiva também fora dela, principalmente porque os estudantes são integrantes de outros meios sociais. Frente a este aluno intercultural, a interdisciplinaridade se apresentou como um grande desafio e o sistema educacional contribui de forma signi-

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ficativa para isso. Por esse motivo, foi escolhido este tema para a discussão de um dos encontros. Segundo Gallo (2000, p. 23) [...] com o crescente acúmulo do saber, foi ocorrendo uma especialização cada vez mais radical. À medida que aumenta a quantidade de conhecimento, fica mais difícil perceber a relação entre as várias áreas e as várias perspectivas, processo este que acaba por culminar na abstração que vivemos hoje: o total alheamento, a completa dissociação entre os vários conhecimentos.

Disciplinas isoladas, falta de diálogo entre os professores e falta de planejamento das aulas fragmentam o conhecimento, dificultando a aprendizagem dos alunos e a sua aplicação de um modo geral. Uma disciplina poderia contribuir de maneira significativa para a compreensão de outra. Buscou-se refletir sobre como é possível trabalhar interdisciplinarmente e de que forma essa prática acontece nas escolas. Durante vários encontros o tema diversidade foi alvo de discussões polêmicas. Em um deles, foi discutido esse tema especificamente. Segundo a Constituição Brasileira de 1988, Art. 5º, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” E como qualquer cidadão, a pessoa com deficiência tem direito à educação pública e gratuita também assegurada por lei, preferencialmente na rede regular de ensino e, se for o caso, à educação adaptada às suas necessidades em escolas especiais. (Lei 9.394/96, Art. 58 e seguintes; Decreto 3.298/99, Art. 24; Lei 7. 853/89, Art. 2º). Mas, será que é possível incluir crianças com necessidades especiais em turmas de escolas regulares? Como essa inclusão acontece? Os professores estão capacitados para isso? As escolas possuem estrutura física adequada a esses alunos? A discussão embasou-se nos conceitos de igualdade e direitos. De que forma nossa igualdade e nossos direitos são respeitados? E a nossa diferença? Somos todos realmente iguais? Diante dessas questões, relatouse o que de fato acontece nas escolas. Segundo os professores presentes, as escolas não estão preparadas. Nem os professores. A matrícula desses alunos não pode ser recusada, entretanto apesar de frequentarem o mesmo 187


ambiente o que ocorre é que os alunos são retirados da sala de aula para fazerem atividades em outro espaço com outro professor. Dessa forma não há inclusão. Refletiu-se que embora apresentem ritmos de aprendizagem diferentes – todos os alunos têm – ao retirá-los da classe, tira-lhe a possibilidade de interação com os outros alunos, e os consequentes benefícios que essa interação pode propiciar. Em relação ao tema direitos da criança, discutiu-se que as crianças têm seus direitos garantidos e respaldados legalmente. Sendo as principais fontes de respaldo, além da própria Constituição Federal Brasileira de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA que foi instituído pela Lei 8.069 no dia 13 de julho de 1990 e a declaração universal dos direitos das crianças de 20 de novembro de 1959. Esta última em seu Princípio VII estabelece que: A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade. O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais. A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.

O filme “A invenção da infância” (2000) norteou as discussões sobre os direitos da criança e possibilitou a reflexão de que ser criança não significa necessariamente ter infância, inclusive no mundo contemporâneo. Apesar de alguns pensarem que crianças têm muitos direitos e poucos deveres, o reconhecimento desses direitos é muito recente e foi construído ao longo da história. As crianças não eram percebidas como sujeitos vulneráveis, que necessitavam de proteção, mas eram forçadas a trabalharem, sendo privadas de se desenvolverem como crianças que eram. As legislações em

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defesa da criança muito contribuíram para que a criança fosse percebida como sujeito de direitos. No encontro sobre ludicidade discutiu-se o quanto esta contribui para o desenvolvimento das crianças e facilita o processo de ensino e aprendizagem. Por meio da ludicidade a criança se expressa, estimula a imaginação, a criatividade, desenvolve a motricidade, a afetividade e a interação. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, afirma que [...] o jogo tornou-se objeto de interesse de psicólogos, educadores e pesquisadores como decorrência da sua importância para a criança e da ideia de que é uma prática que auxilia o desenvolvimento infantil, a construção ou potencialização de conhecimentos. (BRASIL, 1998, p. 210)

No encontro sobre a participação da família na escola, foi relatado que a família é a principal instituição parceira da escola. Muito se questionou sobre a importância da família na vida escolar dos alunos e da responsabilidade que a família tem atribuído à escola na educação de seus filhos. Na perspectiva dos professores, a escola tem assumido funções que não são dela. Afirmaram que a função da escola é ensinar e não educar e que não têm tido o apoio necessário por parte dos pais. Isso gera certo conflito dentro do conceito de Educação Integral, pois devemos considerar o aluno como parte de um meio social em todos os aspectos que contribuem para a sua formação, inclusive como família e escola fazendo parte desse processo. Como os Encontros eram um momento não só de reflexões, mas de troca de experiências e uma possibilidade de sanar as dúvidas, os professores deram sugestões, relataram as suas vivências e apresentaram algumas atividades que estavam realizando nas oficinas do Programa. Percebemos que muitas eram as dúvidas com relação à implementação do Mais Educação nas escolas tanto no que diz respeito à gestão administrativa quanto financeira e a insatisfação dos profissionais envolvidos com a falta de apoio das Prefeituras Municipais ou até mesmo da escola. Grandes são os desafios. O Programa é uma política de governo e muitos professores não acreditam em sua continuidade, talvez por isso algumas escolas se dediquem menos que outras ao Programa. Houve relatos de uma dicotomia entre o Ensino Regular e o Programa Mais Educação. Como 189


se os alunos do Mais Educação não fossem alunos da escola e que alguns professores do ensino regular desestimulavam a participação dos alunos no projeto. Assim, o conceito de Educação Integral se perdia. Outro grande fator de descontentamento dos professores foi o espaço físico da escola. Para os professores, o Programa foi implantado sem nenhum planejamento e as escolas não dispunham de espaço físico adequado para funcionarem no contraturno mesmo com a possibilidade de se explorar outros espaços. Isso também foi um problema, pois muitos professores relutaram que os alunos saíssem do espaço escolar até mesmo por uma questão de segurança. A dificuldade em se contratar monitores para as oficinas também foi significativa. Além dos horários, o valor da bolsa era pouco representativo e a responsabilidade, imensa. Mesmo com tantas dificuldades, os professores e monitores envolvidos no Programa têm buscado alternativas, têm participado não somente dos Encontros de discussão mas também de cursos de aperfeiçoamento sobre a Educação Integral numa tentativa de aprendizado, de buscar soluções para que o Programa dê um resultado qualitativo. E mesmo durante os encontros, já foi possível perceber avanços significativos em relação a colocar em prática o que estava sendo discutido. No último encontro a proposta era de uma avaliação dos temas e didáticas usadas para abordá-los. Os participantes relataram ter colocado em prática o que foi aprendido e o quanto isso facilitou a prática deles nas escolas.

Referências bibliográficas Biblioteca virtual de Direitos Humanos. Declaração dos Direitos da Criança – 1959. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/ Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html. Acesso: 16 set. 2014. BRIANT, Maria Emília P.; OLIVER, Fátima Corrêa. Inclusão de crianças com deficiência na escola regular numa região do município de São Paulo: conhecendo estratégias e ações. Rev. bras. educ. espec, 18(1), p. 141-154, 2012. CAVALIERE, Ana Maria V. Educação Integral: Uma nova identidade para a escola brasileira? Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002. 190


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso: 12 set. 2014. GALLO, Sílvio. Transversalidade e Educação: Pensando uma educação nãodisciplinar. Disponível em: http://www.educacao.es.gov.br/download/roteiro2. pdf. Acesso em 21 set. 2014. Ministério da Educação. Rede de Saberes Mais Educação: Pressupostos para Projetos Pedagógicos de Educação Integral. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/dmdocuments/cad_mais_educacao_2.pdf. Acesso: 23 set. 2014. NUNES, Célia Maria F. Saberes docentes e formação de professores: Um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001 PACHECO, José Augusto. Formação de professores [Documento de discussão], @José A. Pacheco/UM/2003 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf. Acesso: 22 set. 2014. TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação. n. 14, Mai/Jun/Jul/Ago 2000 VYGOTSKI, Levy. Semenovitch. A formação social da mente. Psicologia, 1989

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A mandala Bioecológica da Educação Integral: uma concepção contemporânea de desenvolvimento humano para a educação Paulo Frederico Medeiros Clementino

O Governo Federal, no que concerne às expectativas para o desenvolvimento da Educação Integral no país, anseia pela contribuição e disseminação de novas concepções de currículo, conhecimento, desenvolvimento humano e aprendizado que, muitas vezes, mantêm-se restritas aos espaços acadêmicos de pesquisa (MOLL, 2009a). Este capítulo tem como objetivo demonstrar as possíveis aproximações e contribuições do modelo Bioecológico (BRONFENBRENNER e EVANS, 2000) do desenvolvimento humano para a Educação Integral, partindo de uma perspectiva de desenvolvimento integradora, sistêmica, relacional e orientada para a mudança, cujo foco central é a criança e o adolescente, inseridos em seus contextos específicos de vida. Como forma de ilustrar as interações que ocorrem entre um indivíduo em desenvolvimento e os sistemas interligados em torno dele (sua ecologia), apresentamos uma proposta de oficina elaborada para o programa Mais Educação - Campo das Vertentes/MG. A partir dessa experiência, destacamos a importância dos processos bidirecionais nas práticas educativas e como o modelo Bioecológico pode ser um quadro orientador útil na construção de propostas de aprendizagem que contribuam para o envolvimento dos alunos, a colaboração e a interação destes entre si e com outros sujeitos e ambientes. Ao final do capítulo, oferecemos um modelo gráfico que representa a concepção de desenvolvimento humano adotada e a importância da confluência e interação dos diversos sistemas integradores da ecologia das crian-

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ças e adolescentes para a aprendizagem significativa, nomeada a Mandala Bioecológica da Educação Integral. Assim, esperamos contribuir para o desenvolvimento de ações e políticas que, alinhadas ao conhecimento científico sobre o desenvolvimento humano, possam efetivamente desenvolver a formação integral do aluno.

A perspectiva de desenvolvimento humano do Modelo Bioecológico Os estudos de Psicologia sobre o desenvolvimento humano, assim como outras áreas do conhecimento, tradicionalmente subsidiam os avanços na compreensão dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de crianças, jovens e adultos, contribuindo para a criação de contextos mais favoráveis para a promoção humana e as práticas educacionais. Contudo, não há uma única perspectiva de desenvolvimento humano, de tal modo que se observam distinções em suas dimensões ontológicas (visão a respeito da realidade), epistemológicas (visão sobre a natureza do conhecimento e a relação entre aquele que conhece e aquilo que é conhecido) e metodológicas (visão sobre a melhor forma de estudar algum aspecto do mundo), assim como se observa na educação (TUDGE, 2008). A concepção de desenvolvimento apresentada é definida a partir do modelo Bioecológico como o “conjunto de processos pelos quais as propriedades da pessoa e do ambiente interagem para produzir a constância e a mudança das características biopsicológicas” dos seres humanos, como indivíduos ou grupos, ao longo do seu ciclo vital, mediados pelo tempo histórico (BRONFENBRENNER, 1992; 2011, p. 139). Em conformidade com o paradigma contextualista (TUDGE, 2008) o desenvolvimento humano assume uma ótica pluralista, a partir da coexistência de contribuições teóricas de áreas diversas do conhecimento e pelo caráter dinâmico e complexo de interações entre sujeito e contexto. Este posicionamento contraria a lógica da fragmentação do conhecimento, da descontextualização e do reducionismo, os quais inviabilizam a visibilidade do contexto global, complexo e multidimensional que envolve o desenvolvimento humano (ASPESI, DESSEN e CHAGAS, 2005).

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Neste sentindo, o termo Bio se refere à inclusão do nível estrutural e funcional do indivíduo, compreendendo suas características genéticas, fisiológicas, emocionais, cognitivas e comportamentais. Já o termo ecológico, se refere à união do indivíduo ao seu contexto cultural, social, econômico e histórico, ou seja, aos diversos ambientes ou configurações contextuais, do mais imediato contendo a pessoa àqueles mais distantes nos quais ela não está presente, cujos eventos afetam aquilo que acontece no seu ambiente imediato (BRONFENBRENNER, 1979; 2011, p. 90). Segundo este modelo, o indivíduo localiza-se no centro de um “conjunto de estruturas entrelaçadas, que juntas, compõem seu contexto ecológico” (Bronfenbrenner, 2011, p. 31). O sujeito é apresentado no modelo Bioecológico como produto e produtor indireto de seu próprio desenvolvimento, manifestado nos processos de interação de suas características particulares e aspectos específicos do contexto no qual está inserido. (BRONFENBRENNER, 1998). As trocas realizadas entre a pessoa em atividade com seu contexto também ativo devem beneficiar a ambos, de tal forma que o modelo Bioecológico concentra seus esforços na melhoria das oportunidades de desenvolvimento humano, tanto no nível individual, quanto no contexto social. Com o intuito de contribuir para a integração positiva entre esses sistemas, promovendo seres humanos e sociedades mais saudáveis, especial atenção é dedicada pelo modelo aos efeitos indiretos, reais e potenciais das macroestruturas - tais como as políticas públicas - sobre o desenvolvimento humano. Isso nos leva a refletir sobre a importância das políticas sociais e educacionais desenvolvidas na proposta de Educação Integral no Brasil, seu impacto nos sistemas escolares, comunitários, familiares e nas oportunidades de formação da pessoa. Abordamos, portanto, a integração holística das relações interpessoais com as forças maiores da sociedade nos processos de desenvolvimento humano e aprendizagem (BENDTRO, 2006; SWICK e WILLIANS, 2006).

Os quatro elementos centrais do Modelo Bioecológico O modelo Processo-Pessoa-Contexto-Tempo (PPCT) representa os quatro elementos centrais que constituem a abordagem Bioecológica, man-

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tendo entre si relações dinâmicas e recíprocas. De modo sucinto, este modelo representa um indivíduo imerso temporalmente em processos interativos, em que os vários níveis ecológicos exercem uma ação ativa no seu desenvolvimento (BRONFENBRENNER e MORRIS, 1998; BRONFENBRENNER e EVANS, 2000). O primeiro elemento considerado são os Processos Proximais, basicamente as atividades diárias em que as pessoas se engajam, como por exemplo, a relação entre professores e alunos, pais e filhos, crianças e seus pares. De acordo com Bronfenbrenner (2001; 2011, p. 49) para que se desenvolvam “intelectual, emocional, moral e socialmente, toda criança necessita participar de atividades progressivamente mais complexas, que ocorrem em uma base regular por períodos estendidos de tempo”. Ademais, destaca o desenvolvimento do apego emocional mútuo e forte com uma ou mais pessoas, estando essas comprometidas com o bem-estar da criança, de preferência para toda a vida. Os laços mútuos estabelecidos irão motivar o interesse e o engajamento da criança na exploração do ambiente físico e social (BRONFENBRENNER, 2001, 2011). O estabelecimento e a manutenção de padrões de interações progressivamente mais complexos ampliarão os relacionamentos da criança para além do ambiente imediato (família), colocando-a em contato com outras pessoas e ambientes que poderão de forma diversificada, contribuir para seu desenvolvimento (BHERING e SARKIS, 2009). O processo proximal é, portanto, considerado o mecanismo principal através do qual o potencial humano é atualizado. Embora apontado como a força motriz primária do desenvolvimento humano, a energia que impulsiona os Processos Proximais vem de fontes mais profundas que perpassam o mundo experiencial. Isso significa que as “características cientificamente relevantes de qualquer contexto para o desenvolvimento humano incluem não apenas suas condições objetivas, mas também a maneira na qual essas são experienciadas subjetivamente pelas pessoas que vivem nesse ambiente” (BRONFENBRENNER, 2001; 2011, p. 44). Ademais, os processos proximais serão diferentes em seus efeitos sobre o desenvolvimento dependendo da qualidade do ambiente, em termos de disponibilidade de recursos, e por outro lado, da natureza do resultado, 196


em termos de disfunção ou competência. Desta forma, competência e a disfunção, são resultados de desenvolvimento esperados dos processos proximais. A primeira se refere aos “conhecimentos e habilidades intelectual, física, emocional ou a combinação delas” (BRONFENBRENNER, 2001; 2011, p. 213), dirigindo o comportamento da pessoa em direção a situações e domínios crescentemente avançados de desenvolvimento (BHERING e SARKIS, 2009). Já a segunda, refere-se à “manifestação de dificuldades em manter o controle e a interação do comportamento” nas variadas situações e domínios do desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 2001; 2011, p. 213). Reconhece-se maior probabilidade de disfunção no desenvolvimento em contextos privados de condições mínimas para o desenvolvimento saudável. Porém, ao efetivarem-se os processos proximais, “faz-se possível aumentar o grau de efetividade para reduzir disfunções do desenvolvimento humano e aumentar o desenvolvimento de competências” (BRONFENBRENNER, 2001; 2011, p. 215). A bidirecionalidade dos Processos Proximais assegura a interdependência e a influência mútua entre o indivíduo e seu ambiente e entre os indivíduos nas relações interpessoais (POLONIA, DESSEN e SILVA 2005). A forma, a força, o conteúdo e a direção dos processos proximais variam em seu efeito sobre o desenvolvimento como uma função conjunta das características biopsicológicas da pessoa, do ambiente (imediato e remoto), da natureza dos resultados sobre o desenvolvimento, das mudanças e continuidades sociais ao longo do tempo e do período histórico em que a pessoa vive (BRONFENBRENNER, 1995; BRONFERNBRENNER e MORRIS, 1998). O modelo Bioecológico reconhece na aprendizagem o fundamento para a realização do potencial humano, destacando-se a importância dos educadores e instituições de ensino no cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes e no reforço do potencial inerente de desenvolvimento. Neste caminho, a compreensão dos mecanismos de condução do desenvolvimento humano pode fornecer insights significativos sobre os mecanismos de condução da aprendizagem (SMITH, 2011). Na aproximação entre os processos proximais e educativos, a presença de interações bidirecionais entre alunos e professores é condição essencial para a formação multidimensional da pessoa e para o desenvolvimento de 197


ambientes de aprendizagem significativos (BHERING e SARKIS, 2009). O contexto de aprendizagem deve nesse aspecto ser estimulante e convidativo à exploração, evoluindo em complexidade e valorizando a comunicação dialógica entre os participantes (BRONFENBRENNER, 1999). O aluno, a partir dessa perspectiva, aprende, compreende e transforma as circunstâncias ao mesmo tempo em que é por elas transformado (MOLL, 2009c). O segundo componente do modelo PPCT refere-se à Pessoa, dotada de características físicas, psicológicas e comportamentais, cuja concepção deve incluir o contexto no qual está inserida, incluindo a cultura, classe e local em que o indivíduo vive. Incluem os aspectos cognitivos, socioemocionais e motivacionais (BRONFENBRENNER, 1992; 2011). As características psicológicas podem ser compreendidas como uma função interativa das características biológicas e potenciais de um organismo em atividade e, por outro lado, das formas de funcionamento psicológico e dos possíveis cursos de desenvolvimento existentes em uma determinada cultura em um dado período histórico (BRONFENBRENNER, 2001; 2011). Bronfenbrenner (1993) propõe ainda três elementos que compõem as características da Pessoa e que influenciam o curso do desenvolvimento, são eles: as disposições, os recursos e as demandas. As disposições são também chamadas características instigadoras de desenvolvimento, pois, embora elas não determinem o curso do desenvolvimento, elas podem favorecê-lo, influenciando seu rumo futuro. Como exemplo podem ser citadas a curiosidade, a iniciativa e a responsividade (forças geradoras). Em contrapartida, existem as características que dificultam ou retardam a ocorrência dos processos, como a impulsividade, a distração, a timidez e a hiperatividade (forças disruptivas). Os recursos, por sua vez, são componentes biopsicossociais que influenciam a capacidade do organismo de engajar-se efetivamente em processos proximais. Envolvem as condições que limitam ou dificultam a integridade funcional do organismo, tais como as deficiências (defeitos genéticos, baixo peso ao nascimento, deficiência física, mental) ou os atributos psicológicos (capacidades, habilidades, conhecimento, experiência) que evoluíram ao longo do desenvolvimento e que influenciam na capacidade da pessoa de engajar-se de forma efetiva nos Processos Proximais. 198


Por fim, as características de demanda são atributos pessoais (inatos ou não) que convidam ou desencorajam reações do ambiente. Como consequências dessas características pessoais, as pessoas poderão interagir de forma diferenciada - não necessariamente de modo positivo ou negativo – todavia, com implicações para o curso de desenvolvimento da pessoa. Tais características podem ser ilustradas na carência afetiva de determinados alunos ou no comportamento disfuncional externalizado (raiva, agressividade), o que resulta reações diferenciadas por professores e colegas, ora dando maior atenção, ora os evitando (POLONIA, DESSEN e SILVA, 2005; BRONFENBRENNER e MORRIS, 1998). O terceiro componente do modelo PPCT é o Contexto ou ambiente ecológico, cuja importância reside nos recursos por ele disponibilizados, além do fornecimento da estabilidade e consistência através do tempo para o funcionamento efetivo dos Processos Proximais. Inclui: o Microssistema, o Mesossistema, o Exossistema e o Macrossistema. O ambiente imediato, chamado de Microssistema, é compreendido como um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais vivenciadas pela pessoa em desenvolvimento nos contextos nos quais estabelece relações face a face com suas características físicas, sociais e simbólicas, contendo outras pessoas com atributos distintos de temperamento, personalidade e sistema de crenças. Tais características podem promover ou constranger o engajamento em atividades progressivamente mais complexas em um contexto imediato (BRONFENBRENNER, 1994). As implicações do microssistema destacam a necessidade de que as comunidades trabalhem apoiando os esforços das famílias em criar crianças saudáveis. A transição do indivíduo por vários microssistemas nos mostra que, assim como na concepção mais geral do desenvolvimento humano, a formação integral dos alunos não pode ser encarada como responsabilidade exclusiva das escolas ou das famílias, uma vez que esses sistemas imediatos atuam conjuntamente no desenvolvimento das práticas e saberes, cada qual com sua contribuição (MOLL, 2009a). A interconexão entre os sistemas de interação e os processos proximais é assim fundamental para o modelo Bioecológico, de tal forma que excelentes ambientes sem processos proximais funcionais não conseguem alcançar resultados positivos (SMITH, 2011; BRONFENBRENNER e CECI, 1994). 199


O Mesossistema compreende essas inter-relações entre dois ou mais ambientes - microssistemas - em que a pessoa em desenvolvimento está inserida e participa de maneira ativa, como por exemplo: a relação aluno-escola, pais-trabalho, família-igreja, família-comunidade. Sua importância reside nos efeitos sinérgicos criados a partir da interação das características e processos instigadores ou inibidores do desenvolvimento presente em cada ambiente (BRONFENBRENNER, 1993). A concepção de Mesossistema expande o foco para além da influência de um único sistema e para além da criança e do adolescente no âmbito individual, incluindo a análise de outros microssistemas nos quais eles participam e que igualmente influenciam seu desenvolvimento (BRONFENBRENNER E CROUTER, 1983). Segundo Bronfenbrenner (2005b): [...] a capacidade de um ambiente – tal como a casa, a escola ou local de trabalho – de funcionar efetivamente como um contexto para o desenvolvimento é visto como dependente da existência e natureza das conexões sociais entre os ambientes, incluindo participação conjunta, comunicação, e a existência de informação em cada ambiente sobre o outro (p. 52-53).

Portanto, quando a escola compartilha a sua responsabilidade pela educação, isso não significa que sua importância tem sido diminuída em favor de outros microssistemas, mas que sua ação não é suficiente para dar conta da tarefa multidimensional que é a Educação Integral (MOLL, 2009a). Implica compreender que existem outros sistemas que são potencialmente educadores, como representado no conceito de “comunidade de aprendizagem” (TORRES, 2003). Definido como uma comunidade humana organizada que concentra esforços para o desenvolvimento de um projeto educativo e cultural contextualizado, o conceito de “comunidade de aprendizagem” (TORRES, 2003) dialoga com a perspectiva Bioecológica em pontos essenciais, tais como: ambos destacam a importância da criação de ambientes ecológicos significativos para o desenvolvimento humano; a realização cooperativa e solidária entre seus membros e o meio; e se concentram nas forças e no potencial de desenvolvimento de determinado grupo e não apenas na remediação de suas carências. A interação entre as pessoas que atuam na escola e as que vivem 200


na comunidade, através do diálogo, das trocas e construção dos saberes, possibilita a constituição de um mesossistema ao qual pode ser reconhecida a ação dos processos proximais que promovem o desenvolvimento humano. O Exossistema engloba as ligações e os processos que ocorrem entre dois ou mais contextos, nos quais pelo menos um deles não contém necessariamente a pessoa em desenvolvimento, mas, delimita, afeta ou mesmo determina o que ocorre no microssistema do indivíduo (BRONFENBRENNER, 2001; 2011). Exemplos incluem as instituições Federais, Estaduais e Municipais ligadas à educação, cujo ambiente não contém diretamente os alunos, pais e professores, contudo, as políticas sociais e educativas desenvolvidas nesses espaços interferem no microssistema escolar e familiar. Outros exemplos incluem as instituições ligadas à saúde, à economia, à assistência social e àquelas associadas aos direitos da criança e do adolescente, com seus respectivos impactos nos sistemas imediatos dos indivíduos. Como forma de contribuir para a diversidade de vivências que tornam a Educação Integral uma experiência significativa e transformadora, além de sustentável ao longo do tempo, é necessária a articulação de outras políticas públicas, das organizações da sociedade civil e dos atores dos processos educativos (MOLL, 2009a). O programa Mais Educação é um exemplo dentro da proposta de Educação Integral que promove as ligações e os processos entre dois ou mais contextos, mais especificamente, a partir da construção de parcerias intersetoriais e intergovernamentais, tendo como alvo das ações os resultados formativos (MOLL, 2009a). Tais ações em diálogo com as redes de educação, embora não contenham diretamente os alunos, impactam no microssistema escolar, ilustrando o importante papel do exossistema e do mesossistema nas oportunidades de desenvolvimento humano. Dito de outra forma, os efeitos dos processos interativos e sinérgicos entre os programas e serviços públicos, repercute na expansão da ação educativa. O Macrossistema pode ser definido como: [...] sistemas instigadores de desenvolvimento de crenças, recursos, riscos, estilos de vida, oportunidades estruturais, opções de curso de vida e os padrões de intercâmbio social que são imersas em cada um desses sistemas (BRONFENBRENNER, 1992, 2011, p. 177). 201


Isto significa que em um microssistema particular, como a escola ou ambiente familiar, a estrutura e o conteúdo do contexto e as formas do processo do desenvolvimento humano que ocorrem no seu interior, são definidos e limitados de forma significativa pela cultura, subcultura, valores, crenças ou outras estruturas do macrossistema em que o microssistema está inserido (BRONFENBRENNER, 1989, 2011). A própria proposta de Educação Integral contemporânea também deve ser compreendida em seu caráter político-ideológico, orientada por uma perspectiva humanística e sistêmica de educação (MOLL, 2009a). Tais orientações podem ser consideradas como aspectos macrossistêmicos que norteiam as ações nos microssistemas escolares e mais diretamente nas propostas de atividades a serem desenvolvidas. Porém, esse processo não ocorre de modo pacífico, pois se reconhece a disseminação de múltiplas tendências pedagógicas nos contextos escolares que dificultam a assimilação e apropriação dos valores inerentes à proposta de Educação Integral. Esta constatação demonstra a importância da apropriação das concepções epistemológicas da Educação Integral por parte dos educadores e demais envolvidos, pois as ações microssistêmicas são norteadas pelos valores macrossistêmicos difundidos na proposta. O Contexto, porém, não é uma entidade fixa, constante e imutável, sofrendo os efeitos cumulativos de uma sequência de transições e mudanças, no transcurso do tempo. Neste aspecto, Bronfenbrenner (1994) emprega a noção de Cronossistema como mais um nível do contexto de desenvolvimento, englobando a passagem do tempo nas características da pessoa, do ambiente e da sociedade em geral. Abarca as mudanças do desenvolvimento humano desencadeadas pelos eventos ou experiências de vida. Oportunamente, o quarto e último componente do modelo PPCT é o Tempo. Os estudos sobre o desenvolvimento humano no passado consideraram em relação à constância e à mudança sistemática apenas as características da pessoa, tratando o ambiente como uma entidade fixa, observado somente em um espaço de tempo determinado, presumido como constante (BRONFENBRENNER, 1988; 2011). O modelo Bioecológico em muito contribuiu para a noção de que também o contexto sofre mudanças no decorrer do tempo. 202


Segundo Bronfenbrenner (1988; 2011, p. 116), “o tempo é empregado não apenas para ordenar os indivíduos segundo a idade, mas também para ordenar eventos em sua sequência e contexto histórico”. A própria concepção de idade foi vista por muito tempo como um construto puramente pessoal, como reflexo de mudanças que ocorrem internamente ao indivíduo, desconsiderando a influência das condições ou eventos externos (BRONFENBRENNER, 1988; 2011) Todavia, o modelo chama atenção para o fato de que “indivíduos de determinada idade em diferentes gerações podem ter experiências muito diversas, dependendo do período em que viveram” (BRONFENBRENNER, 1988; 2011, p. 117). Ao incluir a dimensão temporal, esta perspectiva reconhece a capacidade dos eventos históricos em alterar o curso do desenvolvimento humano, em qualquer direção, não somente para indivíduos, mas para grandes segmentos da população (BRONFENBRENNER, 1995). Como exemplo, podemos destacar a influência dos processos de globalização, das mudanças nas relações de trabalho, das transformações técnico-científicas e socioambientais, dentre outras, nos microssistemas escolares, familiares e comunitários, o que impõe novos desafios às políticas públicas e em particular às políticas educacionais e sociais, que direta e indiretamente impactam sobre esses contextos (MOLL, 2009a). Em decorrência dessas transformações, embora a família ainda seja o sistema responsável moralmente e também legalmente pelo desenvolvimento das crianças, as mudanças sócio-históricas têm prejudicado o poder e a oportunidade dos pais para a realização dessa tarefa, principalmente nas situações nas quais essa interação seria possível, ou seja, com a frequência e a qualidade necessária (BRONFENBRENNER, 1970, 2011). Deste modo, as transformações nos contextos familiares repercutem no contexto escolar e vice e versa, através da mediação da criança. O microssistema familiar frequentemente assume o papel de exossistema para os educadores, uma vez que muitos deles não têm acesso aos pais, mas sentem no convívio diário as influências da educação familiar (ou a falta dela). O mesmo ocorre com a família, cuja baixa frequência na escola limita sua participação nesse contexto, mas não a impede de sentir os efeitos do processo educativo de seus filhos em casa (BHERING e SARKIS, 2009). 203


Também deve ser considerada dentre as transformações ocorridas na sociedade a violência contra os jovens brasileiros nas últimas três décadas. Entre 1980 e 2011, as mortes não naturais e violentas de jovens – como acidentes, homicídio ou suicídio – cresceram 207,9% (WAISELFISZ, 2014). Esta realidade desafia a instituição escolar, que estende sua função de educação para a de proteção social e prevenção de situações de violação de direitos da criança e do adolescente, principalmente nos contextos mais vulneráveis (MOLL, 2009a). Embora a educação constitua um importante recurso para o rompimento com os ciclos de violência e pobreza, a extensão do tempo integral sob a lógica de manter o aluno “mais tempo fora da rua” não pode ser a única dimensão considerada como estratégia protetiva. Uma discussão nessa direção passa pela questão entre a “quantidade” de tempo, acompanhada pela “qualidade” ou “intensidade” nas atividades que constituem a jornada ampliada no contexto escolar (MOLL, 2009a). Deste modo, a reestruturação da educação no Brasil surge como uma resposta aos desafios de seu tempo histórico, assim como à complexidade e urgência das demandas sociais contemporâneas. Este quadro de transformações ilustra o caráter interativo e indissociável entre as dimensões histórico-temporais, contextuais, processuais e pessoais no estudo do desenvolvimento humano e, em especial, na apreciação da Educação Integral no país, indicando aproximações e complementariedade entre ambos.

Dimensões do indivíduo integral As múltiplas dimensões da criança e do adolescente na Educação Integral são consideradas a partir da promoção dos aspectos corporais, mentais e sociais, destacando-se a construção da cidadania, da autonomia, da capacidade crítica e participativa. Busca-se dessa forma expandir o horizonte formativo dos estudantes e estimulá-los em seus aspectos cognitivos, políticos-sociais, ético-culturais e afetivos. Para isso, os educadores são incentivados a priorizar os processos capazes de gerar sujeitos inventivos, autônomos, participativos, cooperativos, habilitados à inserção social diversificada, assim como à política, cultura e trabalho (MOLL, 2009a).

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Para alcançar tais objetivos, é sugerido aos educadores adotarem uma metodologia participativa, valorizando as experiências em grupo, assim como a contribuição diferenciada de cada aluno, desenvolvendo a assertividade, a capacidade de pensar e de criar. A concepção de educação por trás dessa proposta metodológica é oposta à forma vertical e antidialógica de ensino, que “educa” para a passividade, para a acriticidade ou, como dizia Freire (1983, p. 66), para uma concepção “bancária de educação”. A manutenção da contradição entre educador (sujeito do processo) e educando (objeto de depósito) não corresponde àquilo que poderia ser definido como um processo proximal, pois não se reconhece reciprocidade nessa relação, constituindo-se em um processo unidirecional que compromete o potencial do desenvolvimento humano presente na ação educativa. A concepção bancária (FREIRE, 1983) também não admite a visão de uma realidade construída pela participação ativa dos sujeitos, mas que tomada a priori, reduz os homens a seres de adaptação e ajustamento, descontextualizados de suas trajetórias de vida. Neste ponto, evidenciam-se as aproximações ontológicas e epistemológicas entre a Educação Integral e o modelo Bioecológico, quer seja, o reconhecimento de uma realidade que é socialmente construída através da participação ativa de um sujeito em atividade. O desenvolvimento das múltiplas dimensões anteriormente descritas, passa pelo reconhecimento do potencial humano para a mudança sistemática – plasticidade (LERNER, 2007), associada a uma ontologia e epistemologia que legitimam uma perspectiva otimista de que os “processos básicos do desenvolvimento humano podem ser circunstanciados e refinados pela sua aplicação em políticas públicas e programas sociais destinados a promover o desenvolvimento saudável” (BRONFENBRENNER, 2011, p. 19). O conceito de “ativos de desenvolvimento” (BENSON et al., 2006) reconhece a presença de elementos no ambiente que promovem o desenvolvimento saudável, destacando o que precisa ser desenvolvido nos lares, escolas e programas baseados no desenvolvimento multidimensional da juventude, a fim de maximizar a probabilidade de que os jovens prosperem positivamente. Os recursos disponibilizados podem se tornar assim “nutrientes” sociais que os jovens necessitam para desenvolverem-se adequadamente (LERNER, 2007). Esta perspectiva orienta as políticas públicas e programas 205


sociais no sentido de identificar, medir e promover estes elementos, bem como corrigir e prevenir problemas já existentes. Avançando nesse caminho, Theokas e Lerner (2006) identificaram quatro domínios de ativos ecológicos nas famílias, escolas e comunidades, que demonstraram ser potencialmente promotores do desenvolvimento juvenil. O primeiro deles diz respeito às pessoas significativas presentes no microssistema dos jovens, tais como pais, professores e outros membros da comunidade. O segundo domínio são os recursos físicos e institucionais presentes no ambiente social, tais como oportunidades ativas de aprendizagem, recreação, envolvimento com indivíduos e o mundo físico em torno de si mesmo. O terceiro domínio são as atividades coletivas, que envolve o engajamento mútuo entre os membros da comunidade, pais, jovens, pessoal da escola e as instituições da sociedade. O quarto e último domínio abarca a acessibilidade, referindo-se à disponibilidade para participarem e terem acesso aos recursos humanos e oportunidades presentes no contexto. Esses autores descobriram que a pontuação para esses quatro domínios de ativos de desenvolvimento foram significativamente relacionados tanto com resultados positivos, como com resultados problemáticos em direções esperadas. Em vista disso, em conformidade com a perspectiva de desenvolvimento humano apresentada, os programas que se propõem a promover o desenvolvimento integral da juventude, como àqueles sob a égide da Educação Integral, precisam ir além das simples atividades extracurriculares ou transmissão de conteúdos, concentrando-se especialmente na promoção das dimensões humanas que possibilitem alcançar os resultados almejados (BHERING e SARKIS, 2009). Os programas que contém os ativos ecológicos em suas propostas de atividade podem ser assim chamados “Programas de Desenvolvimento da Juventude” (LERNER, 2004; ROTH e BROOKS-GUNN, 2003), sendo esta afirmação sustentada por dados empíricos extraídos de estudos comparativos entre diversos tipos de ações sociais disponíveis no contexto americano e os resultados de desenvolvimento dos jovens participantes ao longo do tempo (LERNER e LERNER, 2009). O 4-H Estudo do Desenvolvimento Positivo da Juventude1 é o exemplo de programa aqui destacado, incluindo mais de 7.000 adolescentes de di1. Para maiores informações: http://www.4-h.org/about/youth-development-research/

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versas origens em quarenta e dois estados dos EUA, revertendo-se em um estudo longitudinal com duração de oito anos. O impacto do programa foi positivamente avaliado em cada resultado de desenvolvimento considerado (maior contribuição para a comunidade, menor índice de depressão, menor índice relacionado a comportamentos de risco, melhores notas e envolvimento com a escola), especialmente quando comparado a outros programas de atividade fora da escola não articulados ao currículo escolar, como as atividades esportivas, artísticas, religiosas e de serviços comunitários (LERNER e LERNER, 2009). A explicação para o bom resultado está relacionada aos níveis mais elevados dos ativos de desenvolvimento disponíveis para os jovens do programa, com especial destaque para as oportunidades de interação recíproca com outros adultos competentes e comprometidos, incluindo professores, cuidadores e outros atores sociais significativos, assim como oportunidades formativas (THEOKAS e LERNER, 2006). Os achados estão em conformidade com os preceitos da Educação Integral contemporânea, que indicam a importante articulação que deve haver entre as atividades socioeducativas oferecidas no contraturno escolar e o projeto pedagógico desenvolvido pela escola. Reconhece-se deste modo a importância da estruturação das atividades a partir de um referencial teórico-metodológico que dê sustentação aos objetivos a serem alcançados, assim como à definição das dimensões que compõem o status do indivíduo “integral”. O conhecimento contextualizado implica atividades que desenvolvam habilidades importantes para a vida, incluindo as práticas, competências, costumes, crenças e valores que estão na base cotidiana das crianças e adolescentes, sendo necessário que o conjunto de conhecimentos sistematizados e organizados no currículo escolar também os inclua, dado a sua importância à vida em sociedade (MOLL, 2009c). Neste caminho, a Educação Integral pode ser compreendida como uma proposta que contém o potencial de promoção do desenvolvimento da juventude, sendo reconhecidamente importante como fonte de recursos de desenvolvimento a partir das oportunidades que disponibiliza - como a oferta de oficinas temáticas no programa Mais Educação. No entanto, não basta apenas a ampliação da jornada escolar, tampouco o reordenamento 207


dos espaços a partir do diálogo com a comunidade ou a maior oferta de conteúdos e atividades educacionais aos alunos. A extensão desses fatores por si só não garante o incremento qualitativo do processo educativo, embora carregue essa possibilidade em potencial (CAVALIERE, 2002). Resta-nos então saber qual é o caminho? Observamos tanto na abordagem Bioecológica, como nos princípios da Educação Integral, a complementaridade entre os aspectos afetivos, intelectuais e sociais dos processos do desenvolvimento, do que é a família, a sala de aula e a comunidade e a relação que deve existir entre esses contextos, já que cada um é o sustento e o reforço do desenvolvimento dos seres humanos. Para que o ser humano integral possa florescer, deve haver uma complementaridade entre esses sistemas, havendo uma grande convergência entre as duas perspectivas nesse sentido. Deste modo, pais dependem das exigências dos papéis e do apoio oriundo de outros ambientes, assim como professores na educação de crianças e adolescentes, pois ambos necessitam do apoio dos demais sistemas que interagem de forma direta ou indireta com o processo educativo (BRONFENBRENNER, KESSEL E WHITE, 1986; BHERING e SARKIS, 2009). Família, escola e comunidade são contextos importantes que compartilham responsabilidades distintas e comuns, de tal forma que abrangem diversos aspectos da vida dos jovens, não somente na questão da aprendizagem. Observa-se que quando os sistemas são congruentes, eles se reforçam mutuamente, de tal forma que a forte e mútua conexão dentro do ambiente de aprendizagem motiva o envolvimento e melhora os resultados da aprendizagem (SMITH, 2011; BHERING, SARKIS, 2007). No diálogo entre a Educação Integral e a abordagem Bioecológica, observa-se que a demarcação dos espaços físicos e do tempo delimitados rigidamente no contexto de aprendizagem é superado, dando lugar a uma concepção sistêmica de desenvolvimento humano e aprendizagem, onde sujeito, seus contextos, tempos e respectivas interações são levados em consideração simultaneamente. Como uma forma de ilustrar na prática as articulações propostas, apresentamos a partir do macrocampo Comunicação, Uso de Mídias e Cultura Digital e Tecnológica, uma estruturação possível à oficina de Rádio Escolar 208


desenvolvida para o programa Mais Educação - Campo das Vertentes/MG. Este breve relato tem o intuito de apresentar uma formatação possível à oficina, articulando-a aos quatro elementos centrais da abordagem Bioecológica e aos pressupostos da Educação Integral considerados.

Oficina Rádio Escolar – Programa Mais Educação O macrocampo Comunicação, Uso de Mídias e Cultura Digital e Tecnológica visa, a partir de práticas colaborativas e democráticas, garantir às crianças e adolescentes o direito a uma relação dialógica, onde todos tem a palavra, garantindo-se o respeito à diversidade (MOLL, 2009a). O projeto da rádio na escola tem como objetivo a estruturação de um núcleo de comunicação com finalidade pedagógica, desenvolvendo habilidades e competências específicas nos participantes, além de promover a interação destes com os demais presentes no contexto escolar e na comunidade. A oficina visa ainda incentivar a apropriação de temas relevantes ao contexto atual, abordando-os de maneira transversal e interdisciplinar. Após a execução do projeto, os seguintes resultados no desenvolvimento da oficina são esperados: 1. Melhoria no espaço de convivência, tornando-o mais interessante e atraente; 2. Aproximação e integração aluno-escola, aluno-comunidade; 3. Ampliação das possibilidades de práticas interdisciplinares e transdisciplinares; 4. Promoção da autonomia e da cooperação entre os envolvidos; 5. Extensão da aprendizagem para além da sala de aula; 6. Reconhecimento do potencial educativo nos saberes da comunidade; 7. Criação de canais de comunicação bidirecionais que potencializam o processo comunicativo institucional; 8. Desenvolvimento de habilidades e competências em comunicação e tecnologia nos sujeitos participantes diretamente articuladas às exigências profissionais futuras; 9. Incentivo a revisão por pares e a resolução colaborativa de problemas; 10. Criação de oportunidades para reflexão e autoavaliação. 209


Os resultados tomados como metas a serem alcançadas encontram nos quatro elementos centrais do modelo Bioecológico (PPCT), um quadro orientador útil para o desenvolvimento de uma oficina que contemple a formação do indivíduo integral, considerando as múltiplas dimensões do desenvolvimento humano. A estruturação proposta estabelece que, em se tratando de aprendizagem, o ambiente influente não é meramente o contexto imediato no qual a pessoa procura aprender, mas, sobretudo, as interações entre as pessoas e as influências de sistemas mais amplos presente nos contextos específicos de desenvolvimento, como veremos a seguir. Processos Proximais – A oficina deve promover a interação dos alunos entre si, destes com os professores, “oficineiros”, monitores, pais, membros da comunidade, assim como outros microssistemas além da escola, incluindo a comunidade local, o bairro e/ou a cidade na qual eles fazem parte, ampliando e diversificando a troca de saberes. Na oficina Rádio Escolar esse primeiro elemento pode ser promovido incentivando os alunos na pesquisa por notícias e informações da própria comunidade, nas entrevistas e divulgações artísticas de membros locais, assim como nas parcerias estabelecidas com rádios, comerciantes e outras escolas, ampliando o alcance dos trabalhos produzidos. Para que a autonomia e a cooperação sejam alcançadas promovendo os processos interpessoais, além de dialogar com o currículo escolar, a proposta deve garantir o espaço para que os alunos também incluam conteúdos de seu interesse, distribuindo responsabilidades em áreas específicas (música, notícia, esporte, cultura, comportamento, moda) para o trabalho em grupo, assim como as responsabilidades individuais concedidas a cada aluno. Pessoa – Ao tomar o aluno como centro do processo, a oficina deve promover o conhecimento e as habilidades intelectuais, físicas e emocionais ou a combinação delas, consideradas à luz da cultura ou da subcultura na qual a pessoa se desenvolve. Devem ser trabalhadas a responsabilidade, a oralidade, a assertividade, a capacidade de trabalhar em grupo, o comprometimento, a identidade cívica com a comunidade, o desenvolvimento da escrita e da leitura textual, a criatividade, a estimulação à pesquisa, a inserção social e a capacidade crítica à realidade.

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Para alcançar tais resultados, os alunos devem ser desafiados por situações-problemas criadas com diferentes níveis de complexidade, convidando-os a buscar soluções criativas de modo coletivo e individual. As tarefas incluem o desenvolvimento das habilidades para se apresentar em público, o uso correto do microfone; a manutenção e conservação do equipamento que compõem a rádio; a elaboração textual para linguagem radiofônica; a discussão coletiva e o planejamento de pautas para o programa; o incentivo à pesquisa sobre a comunidade, incluindo notícias, informações relevantes e identificação de artistas locais; grupos de discussão sobre ética e direito na comunicação; assim como adequação verbal e o bom uso da linguagem. Contexto – O processo de transformação da escola num espaço onde a cultura local dialoga com os currículos escolares, passa pelo reconhecimento de que as experiências educacionais se desenvolvem dentro e fora do microssistema escolar. A reciprocidade dos processos proximais estabelecidos entre os microssistemas são assim reconhecidos na dupla dimensão assumida pela comunidade, que ora se apresenta como agente “educador”, ora como sujeito (coletivo) que se educa (MOLL, 2009c). A oficina Rádio Escolar, deve, a partir do elemento contextual, despertar o olhar dos estudantes tanto para os aspectos negativos (identificando deficiências, abusos e omissões) quanto para os aspectos positivos (identificando oportunidades, contribuições e valores) de sua própria comunidade. Esse exercício promove a reflexão crítica do aluno sobre seu entorno e desperta sua compreensão para o modo como as estruturas a sua volta se relacionam, afetando-se mutuamente. Deve ainda ser incentivada a experiência prática na exploração desses espaços, através de visitas guiadas a museus, praças, igrejas, monumentos históricos, assim como na troca de saberes com outras pessoas, como músicos, artistas plásticos, dançarinos, atletas, profissionais da saúde, dentre outros. No caso específico da Rádio Escolar, a visita a uma rádio comercial, assim como a troca de saberes com os profissionais da área, poderá contribuir para a dinâmica da oficina, dando um toque de realismo aos trabalhos. No caso das cidades que não possuem uma rádio local, pode ser planejada uma visita guiada à cidade mais próxima ou até mesmo solicitada a visita de profissionais do setor, promovendo o compartilhamento dos saberes na 211


própria escola. O sucesso desse trabalho reside no enriquecimento promovido ao ampliarem-se as trocas com outras instâncias sociais capazes de constituir um saber diferenciado aos alunos. Tempo – Este elemento deve ser considerado a partir do reconhecimento das mudanças que vem ocorrendo na sociedade contemporânea e seu impacto no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Neste aspecto, podem ser sugeridos aos alunos da oficina Rádio Escolar temas transversais, como: violência, drogas, sexualidade, mercado de trabalho, tecnologia, meio ambiente, economia, família, política, dentre outros. Ao adotar essa estratégia, os alunos passam a ser reconhecidos como sujeitos históricos, pertencentes a uma geração com características e desafios comuns, assim como singularidades e necessidades distintas, variando de acordo com cada contexto socioeconômico e cultural. Por outro lado, o tempo deve ser pensado de acordo com cada idade ou estágio de vida, reconhecendo-se que a melhor situação ecológica para a criança e o adolescente varia em função do seu nível de desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1973; 2011). A oferta de oficinas deve se ajustar, portanto, às diferentes idades, adequando tanto o conteúdo quanto a linguagem. Como as idades variam consideravelmente nas turmas do programa Mais Educação, um desafio considerável por parte dos profissionais é desenvolver esse processo de adequação. O elemento Tempo na Rádio Escolar pode ainda ser representado nas manifestações artístico-culturais da programação, como as tendências musicais do momento, as notícias, a moda, o comportamento, seguindo os padrões de identificação cultural dos alunos, respeitando-se a heterogeneidade e a diversidade. Nesse caminho, pode ser incentivada a autoria nos mais variados estilos musicais, como o hip hop, o rap, o funk, o rock e tantos outros, incentivando os jovens a manifestar suas ideias e visões de mundo. Por fim, em consideração ao aspecto temporal, as oficinas devem ocorrer regularmente durante um período de tempo prolongado, sendo esta uma condição necessária para que os processos proximais de fato se estabeleçam. Oficinas realizadas em períodos curtos, frequentemente interrompidas ou inconsistentes, não se caracterizam como processos proximais, prejudicando seu potencial de promover o desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER, 212


1999). Durante o planejamento das oficinas, tais como a Rádio Escolar, todo esforço deve ser direcionado no sentido de garantir a continuidade dos trabalhos e minimizar a ocorrência de interrupções. Sucintamente, as oficinas orientadas pelos quatro elementos centrais do modelo Bioecológico, devem concentrar-se na promoção das características pessoais dos alunos, nos processos interacionais recíprocos entre os sujeitos e sistemas, expandindo e reconhecendo o potencial educativo de outros contextos além da escola e finalmente, considerando o aspecto histórico-temporal e os desafios que este apresenta para ser no mundo. A seguir, sugerimos uma representação visual possível dessa articulação.

A Mandala Bioecológica da Educação Integral Ao nos depararmos com os círculos concêntricos utilizados pelo modelo Bioecológico, representando o contexto global, complexo e multidimensional que assume o desenvolvimento humano nesta perspectiva, encontramos fortes semelhanças entre estes e as Mandalas dos Saberes (MOLL, 2009c), cujas ilustrações sintetizam a dinamicidade da Educação Integral no contexto brasileiro. Segundo Moll (2009c), a mandala enquanto um símbolo visual primitivo há muito representa a integração entre o homem e a natureza, transmitindo em seu bojo a ideia de totalidade. Ao adotá-la como um recurso gráfico, contemplamos a síntese dos quatro elementos do modelo (PPCT) abordados, evidenciando seu caráter integrador e sistêmico. Em direção ao centro da mandala, encontramos um aluno imerso em sua teia relacional, onde suas características pessoais irão interagir com os recursos e possibilidades presentes em seu contexto, tanto imediato, quanto remoto. Como uma extensão de seu microssistema, as oficinas se configuram como ativos de desenvolvimento, que colocam o aluno em contato com outras pessoas significativas, criando novas oportunidades formativas e promovendo os processos proximais através das atividades coletivas. Nas esferas exossistêmicas, notamos as formas pelas quais os fatores contextuais extrafamiliares podem influenciar a formação integral e o bem-estar das crianças e dos adolescentes, a partir dos processos por eles disponibilizados. 213


No nível macrossistêmico, ilustramos na mandala a importância dos processos estabelecidos pelas políticas públicas e pelos programas como o Mais Educação, que ao promover o diálogo entre os saberes escolares, familiares e comunitários, associados a outros programas do governo federal, estadual e municipal, cria efeitos sinérgicos decisivos para o desenvolvimento humano. Juntos, os relacionamentos conectados e os ambientes funcionais são influentes para alcançar os resultados de desenvolvimento e aprendizagem significativos. Os elementos considerados são, portanto, referências à articulação proposta nesse capítulo, permanecendo o sistema aberto à influência de outros fatores que possam não ter sido contemplados na figura, mas que, seguramente, participam de modo determinante do processo de desenvolvimento humano. Desta forma, outros modelos poderão ser indicados, retendo-se mais detalhadamente à dinâmica de cada sistema. Figura 1 Mandala Bioecológica da Educação Integral

Fonte: Elaborada pelo autor.

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Oficinas de Artes na Escola: uma reflexão de tempo integral Kleber Silva

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira

Falar de forma imparcial em relação a assuntos voltados para a Educação Pública, sempre me pareceu tarefa árdua, uma vez que em grande parte do tempo que atuei como professor do Ensino Fundamental na rede pública de ensino percebi uma série de anacronismos em relação ao entendimento do conceito de Escola e consequentemente dos objetivos propostos para seu desenvolvimento enquanto espaço promotor da cidadania. Sendo assim, buscarei balancear minhas opiniões no pensamento de outros autores ligados às áreas da Arte e Educação cujas obras percebo compartilharem desta mesma inquietação. Como forma de resguardar este texto, do tentador caminho das elucubrações teóricas, contaremos com a contribuição de um relato de experiência vivenciado pela jovem Lilian Góis, voluntária no 219


Programa Mais Educação e responsável por ministrar as oficinas de Ensino Fundamental na cidade de São João Del Rei-MG, no segundo semestre do ano de 2013. Será, portanto, um texto escrito a quatro mãos e por menos pretensioso que seja, almeja colaborar com reflexões acerca da temática do ensino de artes no Ensino de Tempo Integral. Apesar da existência atualmente, de muitas teorias no campo da educação, focadas na melhoria da qualidade do ensino, no cotidiano das escolas públicas o que se percebe é na maioria das vezes a instauração de uma concepção bancária de educação, onde professores depositam informações nas mentes de receptores passivos destes conteúdos: os alunos. Para a imensa maioria das pessoas, educação é simplesmente a passagem de conhecimento e informações de quem sabe para quem não sabe [...] o mais importante é o conteúdo a ser transmitido, aparecendo o educador como simples provedor dos conhecimentos e informações e o educando como simples receptor desses conteúdos. (PARO, 2010, p. 21).

É bem verdade que o processo de sucateamento das instituições públicas de ensino, seja pela desvalorização da carreira docente, pela falta de infraestrutura física e material dos prédios, pela superlotação das salas de aula, pelo distanciamento das famílias do acompanhamento da vida escolar dos filhos, dificulta o entendimento e consequentemente articulações mais consistentes entre os agentes constituintes dos ambientes de aprendizagem. Acreditamos ser esta dificuldade de comunicação e entendimento, alimento para boa parte das concepções antagônicas que cada um destes agentes manifesta ao se referirem sobre os “melhores caminhos” a serem assumidos como propostas educativas. Essa dissonância contribui para que o modelo de ensino público aplicado atualmente apresente um perfil “Frankeinsteiniano”, de Processo Educativo. Peço desculpas se a metáfora do Frankeinstein possa soar um tanto quanto indelicada, mas a meu ver é justificada pelo fato de que de tempos em tempos, agregam-se ao que podemos considerar “Corpo Educacional1” 1. Tal como um organismo vivo, entendemos ser apropriado fazer a associação da Escola, em suas múltiplas configurações, com um corpo que para funcionar corretamente necessita da articulação de seus órgãos.

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novos órgãos, cuja compatibilidade com os demais já inseridos, não necessariamente é fator de primeira relevância, mesmo que no discurso teórico tenham a missão de contribuírem para a manutenção e promoção da qualidade do serviço prestado para o bem da “Coisa Pública”. Neste contexto, a implantação do projeto de Educação em Tempo Integral, na figura do Programa Mais Educação, até poderia ser entendida como mais um destes órgãos, mas a peculiaridade de ser a adesão ao Programa feita de forma voluntária,deveria em tese eliminar boa parte dos problemas de falta de compatibilidade com as dinâmicas regulares das escolas, uma vez que pressupõe ser esta uma escolha consciente. O Programa Mais educação constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para indução da construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias, por meio de atividades optativas nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica. (www.mec.gov.br)

Contraditoriamente, apesar de voluntária, em algumas escolas, a adesão ao Programa tem se mostrado distante de conseguir motivar articulações entre as atividades desenvolvidas nas oficinas, com as propostas de aprendizagem apresentadas no turno regular pelos professores. Apesar de entendermos ser natural àquilo que é novo, certo descompasso inicial em relação às dinâmicas já existentes, com o passar dos meses, a não apropriação da proposta das oficinas e mesmo o distanciamento dos professores do ensino regular, dos assuntos pertinentes ao Programa Mais Educação, conduziu, em alguns casos, a um desgaste das relações prejudicial à construção de um projeto de ensino verdadeiramente em tempo integral. Fica-nos então a impressão de ser, em alguns casos, da forma como vem sendo conduzida, a implantação do ensino em tempo integral nas escolas, uma tentativa de adequação, em um mesmo espaço, de dois modelos de educação distintos: a formal e a informal. 221


Em curto prazo, esta coexistência pode parecer gerar apenas este desconforto entre rotinas distintas, no entanto, tememos que a médio e longo prazo, caso não sejam remediadas estas distorções, reforce-se a ideia de que Educação em Tempo Integral seja apenas uma forma velada de atribuir à escola uma função que NÃO lhe é inerente: a de guardadora de crianças e adolescentes. [...] a resistência às mudanças é proporcional ao volume de mudança necessário no sistema receptor. Os indivíduos resistem com maior obstinação precisamente no ponto em que a pressão da mudança é mais o forte. A mudança vem a ser percebida por eles como uma ameaça contra a qual o indivíduo se defende [...] (HUBERMAN, 1973, p. 63).

Tais observações trazem à tona algumas fragilidades no Programa Mais Educação, mas de forma alguma colocam em dúvida sua relevância e importância, muito pelo contrário, é este um exercício vital a todo processo educativo que se preze. Manter-se em constantemente em estado de avaliação é a forma mais efetiva de promover o aprimoramento constante de suas dinâmicas. Sendo assim, apresentamos abaixo uma série de outras situações potencialmente danosas ao funcionamento do Projeto nas escolas. • A imprecisão da gestão de informações que permitem à escola administrar a verba destinada ao Programa atrapalha o desenvolvimento das oficinas e consequentemente a obtenção dos resultados almejados. Não raramente a justificativa da coordenação do projeto nas escolas para a demora no uso das verbas para aquisição de materiais, era a de que estavam com medo de usar o dinheiro de forma inadequada e serem processadas por isso. • A instituição dos chamados “Kits” padronizados de materiais para desenvolvimento das oficinas, limita a atuação dos voluntários, bem como odesenvolvimento das atividades, uma vez que não respeitam o planejamento realizado pelos agentes locais. • A lógica de pagamento da ajuda de custo aos “oficineiros” é algo que gera muitos desconfortos entre os próprios voluntários. Atualmente (05/2015) paga-se R$80,00 por turma atendida, ou seja, um voluntário que atende duas turmas semanalmente, trabalha cerca de seis horas e recebe R$160,00 como ajuda de custo mensal, já outro que atende 222


quatro turmas, uma vez por semana, trabalha as mesmas seis horas, mas recebe R$ 320,00 de ajuda de custo, ou seja, o dobro. Além de ser injusto, do ponto de vista da valorização do trabalho, este pensamento, desestimula a permanência dos voluntários no Projeto, gerando uma rotatividade nociva à consolidação das propostas educativas. • Também o fato dos voluntários não necessariamente serem pessoas capacitadas ao desenvolvimento de determinadas atividades, contribui para a precarização do Projeto quando não há acompanhamento orientado. No caso de São João Del Rei, uma parceria entre escolas e a Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ, remedia esta lacuna, por meio da figura dos professores coordenadores de áreas, cujo trabalho é justamente instruir os voluntários do Programa no desenvolvimento das atividades. Tendo em vista esta realidade, vamos então discutir aspectos concretos de nossa experiência com as oficinas de Artes em uma das escolas atendidas. A princípio nos foi apresentada a demanda por uma oficina de fotografia, demanda esta, segundo a diretora da escola, surgida a partir de uma consulta feita aos próprios alunos. Tal proposta se mostrou uma oportunidade muito interessante para o desenvolvimento das oficinas, já que a relevância da imagem para as novas gerações de crianças e adolescentes vem se ampliando com o passar dos anos. Além disso, a fotografia e os processos que envolvem sua produção e uso mostram-se como fonte quase que inesgotável de reflexões. A ideia primeira, planejada para trabalharmos na oficina, foi a de ensinarmos às crianças alguns processos fotográficos analógicos, tais como, Fotograma2, Serigrafia3 e Pin-hole4, como forma de instrumentalizá-las com o poder do entendimento da mecânica envolvida na captação/apropriação do 2. Impressão direta em papel fotográfico. 3. Processo de impressão no qual a tinta é vazada – pela pressão de um rodo ou puxador – através de uma tela preparada com uma emulsão fotossensível, sobre a qual é colocada um fotolito, sendo este conjunto matriz+fotolito colocados por sua vez sobre uma mesa de luz. Os pontos escuros do fotolito correspondem aos locais que ficarão vazados na tela, permitindo a passagem da tinta pela trama do tecido, e os pontos claros (onde a luz passará pelo fotolito atingindo a emulsão) são impermeabilizados pelo endurecimento da emulsão fotossensível que foi exposta a luz. 4. Máquina fotográfica sem lente cuja captação da imagem é realizada por meio de um orifício em uma câmara/caixa qualquer. Neste caso, no interior da caixa é posto um pedaço de papel fotossensível, posteriormente revelado em sala com ausência de luz branca.

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tempo pela fotografia, para então iniciá-las nos caminhos do pensar crítico da produção da linguagem imagética. Para tanto elaboramos e entregamos à direção da escola, uma lista de materiais a serem adquiridos, bem como os endereços de contato dos fornecedores. Infelizmente não houve a mobilização adequada para tornar possível a aquisição dos mesmos e prevaleceu o discurso de que eram materiais que não se encontravam na cidade. Optou-se então por comprar o Kit da oficina de fotografia, composto por 4 máquinas fotográficas, com seus respectivos cartões de memória e 2 tripés (material este entregue na escola apenas no início do ano letivo de 2014). Por mais que o equipamento digital seja uma interessante ferramenta de trabalho, a configuração apresentada para o Kit denota uma visão muito superficial das potencialidades da oficina, pois sequer contempla equipamentos que permitam a reprodução e edição das fotografias.

Relato de experiência: A princípio imaginei que a oficina a ser trabalhada seria a de fotografia, mas ao visitar a escola uma semana antes do início dos trabalhos percebemos que ainda não haviam sido comprados os materiais para esta oficina. A pedido do professor Kleber, coordenador no projeto na área de Artes, iniciei as atividades com oficina de cerâmica, pois assim que chegasse o material específico para a oficina de fotografia, poderíamos usar a experiência com modelagem, para a produção de vídeos em Stop Motion5 e mesmo usar os trabalhos feitos em argila como tema para exercícios fotográficos de enquadramento, luz e sombra, figura x fundo, composição, etc. Tendo esta perspectiva em mente, o propósito da oficina de cerâmica foi desenvolver na criança a percepção e a sensibilidade para as artes, principalmente para as artes plásticas, ensinando as técnicas básicas de modelagem com argila. Contamos, em média, com 45 alunos do Ensino Fundamental divididos em dois grupos com faixa etária entre 06 e 17 anos. A experiência aqui descrita abrange os seis encontros possíveis antes do término do ano letivo. 5. Técnica de animação que faz uso de imagens estáticas dispostas sequencialmente em um programa de computador, criando a impressão de um vídeo em movimento.

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No primeiro encontro, levamos as crianças para a sala de informática, única sala disponível naquele horário. Como a sala era inapropriada para as atividades práticas, programei uma apresentação no Data Show com informações e ilustrações, abordando um pouco sobre o contexto histórico da cerâmica. Algumas crianças tiveram dificuldades de atenção, pois a presença de computadores na sala deixou as crianças inquietas e desinteressadas na apresentação da oficina. No segundo encontro, ministrei a oficina num cômodo “emprestado”, onde funcionava uma igreja evangélica. O local fica na rua atrás da escola e, segundo a diretora, o pastor havia emprestado por tempo determinado, até que alguma sala fosse desocupada para que as práticas da oficina fossem ministradas dentro da escola. Nesse dia, o primeiro grupo foi levado até a igreja. Havia algumas mesas e cadeiras disponíveis e pude, então, ministrar a primeira aula prática com argila ensinando a técnica do belisque6 ou pinch; cada aluno, com um pedacinho de argila, pôde moldar suas primeiras peças. Porém, como já era previsto, as crianças tomaram a liberdade de espalhar argila por todo o cômodo, que precisou ficar fechado para a limpeza. Por este motivo, fui orientada a realizar a atividade com o segundo grupo dentro da própria escola, numa mesa de pingpong encapada com plástico, localizada nos fundos do pátio. Com este grupo também trabalhei a primeira técnica de modelagem e os alunos confeccionaram diversas peças de argila e o resultado foi bastante satisfatório. No início, as dificuldades encontradas foram a falta de uma estrutura adequada e a carência de materiais para desenvolver meu trabalho. Outra dificuldade que encontramos foi a falta de uma sala fechada onde pudéssemos guardar as peças modeladas, ainda úmidas, para a secagem. Em não havendo, utilizou-se um pequeno cômodo de obras construído temporariamente, localizado no fundo do pátio da escola. No terceiro encontro, nos foi disponibilizada uma sala para as atividades do dia e com o primeiro grupo pude demonstrar a segunda técnica de 6. Técnica de modelagem cuja característica principal é a confecção de objetos por meio de movimentos de pinça sobre a argila.

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modelagem: o acordelado7. Com o segundo grupo, não foi possível trabalhar a cerâmica, pois não havia mais argila e a escola não possuía reserva de material. Sugeri que fizéssemos uma roda de conversa, onde cada um contou alguma experiência que teve com argila antes da nossa oficina. Já no encontro seguinte, tivemos uma a nossa disposição e conseguimos a doação de um pouco de argila. Demonstrei a última técnica básica aplicada na argila: modelagem com placas. Como exemplo, ensinei a modelagem de uma casinha utilizando esta técnica. As crianças gostaram do exemplo e resolveram criar uma pequena vila, cada uma modelando sua própria casinha de cerâmica. A seguir, apresentei para elas o engobe, tinta feita com argila colorida, misturada à água, que utilizamos para a pintura da cerâmica quando a argila está ainda úmida. Todos pintaram suas obras. No penúltimo encontro, como não foi possível realizar atividade com argila, me reuni com as crianças, novamente, na igreja emprestada pelo pastor. Apresentei dois vídeos sobre cerâmica “Maragogipinho” e “Modelando cabeças”, para os dois grupos. O sexto e último encontro da oficina de cerâmica foi dedicado à queima. Com a presença do coordenador prof. Kleber realizamos uma queima alternativa de fogueira no pátio e, sob sua orientação, as crianças acompanharam de perto a queima de suas peças. Assim, finalizamos o ciclo de atividades na escola. Apesar do pouco tempo com as crianças, com apenas seis encontros, acredito que, conseguimos, com algumas dificuldades, realizar com empenho e carinho as atividades propostas. A participação nas oficinas foi de grande valia para as crianças, pois foi possível observar que elas estavam à vontade no decorrer dos encontros, demonstrando desenvolver alguma habilidade com a cerâmica. Ademais, este trabalho possibilitou-me um grande crescimento profissional. Através dos encontros semanais com as crianças, conseguimos trocar experiências muito significativas e aprimorar cada vez mais o nosso trabalho. 7. Técnica de modelagem cuja característica principal é a confecção de objetos por meio da sobreposição de rolinhos de argila.

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Tomando por base o relato acima, percebemos que quando há falta de clareza na gestão dos recursos destinados à manutenção do Projeto nas escolas cria-se um descompasso entre os objetivos propostos inicialmente nas atividades e a capacidade real de realizá-las adequadamente. Mais que um prejuízo momentâneo, este tipo de situação dificulta o estabelecimento de vínculos mais profundos dos alunos com o Projeto como um todo, pois torna descontínuo o desenvolvimento das ações propostas. O depoimento de Lilian, também faz apontamentos neste sentido, quando evidencia que desde o início dos trabalhos, a realização da oficina se deu de forma precária tanto do ponto de vista físico (não havia um espaço específico para a realização da oficina) quanto material (a aquisição da própria argila usada em alguns encontros foi conseguida às pressas, chegando a faltar material para uma das turmas, pois não havia uma pessoa da escola que se encarregasse em fazer a compra, ou mesmo conseguir uma doação uma vez que se tratava de pequena quantidade de um produto facilmente encontrado na cidade). A efetivação de uma figura de referência para a gestão do projeto, a professora comunitária, organizou boa parte das rotinas. Peça central para o sucesso do projeto, mostrou-se disposta a atuar próxima aos voluntários e mediar tensões, desta forma trouxe maior segurança aos jovens que atuam nas oficinas. Interessante também é perceber que mesmo com os esforços desta profissional, já passados mais de um ano da implantação do projeto, a equipe gestora e docente da escola não se mostra sensibilizada para a importância de entender o Programa Mais Educação como parte do projeto pedagógico institucional. Esta condição marginal continuou e continua sendo em algumas escolas, um grande problema a ser trabalhado. Fica então uma questão para reflexão: o que leva uma escola a voluntariamente optar por implantar um Programa de Ensino em Tempo Integral, quando os professores e equipe gestora não estão dispostos a assumi-lo como parte INTEGRAL de sua dinâmica? Com a saída de Lilian das ações de voluntariado, o jovem Lucas ficou encarregado da aplicação da oficina.

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Mesmo tendo apresentado ótimos resultados a experiência com cerâmica foi deixada de lado. Por mais que julgássemos ser pertinente o uso do registro fotográfico na continuação da proposta de trabalho com a cerâmica, no início do ano letivo de 2014, nos foi solicitada a efetivação de um trabalho mais focado na temática: Fotografia. Um novo planejamento para a oficina foi realizado, desta vez pautado no entendimento histórico dos processos fotográficos, para depois sua aplicação efetiva em produções de narrativas em formato de Fotonovelas, como também em animações com a técnica de Stop Motion. Optamos pelo Desenho, como forma expressiva a ser trabalhada para dar aos alunos condição de materializar suas narrativas, bem como permitir a confecção dos story boards necessários para a produção dos filmes. Infelizmente este trabalho foi interrompido com a saída de Lucas, do projeto, no mês de Agosto. Uma nova voluntária, Gabriele, foi selecionada para trabalhar nas oficinas, e desde então vem buscando desenvolver atividades com este foco. A partir dos relatos apresentados, podemos perceber, que apesar destas experiências das oficinas e Artes ainda não apresentarem resultados muito satisfatórios, já nos permitem tecer apontamentos que, se refletidos com serenidade, podem contribuir com discussão que permeia a apropriação das escolas municipais à proposta de Educação em Tempo Integral, e mais, servirem de alerta para a necessidade de diálogo coletivo em torno do ambiente escolar, diálogo este que coloque o estudante e a qualidade do ensino, como centro dos objetivos. Acreditamos que neste tipo de reflexão o Programa Mais Educação, enquanto proposta indutiva de políticas públicas no campo da Educação se apresenta como rico ambiente nucleador de projetos futuros, seja pela valorização das experiências bem sucedidas, ou pelo diagnóstico de situações problemáticas. Encontrar estratégias de difusão deste movimento reflexivo entre os pares que formam a Escola é um passo importante no caminho da melhoria da qualidade do ensino, é também uma tarefa coletiva que pede dedicação, sendo assim, fica o convite a todos os que tiverem acesso a este texto, e interesse na discussão: vamos ampliar a rede de ideias, ações e discussões onde PME está inserido, para assim qualificarmos cada vez mais as ações voltadas a educação nas escolas públicas. 228


Referências bibliográficas BARBOSA Ana Mae. Arte-educação no Brasil, São Paulo, Perspectiva, 2002 FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987 HUBERMAN. A. Michel. Como se realizam as mudanças em educação: subsídios para o estudo do problema da inovação. São Paulo, Cultrix, 1973. MARTINS, Mirian Celeste Martins; Gisa Picosque e Maria Terezinha Telles Guerra. Didática do ensino da arte: poetizar, fruir e conhecer arte, São Paulo: FTD, 1998 PARO, Vitor Henrique. Educação Como Exercício de Poder: crítica ao senso comum em educação, 2ªed – São Paulo, Cortez, 2010. SEMLER, Ricardo. Escola sem sala de aula/Ricardo Semler, Gilberto Dimnestein, Antônio Carlos Gomes da Costa. Campinas, SP: Papirus, 2004. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=16690&Itemid=1115

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Sobre os organizadores

Larissa Medeiros Marinho dos Santos é psicóloga, mestre em Psicologia Social e do Trabalho e Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é professora Adjunta da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) da área de Psicologia Escolar e Educacional e atua na Pós-Graduação em Psicologia. Trabalha em projetos de pesquisa e extensão diversos; tais como o Programa Mais Educação na Região das Vertentes. Contato: larissa@ufsj.edu.br Levindo Diniz Carvalho é Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em Educação e Graduado em Pedagogia. Atualmente é Professor Adjunto do Departamento de Ciências da Educação da Universidade Federal de São João del Rei - DECED/UFSJ, e do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação da UFSJ. É membro do grupo TEIA - Territórios Educação Integral e Cidadania da FAE/UFMG e pesquisador associado do OSFE - Observatório Sociológico Família e Escola da FAE/UFMG. Contato: levindodinizc@ufsj.edu.br

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Sobre os autores

Ana Carolina Capellini Rigoni É professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. É doutora em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Possui mestrado em Educação Física e Sociedade, pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2008). É especialista em Lazer e Qualidade de Vida, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR (2005) e possui Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO (2003). É membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Lazer, Práticas Corporais e Cultura – GELC André Luiz Lopes Magela é professor do Curso de Teatro da Universidade Federal de São João del Rei, em MInas Gerais, dedicando-se prioritariamente ao campo da licenciatura em teatro. Ex-professor do Instituto de Cultura e Artes no Curso de Teatro - Licenciatura da UFC - Universidade Federal do Ceará. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.. Mestre em Artes Cênicas pela UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Especialista (Pós-graduação lato sensu) em Terapia Através do Movimento - Corpo e Subjetivação pela Faculdade de Dança Angel Vianna, no Rio de Janeiro. André Thiago Souza é aluno de graduação pela Universidade Federal de São João Del Rei, em Educação Musical. Atua como professor no Programa Mais Educação - Educação em Tempo Integral, na escola municipal de Madre de Deus de Minas. Também é professor de Musicalização na Escola

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de Educação Especial Sonho Meu APAE de Madre de Deus de Minas. Sua área de pesquisa é voltada para os desafios de sala de aula, sendo seu foco principal a dislexia, desvendando o papel da música no auxílio da disfonia. Pesquisa na grande área de letras, linguística e artes, tendo com sub área a música. Bruna Sola da Silva Ramos professora Adjunta do Departamento de Ciências da Educação da Universidade Federal de São João del-Rei. Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Educação e Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPEDU/UFSJ) e coordenadora do Grupo de Estudos Críticos do Discurso Pedagógico (GECDiP/CNPq). Carlos Frederico Bustamante Pontes é professor Assistente II do Curso de Graduação em Teatro da Universidade Federal de São João del-Rei desde 2010. Atualmente é Doutorando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Mestre em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo/USP. Especialista (Lato Sensu) em Educação Estética pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/ UNIRIO. Licenciado em Artes Cênicas e Bacharel em Direção teatral pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO. Cláudio Roberto Severo Junior é graduando em Licenciatura/Teatro pela Universidade Federal de São João Del Rei, em 2010 participou do Projeto Circulando Arte e cultura onde o povo está. Membro fundador da Companhia Fofocas de Teatro, sediada na cidade de Barroso/MG desde o ano de 2010. No ano de 2012 iniciou o curso profissionalizante CPPA (Curso de Preparação Para Atores) oferecido pela Cia. Teatral ManiCômicos da cidade de São João Del Rei. Débora Andrade Possui Mestrado em Música (2008), Especialização em Educação Musical (2011) e Graduação em Regência (2004), pela Escola de Música da Universidade Federal De Minas Gerais. É Professora Auxiliar I 234


do Curso de licenciatura em Música da Universidade Federal de São João Del Rei. Área: Educação Musical/Regência de Coro Infantil. Kelly Janaína Cruz é graduanda em Pedagogia e oficineira do Programa Mais Educação da Região das Vertentes. Kleber Silva é doutorando na área de Processos e Procedimentos Artísticos, Bacharel em Artes Plásticas pela Universidade Estadual Paulista. Atualmente atua como professor efetivo no curso de Artes Aplicadas na Universidade Federal de São João del Rei. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Fundamentos e Crítica das Artes, atuando principalmente nos seguintes temas: cerâmica, processo de criação, arte sacra, pintura e escultura. Lídia Mara Fernandes Lopes possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São João Del-Rei (2014). Atualmente é Mestranda no Programa de Psicologia da mesma Universidade na linha de Pesquisa Processos Sociais e Socioeducativos. Bolsista CAPES. Trabalha com Educação Inclusiva e Políticas Públicas de Educação. Maria Aparecida Arruda é graduada em Pedagogia, com habilitação em Administração Escolar pela Universidade Federal de Viçosa (1990). Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Doutorado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011). Atualmente é professora adjunto II da Universidade Federal de São João del-Rei. Paulo Frederico Medeiros Clementino possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduado em Acupuntura pelo Instituto Superior de Ciências da Saúde. Pós-graduado em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de São João Del-Rey. Professor Pesquisador do Programa Federal Mais Educação em parceria com a Universidade Federal de São João del Rey. Saraa Cesár Mól é pedagoga (UFV), especialista em Educação (FDV) e mestre em Educação (UFSJ). Atualmente leciona na UEMG-Carangola. Integra o

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Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (NEEPHI-UNIRIO) desde 2013. Atuou como pesquisadora no Observatório da Educação Integral (UFMG/UFSJ-CAPES) entre 2013 e 2015. Seus estudos e pesquisas voltam-se para temas ligados à educação integral e(m) tempo integral. Tatiana Cury Pollo possui graduação em Bacharel e Psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000), mestrado em Psicologia Washington University in Saint Louis (2005), doutorado em Psicologia do Desenvolvimento - Washington University in Saint Louis (2008) e PósDoutorado pela Washington University in St. Louis. Sua tese de doutorado recebeu o James Cattell Outstanding Dissertation Award (2008) da Academia de Ciências de Nova Iorque. Atualmente é professora adjunta II da Universidade Federal de São João Del-Rei. Vanessa Cristina Gonçalves é graduanda em Pedagogia e oficineira do Programa Mais Educação da Região das Vertentes. Wanessa de Cássia Netto possui graduação em Filosofia e é graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Foi tutora dos Encontros de discussão entre os professores do Projeto Mais Educação na Região das Vertentes e trabalha atualmente no Curso de Aperfeiçoamento em Docência na Escola de Tempo Integral.

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15,5cm x 22,5cm | 240 p. Minion Pro, Myriad Pro papel da capa: Supremo 250g/m2 papel do miolo: Offset 75g/m2 formato:

tipologias:

Edson A. A. Oliveira & diagramação: Peter de Andrade foto de capa: Thaís Parreira Silva Crianças da Escola Municipal Celso Raimundo - São João del-Rei | Minas Gerais revisão de textos: Cláudia Rajão produtor editorial:

capa



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