REDES SOCIAIS E ESTRUTURAS RELACIONAIS

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REDES SOCIAIS E ESTRUTURAS RELACIONAIS Emmanuel Lazega Silvio Salej Higgins



REDES SOCIAIS E ESTRUTURAS RELACIONAIS Emmanuel Lazega Sociólogo, professor do Sciences Po de Paris, membro do Centro para a Sociologia das Organizações (Sciences Po - CNRS). Dirige o Observatório de Redes Intra e Interorganizacionais (ORIO). Silvio Salej Higgins Sociólogo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membro do Departamento de Sociologia. Coordena o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Análise de Redes Sociais (GIARS - CNPq).

Tradução: Soraia Maciel Moreira


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cip-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj L459r Lazega, Emmanuel Redes Sociais e Estruturas Relacionais / Emmanuel Lazega, Silvio Salej Higgins ; tradução Soraia Maciel Moreira. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2014. 138 p. ; 18 cm. Tradução de: Réseaux sociaux et structures relationnelles Inclui bibliografia ISBN 978-85-8054-204-2 1. Internet - Aspectos sociais. 2. Mídia social. 3. Sociedade da informação. I. Título. 14-12744 CDD: 303.484 CDU: 316.42

Fino Traço Editora ltda. Av. do Contorno, 9317 A | 2o andar | Barro Preto | CEP 30110-063 Belo Horizonte. MG. Brasil | Telefax: (31) 3212 9444 finotracoeditora.com.br


ÍNDICE Introdução − O método estrutural   5 Capítulo I − Conceber um estudo de rede estrutural   17 I. A escolha das relações a serem observadas   19 II. A especificação das fronteiras do sistema   21 III. Fontes de informação sobre as relações entre atores   24 IV. Exemplos de geração de nomes   26 V. Níveis de análise   30 VI. A qualidade e o status dos dados   33 VII. A questão da amostragem   35 VIII. A responsabilidade deontológica   36

Capítulo II − Descrever estruturas relacionais   39 I. Centralidade e prestígio   42 II. Subgrupos e coesão   48 III. A equivalência estrutural   54 IV. Representar um sistema de troca generalizado e multiplexo   65 V. Restrições estruturais, buracos estruturais e autonomia do ator   70

Capítulo III − Desenvolvimentos em estatísticas de redes   75 I. Atributos e relações à escala diádica: o modelo p2  81 II. Além das díades: os modelos ERGM   86 III. Extensões multiníveis da estatística das redes   98 IV. A dinâmica das redes sociais   100

Conclusão − Uma diversificação necessária dos métodos   109 Bibliografia  117



Introdução O MÉTODO ESTRUTURAL Ajudar a reconhecer as propriedades estruturais dos conjuntos sociais é uma das contribuições da sociologia. Para tanto, o método dito “estrutural”1 parte da observação das interdependências e da ausência das mesmas entre os membros de um ator coletivo ou de um meio social organizado. A partir destas constatações, ele busca reconstituir um sistema de interdependências, descrever a influência desse sistema no comportamento dos membros e as variadas maneiras que empregam para gerir essas interdependências e as formas adquiridas pelos processos sociais decorrentes dessa gestão: aprendizagens, solidariedades, controles sociais, regulações, para citar apenas os processos mais genéricos. Os sistemas de interdependências sociais, habitualmente complexos, são examinados e representados pelo método de maneira simplificada, deliberadamente redutora, porém 1. Seria mais exato chamar este método de “neoestrutural” tendo em vista a abordagem “estrutural” desenvolvida em antropologia, por Claude Lévi-Strauss, particularmente. Entretanto, a primeira é frequentemente percebida como um desenvolvimento da segunda, sobretudo porque as problemáticas substantivas às quais se vinculam são sempre as mesmas, especialmente a das trocas de recursos. A mais recente se diferencia da mais antiga por seu desenvolvimento técnico, por considerar lidar com estruturas reais, modelizadas por instrumentos metodológicos mais ou menos adaptados, e por sua teoria da ação individual e coletiva. Essas distinções concernem uma abordagem mais geral do que a exposta no texto de iniciação (Lazega e Mounier, 2002).

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prática para a compreensão e a explicação. Em sua linguagem, uma “estrutura” é então uma representação simplificada desse sistema social complexo. Esta simplificação permite identificar regularidades na composição e no agenciamento das interdependências. A presente obra tem o objetivo de iniciar nessa técnica de investigação e de representação. Os indicadores das interdependências sociais utilizados pelo método estrutural são as relações sociais. Uma relação social será entendida aqui, ao mesmo tempo como um canal para a transferência ou troca de recursos, bem como um engajamento intencional em relação a um ou vários parceiro(s) de troca; engajamento inseparável do sentido da relação para os parceiros. A maioria das teorias sociológicas se interessa pelas relações entre atores, pelas interdependências de recursos e de engajamento. Mas, uma sociologia que utiliza este método estrutural o faz de modo sistemático, formalizando suas análises através de modelos matemáticos ou estatísticos. Em sua origem, este método decorre essencialmente dos trabalhos metodológicos de antropólogos anglo-saxões e da sociometria clássica. Entretanto, as técnicas e os conceitos por ele utilizados atualmente (equivalência estrutural, coesão, centralidade, autonomia) se desenvolveram ao longo dos últimos quarenta anos, especialmente nos Estados Unidos, no princípio, com a iniciativa de Harrison White e seus alunos (Lorrain e White, 1971; White, Boorman e Breiger, 1976). Essa evolução se mostrou importante o suficiente para que a denominação “sociometria” fosse substituída pela de “análise de redes”, ou network analysis2. 2. Para introduções sintéticas mais completas para a análise de redes, ver Berkowitz, 1982; Boyd, 1990; Burt, 1982; Burt e Minor, 1983; Degenne e Forsé, 1994; Ferrand, 1997; Flament, 1965; Freeman, Romney e White, 1989, Leinhardt, 1977; Lin e Marsden, 1982; Pattison, 1993; Faust e Wasserman, 1994 e reedições; Berkowitz e Wellman, 1988. Estas obras dão uma boa ideia do vasto domínio de problemas sociológicos trata-

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Com efeito, o sistema de relações observadas é sempre designado, metaforicamente, uma rede social. O método estrutural trabalha com sistemas de relações ou redes ditos “completos”, nos quais o pesquisador dispõe de informações sobre a presença ou ausência de relações entre dois membros do conjunto social, quaisquer que sejam. Uma das contribuições importantes do método estrutural é, de fato, mostrar como as relações indiretas contribuem para a compreensão dos fenômenos sociais. A rede denominada “completa” se distingue da rede “pessoal” de um ator (ego-network), na qual as relações entre as pessoas enumeradas por este ator não são conhecidas; o que impede a reconstituição das relações indiretas de cada membro do conjunto social3. O método estrutural é bastante sensível aos valores ausentes que limitam drasticamente a aplicação de seus modelos (Pattison, Robins e Woolcock, 2004). Uma rede social (metáfora do sistema de interdependências) é definida metodologicamente (por razões técnicas) como um conjunto de relações específicas (por exemplo, colaboração, dos por meio deste método, e do número de especialistas da sociologia que o utilizam. Ver também a documentação dos programas UNICET 6 (Borgatti, Everett e Freeman, 2005) ou PAJEK (Batagelj e Mrvar, 1998; Batagelj, de Nooy e Mrvar, 2005) ou STOCNET 1.7 (Snijders, Stokman e Van Duijn, 2007), disponíveis na internet. 3. Os pesquisadores são frequentemente tentados a utilizar dados de redes pessoais para fazer análise estrutural e assim se desvincular dos estudos da “sociabilidade”, mais marcados por uma lógica de tipo “demográfica”. Por enquanto, salvo raras exceções que tratarei posteriormente (Burt, 1992), eles não exitaram de modo convincente. Sem querer antecipar sobre o conteúdo do capítulo II, considero útil mencionar que uma das razões essenciais dessa distinção reside na impossibilidade de definir papéis de maneira indutiva quando se utiliza dados de redes pessoais. É preciso predefinir papéis, seja de modo teórico, seja de modo exploratório (por exemplo, através de um estudo estrutural em uma subpopulação), para passar de dados de redes pessoais a uma lógica de tipo estrutural.

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apoio, aconselhamento, controle ou ainda influência) entre um conjunto finito de atores. Esta definição técnica não deve fazer da expressão “rede completa” a alegoria de um misterioso ator coletivo. Ao se tomar essa expressão ao pé da letra, corre-se o risco de deslizes semânticos absurdos do ponto de vista do sociólogo. Por um lado, um conjunto social nunca é realmente “finito” e suas fronteiras são constantemente negociadas de maneira estratégica, tanto de “dentro” quanto de “fora”. O fato é que os atores coletivos e as entidades econômicas e sociais de qualquer tipo existem realmente como sistemas de interdependências específicos, com diferentes níveis, mais ou menos intrincados, como por exemplo, em um grupo, uma organização, um holding ou um setor industrial. Um método que busca reconstituir e analisar, de modo sempre limitado, porém rigoroso, um sistema de interdependências, e em seguida situar estas últimas em um contexto social ainda mais abrangente, tem um valor agregado importante para o conhecimento sociológico dos processos sociais. Por outro lado, cada ator coletivo é muito mais que um sistema de relações entre membros: ele abrange também, por exemplo, uma cultura ou um sistema de normas. Reduzi-lo à sua “estrutura relacional” é um empobrecimento sociológico. Para dissipar os maus entendidos frequentes, convém então evitar considerar a “rede” como um ator coletivo. Por exemplo, Powell (1990) ou alguns economistas falam da “rede” como sendo um ator coletivo de tipo específico, de um modo de coordenação da ação intermediário entre o mercado e a organização. Adotamos aqui uma posição contrária (Lazega, 1996). É perfeitamente possível empregar o método estrutural e analisar sistemas de relações que caracterizam um meio social sem nunca utilizar a expressão “rede completa”. Entretanto, segundo o uso metafórico que se tornou corrente, “análise de redes” e método estrutural serão aqui considerados sinônimos.

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Um método de contextualização da ação individual e coletiva Se “a rede” não existe como entidade social específica, este método também não é uma teoria em si: não há “teoria das redes”. Ela também não é específica de uma ou outra escola sociológica. Mas, a experiência mostra que ela é particularmente interessante para as teorias sociológicas que chamamos teorias da ação, individual e coletiva, e teorias da troca social. Para estudar os fenômenos sociais, essas teorias levam em conta as formas de “racionalidade” dos atores. Elas admitem que os atores precisam de meios, de recursos, quando buscam realizar tarefas para alcançar objetivos em um contexto sempre organizado. Suas relações sociais podem deter uma parte dos seus recursos, ou representar meios de acesso a esses mesmos recursos detidos por outros. Elas constituem uma parte do seu “capital social”. Nas pesquisas empíricas que utilizam a análise estrutural, a observação das relações indica ainda a existência de transferências ou trocas desses recursos, bem como engajamentos subjacentes e dispositivos organizacionais que buscam tornar esses engajamentos fiáveis. Em um conjunto social real, essas transferências e trocas têm um caráter intrinsecamente multilateral e “multiplexo” (isto é, envolvendo vários recursos ao mesmo tempo). As teorias da ação que utilizam o paradigma da troca têm então, afinidades singulares com o método estrutural. Neste livro, sempre utilizaremos essas afinidades para enfatizar uma técnica ou posição analítica. Assim, o método estrutural traz uma contribuição essencial a essas teorias da ação. Ele permite, com efeito, contextualizar o comportamento dos atores de maneira sistemática e dinâmica (Lazega, 1997). O método estrutural representa de modo simplificado um sistema de relações ou de trocas complexas entre atores. Esta representação simplificada identifica regularidades 9


nas relações sem perder de vista os atores individuais, suas ações e interações. Para o ator, qualquer que seja o objetivo a ser alcançado, é preciso agir em um contexto já estruturado. Neste sentido, este método propõe uma articulação dos níveis micro, meso e macro na observação e explicação dos fenômenos sociais (Breiger, 1974). A identificação das regularidades acrescenta uma dimensão relacional suplementar, e frequentemente esquecida, a contextos de ação formalmente predefinidos por uma divisão do trabalho, uma estratificação e classificações múltiplas. Esta forma de contextualização, especificamente, possibilita a articulação das dimensões formais e relacionais da estrutura social para melhor definir as exigências às quais são submetidos (ou as oportunidades das quais beneficiam) os membros de uma entidade econômica e social, bem como a coevolução das estruturas e das reações às exigências. O caráter sistemático desta contextualização é sem dúvida sedutor para os metodologistas. Porém, ele se faz necessário sob vários aspectos para todo sociólogo, porque é o único a permitir a reconstituição rigorosa e a cartografia de sistemas de trocas, assim como a análise dos processos de solidariedade e de controle que os sustentam. O pesquisador busca acompanhar a circulação de diferentes recursos localmente, em torno do ator, e globalmente, a nível estrutural, isto é, com a visão de conjunto dos circuitos. Esse rigor expõe a seletividade dos conjuntos sociais e as desigualdades dele resultantes, as formas de cooperação entre membros, as margens de manobra do ator individual, a coevolução das estruturas e dos comportamentos. Por sua vez, esta contextualização pode se tornar descrição da regulação social de suas trocas: a formulação das regras que nela incidem e a aplicação destas mesmas regras depende dessas estruturas relacionais e as influenciam. Pois, a prioridade analítica dada às relações não isola o método estrutural

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de problemáticas sempre abordadas por métodos mais qualitativos. Para uma teoria da ação, não seria irrelevante, por exemplo, apontar o modo pelo qual atores que concentram muitos recursos em suas mãos são mais bem posicionados para influenciar a formulação das regras e por isso, indiretamente, a realocação dos recursos. Do mesmo modo, talvez seja importante mostrar qual seria a real margem de manobra de um ator que negocia sua participação na ação coletiva e gere sua cooperação baseando-se em seus recursos relacionais (dos quais é herdeiro, ou que tenha construído dentro de certos limites impostos pelos recursos que já possuía e pelos objetivos que desejava alcançar). O mesmo acontece no que diz respeito ao controle social, que sempre passa por uma manipulação das interdependências entre membros. Enfim, as normas sociais influenciam, em compensação, estas estruturas relacionais, pois sistemas de troca, às vezes diferentes, podem se construir em torno de novas regras. Essa contextualização é então, dinâmica e complexa. Podemos monitorar a gestão dos recursos relacionais em vários níveis, para vários recursos simultaneamente, por exemplo, quando se sai do espaço “puramente” profissional para resolver problemas profissionais ou efetuar uma cooperação e sua observação. Essa flexibilidade e essas capacidades do método estrutural justificam seu interesse pela disciplina sociológica. Apesar dessa complexidade, certa “rotina” acabou por caracterizar as aplicações deste método. A partir das distinções entre os níveis de análise individual, relacional e estrutural, ela se transformou em um conjunto de procedimentos que constitui, para muitos, um tipo de “abordagem estrutural”. Ela combina, de maneira original, as características dos atores, as características das relações que estabelecem entre si, as do

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sistema como um todo e enfim, as de seus comportamentos e suas consequências, inclusive para a eventual reestruturação do sistema. Esta abordagem pode ser resumida em quatro conjuntos de procedimentos: 1) Procedimentos de reconstituição e de representação da “estrutura” ou da morfologia do sistema de ação e de troca. Eles operam por distribuição e descrição de relações entre os subconjuntos. Por exemplo, a análise de redes reconstitui “blocos” de atores (classes de equivalência aproximadas de modo estatístico), bem como as relações entre estes blocos, no que difere da sociometria clássica que se detinha no nível das relações entre indivíduos. Estes procedimentos não “comprimem” o nível individual. Seu interesse reside também numa flexibilidade que permite um vai e vem constante entre o nível estrutural e o nível individual ou local. 2) Procedimentos de posicionamento dos atores nessa estrutura: cada membro do sistema social pode ser situado na estrutura, por exemplo, por seu pertencimento a um subconjunto ou por meio de diferentes medidas, como escores individuais de centralidade, prestígio ou autonomia. 3) Procedimentos de associação entre posição e comportamento estratégico dos atores: essa estrutura de relações entre atores, bem como a posição que nela ocupam, devem também ser consideradas como variáveis independentes (dentre outras), das quais se pode medir a influência nos comportamentos. 4) Procedimentos que medem a eventual evolução (reestruturação) do sistema de interdependências com relação ao tempo t2, em função do comportamento dos atores com relação ao tempo t1, às suas escolhas por novas relações (turnover relacional), às mudanças de normas que negociaram entre si, e a muitos outros processos sociais. 12


Neste encadeamento, o método e o problema estudados ficam a serviço um do outro. Tanto na teoria quanto na prática, a associação dinâmica entre posição e comportamento não é determinista. Ela não busca descrever tendências carregadas de um sentido. Por exemplo, pode ocorrer que alguns sistemas sociais não se segmentem em subconjuntos (grupos ou posições) com limites muito claros, ou mesmo que uma proporção considerável de atores tenha um perfil relacional único (i.e. que não pareça com o de ninguém no sistema). O pesquisador deve então comparar constantemente efeitos de limiar, controlar os resultados obtidos através de vários métodos de distribuição concorrentes e mobilizar o conhecimento etnográfico do campo para reinterpretar os resultados da análise. Como na teoria clássica, uma das relações conceituais entre estrutura e comportamento é garantida pela noção de papel. Por enquanto, não há consenso sobre a linguagem utilizada para definir esta noção do ponto de vista estrutural. Podemos simplificar o debate que o envolve lhe reconhecendo duas acepções distintas em análise de redes. A primeira faz referência a uma divisão do trabalho de produção e troca deste recurso em um ator coletivo organizado; no âmbito desta divisão do trabalho, uma posição pode ter uma função. Numa rede em que circula um recurso específico, as relações entre posições fazem aparecer essa função. Estando os membros de uma posição integrados na rede de maneira relativamente similar considera-se que foi detectada indutivamente a existência de um papel, quando estes têm tendência a ter comportamentos semelhantes neste sistema de produção ou de troca. A segunda acepção remete antes, a uma combinação de relações associando duas redes diferentes. O comportamento de um ator não é determinado somente pelas relações observadas aqui e agora em uma única rede, mas por sua integração nos

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vários sistemas de troca. Por exemplo, o superior hierárquico do meu cônjuge pode ser considerado como um papel porque ele articula dois “mundos relacionais” separados. Boorman e White (1976) foram os primeiros a tentar distribuir coleções de relações e conceitualizar a noção de papel para bases de dados multirrelacionais. O papel torna-se aqui, uma construção complexa e abstrata, próxima da noção de status, incluindo a função da posição no sistema de relações observado. Ele constitui ainda, um indicador da existência de outras redes que exercem pressão simultaneamente no comportamento observado (Reitz e White, 1989). O interesse dessa abordagem indutiva da noção de papel é de reconhecer que os conjuntos sociais são, sob o aspecto relacional, complexos demais para serem analisados em termos de papéis e funções prescritos à maneira dos funcionalistas. Essas preliminares definem de alguma forma, as condições de utilização deste método em sociologia. O primeiro capítulo resume o modo pelo qual convém conceber o estudo de rede de um meio social e apresenta, em linhas gerais, os princípios organizadores da coleta de dados relacionais. O segundo capítulo apresenta alguns procedimentos de representação dessas estruturas relacionais, ou seja, os principais conceitos e medidas que levam o nome de “análise de redes” indutiva e descritiva. As modalidades de combinação de relações e atributos individuais dos atores, bem como a dinâmica das redes sociais se refere especialmente aos modelos estatísticos específicos, dos quais o capítulo III apresenta alguns desdobramentos atuais. Enfim, enquanto método de contextualização relacional dos comportamentos e trocas, a análise de redes pode reforçar abordagens mais qualitativas. Seria impossível, como indicado no capítulo I, conceber um estudo de rede social ou interpretar seus resultados sem um conhecimento etnográfico profundo do meio estudado, adquirido por meio de abordagens qualitativas

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clássicas em sociologia e até mesmo de uma fenomenologia das relações e de seu sentido para os atores. Utilizada isoladamente, a análise técnica das redes sociais é um exercício puramente formal. Em suma, enfatizamos a necessidade dessa diversificação dos métodos em sociologia neoestrutural. Para ilustrar a prática deste método, utilizaremos um estudo de redes empírico feito por um dos autores numa organização colegial e em um escritório de advocacia de negócios (Lazega, 2001), e, principalmente, a análise de três redes sociais associando seus membros: a colaboração, o aconselhamento e a “amizade”. Para assegurar certa unidade temática, essas ilustrações são quase todas baseadas no mesmo estudo de caso. Esta obra é a base de um curso de análise de redes sociais voltado para o nível de graduação em sociologia (exceto o capítulo III). Agradecemos aos estudantes que participaram deste curso nas Universités de Paris IV (1992-1994), de Versailles – Saint-Quentin (1993-1997) e de Lille I (1999-2006). Suas reações possibilitaram a adequação desta apresentação.

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REDES SOCIAIS E ESTRUTURAS RELACIONAIS A análise das redes sociais é um método sociológico de modelização de sistemas interdependentes presentes em um meio social. Ela é utilizada principalmente como método de cartografia dos fluxos de trocas sociais e econômicas. A esse título, esta abordagem só é possível, se o fenômeno social estudado pelo sociólogo tiver uma dimensão relacional observável de modo sistemático, seja ele qual for. Ela possibilita o estudo dos processos fundamentais da vida social, cujas formas de solidariedade, de controle social, de regulação e de aprendizagem são geralmente pouco visíveis em situação. Esta obra é uma introdução a esse método estrutural essencial na sociologia.

EMMANUEL LAZEGA Sociólogo, professor do Sciences Po de Paris, membro do Centro para a Sociologia das Organizações (Sciences Po - CNRS). Dirige o Observatório de Redes Intra e Interorganizacionais (ORIO). SILVIO SALEJ HIGGINS Sociólogo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membro do Departamento de Sociologia. Coordena o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Análise de Redes Sociais (GIARS - CNPq).


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