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Conta aí Colaborador

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Matéria de capa

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Negra sim!

Quando fui convidada para falar sobre o Dia da Consciência Negra (20/11), da sua importância para mim, a primeira coisa que eu senti foi orgulho, não por achar que o que eu tenho a dizer seja de tanta importância, mas sim por ser reconhecida como NEGRA.

Eu venho de uma família que gostava de uma certa estabilidade, com casa própria, sou filha de funcionário público, estudei em boas escolas, completei o ensino superior em rede particular e, por fugir de certos estereótipos, nem sempre enfrentei tantas adversidades ligadas ao racismo. Ou ao menos pensava que não.

Nasci em um tempo em que as pessoas achavam que estavam me elogiando ao dizer: ‘Você não é negra... você é morena’, ‘Sua pele é tão clara quanto a minha’. Nos meus documentos

eu era “parda”, eu achava isso horrível. Tempo em que ouvia minha mãe contar que minha avó materna, que dizia que as mulheres negras “tinham que clarear a raça” casando-se com homens de pele clara. Passávamos por intermináveis sessões com pentes quentes, chapinha e henê para alisar os cabelos e ficarmos mais dentro do padrão de beleza. Somente agora, inspirada pela minha filha, abandonei os alisamentos, e foi libertador.

A importância do Dia da Consciência Negra, do 20 de novembro, está em não esquecermos nosso passado e não perdermos o olhar para a luta que ainda segue, dia a dia

Mas, apesar de ter se passado tanto tempo, já estou chegando aos 60, episódios de racismo ainda se repetem. Ainda hoje se veem negros sendo reconhecidos como bandidos apenas por foto e amargando condenações injustas na cadeia; crianças sofrendo discriminação nas escolas de classe média por usar os seus cabelos naturais; pessoas negras sendo seguidas por seguranças em lojas; meu filho em um Uber que é parado numa blitz, em que o policial joga a luz da lanterna lá dentro e o motorista, que era branco, leva um tempo para entender e apressar-se em informar: “Tá tranquilo! É passageiro”; as balas perdidas nas favelas que sempre, ou quase sempre, encontram um corpo de pele preta para se alojar; pessoas querendo discutir a relevância das cotas ou tendo a cara de pau de invocar o tal “racismo reverso” (fique claro que isso não existe); a surpresa de pessoas que ao procurarem o chefe de um departamento, dentro de uma universidade estadual, descobrem que é um negro, meu irmão. Tudo isso me faz concordar com a Erika Hilton, que disse: “Foram trezentos e oitenta anos de uma escravidão legalizada... e são quase 140 de uma falsa abolição”.

A importância do Dia da Consciência Negra, do 20 de novembro, está em não esquecermos nosso passado e não perdermos o olhar para a luta que ainda segue, dia a dia. Alcançamos algumas vitórias, espaços foram criados, mais vozes têm se levantado. Confesso que venho me conscientizando ainda mais dessas diferentes realidades, me importando mais com as coisas fora do meu círculo familiar e social e reafirmando minha posição antirracista nas minhas atitudes, sinalizações para os que estão a minha volta. E, principalmente, buscando deixar algum ensinamento para as próximas gerações. Claudia Santos

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