A Arte Além da Estética

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Diário do Nordeste Fortaleza, Ceará Sábado e domingo, 12 e 13 de maio de 2017

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Ao sinalizar outros caminhos para o ser humano além da apreciação estética, a arteterapia se consolida como uma prática que estimula a vitalidade e a compreensão de si mesmo. Linguagens como as artes visuais, a música, a dança e a literatura se tornaram, também, recursos terapêuticos



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DiĂĄrio do Nordeste Fortaleza, CearĂĄ SĂĄbado e domingo, 12 e 13 de maio de 2018

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(QWUH OHU H FXUDU A leitura cresce como recurso terapĂŞutico, a partir de abordagens da Biblioteconomia e da Psicologia

A

literatura aparece como recurso terapĂŞutico atravĂŠs de uma premissa bem simples: pela leitura, a mensagem toca o leitor e em suas questĂľes existenciais. Outras possibilidades de se explorar a linguagem com finalidades terapĂŞuticas ainda sĂŁo um campo (bem) aberto para a Psicologia, mas experiĂŞncias afins de outras ĂĄreas tĂŞm consolidado a atividade. É o caso das rodas de “Biblioterapiaâ€?. Formulada a partir de estudos da Biblioteconomia, a atividade reĂşne grupos de pessoas dispostas a encontrar sentido entre o que se lĂŞ e a prĂłpria sensibilidade. No CearĂĄ, a Associação dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado (Assalce) promove uma roda de Biblioterapia, aberta ao pĂşblico, desde outubro de 2017. A atividade acontece atrelada Ă â€œEstante Assalce – Ler Cuidando do Ser com Biblioterapiaâ€?. Localizada na Biblioteca CĂŠsar Cals da Assembleia (DionĂ­sio Torres), a estante reĂşne “livros-remĂŠdioâ€? – publicaçþes clĂĄssicas que tocam em questĂľes existenciais.

Pensada para acolher questĂľes dos servidores da Assembleia Legislativa (AL-CE), a roda acontece ora na biblioteca, ora na sede da Assalce. “O objetivo ĂŠ trabalhar com clĂĄssicos. Um clĂĄssico nĂŁo ĂŠ assim por acaso, ele trabalha muito as relaçþes humanas. O tempo valida o clĂĄssico. NĂŁo ĂŠ que o contemporâneo nĂŁo vai ser abordado pela Roda. Mas queremos esse ‘algo mais’ para ajudar a provocar uma catarse (entre os participantes)â€?, reflete Jacqueline Assunção, servidora pĂşblica e idealizadora do projeto. Durante a dinâmica da Roda de Biblioterapia, os mediadores mostram fragmentos do livro em questĂŁo, e apresentam a “poĂŠticaâ€? da obra. Diferente de um clube de leitura, nĂŁo ĂŠ necessĂĄrio ler o livro na Ă­ntegra. “A biblioterapeuta nĂŁo ĂŠ como uma terapeuta. O grande terapeuta, no caso, ĂŠ o livro. Nas rodas a gente oferece a poĂŠtica e cada um tem sua interpretação. NĂŁo hĂĄ o que se falar em debate, hĂĄ de se falar em composiçãoâ€?, explica a idealizadora. Jacqueline observa que a Estante Assalce abriga um exem-

plar de todo livro que passa pela Roda. “O servidor, que nĂŁo pode ir Ă roda, pode pegar o livro na estante depoisâ€?, situa. Para as prĂłximas ediçþes do encontro, a servidora conta que deve abordar questĂľes da vida contemporânea e da psicanĂĄlise, como o suicĂ­dio. “Quando trago esse tema, ou o da prĂłpria morte, nĂŁo ĂŠ querendo trazer algo fĂşnebre, mas uma coisa real. Pra gente se apropriar desse assunto com mais clarezaâ€?, esclarece Jacqueline. A servidora reforça que a intenção da Roda de Biblioterapia ĂŠ estimular uma espĂŠcie de “profilaxia da almaâ€?, sem a pretensĂŁo de formular uma crĂ­tica literĂĄria e falar de “alta literaturaâ€?, escolas e estĂŠticas. “Importa aqui a mensagem que o livro traz. E o que vai ser evocado em cada ouvinteâ€?, sintetiza.

ViĂŠsalternativo Os psicĂłlogos fazem uma abordagem mais recente, em relação Ă Biblioteconomia, sobre a literatura como recurso terapĂŞutico. Segundo a psicĂłloga Nara Barreto, a Biblioterapia jĂĄ ĂŠ um “link antigoâ€? dos bibliotecĂĄrios. “Eles estĂŁo mais Ă frente do que os psicĂłlogos, nesse aspectoâ€?, frisa ela. Nara e a sĂłcia Luiza Braga, tambĂŠm psicĂłloga, promoveram hĂĄ uma semana, a Ăşltima edição da Roda de Con-

Ă‚2 REMHWLYR Š WUDEDOKDU FRP FOÂĄVVLFRV 8P FOÂĄVVLFR QÂŁR Š DVVLP SRU DFDVR HOH WUDEDOKD PXLWR DV UHOD§¾HV KXPDQDV 4XHUHPRV HVVH Ă€DOJR PDLVĂ SDUD DMXGDU D SURYRFDU XPD FDWDUVHĂƒ -$&48(/,1( $6681‡ƒ2 )LOÂłVRID VHUYLGRUD SÂşEOLFD H ELEOLRWHUDSHXWD

versa “ReflexĂľes sobre a literatura como um recurso terapĂŞuticoâ€?. O papo aconteceu no NĂşcleo Veredas PsicolĂłgicas (Meireles) e, diferente do Clube de Leitura organizado pelas psicĂłlogas (exclusivo para profissionais e estudantes da ĂĄrea), a atividade ĂŠ aberta ao pĂşblico mediante inscrição paga. “A roda funciona como um grupo de leitura, que as pessoas falam basicamente de quais aspectos da obra (em questĂŁo) tocaram elas. Assim como a condição de qualquer grupo, ĂŠ delicado falar das pessoas atravĂŠs dos livros. EntĂŁo ĂŠ importante investir nessa formação da biblioterapia enquanto teoria, quanto na formação dos gruposâ€?, observa Nara Barreto. Dentre as perguntas da atividade, as psicĂłlogas questionam: “AtĂŠ onde a ficção pode ajudar a compreender e manejar a realidade?â€?. Nara conta que, dentre seus pacientes, ela costuma indicar leituras “sem delongasâ€?. E tambĂŠm recebe indicaçþes de volta. “Eles levam livros pra terapia, personagens para a terapia. AlĂŠm disso, tem outro aspecto valioso: (a leitu-

ra) tira o paciente da solidĂŁo que ele estĂĄ vivendo. E quando ele lĂŞ, vĂŞ a superação do conflitoâ€?, reflete a psicĂłloga. Na dinâmica da Roda de Conversa, ĂŠ comum que apareçam questĂľes pessoais dos participantes. Como sinaliza a ĂŠtica da psicologia, a situação ĂŠ de sigilo e nĂŁo ĂŠ possĂ­vel se fazer algum registro de imagem ou texto, a fim de preservar a intimidade do grupo. Para ela e Luiza Braga, unir literatura e psicologia ĂŠ um processo comum Ă formação das duas. Nara enfatiza que o hĂĄbito da leitura, em si, jĂĄ traz um potencial curativo e transformador. “A literatura pra gente sempre foi uma paixĂŁo especial, e que tem um processo muito semelhante Ă psicologia. Como recurso terapĂŞutico, como espelhamento dentro de um contexto clĂ­nico, como expansĂŁo dos limites do ser, e de enxergar a si mesmoâ€?, reflete.

A Roda de Biblioterapia, aberta ao público, que acontece na Assembleia Leigislativa do Etado do Cearå, promovida pela associação de servidores da casa FOTO: FABIANE DE PAULA

3HOR FRUSR VHQV­YHO O psiquiatra, arteterapeuta e dançarino Raimundo Severo JĂşnior, 55, começou a encarar a dança como uma terapia ainda nos anos1980. Depois de conhecer a biodança, Severo passou por hospitais e pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e introduziu uma terapia corporal junto aos pacientes. Mesmo sem haver a intenção explĂ­cita de adentrar um processoterapĂŞutico,eledescobriu,depois de começar a estudar dança contemporânea, nos anos 90, que poderia desenvolver uma “terceira coisaâ€?, a dançaterapia. “Comeceiaperceberquealgumas prĂĄticas artĂ­sticas, realizadas em determinadas condiçþes, tĂŞm um potencial terapĂŞutico em siâ€?, observa Severo. Dentre vĂĄrias frentes de atuação, hoje ele facilita grupos de dançaterapia e coordena uma formação na atividade (pelo InstitutoAquilae).Oterapeutacoloca que um ponto crucial na consolidaçãodadançacomoumprocessoterapĂŞutico– umaperspectiva ainda rara – ĂŠ fazer o paciente sedesvencilhar daideia de um “corpo idealâ€?, na forma, e descobrir um “corpo sensĂ­velâ€?. “O corpo ĂŠ muito paradoxal

na nossa cultura, porque ocupa um lugar de destaque e, ao mesmo tempo, ĂŠ um lugar de muita vergonha na experiĂŞncia de cada um. (Antes de cada sessĂŁo) faço uns 20, 30 minutos de educação somĂĄtica (do corpo), com exercĂ­cios que ajudam cada um perceber melhor seu corpoâ€?, revela. O terapeuta reflete que um corpo “idealizadoâ€? nĂŁo necessariamente “anda juntoâ€? de uma vivĂŞncia prazerosa. Trabalhando com vĂ­deos para avaliar os pacientes a partir de seus movimentos, Severo conta como ĂŠ comum as pessoas ficarem com vergonha ao se ver na tela, mesmo que tenham experimentado boas sensaçþes com a dança. “Eu mesmo passei muito tempomefilmandoenquantodançava, pra ter coragem de propor isso aos outros. NĂŁo achava ĂŠtico propor atĂŠ eu perder a vergonha. Tento tirar um pouco a gravidade disso, dizendo ‘vĂŞ-lo se movimentando sĂł ĂŠ novidade pra vocĂŞ. Todo mundo sabe como vocĂŞ se move’â€?, observa. Severocompartilha quea reação dos pacientes ao se verem dançando sĂŁo diversas. HĂĄ quemache que se soltoudemais, mas acha, no vĂ­deo, “que estĂĄ

muito amarrado�. N’outro sentido, pessoas que se julgavam “amarradas� se enxergam mais livres no registro.

Fugaz Facilitadordaformaçãoemarteterapia,SeveroexpĂľequeotrunfodasartesvisuais,nessecontexto, ĂŠ que os resultados sĂŁo concretos, as figuras persistem no tempo. Quanto Ă dança, o trabalho â€œĂŠ fugaz, e pode atĂŠ persistir na forma do vĂ­deo, mas nĂŁo tem a mesma riqueza. Nas artes visuais ĂŠ mais fĂĄcil perceber qual ĂŠ a poĂŠtica do paciente. Na dança, ainda discutimos muito sobre issoâ€?, admite o terapeuta. Indagado sobre qual seria o espaço da dança no cenĂĄrio da arteterapia hoje, Severo pondera a respeito da separação do campo terapĂŞutico “por linguagensâ€?. “Prefiro pensar que nĂŁo ĂŠ preciso reservar o termo ‘arteterapia’ para as artes visuais, porque hoje em dia as fronteiras se borraram muito, sĂŁo muito tĂŞnuesâ€?, complementa. Severo pontua a necessidade dotrabalhoemdançaterapiaainda ganhar espaço. No Brasil, foram pioneiros da atividade, cita ele, Klauss e Angela Vianna. O

casaldesenvolveuumtrabalhodeautoconhecimento e apropriação do corpo. Oterapeutaforça como, na dançaterapia, o corpo do prĂłprio paciente ĂŠ amatĂŠria deexpressĂŁo criativa. A partir disso, ele justifica a menor adesĂŁo ao processo, por conta das inibiçþes com o corpo. “Quandoaspessoascomeçam a praticar, normalmente elas se surpreendem como se sentem Ă vontade com o corpo delasâ€?, conclui. O arteterapeuta revela um prazer em trabalhar na interface (entre arte e terapia) e mantĂŠm um frescor na direção de atender os pacientes e formar novos arteterapeutas. Embora tenha uma formação acadĂŞmica “convencionalâ€?, como psiquiatra (e eleaindaatende,tambĂŠm,medicando), ele coloca que sua questĂŁo foi ampliar os potenciais de ajuda e de cura das pessoas. “NĂŁo acredito que as condiçþes clĂ­nicas precisem sĂł de soluçþes clĂ­nicas. As pessoas da ĂĄrea de psiquiatra e psicologia precisam conhecer intervençþes de outra natureza, que toquem em questĂľes existenciaisâ€?, atenta.

Raimundo Severo JĂşnior: “O corpo ĂŠ muito paradoxal na nossa cultura, porque ocupa um lugar de destaque e, ao mesmo tempo, ĂŠ um lugar de muita vergonha na experiĂŞncia de cada umâ€?


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