Textos Literários premiados pela AFL em 2018

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Textos Literários premiados pela AFL em 2018

Rio de Janeiro Edição do autor

2018

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Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução dessa obra, mesmo parcial, por qualquer processo, sem prévia autorização, por escrito, do autor e editor.

AFL; 1917 Textos Literários premiados pela AFL em 2018 Academia Fluminense de Letras – Brasil: Flavio Chame Barreto Editor - FCB Ed; 2018. 106 f.: Il. ISBN-13: 9781728967233 1. Poesia. 2. Crônicas. 3.Contos II. Título. CDD B869.35 - CDU 821.134.3(81)-3

Capa: Adaptada de foto do arquivo da AFL. Organização textual e revisão: Flavio Chame Barreto e Márcia Maria de Jesus Pessanha.

Contatos: Academia Fluminense de Letras – AFL Praça da República, nº 7, Centro, Niterói – Cep: 24020-099 Email: academiafluminensedeletras@gmail.com Sites: www.academiafluminensedeletras.org.br www.facebook.com/academiafluminensedeletras

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Apresentação CONCURSO LITERÁRIO Dentro das comemorações do seu Centenário (1917-2017), a Academia Fluminense de Letras - Academia de Letras Oficial do Estado do Rio de Janeiro – tem o prazer de publicar o resultado do Concurso Literário de Contos, Crônicas e Poesias com o tema “Educação, Cultura e Ética”. A iniciativa, planejada e organizada com entusiasmo e competência pelo Acadêmico Flávio Chame Barreto, obteve o apoio total da Diretoria e do Corpo Acadêmico para, mais uma vez, concretizar os objetivos desta Academia de promover e estimular a produção literária. Contando com a coordenação da Acadêmica Márcia Maria de Jesus Pessanha, a Comissão de Avaliação foi constituída pelos Acadêmicos: Eneida Fortuna Barros, Luiz Carlos Albuquerque e Sávio Soares de Sousa, na área de Contos; Lúcia Maria Barbosa Romeu, Márcia Maria de Jesus Pessanha e Regina Coeli Vieira da Silveira e Silva, na área de Crônicas; Alba Helena Corrêa, Leda Mendes Jorge e Neide Barros Rêgo, na área de Poesia. A divulgação do resultado do significativo Concurso, com a premiação aos vencedores, ocorrerá em 10 de novembro de 2018, em Nova Friburgo, durante o I Congresso das Academias de Letras do Estado do Rio de Janeiro e a V Jornada Sociocultural Comemorativa do Dia Nacional da Cultura e da Língua Portuguesa no Brasil, eventos promovidos pela Federação das Academias de Letras do Estado do Rio de Janeiro visando mais estimular o movimento cultural no território fluminense. Parabéns a todos os participantes pelo exemplo de amor à Literatura! Waldenir de Bragança Presidente da Academia Fluminense de Letras

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Prefácio A importância do ato de escrever Escrever é uma arte. É transformar ideias, emoções e vivências em palavras. É romper com o silêncio e emitir um grito de liberdade. É preencher o vazio das páginas em branco, com as vozes de diferentes autores, que escolhem o gênero literário de sua preferência. Por essa razão a Academia Fluminense de Letras abriu espaço para promover, sob a iniciativa do acadêmico Flávio Chame Barreto, o Concurso Educação, Cultura e Ética, nas modalidades: conto, crônica e poesia. A importância da palavra impressa é tão forte que atravessa a linha do tempo e divide a história em antes e depois da escrita. Assim, com o objetivo de valorizar a língua portuguesa e a criação literária, esta Academia sela seu compromisso com a divulgação de produções textuais e investe na realização deste Concurso, visando ao diálogo entre esta Centenária Casa do Saber e a sociedade. “A leitura engrandece a alma”, diz Voltaire. Acrescento: sendo o ato de escrever também um processo de interação entre o leitor/texto/autor, os trabalhos selecionados pela Comissão de Avaliação foram os que melhor expressaram as finalidades deste concurso, de acordo com o tema e os subtemas propostos. O professor e escritor Rubem Alves declara que Todo texto é uma partitura musical, as palavras são as notas. Garimpei, desse modo, na esteira do mestre, os vocábulos que soassem como notas musicais para dar os parabéns aos que com sua escrita contribuíram para o êxito deste Concurso. Missão cumprida. A leitura e a escrita se unem para libertar o homem pelo poder da palavra. Para além do tempo e do espaço... Profª Drª Márcia Pessanha 1ª Secretária da Academia Fluminense de Letras

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DIRETORIA DA ACADEMIA FLUMINENSE DE LETRAS – AFL (BIÊNIO 2018 – 2019) Waldenir de Bragança - Presidente José Mauro Haddad - Vice-Presidente Márcia Maria de Jesus Pessanha - 1ª Secretária Regina Coeli - 2ª Secretária Wainer da Silveira e Silva - 1º Tesoureiro Alba Helena Corrêa - 2ª Tesoureira Flávio Chame Barreto - Diretor de Acervo Documental e Bibliográfico

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Sumário CRÔNICAS SELECIONADAS ................................................................................... 9

A LUZ DO FUTURO (ou O VELHO MESTRE E A INTERNET) ......................... 11 BRINCANDO DE VERDADES ................................................................................. 13 CRÔNICA DE UM ESTAGIÁRIO ............................................................................. 15 OK, GOOGLE: O QUE É SER PROFESSOR? .......................................................... 17 O PAÍS DE ALICE ....................................................................................................... 21 EU E MEUS DILEMAS.............................................................................................. 23 CRÔNICA DE UM CADERNO SEM CAPA ............................................................ 25 PRECONCEITO LINGUÍSTICO ............................................................................. 27 PREGAÇÃO AOS CACHORROS .............................................................................. 29 O PROFESSOR ............................................................................................................ 31

POESIAS SELECIONADAS ..................................................................................... 33

MENINO DE RUA..................................................................................................... 35 FOGUEIRA ................................................................................................................. 37 O FOGO DAS LETRAS .............................................................................................. 39 AULA ............................................................................................................................ 41 DILEMA DO MESTRE, DILEMA DA EDUCAÇÃO............................................... 43 TEMPOS MODERNOS – 2018 .................................................................................. 45 DILEMAS DE PROFESSOR ..................................................................................... 47 A INTERNET COMO INSTRUMENTO DA EDUCAÇÃO ................................... 49 CON/STA/TAÇÃO .................................................................................................... 53 SOCIEDADE XX.I ...................................................................................................... 55

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CONTOS SELECIONADOS ...................................................................................... 57

VALENTIM ................................................................................................................. 59 A DAMA DO ESCRITORIO ....................................................................................... 61 DÁ UM GOOGLE ........................................................................................................ 63 GENTE INOCENTE.................................................................................................. 67 AMOR SEM PRECONCEITO ................................................................................... 69 A VIDA DE UM CASAL DE PROFESSORES ........................................................... 73 CONTINUA DESCENDO QUE A GENTE QUER SUBIR .................................... 79 LEGITIMA DEFESA .................................................................................................. 85 VIGÍLIA........................................................................................................................ 91 RETROALIMENTAÇÃO (A ÉTICA NO COTIDIANO DO BRASILEIRO) ......... 95

Posfácio....................................................................................................................... 101 Carta da Educação, Cultura e Ética de Niterói ......................................................... 102

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CRÔNICAS SELECIONADAS Primeiro colocado: Jonaedson Carino Moreira (Jota Carino) – Niterói - RJ Pseudônimo: Mário Meirelles Crônica: A LUZ DO FUTURO ou O VELHO MESTRE E A INTERNET Segundo colocado: Suellen Raquel da Silva – Jacareí - SP Pseudônimo: Susan Ellen Crônica: BRINCANDO DE VERDADES Terceiro colocado: Eduardo Antonio Klausner – Niterói - RJ Pseudônimo: Accursio Braziliense Constant Crônica: CRÔNICA DE UM ESTAGIÁRIO Outras crônicas selecionadas: Daniel Kazahaya – Osasco - SP Pseudônimo: Curió da Madrugada Crônica: OK, GOOGLE: O QUE É SER PROFESSOR? Edileuza Bezerra de Lima Longo - São Paulo - SP Pseudônimo: Edih Longo Crônica: O PAÍS DE ALICE Isabella Ribeiro Marinuzzi - Itapemirim - ES Pseudônimo: Moara Moira Crônica: EU E MEUS DILEMAS Elizabeth Jardim Santos – Niterói - RJ Pseudônimo: Elizabeth Jardim Crônica: CRÔNICA DE UM CADERNO SEM CAPA Renato Rivello Amaral - São José do Calçado - ES Pseudônimo: Gonçalo Beatrício Crônica: PRECONCEITO LINGUÍSTICO Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos – Parnaíba - PI Pseudônimo: Robespierre Crônica: PREGAÇÃO AOS CACHORROS Wilson Duarte – Itatiba - SP Pseudônimo: Mayo Crônica: O PROFESSOR

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A LUZ DO FUTURO (ou O VELHO MESTRE E A INTERNET) Mario Meirelles (Primeiro lugar - Categoria Crônicas) O velho mestre chega em casa tarde da noite, vindo da sua labuta diária. O corpo cansado exige descanso. Mas, que nada, há trabalho a fazer. O silêncio da madrugada Ihe dará o aconchego para a concentração na correção de trabalhos e preparação das lições. Gosta demais de dar aulas. A escola, o vozerio dos alunos, as salas desconfortáveis, os prédios deteriorados, a falta de equipamento adequado nada disso sequer reduz sua paixão docente. Inteligente, interessado, leitor voraz, sua infância pobre não foi obstáculo para a realização de sua formação. As palavras de sua mãe sempre ecoaram em seus ouvidos. Mãe de pouquíssimo estudo em escola da roça, mas sensível a ponto de lhe dizer sempre, como uma benfazeja ladainha: "Só com educação se pode ser alguma coisa na vida. Estude muito, e sempre”. Ah, quanta dificuldade, quantas barreiras parecendo intransponíveis: a pobreza, a dificuldade de conciliar o trabalho, necessário à sobrevivência, com o estudo. Livros? Só os disponíveis nas bibliotecas públicas. Aqueles prédios precários, onde livros superficialmente catalogados, mal conservados e estragados pela ação de leitores desleixados ou vândalos, voltam-lhe à memória a cada vez que espirra, com sua rinite alérgica resultante da inalação de tanta poeira. No inicio, o ressentimento e a revolta; depois, a compreensão de que seu caminho deveria ser construtivo para vencer. E vencer, que começou como vontade de ser bem sucedido, com um ótimo emprego e bela carreira que lhe trouxesse dinheiro, acabou mudando seu significado. Aos poucos foi entendendo que vencer, de fato, seria vencer-se, suplantando inclusive suas mágoas, carências e inseguranças. Vencer passou a ser, então, uma vontade de não somente conquistar conhecimento, mas também de partilhar o que aprendesse com outros iguais a si mesmo. E apaixonou-se pela educação. Neste momento, na sala silenciosa, o professor troca a mesa grande onde espalha os trabalhos para correção pela mesinha ao lado, de onde vem o que ele chama de "a luz do futuro". Essa luz branco-azulada é a da tela do computador. Quem diria - pensa o velho professor - que eu estaria, nesta idade, lutando para aprender a lidar com o computador? Quem diria que minha vida inteira, de fala, ou de giz traçando palavras nas lousas, antes negras agora verdes, seria substituída agora pelos vastos recursos internéticos, pela facilidade das pesquisas em fontes do mundo inteiro?

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Ah, e os famigerados mimeógrafos que lambuzavam nossos dedos de tinta roxa - ri consigo o velho professor. Não se iludam, pois não é saudosista nem retrógrado o velho mestre. Ao contrário é um entusiasta dos novos meios proporcionados pela tecnologia. Um clique e uma linda fotografia da Acrópole surge na tela, com suas colunas inconfundíveis. Alguns cliques mais e o velho mestre acessa sites onde estão contidos todos os saberes registrados, inclusive os da famosa Enciclopédia Britânica. Aquele montão de volumes dispostos nas estantes das bibliotecas estão agora ali, na tela de onde emana a "luz do futuro". Magistrais obras podem agora ser carregadas no bolso... num pequeno pendrive! O velho mestre chega quase à irritação com os colegas retrógados e desatualizados, que se negam peremptoriamente, dizem, à "modernice" dos computadores. Ora, colegas, sempre fala, eu também sei que nada, absolutamente nada, substitui o trabalho presencial do professor. Esse "olho no olho", o duelo no batepronto das discussões em sala e a magia nos contatos entre seres humanos são insubstituíveis. Porém, os meios de comunicação e informação são igualmente indispensáveis. Discussão infinda. Ou será que os ancestrais tipos móveis da imprensa tiveram naquela época vida fácil, sendo acusados de estarem substituindo os antigos e lindos livros, transcritos pelos copistas e recheados de iluminuras? O velho professor aí está preparando suas aulas no computador. E já anda transformando sua classes em ativos agrupamentos de alunos que se valem da Internet, esse repositório, não somente de bobagens e inconveniências, mas também de informações preciosas e dados facilitadores da vida de qualquer aluno. O velho docente se sente gratificado ao ver que tudo muda, menos seu amor pela educação, seja quando feita ainda nos velhos modelos fadados a desaparecer, seja ao utilizar-se das novas conquistas tecnológicas e das aceleradas melhorias apresentadas pelos meios de comunicação. A luz da manha lança seus primeiros raios na sala, onde o cansaço já vence o corpo do velho mestre, balançado por cochilos irresistíveis. Tenha um breve descanso, caro professor, que daqui a pouco é hora de voltar à labuta de que tanto gosta. A sala de aula o espera. E quando entra nela sente o coração acelerado, atingido pela mesma emoção sentida quando ministrou sua primeira aula A luz do futuro - na verdade já muito presente - continua iluminando a sala.

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BRINCANDO DE VERDADES Susan Ellen (Segundo lugar - Categoria Crônicas) Ótimo! O celular descarregou. Ao considerar a movimentação na frente da escola sei que cheguei cedo demais. Quatro meses desempregado e já tivemos que começar a cortar os extras, a van escolar foi a primeira da lista, a próxima com certeza será a TV a cabo. Toda vez que encontro um amigo é sempre a mesma ladainha “Fica calmo Binho a situação não está fácil pra ninguém, são mais de dez milhões de desempregados”. E eu lá preciso de companhia, eu preciso é de um emprego! Percebo que meus pensamentos estão me deixando irritado. Escuto rumores da agitação dos alunos, as vozes das professoras tentando acalmá-los, acabam me distraindo um pouco. Porque não liberam logo essas crianças? Agora são mais vinte minutos no pátio até o sinal tocar. Ainda me sinto irritado. Consigo avistar Sofia, o cabelo cortado em franja deixou seu rostinho ainda mais redondo e infantil. Fico atentamente observando a interação dela com as outras crianças. Algumas amiguinhas entram em uma casa de madeira. Sofia não se anima, fica do lado de fora, parece se interessar mais pelo conteúdo de uma caixa colorida. Retira de lá um palhacinho de fantoche e uma bailarina, senta no chão e brinca descompromissada. Acima do telhado da casa de madeira surge um brinquedo voador que chama a atenção de Sofia, ela observa o objeto planar para dentro da caixa de fantoches. Sorri alegre. De repente um menino aparece correndo, toda a movimentação dele indica que está procurando o brinquedo, olha atentamente no chão, empurra alguns carrinhos, aumenta o seu perímetro de busca, chega até a empurrar a própria caixa colorida. Sofia apenas observa a busca do desesperado rapazinho. Depois de algum tempo, visivelmente frustrado, ele desiste. Então, a danadinha se levanta sorrateiramente e pega o brinquedo voador de dentro da caixa, faz uma pequena inspeção para ver se o menino não retornará, e sai correndo para brincar em outra parte do pátio A conduta de Sofia me deixou perplexo. Onde essa criaturinha aprendeu isso? Em casa nos esforçamos ao máximo para ensiná-la o respeito e a diferença entre o certo e o errado, Mariana insiste em recorrer à vigilância divina “- Sofia Papai do Céu está vendo”. Eu não me contraponho, Deus é um excelente recurso para os pais terceirizarem as explicações complexas. De qualquer maneira vou ter que abordar o assunto, se eu deixar passar vai saber quantas outras vezes ela fará coisas do gênero. Continuo observando aquela pequena pessoinha em fase de construção, as mãozinhas se esforçando para manusear o brinquedo, os olhos curiosos, a

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leveza da alma. Não é porque é minha filha, ou talvez só porque seja a minha filha, começo a repensar e acreditar que a ação de Sofia não foi tão errada assim. Bom, ela colocou suas prioridades em detrimento às do coleguinha, mas não cometeu nenhuma transgressão, não tomou o brinquedo, ele que foi o descuidado e perdeu, afinal de contas nem era dele, tudo ali é compartilhado. No máximo ela foi oportunista...antiética. Engraçado, me lembrei de uma aula que tive no Ensino Médio. O titulo escrito na lousa era Ética e Moral. "Todo crime é por si um ato imoral e antiético, mas nem todo ato imoral e antiético é um crime", explicava o professor. Belo jogo semântico. Mas, como raios eu vou ensinar Ética para uma criança de quatro anos, sou Programador de TI, ou pelo menos era, passei longe dessas disciplinas de Filosofia, Sociologia, Antropologia. Não foi propriamente um grande filósofo que disse que só sabia que nada. No momento, só sei que não sei como explicar para Sofia que apesar de não ter quebrado nenhuma regra, ainda assim, o que ela fez foi errado. Chega a ser patético me esforçar para ensinar minha filha a importância do compromisso social com o outro e lançá-la nesse país, nesse mundo repleto de absurdos antiéticos. Lógico que eu quero que ela seja uma boa pessoa, íntegra, altruísta, sensata, mas vou dizer o quê? Poderia dizer: - Olha Sofia, você deveria ter falado para o seu coleguinha que o brinquedo estava na caixa. Entenda minha filha, mesmo que outras crianças roubem os brinquedos e não sejam castigadas. Ainda que, a maioria das crianças tenha brinquedos ruins e quebrados e apenas uma pequena minoria possa ter brinquedos novos e divertidos. Não importa, porque você tem que fazer o certo sempre. “Você vive em um mundo onde os brinquedos são escondidos em malas, cuecas, sonegados, desviados, nesse mundo as pessoas mentem, enganam, dissimulam, matam para ter o prazer de brincar com aquilo que desejam. Mas, você.... Você, minha filha, vai sempre dizer para o coleguinha que o brinquedo está na caixa. Mesmo sabendo que, possivelmente, ele não fará o mesmo por você". O barulho do sinal me resgata desse avalanche de pensamentos. As crianças se organizam em fila na frente das respectivas salas. A professora me vê. Eu aceno discretamente. Ela toca o ombro de Sofia e aponta em minha direção. A pequena fica agitada, recebe a mochila de rodinhas. Eu faço sinal para que venha. E ela corre. Eu aperto seu frágil corpinho em um forte abraço, de alguma forma estou tentando protegê-la do mundo, escondê-la dessas verdades doloridas, das obrigações e das responsabilidades que nós inventamos. Falarei com Sofia sobre ética, é inevitável, é preciso, mas hoje não... Ainda é muito cedo. Hoje tomaremos sorvete.

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CRÔNICA DE UM ESTAGIÁRIO Accursio Braziliense Constant (Terceiro lugar – Categoria Crônicas) São 8h e o expediente está começando. Os cobradores já estão ao telefone tentando encontrar os devedores em casa, no trabalho, ou em qualquer lugar que os localizem. No departamento jurídico reina um silêncio modorrento. No ar, cheiro de café Tem bastante trabalho, a minha Chefe já avisou. A principal atividade da empresa é cobrar, cobrar, cobrar, seja por telefone, carta ou judicialmente. Eu não sabia que tinha tanta gente endividada no mundo. Todo dia, toda hora, chegava alguém para tentar fazer um acordo. O curioso é que as dívidas foram feitas principalmente para comprar carros novos. Por que alguém que não tem dinheiro para comprar um carro se endivida para comprar um? Coisa muito louca, o sujeito não tem dinheiro para pagar o carro e esquece que ainda terá que emplacar o automóvel, botar gasolina, pagar seguro, manutenção etc. Eu comentei sobre isso, que achava muito louco alguém enfiar os pés pelas mãos por causa de um carro novo, e o pessoal do departamento concordou, ninguém entende este mistério. Talvez seja otimismo, falou um advogado: "o brasileiro adora automóvel e sempre acha que vai dar um jeitinho de pagar todas as contas". "Irresponsabilidade", gritou a secretária do alto dos seus cabelos brancos. - isto não faz a menor diferença pra gente! ralhou a Chefe - Vamos trabalhar! Estagiário, você já sabe o que deve fazer! Bota tudo o que puder na conta e mais um pouco! Não alivia! Honorários no topo, ouviu?!!! Pra estimular o devedor a vir correndo negociar, explica para ele o que faremos, como a dívida irá ficando maior com o tempo, uma verdadeira bola de neve, e que a chance dele é agora, depois não faremos acordo. Avisa que vamos levar todos os bens dele, até o cachorro! Tem que ser enfático, viu? “Sim senhora!" respondi, e ato contínuo comecei a trabalhar. Preparei a primeira cobrança do dia. Na semana passada a Chefe e o outro advogado já tinham me ensinado como fazer as contas e depois como deflagrar o procedimento de cobrança. Em seguida liguei para o devedor - Alô, por favor, o dono da casa está? Uma voz masculina e sonolenta respondeu: - É ele, quem quer falar? - Bom dial Eu estou ligando em nome da financeira com a qual o senhor tem uma dívida inadimplida. - Inadim... que? O que você tá falando? - Senhor, aqui é da cobrança, estou falando sobre a dívida que o senhor tem com a financeira e não pagou. Quero saber se o senhor quer pagar, afinal, o

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senhor não respondeu aos nossos contatos anteriores. Se vier ao nosso escritório fazemos um acordo. - Aaah, tá! Rapazzz, a vida tá difícil, sabe! - Eu sei, mas o senhor comprou um automóvel novo alienado fiduciariamente, não pagou, tentamos localizar o veiculo para apreender e o mesmo não foi encontrado. O que o senhor fez com o automóvel? - Olha só, meu irmão, o carro era meu e eu passei ele pra frente, vendi, tava precisando de dinheiro. E eu, com toda a paciência do mundo, falei: - O carro não era exatamente seu, ele estava financiado e garantia a dívida, o senhor não podia ter vendido e sabia disso! - É pode ser, mas vendi e vendido está, certo? E quer saber mais, devo não nego pago quando puder! - Bom, se o senhor coloca as coisas deste modo- respondi com ênfase e voz alta e grossa - não tem jeito, eu vou ser obrigado a executá-lo, entendeu bem? Executááá-lo! Do outro lado da linha silêncio total...eu só ouvia a respiração ofegante do devedor. O ambiente ficou pesado. Depois de um minuto que pareceu uma eternidade, o devedor, com voz tímida e baixa perguntou: - O senhor vai me exe...executar? Não respondi imediatamente, por dentro regozijei, finalmente a minha prosa tinha dado certo, pensei, nada como ser durão, agora ele vai ver, "dura lex sed lex". E, baixinho, vagarosamente, solenemente, respondi: E o jeito... - Faz isso não! - Implorou ele com a voz embargada E em seguida ele berrou: - Eu tenho dois filhos pra criar!!! Você não tem coração? - Eu não posso morrer!!! Eu pago esta porcaria de dívida! Eu tenho o dinheiro! Surpreso, falei imediatamente: - Que isso!!! Por favor, fique calmo, eu não vou matá-lo! Nós vamos executar a dívida na Justiça! E ele: - Aaah, que alívio! Processo na Justiça... Humm, sabe, eu acho que não vai dar pra eu ir aí não, tô sem dinheiro, tá tudo tão difícil...!

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OK, GOOGLE: O QUE É SER PROFESSOR? Curió da Madrugada (Crônica selecionada) Entrei na brincadeira e perguntei ao meu celular: - Ok, Google: O que é ser professor? A voz eletrônica respondeu: - De acordo com o Wikipedia, professor ou docente é uma pessoa que ensina ciência, arte, técnica ou outros conhecimentos. Um pouco espantado e maravilhado com a tecnologia do aplicativo, não resisti e testei mais uma vez: - Ok, Google: conta uma piada! - Por que a plantinha não fala? Porque ela é "mudinha”. Caí na gargalhada, a contragosto. “Ah, se existisse esse aplicativo na minha época da escola”. Lembro-me bem dos trabalhos em papel sulfite que escrevíamos para a avaliação. A professora dava o tema e partíamos para a Biblioteca Municipal da cidade. Tinha que pedir para a bibliotecária ajudar. O tema era "Bambú". Logo ela aparecia com uma Enciclopédia Barsa já prontinha na página. Com a letra mais caprichada possível, copiávamos palavra por palavra (sem direito a corrigir com Contrl+Z) todo o conteúdo do livro e depois tínhamos que ler frente a sala. Em plenos sete anos de idade, isso era o que conseguíamos fazer de melhor. Minto, conseguíamos mais. Lembro de uma vez que a Professora pediu para fazermos uma redação em tema livre o sobre que quiséssemos. Naquela época eu tinha um joguinho do Master System (o video-game da época) que se chamava “Fantasia", inspirado no filme do Michey Mouse. Então eu coloquei para fora toda minha imaginação e falei sobre um mundo onde as vassouras tinham vida e dançavam, onde a água brincava com um ratinho, flautas voadoras entoavam uma canção e todos dançavam juntos. Esse ratinho era mágico, girava a colher do caldeirão num simples estalar de dedos. Lembro que a Professora gostou tanto dessa redação. Ela veio me elogiar com um sorriso enorme que fiquei me sentido um Paulo Leminski de quimono: poeta samurai. Ainda por cima ela contou sobre a redação para minha mãe que completou meu êxtase de pequeno escritor com “aquela" comemoração. Ela deve ter esse ensaio guardado até hoje. Porém, também preciso confessar o outro lado: aquele professor de história que me humilhou frente aos meus colegas. Tá certo, na adolescência eu era o terror da escola. Tendo razão ou não, aquilo me marcou. Independente do elogio ou da bronca, quando me recordo dos meus professores mais antigos, raramente me lembro da matéria ensinada. Lembrome mais é da pessoa. Aquele professor do elogio, das piadas, da bronca ou da inteligência. Lembro como ele determinou minha vida e contribuiu para eu ser o

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que sou. Se a matéria era Português, Matemática ou Literatura, ficava num segundo plano. De lá pra cá, os tempos mudaram. Hoje em dia o aluno não precisa mais ir à biblioteca, ela está na palma da sua mão. - Bambú? Google. - Michey Mouse? Ok, Google. - Paulo Leminski? Wikipédia. - Redação? Aí a coisa escorrega! Você dá de cara com um Frankenstein de Contrl+C e Contrl+V. O que fazer professor? Como eu disse acima, não é de hoje que esta técnica existe. Muito menos o fato de usarmos as máquinas para nos ajudar. Esse casamento da máquina com o Homem é caso antigo e sempre teve confusão. O problema é que agora eles não se desgrudam. Vão juntos ao trabalho, aos parques, nas férias e até na sala de aula. Há quem diga que mesmo no casamento há que se respeitar a individualidade e deixar os eletrônicos de lado em certas situações. Outros pensam que podem ficar de mãos dadas, mesmo nos momentos mais inusitados, como na sala de aula. Sendo professor, eu também tenho meus casos com a tecnologia. Consigo mostrar um vídeo do Freud, em High-Definition Quality, num documentário que pode valer mais do que muita aula bem trabalhada. Exibo fotos, slides e exercícios. É um bom parceiro educativo. Às vezes os alunos se interessam mais por ele do que pelo professor. E de dar inveja tamanha atenção. Penso no que fazer para ganhar a mesma concentração nas aulas. Preciso tornar-me máquina? Hoje em dia, não é raro ver as pessoas querendo ser como máquinas: impecáveis, totalmente racionais e sem erros. Antigamente era o contrário, as máquinas queriam ser como a gente. Queriam ter afeto, fazer besteira sem pensar, ficar com raiva ou amar inteiramente aquela pessoa totalmente "inadequada" para você. Por conta desses aparatos tecnológicos de hoje, dizem que num futuro breve o professor será obsoleto. Será? Arrisco-me. É mentira! Máquina não dá conta de um aluno. Não é por falta de técnica ou conhecimento, ou mesmo incapacidade de entretê-lo, mas porque falta o essencial do aprendizado. O ser humano é aquele que jamais encontra a existência dada, a priori, por completo. Ele sonha, imagina, deseja e fantasia. Apesar de suas intermináveis empreitadas pela satisfação, sempre se encontra em busca, no horizonte, imperfeito. As máquinas, faltam-lhes certo delírio, a capacidade de olhar para um aluno e enxergá-lo Paulo Leminski

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- Ok, Google: Você não sabia, mas ser professor é dar vida ao conhecimento. E sem isso nada tem sentido.

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O PAÍS DE ALICE Edih Longo (Crônica selecionada) No dia 09 de novembro de 1989, víamos deslumbrados o mundo voltando ao seu eixo. Com seus pedaços unidos. Então, foi preciso a cicatrização de tal ferida. O lado próspero ajudou os seus irmãos do outro lado novamente a andar. Caía a divisão entre o socialismo do Leste e o capitalismo do Oeste alemão. O muro de Berlim, finalmente, tornar-se-ia una curiosidade para turistas. E qual não foi nossa surpresa quando vimos um muro dividindo o "nós" do “eles" em nossa Capital Federal? Não acreditei quando vi isso. Felizmente, parece uma coisa provisória de madeira e não daquele que cimenta duramente a nossa liberdade do ir e vir. Dizem que a medida foi feita para impedir o acesso e consequentes atos indevidos, ao nosso Congresso Nacional e a violência entre as partes. Estamos em plena luta pelo impedimento de nossa atual presidente. Fatos comprovam, não a sua adesão ao status quo: corrupção, mas, infelizmente, ela confundiu as coisas e se valeu de maquiagens não permitidas nas nossas contas. Que pena presidente, que pena! Não entendo como a senhora não assistiu ao pedaço do filme onde consta a “Lei complementar número 101 de 04/05/2000." A Lei de Responsabilidade Fiscal. Pois é, como em nossas casas, também não devemos gastar mais do que podemos. Não adianta fingirmos um superávit financeiro que não existe. Se não há receita, não poderá ter gastos, simples assim. Não há milagres. Aliás, atualmente, não estamos nem gastando, pois nosso dinheiro voou para bolsos estranhos. Infelizmente, estamos com salários atrasados; nossos lugares em fábricas estão vazios, as filas à procura de um trabalho estão parecendo jibóias de mil metros que nos vão engolindo aos poucos e devagar. Os "nãos" nos corroem a alma e vem o desespero. Que pena senhora, que realmente aquele prato que aparecia em sua propaganda à reeleição sumiu de fato de nossa mesa. Hoje, andamos olhando para o chão, para o lado, para a frente e o bendito feixe de luz não aparece em nenhum dos lados. Hoje andamos a esmo. Hoje damos a mão à desesperança. Temos inimigos como o Aedes Aegypti que apavora nossa gente; que microcefalia nossos recém-nascidos e o pior; não temos vacinas em Postos de Saúde suficientes nem para a H1N1. O país está navegando num barco furado sem direção e nem comando. Temos um evento como as Olimpíadas se aproximando e não vemos ninguém discutindo futebol, voleibol e outras modalidades. Escutei no Metro uma pergunta a esse respeito e a pessoa interrogada respondeu que isso parece que vai acontecer em outro país.

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Talvez o país ideal fosse o da Alice. Onde tudo é mágico. Só que não vivemos no surreal. Vivemos a rudeza da vida e a fome dói. As contas precisam ser pagas e sem quaisquer maquiagens, pois nossos credores nos comerão até o âmago com os juros acumulados se atrasarmos. E nosso nome aparecerá no SPC, assim como o nome de nosso país aparecerá nas agências de risco como maus pagadores. Vamos sangrar até extirpar a nossa alma. E o terrorismo da inflação avançando... Avançando... Passando por cima de tudo como um poderoso tanque de guerra. E precisamos ganhar essa guerra. Sofro duplamente tudo e em silêncio e imparcialidade. Sou uma jornalista e não posso maquiar os fatos. Eles são reais como a nossa moeda que está se tornando irreal ante a tantas falcatruas. Se a senhora continuar, que Deus a ajude com o leme, pois nossa embarcação precisa de um pulso forte e muita fé para chegar ao nosso destino depois de todas essas intempéries. Que os acordos sejam feitos para as reais melhorias de nossa gente e não para que alguns fiquem mais ricos, mais poderosos, mais... E que esse muro que dividiu o nosso povo seja o mais breve possível retirado, pois estamos nos sentindo humilhados com essa separação. Adoramos a historinha da Alice e seu país de mentirinha, mas que isso fique em nossas memórias infantis. Somos uma só Nação. Acabem com o "nós" contra "eles' que isso pode levar a uma situação de maior sofrimento. A quem interessa essa guerra interna? Que Deus ajude nossos dirigentes. Amém E a nossa Pátria? Apenas... Amem-na.

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EU E MEUS DILEMAS Moara Moira (Crônica selecionada)

Eu e meus Dilemas. Quem não os tem? Mas os meus são grandes amigos, a quem posso recorrer, como sábios conselheiros consultivos. E eles sempre estão lá, calmos e estáticos, com aquele semblante que só a maturidade constrói. Inertes e firmes como blocos de granito, esperando por mim. E eu chego sempre esbaforida, carregada de pacotes. Uns reais, outros imaginários. Uns reais, outros virtuais. Às vezes estou até ofegante. Uma vez ou outra eu grito e me permito extravasar. Faz parte do meu temperamento e do meu trato cultural. E eles sempre sussurram. E me desafiam, como esfinges que me apresentam charadas. A tal da ética é assim mesmo Ou decifra-me ou devoro-te. Porque o mundo lá fora é como o êmbolo de uma seringa, que te fecha o cerco, te encurrala e te esmaga. E você muda de forma. Por isso me aconselho com estátuas sólidas, que resistem ao tempo e que fazem desse tempo seu aliado. A ética é atemporal. Mesmo para os questionamentos mais tecnológicos e contemporâneos ela te olha nos olhos e te situa. E eu vou indo por al, errante, errando, tentando acertar. Às vezes tento argumentar com 'jeitinho', mas nenhum jeitinho faz com que os grandes blocos se vergam. Porque a ética não se verga. Eles apenas balançam suas cabeças negativamente, enquanto sinto minhas bochechas corar. Sim, por dentro eu já sabia. No fundo, a gente sempre sabe. E os dilemas nos acompanham sem pestanejar. Eles são pessoais como as sombras, e foram construídos a partir daquilo que conseguimos aprender com a vida. Do chorinho de bebê, das brincadeiras de infância, do banco de escola. A todo momento somos chamados a interlocutar com eles, e a ajustar a rota. Às vezes, a conversa é mais rápida que um flash de luz, mas o seu resultado é importante e nos impede de sairmos por ai nos jogando por janelas rumo ao desconhecido. No dia a dia, as lições da escola da vida se renovam. Mudam-se as formas, as modas, as mídias Eu e minhas gavetas bagunçadas, em busca de uns humildes resultados sustentáveis. Eu fugindo da falsa felicidade das redes sociais e tentando aprender com meus pais e mestres, tentando seguir os bons exemplos e buscando crescer um pouquinho com os resultados. E por ai eu vou...

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CRÔNICA DE UM CADERNO SEM CAPA Elizabeth Jardim (Crônica selecionada) Quando me deparei com esse chamado para escrever sobre a situação atual do professor me senti como que vazia por completo, embora a vontade de dar o meu desabafo fosse intensa. Nestes dias me vejo assistindo a situação do Brasil em total decadência e penso mais e mais em qual poderia ser minha contribuição para melhorar esta situação. Penso... logo projeto, com a intenção de realizar um curso de qualificação onde se ajuda o professor a utilizar a didática de maneira a impulsionar o gosto do aluno pelos estudos já que o próprio não sente mais aquela vontade de ensinar. Fico matutando este empreendimento por longos anos e não consegui ninguém que se interesse em melhorar as condições do professor, pois que este sendo excelente produziria alunos excelentes e muitos não estão interessados nisso. Vou de ônibus até a praia fazer uma caminhada e vejo entrando uma senhora com uma criança de uniforme, no caminho para a Escola. Em meio as conversas a mesma interrompe a criança e lhe solta uma frase de fazer arrepiar todos os pelos: se a professora perguntar de novo porque você não fez o dever mande ela... (expressão inapropriada para crianças ou qualquer que seja o leitor). Um ser humano mais consciente chamou-lhe a atenção diante de todos. Percebia-se que não a conhecia, mas o seu bom senso não poderia calar-lhe. Valeu-se também de sua estatura, com certeza, se fosse eu ela não teria dado importância porque era o dobro de mim. Ele em seu possante, aproximados, dois metros de altura, insinuou levá-la presa por constrangimento de menor e ofensa a professora. Todos ficaram boquiabertos inclusive a ofensora. Neste momento vazou-me novamente a esperança e a vontade de colaborar com a minha idéia contemporânea. Um fio de luz rompeu-me o peito e durante a caminhada pensei por muito tempo no assunto. Segui o fluxo, mais pensamentos vazando de dentro de mim e não paravam de encher todos os meus potes interiores. Sento em uma lanchonete e ouço algumas professoras da Rede Municipal, a que mais necessita deste impulso, já que é a fase primordial da Educação, a lamentarem-se da situação dos alunos pequenos - sem, educação, sem asseio, sem afeto - e tão descrentes de sua capacidade que não vêem para aqueles, condições de melhora. Fico triste, fico muito triste em ver em que se tornou a mais bela profissão do mundo. Tomou-se cabide de pessoas frustradas, sem outra opção e então vão ser professores públicos “que não tem tanta responsabilidade”, que não acreditam mais no seu próprio futuro e não se sentem capazes de fazer a diferença na vida de pessoas tão dependentes de sua atenção. Uma atenção

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que não deve ser mínima, mas que deve ser suficiente para mudar toda uma situação em que se encontra nosso pals. Se falamos que a criança é o futuro porque não aplicamos nosso saber no presente? Porque não fazemos uma poupança de valores e conhecimento nestas perdizes para nos certificarmos do nosso verdadeiro valor? Pensei mais uma vez em como fazer valer no coração de cada um sua força real o como dinamizar essa relação professor/aluno/professor no coração de nossos professores para que eles próprios se reconheçam Mestres. Quando esta certeza se tomar consciente em cada professor não haverá frustração capaz de tomar conta de nosso cotidiano, não haverá infelicidade alinhando-se às nossas ações e todo o dilema se tomará certeza da Nação que queremos realmente para nos. Assim cada um será capaz de escrever sua própria história o desenhar a capa de seu próprio caderno com as cores que preferir.

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PRECONCEITO LINGUÍSTICO Gonçalo Beatrício (Crônica selecionada) Raramente acordo atrasado, mas como fiquei até tarde da noite corrigindo provas sabia que aquela segunda feira seria corrida. Arrume-me como um foguete e entre uns goles de café engoli um pão com manteiga. Tranquei a porta do apartamento e enquanto esperava o elevador no corredor o vizinho do 504 que também aguardava, conversava em italiano com alguém do outro lado da linha e despediu-se rapidamente quando o elevador parou no andar com a desculpa que perderia o sinal ao entrar. Ele me olhou, sorriu e sem que eu falasse nada, me disso com um sotaque paulista carregado “Ora meul Meu primo me convidou pra fazer um curso de verão e ficar na casa dele na Itália. Muito da hora, isso!". Assim que chegamos à portaria nos despedimos. Ao pegar minha correspondência, o porteiro que era Gaúcho foi logo contando as últimas novidades do condomínio. "Bah, tu não sabes o que aconteceu ontem aqui, tchê! O guri dos Pereiras foi roubar o carro dos pais pra passear o bateu em quatro carros na garagem”. Fiz cara de espanto, mas logo lembrei que andava de ônibus o estava atrasado. Sai correndo para o ponto e quando fiz sinal para meu ônibus que vinha uma senhora tocou meu ombro e perguntou puxando no som do esse "licencinha moço, esse ônibus passa perto do Museu de Artes”. Respondi que sim e a senhora muito sorridente agradeceu emendando "minha filha vai encontrar comigo pra assistirmos uma exposição de uns trem lá". Entramos no coletivo e sentamos em lugares distintos. Solitário, passei a refletir o quão plural é o nosso idioma. Em pouco tempo ouvi vários dialetos. De repente uma voz alta me trouxe a realidade. Um homem vendia guloseimas para os passageiros e no seu discurso o ouvi pronunciar "pobrema, dois real, chicrete, roubano, matano, doutô, bençoi" entre outras. Mesmo com toda essa forma diferente de falar ele conseguiu o principal, se comunicar o vender seu produto. No trajeto ainda li em alguns letreiros de comércio nomes como: "Comida caseira de mainha" e "Forró Ó Xente" e na hora se saltar no meu ponto me despedi do motorista com um “valeu irmão" da forma mais carioca possível. Cheguei à sala de aula mais decidido que nunca, ela seria sobre preconceito linguístico. Como professor tenho a obrigação de ensinar a Norma Culta, mas também os seus dialetos e variações mostrando que não existe língua pura. Por isso passei pra eles que devemos entender que a língua é viva o não há mais espaço para desprezamos a linguagem dos outros.

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PREGAÇÃO AOS CACHORROS Robespierre (Crônica selecionada) Santo Antônio, um dos santos mais populares do cristianismo, venerado tanto no Oriente quanto no Ocidente, considerado o Doutor da igreja ou o santo de mundo, nasceu em Lisboa no ano de 1195 e foi batizado com o nome de Fernando. Foi um dos maiores pregadores de todos os tempos. Teve outros nomes, tais como António de Lisboa e António de Pádua. Com este último ficou para sempre conhecido como pregador erudito e é com sua ajuda que faço agora a minha pregação. Faço-a pautado na humildade para que em nenhum momento ouse imitar a gloriosa e divina inspiração daquele que, segundo seus biógrafos, tinha um exterior polido, gestos elegantes e aspecto atraente - cognominado “Martelo dos Hereges”. Mas assim como ele, que um dia pregou aos peixes, pretendo pregar também aos irracionais, aos cachorros - os cachorros da Academia Parnaibana de Letras. Em primeiro lugar, para que minha pregação não seja erroneamente interpretada por energúmenos, é de bom alvitre iniciar dizendo quem são tais cachorros. São os abandonados, combalidos e sarnentos cães de rua, atualmente hospedados no quintal da academia porque merecem, assim como os bem tratados e bem abrigados das casas dos ricos, o acolhimento dos homens de bem. Foram conduzidos por uma Associação de Proteção aos Animais, entidade ligada a ONG 7 Vidas e ali permanecem oferecendo hipotética segurança, aguardando donatários que tenham a boa vontade de lhes oferecer uma residência onde possam encontrar alimentação para o corpo e também a amizade, que é a alimentação para a alma. E eles têm alma? O filósofo e matemático Pitágoras afirma que sim: "os animais dividem conosco o privilégio de terem uma alma”. O Padre Antonio Vieira, um dos homens mais influentes do século XVIl no campo da política e da oratória, ao pregar na cidade de São Luis do Maranhão, no ano de 1654, lembrou que Santo António resolveu pregar aos peixes porque os homens não queriam lhe ouvir. Eu também, através desta crônica justificadora, prego aos cachorros para que os homens me ouçam: - Ouçam-me, oh vagabundos vira-latas, e protestem contra os ladrões: os desalmados, aqueles que não obstante vossa frágil vigilância, já arrombaram portas e janelas do silogeu e dali subtraíram uma mesa e algumas estantes de ferro. Não levaram os livros porque felizmente (ou infelizmente) ladrão não gosta de livro.

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- Ouçam-me, oh vadios “cabíris” das ruas! E com os seus latidos cansados digam a quem de direito que a Academia de Letras necessita de ajuda para que possa, pelo menos, pagar um vigia para tentar estancar a dilapidação de seu patrimônio e assim poder continuar a exercer o seu papel social de disseminar a cultura. - Saibam vocês, oh famélicos ladrejantes, que o mesmo Vieira, no famoso sermão acima aludido, lembrou que quando Cristo falou aos pregadores foi para lhes dizer: "Vós sois o sal da terra" (Mateus: 5,13). Isto porque o efeito do sal é impedir a corrupção. Embora se saiba que muitas vezes o sal não salga... Mas quanto a nossa academia, digam isso a quem de direito: não concorda com a corrupção. Quando ela tenta, em vão, se conveniar com o poder público, pretende tão somente meios necessários para contribuir com a cidade, preservando sua biblioteca, oferecendo leitura, divulgando a realização de concursos literários que ajudarão os interessados principalmente os mais jovens, aqueles que almejam se afastar da ignorância. - Ouçam-me, oh cansados farejadores dos becos de nossa urbe: ouçamme e transmitam, com os seus latidos já desgastados pelo tempo e pela doença, aos ladrões e aos homens que detém o poder, Digam que são vocês, doravante, os intermediários dos acadêmicos que não merecem ser roubados e que há mais de um lustro lutam por um convênio que não sai nunca. E digam, finalmente, através dos seus sonoros latidos do abandono, que somente resta pregar para vocês como fez Santo Antônio de Pádua aos peixes, porque os homens, lamentavelmente, insistem em não ouvir...

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O PROFESSOR Mayo (Crônica selecionada) Dentre as diversas profissões existentes, uma se destaca: a do Professor. Esta profissão é a forma viva do desenvolvimento das pessoas que o ouvem. O aluno, desde a mais tenra idade até a mais avançada, tem no professor o anjo da guarda de quantos nele se inspiram, a partir de sua ação de demonstrar seus conhecimentos a outras pessoas, sejam crianças, sejam adultos. Não é algo tão simples transmitir conhecimentos. E muito mais que palavras apenas. O professor precisa sempre estar preparado para divulgar os conhecimentos nos quais se especializou. A cada dia novas informações surgem sobre os mais diversos assuntos, mesmo dentro de sua matéria e com isso o professor precisa estar continuamente atualizado. Ainda que sua matéria verse sobre o passado, sempre há a possibilidade de novas descobertas que podem alterar aquilo que até então, era tido como real. Isto faz com que, muitas vezes, o professor tenha até que alterar sua própria visão e entendimento sobre determinado assunto. Em sua função, o professor deve auxiliar o aluno a alcançar seus objetivos, promovendo o desenvolvimento integral do mesmo, nos aspectos físico, psicológico, afetivo e social, estabelecendo estratégias para que tal aconteça, avaliando continuamente seu desempenho, sendo, portanto, um facilitador para que o aluno alcance seu desiderato. No aspecto físico expõe ao aluno noções de como cuidar de seu próprio corpo, tais como uma alimentação saudável, a prática de exercícios que colaborem para seu próprio desenvolvimento, além da higiene necessária e, ainda, evitar o uso de substâncias nocivas, tais como o álcool, o fumo e drogas, os quais podem provocar o surgimento de doenças no futuro. No aspecto psicológico, talvez o mais difícil tema a ser desenvolvido e explicado devido a diversidade de situações que podem se apresentar e também porque cada aluno é um ser humano único e diferenciado, já que uma mesma situação pode interferir de maneira diferente em cada pessoa. E é exatamente isso que deve ser colocado ao aluno para que ele analise a situação surgida e tome a resolução que possa ser considerada como a mais adequada naquele momento. No aspecto afetivo procura colocar na mente do aluno a necessidade de se relacionar bem com seus parentes diretos, tratando com delicadeza seus pais, irmãos, familiares e também colegas da escola e amigos com os quais privará em grande parte de sua vida. Da mesma forma devem ser tratadas quaisquer outras pessoas. Quanto ao aspecto social transmite aos alunos a necessidade de se integrar nas diversas comunidades com as quais estiver convivendo ao longo de sua vida, seja na escola, seja mais adiante na vida profissional, colaborando,

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desta forma, para seu próprio desenvolvimento e até para o crescimento daqueles com os quais estiver tendo contato. Fora da sala de aula, mas ainda dentro da escola, o professor também executa outras funções. Colabora com a equipe multidisciplinar, no desenvolvimento e melhoria da escola como um todo, enviando e discorrendo, junto à direção, sugestões quanto a própria infra-estrutura, procurando soluções educacionais confiáveis e uso de novas ferramentas tecnológicas como recursos pedagógicos, tudo no sentido de otimizar o resultado final de seu trabalho e de seus pares junto aos alunos. Nas reuniões com pais de alunos, o professor deve procurar conhecer, ainda que não profundamente, mas dentro do possível, a relação do aluno com seus familiares, uma vez que a educação básica, no sentido geral, deve iniciarse em sua própria casa e desenvolvida e aperfeiçoada na escola. A integração pais e mestres será sempre benéfica ao aluno no sentido do aperfeiçoamento como ser humano e tendo também como objetivo a preparação do mesmo para a vida adulta, como pessoa e como futuro profissional na atividade que venha a ser escolhida.

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POESIAS SELECIONADAS Primeiro colocado: Alessandra Figueiró Thornton – Porto Alegre - RS Pseudônimo: Ale Thor Poesia: MENINO DE RUA Segundo colocado: João Romário Fernandes Filho – Fortaleza - CE Pseudônimo: Arges Poesia: FOGUEIRAS Terceiro colocado: Isabel Florinda Furini – Curitiba - PR Pseudônimo: Amar Amaranto Poesia: O FOGO DAS LETRAS Outras poesias selecionadas: Monize Luiz Santos – José Bonifácio - SP Pseudônimo: Mona Poesia: AULA Hugo Bergamasco Morais - Maringá - PR Pseudônimo: José Urias Poesia: DILEMA DO “MESTRE”, DILEMA DA EDUCAÇÃO Pedro Diniz de Araujo Franco - Rio de Janeiro - RJ Pseudônimo: Nereu Lacerda Poesia: TEMPOS MODERNOS - 2018 Bruno do Nascimento Santos – Niterói - RJ Pseudônimo: Bruno Sower Poesia: DILEMAS DE PROFESSOR Gisely Maria de Oliveira - Cupira - PE Pseudônimo: Maria Dulce Poesia: A INTERNET COMO INSTRUMENTO DA EDUCAÇÃO Josiane Alves dos Santos – Teixeira de Freitas - BA Pseudônimo: Júlia Alves Poesia: CON/STA/TAÇÃO Júlia Dias Oliveira Rosa – Uberlândia - MG Pseudônimo: Dias Rosa Poesia: SOCIEDADE XX.I

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MENINO DE RUA Ale Thor (Primeiro lugar – Categoria Poesias) Um domingo comum, era um dia normal, e no chão restava um, em posição fetal! Num pedaço de pano, um menino encoberto, como dorme todo ano, sempre a céu aberto! Seguindo seus caminhos, pessoas passam por ele, como pássaros em ninhos, ninguém repara naquele! No calçadão da praia, o menino ali dormia, era mais uma vaia, de tudo que corria... E, em sonhos se perdia, dormindo assim simplesmente, nas lembranças, na alegria, de uma imagem inconsciente! E recostado no abrigo, era mais um cachorro, esperando seu amigo, que descia lá do morro! E dorme o sonho dos justos, o menino agora perdido, no céu correto dos bustos, em mais um dia sofrido! Sem escola, sem família, menino órfão, de rua, sozinho nesta ilha, e os olhos fechando a lua!

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FOGUEIRA Arges (Segundo lugar - Categoria Poesias) I Ali, na frente, eu me vejo tomado de uma fome de partilha que faz com que eu me ponha em plena trilha de busca do sucesso que antevejo! Enxergo, além da casa, a luz que brilha e nela encontro o norte do que almejo, que é ver aceso em cada olhar desejo de ir além do chšo da própria ilha. Mas nisso, como em tudo, só vontade consegue transformar comodidade em força para transcender fronteiras. É assim que eu tento parecer fagulha, que em meio à palha, vivida, mergulha e faz arderem ali novas fogueiras...

II Difícil é acender uma luz real em meio a um mundo morno, quase frio, no qual os laços ficam por um fio ou pairam numa nuvem virtual... E digo: não há menos desafio em superar a inércia cultural que faz com que o aluno mal e mal queira algo mais que o raso ou o fugidio! Mas creio que onde há sinceridade no esforço de moldar a realidade em prol de um ideal maior que eu. há vida que se amplia e se completa e a própria existência, mais repleta, devolve a soma do que recebeu...

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O FOGO DAS LETRAS Amar Amaranto (Terceiro lugar - Categoria Poesias) A luz e o fogo de Prometeu despertou as almas as almas escolheram palavras para fazer acrobacias e acenderam o fogo poético das Academias as Academias de Letras eternizam as chamas das letras pois inspiram, motivam, orientam e elevam as mentes dos literatos e dos poetas as Academias divulgam os livros convocam leitores aumentam o encanto da vida com poemas, ensaios e ficções semeiam a cultura, o amor e o espanto o fogo do amor é pederneira suas faíscas incendeiam as palavras e invocam as Musas - nobres conselheiras do mundo das letras.

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AULA Mona (Poesia selecionada) Nenhum aluno presta atenção na matéria um aluno presta atenção na matéria aluno presta atenção na matéria presta atenção na matéria atenção na matéria na matéria matéria

sala cela célula celular

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DILEMA DO MESTRE, DILEMA DA EDUCAÇÃO José Urias (Poesia selecionada) Escola de hoje Sol que se esconde Por trás de altos muros Enquanto A juventude foge Do conflito interior Do dilema da vida Dando-se como solução a morte:que horror! “a intemet ensina tudo O celular é o meu mundo Quem precisa de professor? Ir à escola é perder tempo Nada agrega de valor Aliás Que de bom aprenderei lendo? Imagina que vou fazer isso mesmo... Ainda mais com aquele professor chato Que fala, fala e não entendo nada de nenhum jeito... Chega do ser responsável O que importa é o provável O que vale é o prazer A "vibe" é zuar, responsabilidade pra que?" Pobre do mestre Que diante destes jovens está detido A maioria é escopo superficial, rumo indefinido O que fazer se eles não se abrem Não se ajudam Nem ajudam os outros a Ihes ajudarem... Afinal Será que vamos nós Sermos cúmplices dessa cena criminal? Coagidos e compungidos Em direção ao penhasco da destruição fatal?

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TEMPOS MODERNOS – 2018 Nereu Lacerda (Poesia selecionada) Meus heróis estão mortos, como diz a canção cansativa, Minhas ideias desfolhadas e antiéticas, Minhas flores acabrunhadas e maconhadas. Minhas crianças computadorizadas e xuxo-geniais, Meus dias escuros e minhas noites claras e arredias, Minhas moças desiludidas e enfezadas, Minhas praias com cacos, óleos e plásticos, Meus dias mo-nó-to-nos, mo-nó-to-nos e rotineiros, Meus políticos "lobizados" e “jargonofônicos”, Minha constituição desconstituída e até descumprida, Minha prosa gabola e confusa, Confusos estamos todos e apressados. Jean Seberg morreu. Morreram minhas ilusões, Minha literatura "bestesselerizada", Meus poetas científicos e engajados, Minha fortuna sumítica, tabagista e aidética, Minhas fantasias muito práticas, Minha religião muito atéia, Meu Deus muito distante, muito, muito, que penal O amor desbolerizado, asséptico. Trivial. A Saúde conveniada, cheia de propaganda e modismos, Meus pobres reivindicantes e agressivos, Minhas dívidas estão impagáveis e tristonhas, Meus sonhos e meus sonos viraram roncos e pesadelos, Minhas imagens desfocalizadas, ou cruentas, Minhas conversas noturnas novelizadas, Minhas esperanças envelhecidas, entorpecidas, emporcalhadas Vem eleição aí. Que faço?

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DILEMAS DE PROFESSOR Bruno Sower (Poesia selecionada) Profissão perigo, ainda assim, indispensável. Uma sociedade sem professor é algo impensável. Se você está lendo esse texto, concordando ou não Foi porque um professor te mostrou a direção. Como é possível que nesta terra, com dimensão de continente, De escolas sem teto e analfabeto presidente, Ninguém veja o valor desse profissional Que tem a função primeira de desenvolver um cidadão racional? Ou talvez seja isso, veja que interessante Na terra do Pão e Circo, é prejuízo ter pensantes...

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A INTERNET COMO INSTRUMENTO DA EDUCAÇÃO Maria Dulce (Poesia selecionada) Hoje em dia a gente nota e com muita precisão que a tecnologia teve grande evolução cresceu bastante depois que surgiu a televisão. Tudo tornou-se acessível sem qualquer dificuldade mesmo a maior distância manter a boa amizade uma pesquisa bem rápida com muita facilidade. Qualquer informação bem fácil de acessarn seja no computador ou no aparelho celular economizando tempo só basta a gente clicar. É notório ressaltar que além de conhecimento a internet serve como um meio de instrumento bastante fundamental usado a qualquer momento. isso contribuiu bastante para o aprendizado aprimorando as pesquisas e o aluno ajudado mas diante de tanto acesso é preciso ter cuidado. Pois o acesso utilizado para obter informação pode ser interrompido

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mesmo não tendo intenção por sites entretenidos que tiram toda atenção. Então o professor também deve orientar para que o aluno consiga se concentrar evitando distrações que possam atrapalhar. Muitas são as opções desse mundo digital tanto em sites de busca biblioteca virtual também usam esses meios no ensino presencial. O aluno assim aprende mais sobre outra cultura melhora a sua escrita desenvolve a leitura ainda pode desfrutar da doce literatura. O professor também pode esses meios utilizar usando métodos diferentes para poder ajudar o aluno a aprender e vai lhe incentivar. É importante o professor inovar a metodologia ser dinâmico no ensino usar até simbologia e nos tempos atuais envolver tecnologia; Com o passar do tempo novas coisas vão surgindo a chamada modernidade dessa forma vai agindo e todos junto a ela

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temos que ir progredindo. E apesar dos malefícios que a internet traz conteúdo inapropriado indecente e muito mais visando por outro lado é bastante eficaz. Então seja aproveitada para colher informação ajudar o estudante em sua auto formação e ampliar vastamente o campo da educação.

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CON/STA/TAÇÃO Júlia Alves (Poesia selecionada) Eu fiz questão de contar os segundos. Eu me obriguei A iniciar a contagem, quando dei por mim, já se emendava uma sequência de números em minha mente. Eu sorrir, até foi engraçado. O acontecimento de me obrigar a fazer algo e logo isso se suceder. De forma tão natural eu pensava Catorze Quinze Dezesseis E isso era muito natural. Eu respeitava a pausa suficiente. Eu não perdia a conta. Eu contei os segundos, quando percebi, que perdemos a nossa humanidade. Eu contei logo depois desta constatação. Eu contei. Eu contei. Eu constatei. Eu constatei e contei. Eu contei. Porque se eu parasse de contar tudo perderia o sentido. Eu não saberia lidar com tal constatação. Então eu contava os segundos. E me apegava a essa matemática não muito certa, mas, objetiva. Eu me apegava aos números. Cinquenta Cinquenta e um

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Cinquenta e dois Perdemos a nossa humanidade. Cinquenta e três Nada nos espanta mais. Cinquenta e quatro Nada nos enrubesce. Cinquenta e cinco Quantas mortes são necessárias para humanizar? Cinquenta e seis Cinquenta e sete Cinquenta e oito Para não ter que lidar com a constatação eu contava para não constatar.

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SOCIEDADE XX.I Dias Rosa (Poesia selecionada) É tempo, é arte Dedicação de escolas à parte Que se unem, ao todo Na orientação de seres viventes Que tinham antes, suas cabeças em Marte Atrás de roteiros e nomes ilustres Surge a renovação Constante e lúcida Camuflada em pensamentos rápidos Muitas palavras, informações Permeadas em telas Datilografadas em pixels Do mega universo Te(r)ra banners De assuntos diversos Mistos - mais que ecléticos Em idiomas mil Imagens de rosa à anil Tecnologia prática Acessível, em média Sendo ponte entre campos, estudos E a sede viva da sociedade Pelo novo Pelo antigo Pelos futuros rumos Pelos presentes fundamentos Internet! Muitos fios, sem fios Matérias frequentes Que embalam as mentes E encaminham tutores

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Tecnologia crescente Com seus tão altos expoentes Como meios para a formação Como educação para toda a gente

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CONTOS SELECIONADOS Primeiro colocado: Regina Ruth Rincon Caires – Araçatuba - SP Pseudônimo: Rosália Merendeira Conto: VALENTIM Segundo colocado: Vito Cesar de Oliveira Manzolillo – Rio de Janeiro - RJ Pseudônimo: George Salviano Conto: A DAMA DO ESCRITÓRIO Terceiro colocado: Sérgio Corrêa de Siqueira – Cachoeira do Campo - MG Pseudônimo: Rusticus Conto: DÁ UM GOOGLE Outros contos selecionados: José Eduardo Borges da Costa – Monte Alto - SP Pseudônimo: Eduardo Costa Conto: GENTE INOCENTE Renato Rivello Amaral - São José do Calçado - ES Pseudônimo: Gonçalo Beatrício Conto: AMOR SEM PRECONCEITO Géssica Maria Menino – São Paulo - SP Pseudônimo: Mimus Conto: A VIDA DE UM CASAL DE PROFESSORES Mauro Guidi Signorelli – Piracicaba - SP Pseudônimo: Marcos Montassucar Conto: CONTINUA DESCENDO QUE A GENTE QUER SUBIR Eduardo Antonio Klausner – Niterói - RJ Pseudônimo: George Cesar Beccaria Tavares Conto: LEGÍTIMA DEFESA Regina Lopes Maciel – Poços de Caldas - MG Pseudônimo: Judik Thas Conto: VIGÍLIA Guilherme Souto Sanchez – São Paulo - SP Pseudônimo: Leôncio Ferreira Conto: RETROALIMENTAÇÃO (A ÉTICA NO COTIDIANO DO BRASILEIRO)

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VALENTIM Rosália Merendeira (Primeiro lugar - Categoria Contos) Acomodava-se sempre na última carteira, no canto da janela. Apartado, quieto, de olhar disperso. Não participava da aula, mas também não atrapalhava. Alheado. Estudava ali havia muitos anos, morava no bairro. Aluno de desempenho sofrível, sempre apresentando imensa dificuldade de aprendizagem. Mas era de paz. Sem qualquer esforço, ganhara a afeição de todos. Valentim não faltava, não cabulava aula. Era quase sempre o primeiro a chegar ao portão da escola. Madrugador. De aspecto bem cuidado, uniforme impecavelmente limpo. Com trajes nem sempre novos, mas asseados. Nas reuniões de pais, a figura que se apresentava era a avó materna. Infalivelmente. Também muito calada, retraída, mas atenta. Sentava-se nas cadeiras da frente, acompanhava com devotada atenção tudo que era falado. Apesar do desgaste dos anos, trazia semblante sereno, olhos mansos. Um dia, o portão foi aberto o Valentim não estava lá. Estranho. E, naquele dia, a carteira do fundo, no canto da janela, permaneceu vazia. Francisco, professor de Português, percebeu. A ausência se estendeu pela semana. Apareceu dias depois. Abatido, ainda mais silencioso, totalmente absorto. Encabulado, desgostoso. Perguntado sobre as faltas, tentou falar, gaguejou, desdisse. Não queria tocar no assunto. Francisco não se contentou. Percebia que havia alguma anormalidade, Valentim aparentava embaraço, deixara de ser apenas retraído. Estava aflito. Difícil era a aproximação. Fechava-se feito ostra. De repente, o menino passou a dormir durante as aulas. Debruçava-se sobre a carteira e ali ficava. Imóvel. Muitas vezes, encostava a cabeça no rebordo da janela, cerrava os olhos, ressonava. Ninguém bulia com ele. Era respeitado pela distância que sempre impusera. Parecia viver só, sem amigos. Na reunião de pais. Francisco aproximou-se da avó do Valentim. Ressabiado, meio sem jeito, cheio de dedos, perguntou se havia algum problema, se o neto enfrentava alguma moléstia, explicou que o achava debilitado. O olhar da avó não tinha a mesma mansidão, os olhos ficaram marejados, mostravam cansaço. Por um minuto, Francisco acreditou que ela fosse contar alguma coisa, mas, ligeira, disfarçou, refutou qualquer prosa. A partir dali, com a atitude da avó, a suspeita do professor se consolidou: Valentim precisava de ajuda. Falaria com ele. No dia seguinte, o menino não apareceu. Francisco procurou o prontuário de Valentim, anotou o endereço e foi até lá. Casa simples, um minúsculo jardim, organizado. A avó, assustada, encarou o professor. Eram olhos de súplica. Ela o levou para dentro. Calada. Não demorou

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muito, desatou a chorar. Disse que não sabia onde o neto se encontrava, que, havia algum tempo, ele não falava mais com ela, que se tornou estúpido, sem regras, sem horários. Não se alimentava direito, dormia fora de casa, e estava sempre alterado. Nervoso. O professor perguntou sobre os pais de Valentim. O rosto da avó ficou ainda mais sofrido. Muito encabulada, disse que a filha estava presa. Pela terceira vez. E o pior, que nem mesmo a filha sabia quem era o pai do menino. Um silêncio comprido se instalou. Francisco ficou chateado por não ter sabido disso antes. Deveria ter buscado informação entre os funcionários da escola. Se soubesse da história do menino, não precisaria ter provocado tanto constrangimento para a pobre senhorinha. A avó percebeu que Francisco ficara chocado e, refeita, procurou desfazer o peso da situação. Timidamente, pediu ajuda. Sentia-se desorientada com a brusca mudança do neto. Queria entender, queria resgatar o convívio de antes. O professor, desassossegado, prometeu que tentaria ajudar, iria procurar desvendar o mistério. Se bem que, pela experiência de tantos anos na lida com adolescentes, sentia uma fagulha a lhe queimar o peito. A fagulha da certeza, da verdade que ele não queria enxergar. Dia melancólico. Quando Valentim retornou, Francisco o chamou para uma conversa. Sentaram-se num banco, na parte distante e arborizada do pátio. O menino estava contrariado, apreensivo. Difícil o início da conversa. Ele se mantinha retesado, fizera uma blindagem para qualquer argumento, Foi um monólogo, um perguntar sem fim... Sem resposta. Ele só repetia: não preciso de nada. Nenhuma alteração foi percebida no semblante do menino. Saiu dali da mesma maneira que chegou. Apreensivo, blindado. Francisco falara com muito amor. Fez as perguntas, argumentou. Queria que Valentim sentisse a preocupação que ele, professor, guardava no peito. Que soubesse que havia quem se preocupava com ele. Que ele entendesse a sincera disposição de ajudar, o verdadeiro carinho, afeição. Na verdade, queria que Valentim soubesse que não estava sozinho. Mas, terminada a conversa, sentiu que o menino não absorvera nada do seu mais profundo desejo. Por um tempo, Valentim ficou afastado. Raras foram as vezes que retornou à escola. Depois, sumiu de vez. O professor continuava buscando notícias, mas nem mesmo a avó sabia do paradeiro. Numa manhã, Francisco preparava-se para o início da aula, e viu, no portão da escola, a figura definhada da avó do menino. Ela, discretamente, acenava desorientada. O professor foi ao encontro dela. Com seu modo reticente, muito abalada, explicou que a polícia estivera em sua casa. Que um corpo havia sido encontrado, que poderia ser Valentim. O corpo precisaria ser reconhecido. Trêmula suplicou que ele fosse até lá, ela não tinha coragem para tanto. Infelizmente, era ele.

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A DAMA DO ESCRITORIO George Salviano (Segundo lugar - Categoria Contos) Madalena abriu a porta da sala lentamente e se atirou no sofá. Não queria acordar Nestor. Ele já devia estar dormindo, apesar de ainda não ser tarde. Estava cansada. Não exatamente do trabalho, era a própria vida que a exauria. A coluna curvada, os cabelos desgrenhados e as olheiras fundas haviam se instalado em seu corpo de chofre, alguns meses atrás. Como visitas inesperadas, chegaram sem anúncio e acomodaram-se bem no terreno. Não fosse assim tão refinada, quase sempre associada a dondocas fúteis e ociosas, talvez a expressão crise existencial pudesse definir o que sentia. A tal crise veio acompanhada dos cinquenta anos recém-completados e de uma sensação absurdamente palpável de fracasso. No apartamento modesto e carente de reformas onde vivia em companhia do marido, só ela trazia dinheiro para casa. Fazia dez meses que Nestor se encontrava desempregado. Acomodou-se no discurso fácil de que trabalho está difícil. Não se consegue nada sem uma indicação, ainda mais pra quem já passou dos cinquenta. Foi se enterrando, se encasulando, transformando-se quase numa extensão da própria cama. A situação seria muito pior com crianças ou adolescentes em volta necessitando de coisas que não poderiam ter. Depois de se descobrir infértil, o homem nunca mais foi o mesmo. Sentiu-se diretamente atingido em sua masculinidade, um macho pela metade, defeituoso e precário, e o sexo não mais Ihe interessava como antes. Era ele quem sempre estava cansado, com dor de cabeça ou indisposto. Dois meses após Nestor ter perdido o emprego, Madalena conseguiu uma colocação. Tornou-se um misto de secretária, recepcionista e boy e o que mais precisasse no escritório de contabilidade do seu Júlio, um baiano extrovertido. Estava afastada do mercado de trabalho desde que se casara. A mentalidade tacanha do marido jamais permitiu que sua esposa trabalhasse fora. Mulher minha tem de cuidar da casa e dos filhos. Estes, como se sabe, nunca vieram. O panorama atual forçou Nestor a resignar-se. Não estava mais no controle da situação. Madalena comemorou bastante o fato de ter conseguido o posto. Não sendo especializada em nada, nunca teve muito a oferecer a um possível empregador a não ser disposição para aprender e boa vontade para acertar. Seu Júlio notou isso e resolveu dar-lhe uma chance. Não demorou para que Madalena fosse pegando o jeito. Em menos de um mês, já se sentia bastante à vontade em sou local de trabalho, e o patrão percebeu o progresso da nova colaboradora. Na verdade, percebeu mais. Tinha a seu lado uma mulher interessante, relativamente jovem e, se não propriamente bonita, bastante jeitosa, como se costuma dizer. Claro, havia o fato de ser casada, assim como ele. Mas, afinal de contas, nem tudo pode ser perfeito.

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Seria exigir demais da sorte. Assim, o estado civil de ambos não foi empecilho para que o nordestino falastrão começasse a se achegar cada vez mais. Madalena tentou resistir, mas eram tantos mimos, privilégios, presentes, os carinhos que ela acabou por se render. De Nestor continuava a receber apenas indiferença. O processo de aceitação de seu comportamento pecaminoso não foi tranquilo. Sentia culpa, nojo e até ódio de si mesma. Julgada e condenada pela própria consciência ao chegar em casa após o expediente, metia-se embaixo do chuveiro esfregando com uma bucha grossa todo o corpo, como se tal gesto fosse capaz de torná-la de novo uma mulher decente. Buscou ainda apoio na religião e, por sugestão de Juliana, uma amiga dos tempos de escola pública, começou a frequentar uma igreja evangélica perto de casa. A absolvição de suas culpas constituiria tarefa de grande monta. Nestor, por sua vez, parecia não notar a mudança de comportamento da esposa. Também não percebia que a despensa cheia de alimentos caros, as roupas elegantes e os finos objetos adquiridos para o lar do casal - e até mesmo para ele - não eram compatíveis com o salário pago a uma funcionária subalterna de um escritório de contabilidade suburbano. Com a luz apagada, ainda deitada no sofá, os últimos meses da vida de Madalena passaram por sua cabeça como um filme. Película de quinta categoria, com roteiro sofrível, atores pouco inspirados, direção frouxa, cenário canhestro, montagem tosca e fotografia desbotada, um colossal fracasso de bilheteria que precisava sair logo de cartaz. O sermão proferido pelo pastor na semana passada também não lhe sala da memória. Não estava sendo a mulher santa que edifica o lar. Apesar do relativo conforto material, toda essa situação envolvendo o chefe lhe trazia grande mal-estar. Não entendia igualmente como Nestor podia ter ficado assim tão indiferente, como nunca lhe havia cobrado explicações. Tinha decidido que não valia à pena continuar. Iria naquele momento até o quarto e teria uma conversa franca com o marido. Ainda se julgava capaz disso. Vinte e dois anos de casamento e mais três entre namoro e noivado teriam de significar alguma coisa. Certamente abandonaria o emprego. Não haveria outra saída. Com passos decididos, dirigiu-se ao quarto. Na cama, encontrou o homem lendo um jornal de alguns dias atrás. Afastou o jornal dos olhos dele e disse que precisavam conversar. De um jorro só, contou tudo em detalhes, sem omitir nada. Desabafou e, naquele mesmo instante, sentiu-se aliviada. Nestor ouviu com a apatia costumeira. Ao final do relato, retomou a leitura recém-interrompida e, alguns minutos depois, disse à mulher ao mesmo tempo que desligava o abajur. -Vamos dormir, é tarde. Amanha você precisa acordar cedo pra ir trabalhar.

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DÁ UM GOOGLE Rusticus (Terceiro lugar - Categoria Contos) Depois que se aposentara, passava mais o mais tempo na Internet: mantinha um blog, uma conta no Twitter, uma página no Facebook e um canal no You Tube, todos com o mesmo nome - Realismo Político. Debalde alguns amigos e amigas a tinham convidado para um chá, reuniões do Clube do Livro, aulas de ioga ou de Pilates: passava os dias na frente da tela Chá! Logo para ela que tomara vinho do lado de Cohn-Bendit na Paris de 68, e experimentara LSD em Woodstock em 69. Clube do Livro! Para quem tivera o privilégio de ouvir em pessoa conferências de Sartre e Simone de Beauvoir! loga! Pilates! Util mesmo era saber correr da polícia nas passeatas. Colocou um velho LP na pickup Garrard, que mantinha em condições prístinas: Janis Joplin cantando Summertime. E foi teclar diatribes contra o atual governo burguês, golpista e reacionário, até a campainha tocar. Olhou pelo olho mágico, já que o interfone nem tocara: era a neta. Logo hoje, numa quarta feira, e sem avisar? Mas abriu a porta sorrindo: mesmo com todas as diferenças com os pais dela, amava a menina. Jaqueline foi direto até a geladeira, e fez cara de amuo: tofu, iogurte natural caseiro, mamão, yakon, broto de feijão, chá verde gelado. Abriu o congelador, mas não enxergava lá no alto: deu uns pulinhos, e perguntou: - Vó, tem sorvete? - Tem sorbet de melão, sem lactose e adoçado com mel. A menina franziu o nariz, e retrucou: - Na casa da Vó Miriam tem sempre aquele bom de chocolate, HäagenDazs. - Um truque dos imperialistas americanos, para vender um sorvete cheio de gorduras trans se disfarçando de nórdicos. Jaqueline fez cara de paisagem, e foi até o computador: - Escrevendo muito, vó? - Um tanto, Jackie. - Você não tem muitos seguidores, né? Ficou levemente irritada: como ela não conseguia passar a sua mensagem ao mundo, mesmo com as melhores intenções? Até uma menina de doze anos notava isso. E no fundo vinham os ciúmes daquela burguesa dondoca, a Miriam: sempre mimando a neta com Iphones e outros gadgets. E sem contar a Coca Cola, os lanches do Mc Donald's, e outras porcarias capitalistas. Como toda pré adolescente, Jaqueline pulou o assunto:

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- Vó, viu o último clipe da Saritta no You Tube? Aquele chamado “Vai, Cachorra!” Que roupa da hora! Eu queria um assim para a minha Barbie. Você vive falando sobre artesanato, faz uma prá mim? A casa era cheia de peças de artesanato: manipanços africanos, máscaras, presépios colombianos, figuras de Mestre Vitalino. Mas a verdade é que ela não sabia fazer nem crochê; só gostava de arte étnica. Falou para a neta: - Não acho certo você querer imitar uma cantora que incentiva o consumismo. E muito menos brincar com uma Barbie, uma boneca imposta pelos americanos. Jaqueline amuou: às vezes não entendia nada do que a avó dizia, ela parecia de outro planeta. Mas gostava dela: do seu jeito, ela era a melhor contadora de histórias da família, e (não sabia o porquê) os beijos e agrados dela pareciam mais sinceros. Mas aquelas manias... O que saiu da boca da avó era o mais esperado - Venha aqui na sexta feira, e vamos na "Brincar de Verdade" escolher um brinquedo Ah, não! A “Brincar de Verdade" era o pesadelo dela: a loja de um amigo da avó, um sujeito de rabo de cavalo, barba de Papai Noel, e óculos de fundo de garrafa, cheia de brinquedos jurássicos, de madeira e pano. Até que achava alguns legais, mas quando mostrara na escola o que ganhara os colegas a apelidaram “menina das cavernas". Outra vez! Jaqueline ficou mais um pouco, experimentou o sorbet de melão (nojento!) e partiu, com dois beijos protocolares na avó. Ela, por sua vez, voltou ao computador, e usou o resto do estoque de vitríolo para criticar o Presidente. Decerto a neta ia soprar tudo na orelha do ex, o Cadú, o avo- Carlos Eduardo, o nome de dois canos mais classe média que alguém conseguia imaginar. Dos tempos do jovem engenheiro pós graduando na ENA o da aluna rebelde da Sorbonne, muita água já correra debaixo da ponte: o Diretor da Estatal, a Professora Universitária. A filha preferindo morar com o pai, e virando estilista. E o casamento com um economista, empregado da Estatal. Malditos burgueses. Lá pelas tantas cochilou na frente do computador, acordou já de madrugada, assustada e angustiada. Foi se deitar, mas não conseguiu pregar o olho: de repente o apartamento lhe parecia enorme e vazio, o se viu tomada de uma forte sensação de solidão. Já cortara as relações - exceto as muito formais com o ex-marido, a filha, e a maioria dos antigos colegas; contava os amigos numa única mão, e ainda sobravam dedos. Se continuasse tão intolerante, ia perder também a nota, a última que lhe dava carinho de verdade Levantou-se e ligou de novo o computador, e foi até a cozinha fazer um expresso; depois, foi de novo à escrivaninha e procurou no Google "Saritta Vai Cachorra”. O resultado a surpreendeu: o tal clipe virara uma batalha ideológica, com a direita achando o conteúdo vulgar e indecente, e a esquerda louvando o

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“empoderamento" feminino - neologismo que ela achava estranho, mas que parecia ser de rigor. Interessante, pensou. Foi ao You Tube procurar o clipe: estranhou a música, a coreografia, e a roupa; mas, se era para o bem do feminismo, que fosse assim. E uma coisa a fez respirar aliviada a tal “roupa" não passava de um biquíni minúsculo feito com fita adesiva, daquelas de cor bege de fechar envelopes A primeira reação dela foi achar aquilo indecente, mas fez um imediato exame de consciência: logo ela, uma das primeiras a usar tanga em Ipanema e topless em Saint-Tropez, e a promover seminários sobre a sexualidade feminina. Foi dormir de coração leve afinal de contas, ela sabia muito bem lidar com fita adesiva - sabe-se lá quantos envelopes e pacotes de livros e impressos tivera que lacrar durante a vida acadêmica. No dia seguinte levantou-se mais cedo do que de costume, e ligou para a neta: que ela viesse ao seu apartamento quando a aula acabasse, tinha uma surpresa para ela. E a próxima ligação foi para o táxi: era da velha escola, não usava Uber - mais uma invenção ianque. Descobrira na noite anterior um artista plástico- um artista plástico brasileiro, por sorte- que fazia uma boneca da Saritta. Chegou ao ateliê dele antes de abrir, mas se decepcionou um pouco quando ele chegou: perfumado demais, arrumado em excesso, um dândi. Mas se tranquilizou quando ele abriu a boca: o moço era obviamente gay, e quem era minoria tinha o seu respeito – e a fazia se sentir mais a vontade. Expôs longamente sou drama doméstico, e o artista era simpático e compreensivo: no fundo todos somos estereótipos, e ele já a situara: sobra dos anos 60 a 70, professora aposentada da Federal, Ciências Humanas, simpatizante do Partido da Esquerda – boa notícia, eram todos eles mão aberta. Mostrou a ela as duas Sarittas que tinha em estoque: não eram propriamente um brinquedo, mas uma homenagem a uma simpatizante dos LGBTs e uma mulher empoderada (outra vez a palavra!). E custavam 600 reais cada. Sim, era puxado, mas os materiais eram caros (uma meia verdade: ele usara três Barbies comuns, e mas tinturas para escurecer a pele o os cabelos das loiraças, mas dera um bocado de trabalho, especialmente o vestido, e ele fora meticuloso no trabalho, reproduzindo até as tatuagens da Saritta nos lugares exatos). E ela se convenceu, mas ainda fez uma pergunta: não tinha uma com aquele biquíni do “Vai, Cachorra!”? Pouparia um monte de trabalho. Não, esta era a versão do "Show das Preparadas”; com o vestido igualzinho. Mas era fácil e mais divertido fazer com a neta o biquíni do "Vai, Cachorra!": ele mesmo ensinava com fita durex, era uma técnica simples: olha aqui! E em quinze minutos ele ensinou a ela como se fazia. Do ateliê ela foi até a Oliveira & Costa, o mais antigo estabelecimento do ramo da cidade, um lugar que Ihe trazia só boas recordações como intelectual, depois de uma livraria, uma papelaria era seu lugar preferido. Ali comprara intermináveis envelopes, canetas especiais de escrita macia e deslizante, papel do cânhamo ou linho para se corresponder com os amigos mais diletos- até que

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o e-mail surgisse. E também frequentara muito o lugar nos tempos de namoro e noivado com o Cadú, quando ele ainda não era Sua Excelência o Doutor Carlos Eduardo: fora ali que ele comprara – em muitas e suaves prestações, e no fio de barba - os compassos Kim e Kern suíços, as canetas nanquim Staedtler alemãs, a régua T, os esquadros, a régua de cálculo, os lápis especiais: B, 2B, HB. Era freguesa VIP, e foi atendida por ninguém menos que o bisneto do fundador; mas hoje a Doutora Professora não queria mais do que duas tesouras de recortar, e um rolo de fita adesiva bege. Por fim, o táxi parou na La Mole Antonelliana, uma também vetusta confeitaria do Centro. Sentou, tomou um expresso, comeu um Gateau Saint Honoré com gosto, apanhou um potinho misterioso, e voltou para casa Lá pelas quinze para as seis a neta bateu a campainha, e ela abriu a porta com o embrulho do presente nas mãos. Jaqueline ensaiou uma alegria artificial: pronto, mais um jacaré de madeira ecologicamente correta, uma boneca de pano do Vale do Jequitinhonha, um brinquedo de corda das Rendeiras do Rosedá. Mas mesmo assim abriu o embrulho com mãos (a principio falsamente) sôfregas, e ai se emocionou de verdade: - Vó, é a Saritta! É ela mesmo, a cara dela! Com falso ar de indiferença, a avó declarou: -É mesmo, mas não achei com o biquíni do "Vai, Cachorra!" - Não tem problema, Vó! O vestido do "Show das Preparadas" está ótimo, também serve. - Não, vó quando resolve vai até o fim. Vamos fazer juntas uma roupa igual a do "Vai, Cachorra". Você deixa o vestido das Prepotentes - err, das Preparadas -para outro dia. E também vamos encher a cara de Gelato com Ciocolatto e Biscotto! E pode contar à Vó Miriam, só para fazer inveja. Foi até a pick up para escolher um dos velhos LPs, mas pensou melhor: ao invés disso, colocou no You Tube o clipe do "Vai, Cachorra”, e aumentou o volume. Entregou à menina a fita adesiva e uma tesoura, e as duas se sentaram no tapete, entre taças de sorvete, enquanto ela passava as lições do artista para a neta: - Corte só a pontinha da fita, e vá enrolando assim...

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GENTE INOCENTE Eduardo Costa (Conto selecionado) O cheiro do álcool ainda estava muito forte quando os primeiros anjos começaram a chegar ao céu: - Onde está a professora? - perguntou o primeiro anjo a chegar. - Eu a vi brigando com o moço que botou fogo na gente - diz o quarto anjo recém-chegado. Damião era o nome do assassino. Entrou de capacete dentro da creche na qual trabalhava, tirou um galão de álcool da sua mochila, trancou as crianças dentro de uma sala, jogou o produto, inclusive em si mesmo, e ateou fogo. O teto, que era feito de produto inflamável, ajudou a chama a se propagar pelo ambiente. Quanta ironia Damião. Logo você que tem o mesmo nome do irmão de Cosme - Cosme e Damião. Irmãos gêmeos que curavam pessoas e animais sem cobrar absolutamente nada e que em suas ações de caridade e evangelização, distribuíam doces para as crianças. Qual seria a reação delas ao encontrarem Damião, irmão de Cosme, pelo céu? Qual seria a reação de Damião, o assassino, se ele encontrasse o Damião, irmão de Cosme, pelas bandas entre o céu e o inferno? No total, foram nove anjos que tiveram suas esperanças perdidas logo nos primeiros ciclos de vida. Foram nove pequenos tupiniquins que tiveram as almas rasgadas pelo ódio humano. Nesta triste história horrenda e irreal aos olhos de quem convive com crianças, há uma personagem que representa o mais puro heroísmo e a simbologia do que é ser professor. Seu corpo ardia em chamas enquanto ela buscava forças para salvar o seu bem inestimável. A única esperança que se inalava era o branco da fumaça. Os gritos eram sinais de que o seu trabalho havia chegado ao fim. A dor que os pequenos sentiam não fazia parte do andamento da aula. Eles não entendiam o que estava acontecendo. A única imagem que irão levar dessa vida são os braços de uma guerreira que se doou para salvá-los. As lágrimas não seriam suficientes para apagar as labaredas que os consumiam. A doação pela vida ratifica o que é ser professor num país em desenvolvimento. Enquanto alguns acendiam a chama do ódio, outros tentavam apagar a chama que dilapidava o futuro de uma nação. Na “Gente Inocente” só havia gente inocente. Inocente ao ponto de não entender o porquê do banho de liquido inflamável e posteriormente o golpe fulminante. No céu, estavam todos reunidos ao redor da querida professora: - Professora, por que você tentou nos salvar?-pergunta o nono anjo, o último a chegar ao céu.

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- Ora minha querida criança, minha profissão vai muito além de educar responde a professora rodeada pelos demais anjos. - O que significa "além de educar?" - questiona o terceiro anjo ao chegar ao céu. - Significa que somos mais do que uma profissão. Somos doação, somos paixão, somos os sorrisos, somos fábricas de sonhos, somos as pessoas que tornam as coisas possíveis, somos pessoas comprometidas com a educação de um pais em ascensão. - Vocês também são super-heróis? - indaga o quarto anjo. - Não minha querida criança, isto só existe nos filmes. - Não é não professora - interrompe o quarto anjo - Nos filmes as pessoas têm superpoderes. O seu é diferente. - Qual seria o meu poder? - pergunta a professora. - O seu poder é o que falta em muita gente lá na terra. Você tem o poder do amor; o amor pelos seus alunos e amor pela sua profissão. E por isso que está nos fazendo companhia neste exato momento.

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AMOR SEM PRECONCEITO Gonçalo Beatrício (Conto selecionado) - Mãe, mãe - gritou a jovem que se chamava Norma Culta interrompendo os afazeres de Dona Gramática. E sem dar tempo para a resposta, logo emendou: - A residência ao lado está recebendo novos moradores. Teremos vizinhos! - Que estupendo, dileta filha. Rogo que eles tenham rebentos que possam interagir contigo e com seu irmão Vocábulo - disse a mãe, animada com a notícia. - Deveras, querida mãe, há um filho sim. E já nos apresentamos, ele se chama Internetês. - Isso é nome ou alcunha? - indagou a mãe. - É nome! - respondeu rindo. Norma Culta estava prestes a completar dezesseis anos, sempre muito estudiosa amava Literatura e Música Clássica. Seu prazer era ajudar os colegas que não iam bem na escola, ensinando-os as matérias. Mas desde que conhecera Internetês, havia ficado encantada pelo jeito espontâneo e diferente dele. O rapaz contava dezesseis anos repletos de vivacidade, além de ser muito esperto e apaixonado por tecnologias. A mãe de Internetês, Dona Gíria, matriculou o filho na mesma escola da vizinha, fazendo que a amizade dos dois progredisse a olhos vistos. Numa noite chuvosa, Norma Culta um pouco ressabiada disse à mãe que o amigo iria jantar com eles aquele dia. Dona Gramática havia percebido que ultimamente a filha se portava diferente do habitual. Estava se arrumando mais, irradiava felicidade e estava sempre com o pensamento longe. Pressentindo o motivo de tal visita tentou tranquilizar a filha: - Fabuloso, estimada primogênita! Prepararei iguarias aprazíveis ao gosto dos jovens. E com um abraço de cumplicidade, Norma Culta agradeceu a mãe e se despediu. Mais tarde quando chegou do trabalho, Senhor Vernáculo logo recebeu a notícia da esposa. - Amado cônjuge, teremos visita para nossa ceia. - Quem virá? - indagou surpreso O filho dos vizinhos que ainda não conhecemos; amigo de Norma Culta e antes que o esposo pudesse argumentar, seguiu para a cozinha dizendo: Arrume-se com presteza, pois logo os pratos estarão servidos. Passado um período de dois quartos de hora o rapaz chegou com sua capa de chuva pingando e tocou a campainha. Norma Culta que esperava com

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ansiedade recebeu-o à porta. Os dois sorriram com os olhos e se abraçaram com uma ternura que só os enamorados possuem. Toda família já o aguardava à mesa e Norma Culta fez as devidas apresentações: - Na cabeceira à esquerda está meu pai, Senhor Vernáculo, ao lado dele minha mãe, Dona Gramática. Na outra cabeceira está meu avo, Português Arcaico e minha avó Ortografia no centro da mesa, junto com meu irmão Vocábulo. - e virando-se apontou o amigo e disse. - esse é o Internetês. -Internetês é nome ou epíteto?- perguntou vovô Português arcaico, soltando risadas de todos os presentes. - É nome, vovô - respondeu a neta carinhosamente. - Boa Noite, blz? Norma Culta fla mto bem de vcs. - disse o jovem um pouco envergonhado. Após os cumprimentos, os jovens se juntaram aos demais na mesa e a janta foi servida. A conversa foi animada o descontraída, mas o nervosismo do rapaz era visível. Na hora da sobremesa, Norma Culta interrompeu todos e voltando-se na direção do pai disse: - Pai, Internetês quer Ihe falar algo. Nesse momento o rapaz se tornou o centro das atenções, ficando rubro de imediato - É... q... naum. - tentou articular, mas nada saia. - Fique calmo, mancebo. Pode postergar seu discurso para após a sobremesa se assim o preferir. - disse Senhor Vernáculo percebendo a dificuldade do rapaz. Respirando fundo o tomando coragem, Internetês falou: - Senhor Vernáculo, eu qro pdir pra namorar sua filha. Todos abriram largo sorriso de contentamento, inclusive o pai que acabou com a angústia do rapaz. - Eu permito, contanto que não interrompam seus estudos e suas responsabilidades. Lembra-se de quando ou a pedi em namoro. - disse vovô Português Arcaico com os olhos cheios de lágrimas. Era um dia semelhante a esse, chovia torrencialmente. Meu tabardo ficou embebido o vosmecê num fato de seda adornado de exuberantes filigranas. - Recordo-me como se hoje fosse, - disse vovó Ortografia, que completou. - vosmecê estava garboso com aquele tabardo azul-marinho, mesmo encharcado estava pundonoroso como sempre. - Percebam tal discrepância. Hoje estou velho e languescendo. Não valho mais um tostão furado - disse o avô desanimado. - Papai - disse Dona Gramática - As reminiscências da juventude servem para trazer-nos os bons momentos vividos. Não sejas tão atroz consigo. Deveras não ter mais o vigor de outrora, contudo possui vitalidade para sair um pouco mais de casa e transmitir um pouco de sua experiência.

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Internetês, que compadecido ouvia aquele lamento interrompeu o diálogo dizendo: - Meu vô se amarra em bater papo, vcs iam se dar bem, ele é show de bola. - Tenho certeza que sim. - disse Dona Gramática -creio que uma prosa agradável lhe faria bem, papai. - Pelo ensejo do meu aniversário semana vindoura poderíamos convidar toda família do Internetês para vir em nossa residência, assim nossos avós poderiam se conhecer. - disse Norma Culta. - Excelente proposta! - exclamou Senhor Vernáculo, que virando-se para o recém-namorado disse - É com deferência que insto sua família a comparência na cerimônia de nossa filha. Será uma magnífica ocasião para conhecermo-nos. - Viw plo convite. A semana repleta de preparativos e expectativas passou voando e assim as famílias puderam se reunir por ocasião do aniversário. Felizes pelo namoro, a família de Internetês chegou no horário combinado e todos se cumprimentaram efusivamente. Senhor Vernáculo apresentou todos da família e fez as honras da casa. - É com júbilo caudaloso que recebemos essa distinta família em nosso domicilio. Internetês percebendo sua família um pouco tímida, decidiu conduzir a apresentação. - Esse é meu pai Dialeto, minha mãe, Dona Gíria e meu vô, Português falado. Pouco após a apresentação os convidados já conversavam animadamente. Dona Gíria papeava com Dona Gramática enquanto a ajudava com os quitutes. - Essa festa está uma brasa, mora. - falou Dona Gíria animada. - Deveras, e nossa filha está radiante com o namoro. Intemetês é um jovem belo e sagaz. - disse Dona Gramática tecendo elogios ao genro. - Obrigada, disse Dona Gíria envaidecida. - ele realmente é um pão e está gamado no brotinho dele. Na sala de estar, Senhor Vernáculo e Seu Dialeto palestravam como velhos amigos. - Bah, que festa maneira da sua guria. Cheio de trem gostoso. Ô loco! – exclamou Seu Dialeto. - Todos os aperitivos foram preparados com muito esmero por minha consorte. Agora diga-me, Seu Dialeto, porventura és aficionado por algum clube de futebol? - perguntou Senhor Vernáculo. - Ó xente, se sou! E ainda jogo umas peladas. Acho muito massa catar no gol.- respondeu animado, Seu Dialeto. - Olhe meu querido - disse Norma Culta - nossos pais já estão falando sobre futebol.

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- Aham, tbm gosto de jogar futebol. Por flar nisso, kd seu imão?-perguntou Internetês a procura do cunhado. - No escritório com seus gatafunhos - disse Norma Culta - decerto será um célebre escritor. - Já li algumas paradas dele o o mlk escreve bem msm, veio. - disse Internetês. Uma risada alta fez que os jovens virassem para uma mesa onde os avós estavam sentados. Português Arcaico ria ruidosamente com as histórias que Português Falado Ihe contava. - Meu vô é o maior figuraça msm. - disse Internetês dando risadas. - Concordo. - comentou Norma Culta – é um patusco. Vovó Ortografia aproveitando o momento de descontração tentou animar o marido. - Meu esposo é um porfiador, não usufrui o tempo livre. Prefere passar os dias sentado no sofá elucubrando. - Minha senhora está sendo deveras prosaica na hora de qualificar-me. A verdade é que na juventude eu era muito traquina, entrementes não possuo o viço de outrora. Tudo que faço extenua-me ao extremo. Nada em minha idade é mais tangível que um sofá para uma irreflexão - lamentou-se vovô Português Arcaico. - Não quero mais ouvir esse chororô - disse Português Falado dando risadas - a partir de amanhã vamos bater perna na praça, jogar buraco e refrescar a cuca. Não aceito não como resposta. - Resta-me aceitar seu convite - disse vovô Português Arcaico feliz com o novo amigo. A festa continuou até tarde da noite. Os encontros futuros foram fartos de amizade, sabedoria, cordialidade e muito respeito formando a junção de uma nova família. Anos depois, Norma Culta e Internetês uniram-se em laço matrimonial gerando do amor sem preconceito dos dois, uma linda menina a qual deram o nome de Sociolinguística.

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A VIDA DE UM CASAL DE PROFESSORES Mimus (Conto selecionado) Clara era assim uma moça dedicada, culta, esforçada e inteligente. Cursou pedagogia na universidade mais próxima de sua casa, de família simples e educada já arrumara um emprego no último ano da faculdade, para ajudar no sustento da família que constava com a integração de sua avó que sofria do perda de memória, seu pai já entrando na terceira idade e sua mão à beira dos 40 anos de idade, mas um irmão jovem adulto, um pouco mais relaxado em relação aos seus deveres. Assim que pode, financiou sua própria casa e ainda ajudava a família, com um poucadinho de dinheiro do montante que lhe restava. Depois de três anos de vida solitária e pouca farra, casou-se com Adalberto professor de física do ensino médio. Ele possuía fama de ser autoritário, mas era professor de dar gosto, desafiava a todos, até mesmo os colegas de trabalho. Enquanto Adalberto trabalhava na rede privada de ensino, Clara trabalhava na rede pública. Ambos trocavam ideias de projetos de ensino de inclusão social, chegaram até fazer eventos em ambas as escolas, a fim de unirem as diferenças e semelhanças de um sistema educacional tão diverso e tão distinto. Agora, vamos dar voz a Clara: - Ah, ando tão cansada já faz praticamente 20 anos que eu leciono aqui para os pequeninos, nessa escola do bairro. Esses sorrisos tão bonitos é o que me faz voltar a cada dia, a cada semana, a cada mês, a cada ano. Mas me entristecem, nossos poucos recursos, nossos poucos instrumentos, nosso material pouco diversificado... - Professora, professora! - O menino sacudindo sua perna berrava descontroladamente. - Que foi Josué? - Quando a gente vai ver aquele filme, que a senhora já nos prometeu faz um tempão para entendermos melhor aquela história, que você leu pra gente? - Assim que consertarmos os aparelhos Josué, já te falei. - Ah, então vamos ver na sala de informática. - Ela também está em reparos, assim que algum dos dois lugares estiver disponível, a gente vai, pode deixar, eu prometo. Agora vai lá terminar teu exercício, que eu já vou corrigi-lo na lousa. O menino convencido pelo discurso argumentativo da professora, sai cabisbaixo e segue devagar em direção à sua cadeira. Alguns eventos externos eram possíveis. Umas duas, no máximo três vezes ao ano, iam visitar o bosque, aprender um pouco sobre os animais e seus alimentos. Clara ficava surpresa vendo que muitos deles nunca estiveram lá

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antes. Ou porque a família não passeava naquele lugar, ou até mesmo porque se negava levar a criança, mesmo após a persistência de seu pedido. Faziam um intervalo no meio do passeio. Sempre era pedido para cada criança levar algum tipo de lanche e bebida. A maioria levava bolos e refrigerantes de sabor Guaraná, enquanto as professoras (raramente se via homem lecionando para as turmas de primeira a quarta-série, pelo menos, não no tempo em que Clara lecionara naquela instituição, a maioria dos tutores eram mulheres) completavam o lanche com refrigerante Coca Cola, pão com presunto e mussarela e algumas até levavam torta de frango com requeijão. - Clara, quando será que teremos verba de novo para fazer aquela expedição que fizemos há uns três ou cinco anos atrás, naquele planetário? - Não sei não Rosa. Do jeito que está, acho que não muito cedo. Estão cortando todos os tipos de gastos "secundários”, e cada vez mais conforme os dias se passam. - Ah, mas você lembra como as crianças daquelas antigas turmas, entendiam mais o conteúdo passado. Era a maneira de intertextualizarmos todas as disciplinas. Lembra que havia até campeonatos de questões, que reuniam todos os alunos, numa data agendada com todos os professores, no ginásio? - E a turma vencedora ganhava um sorvete de massa cada um, mas é claro que dávamos um jeito de comprar um picolé, ao menos, para o restante da garotada. A professora relatava toda entusiasmada, como se um flash de recordações saudáveis, alegres e astuciosas, rodassem incessantemente perante seus olhos. Um flash de memória curta, mas prazerosa. Clara respondia com um suspiro, com um olhar de inquietação e indignação, como se uma concordância lhe transpassasse pela expressão franzida e quieta. Até que ao passar dos anos, na luta constante por uma verba mais incrementada, mais valorizada, conseguiram consertar a sala de computadores, assim como a sala de vídeo. Mas é claro, ficavam na torcida por um funcionamento incessante, pois caso houvesse a necessidade de um reparo, aí apenas poderiam se deleitar na falsa esperança de um curto prazo de conserto ou até mesmo de agendamento para este. Agora vamos conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Adalberto: Sempre sorridente nunca chegava atrasado. Do caminho da sala dos professores até a sala de aula todos os alunos e até os funcionários da limpeza já o cumprimentavam, e ele com seu sorriso simpático acompanhado de seu aroma de perfume fresco, a muitos deixava seus corações encantados. - Bom dia! Abram o livro no capitulo oito. É isso mesmo, já estamos no capitulo oito. Na próxima semana já começam os simulados para os vestibulares e espero que pelo menos meus alunos estejam prontos para o recado. E ah! Amanhã, no laboratório, posso ajudá-los naqueles exercícios adaptados para a olimpíada de física deste ano.

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- Mas ontem não estavam funcionando os computadores professor, disseram que tinha um vírus à solta, outros disseram que a turma da tarde ficou espalhando uma foto um pouco obscena, se assim posso dizer do professor Jorge, que postou no seu facebook. Ele é aquele que se aposentou ano passado, senão me engano. Assim, exclama Carlos, um garoto jovem, de pele clara, cabelos castanhos e com um pouco de sarda. Melissa, outra jovem que sempre senta ao seu lado, alta, loira e magra, uns dizem que é sua namorada, outros que apenas um caso, o cutuca com a ponta do lápis e cochicha do seu lado: - Não Carlos, dizem que agora ele subiu de cargo, está trabalhando na diretoria, algo assim... O professor ignorando tal comunicado reforça o que foi dito anteriormente: - Repetindo. Amanhã no laboratório posso ajudá-los naqueles exercícios adaptados para a olimpíada de física que ocorrerá neste ano. Eles já estão prontinhos, no jeito para realizarmos. E assim prosseguiu sua aula, a respeito das Leis de Newton. Chegavam quase roucos da escola e Clara ainda preparava o jantar. Adalberto de vez em quando a ajudava, mas na maioria das vezes, aproveitava o pequeno intervalo de ocupação praticamente obrigatória da esposa e corrigia provas e trabalhos pelo computador, através do sistema digital de apoio ao ensino e aprendizagem que a escola em que trabalhava proporcionava para os alunos e professores. Assim que acabavam de jantar Clara fazia o mesmo só que manualmente e com uma destreza impressionante. Não eram provas tão difíceis, nem trabalhos complicados. Era por isso que preferia os pequeninos. Tudo era mais simples e rápido embora fossem mais dependentes, enquanto os alunos de Adalberto, embora já não fossem tão dependentes assim, isto era manifestado de forma contrária na atitude dos pais dos alunos. Eram sempre muito exigentes, principalmente na época próxima aos vestibulares. - Como foi seu dia querida? - Bom, obrigada. - Ainda não arrumaram os computadores e a sala de vídeo? - Arrumaram sim, já faz um tempinho, mas acho que já vou pedir para eles lerem outra história. Já faz um tempinho que leram Ali Babá e os Quarenta Ladrões, agora pedirei para lerem o Pinóquio. Preciso ver na biblioteca a quantidade de exemplares disponíveis, senão você já viu, ouvirei a mesma velha desculpa de sempre. Professora não li, porque só tinha cinco exemplares e o João enrolou um tempão, parecia que até queria engolir o livro. Aff! A mesma desculpa de sempre. - Não Clara. Deixe eles verem nos computadores o livro Ali Baba e os Quarenta Ladrões, depois indique o Pinóquio. Enquanto isso você também pode dividir as aulas do laboratório, em exercícios e leitura, assim se acostumam com a leitura digital e não terá mais desculpa para os poucos livros disponíveis na

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biblioteca da escola... Vocês podem tentar também conscientizar os pais sobre o uso da biblioteca da cidade. - Já fizemos isso Adalberto, mas poucos pais compareceram por um período constante na biblioteca da cidade. A maioria até preferia no final das contas, comprar um exemplar do livro para o filho. Já fizemos campanha sobre isso com todas as escolas unidas ajudando na conscientização. Da mesma forma também já fizemos campanha para doações de livros infantis para nossa biblioteca da escola. Infelizmente, mesmo assim, sempre faltam exemplares, quando estes também são danificados ou não são devolvidos. Mas a ideia da leitura digital é promissora vou tentar. Voltamos então agora novamente a vida de Adalberto como professor de física num instituto privado, localizado no centro de uma cidade do interior de São Paulo: - Pessoal, hoje venho com uma notícia bombástica, tivemos o Júlio... Oh! Júlio vem aqui na frente, por favor, (Júlio meio curvado ficou ao lado do professor, enquanto este colocava a mão esquerda sobre seu ombro com uma expressão de orgulho). Júlio passou em primeiro lugar em medicina, não é um orgulho esse menino? Tivemos também é claro, o Ricardo para a Aeronáutica, a Joyce em décimo lugar em medicina também e inúmeros de vocês em diversas outras áreas. Mas hoje, celebramos o Júlio que honrou impecavelmente sua bolsa de estudos que obteve aqui como auxílio da escola, nos presenteando como forma de reconhecimento do nosso digno trabalho; aproveitamos para parabenizá-lo novamente pela alegria que você nos trouxe (Júlio apenas respondia com um leve sorriso e um brilho no olhar). No outro dia na sala do primeiro ano, na qual ensinava as Leis de Newton, Adalberto ainda tagarelava com seus lábios recheados de orgulho sobre Júlio, o prodigioso aluno que tinha bolsa de estudo na escola e passou em primeiro lugar em medicina. Adalberto se auto indagava ao mesmo tempo. É inacreditável não é mesmo, impulsionamos o potencial desse menino, dá pra acreditar? Enquanto isso, depois do jantar, Clara já cansada da mesma enunciação com ênfase na bolsa de estudo, sorria levemente e exclamava: - Que bom, Adalberto, que bom. - Você poderia fazer uma nova divulgação da nossa bolsa de estudo lá, quem sabe, talvez algum de seus alunos, seja nosso futuro Júlio, não é mesmo? - A maioria continua no ensino público mesmo, mas posso novamente tentar conscientizar os pais deles sobre essa possibilidade. Mas acho que a maioria ainda prefere ou na realidade necessita continuar no mesmo sistema de ensino. Hoje, com as políticas públicas de inclusão, aumentou bastante o ingresso de nossos alunos, futuros vestibulandos, na rede pública de ensino superior, embora não atingimos ainda a meta tão desejada, mas já é um bom começo. - É verdade! Mas nunca se sabe, não é mesmo? Dizia sorrindo.

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- É.. A nossa missão agora é desenvolver o gosto pela leitura digital. Quem sabe ela não pode ser benéfica ou causar bons resultados nos nossos futuros vestibulandos e cidadãos, principalmente. Fizemos um projeto de campanha em relação ao incentivo à leitura, seja digital ou impressa, como preferirem, desde que leiam. - Meus alunos já estão adorando ler Pinóquio de forma digital, mesmo os que já possuem o livro físico, que pegaram na biblioteca ou compraram. Fizemos também outro projeto em relação à propagação da importância da conservação e devolução dos livros, para os pais e alunos, seja de nossa biblioteca da escola ou de qualquer outra da comunidade. Estamos indo a passos lentos, mas estamos indo. No início compareceram poucos pais, mas agora depois de tanto persistirmos com a ajuda dos jornais, das outras escolas, das outras bibliotecas e da própria comunidade mesmo, atualmente já estão comparecendo todos os responsáveis, seja o pai, a mãe, a avó, a tia, o tio, o irmão, a irmã... - O que importa é que eles entendam e nos ajudem na nossa missão de incentivar e despertar o gosto e interesse pela leitura. Assim um dia chegaremos lá. - Já estabelecemos o tablet como auxilio de leitura e realização de exercícios para os alunos de nossa escola, você acredita que quase expulsei um da sala por não estar anotando nada no caderno, até que ele me refutou dizendo: - Olha aqui, oh! Tenho todas as aulas do senhor anotada aqui no meu tablet, oh! - E não é que tinha mesmo, fiquei quieto, fazer o que, né? Aonde vamos parar com tudo isso? - Pois é, pois é, vou preparar um chá. Quer um? Adalberto com o computador ligado verificando na plataforma digital a entrega dos trabalhos dos alunos, as notas das provas, apenas respondeu: - Quero sim, temos que seguir em frente, que amanhã sempre será outro dia com muitos novos desafios para se pensar. No dia seguinte, muitos alunos exclamavam com um tom quase feroz e ardente: - Professor? Não consigo ver a nota da sua matéria desde ontem. - Deve estar fora do ar, porque tem muita gente acessando, vamos esperar mais um pouquinho. Adalberto exclamava repetidamente: - Já, já, volta. já, já, volta.

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CONTINUA DESCENDO QUE A GENTE QUER SUBIR Marcos Montassucar (Conto selecionado) Hoje o aniversário do Luis Felipe e da Vitória. O Tiago viajou com a mulher e o filho de Amsterdã a Barcelona e o Jefferson curtiu. O Jefferson está morando na Holanda já tem um tempo e o Tiago seguiu os seus passos recentemente. Nós três fizemos vários trabalhos em grupo na época da faculdade e algumas festas também. Quando o Jefferson esteve no Brasil alguns anos atrás, eu escrevi para ele dizendo que a gente precisava se encontrar e colocar os assuntos em dia e ele adorou a ideia. Eu então propus três datas diferentes para nos encontrarmos, mas o Jefferson ainda não me respondeu. A Flor curtiu uma empresa que vende pôsteres artísticos de utensílios domésticos. A Nina, a Ágata e dois outros amigos curtiram o bar-cervejaria que estes dois amigos acabaram de abrir. O Carlos curtiu uma frase do Bukowski sobre se sentir mal por não fazer nada de útil do seu tempo. Desconfio que o Carlos ainda esteja trabalhando no índice da sua tese. O Élder curtiu um artigo sobre vinhos. A Evelyn compartilhou um artigo pregando uma vida mais simples, A Evelyn tem compartilhado vários artigos pregando uma vida mais simples desde que ela se converteu ao Rastafarianismo e se mudou para uma fazenda no Planalto Central. Às vezes me pergunto se não deveria me converter ao Rastafarianismo e me mudar para uma fazenda no Planalto Central, mas não parece assim tão simples. O Ednardo compartilhou uma tirinha que faz piada de pais e mães cujos filhos acabaram de voltar às aulas. Não entendo a piada e imagino que seja preciso ter filhos para que ela faça sentido. Daí eu lembro que o Ednardo é solteiro sem filhos e tudo faz sentido. Quero dizer, o Ednardo ser solteiro faz sentido. Recebo uma sugestão para ver mais tirinhas que fazem piada de pais e mães. O Jefferson (um outro) tirou uma selfie com a esposa num restaurante. É a quarta selfie-com-esposa do Jefferson em duas semanas. Imagino a crise conjugal pela qual ele deve estar passando. O Elder (o mesmo) compartilhou um artigo insinuando que escândalos de corrupção envolvendo partidários da direita são tratados a um ritmo mais lento que os escândalos de corrupção envolvendo partidários da esquerda. Desconfio

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que o Elder esteja insinuando que certos partidários são menos desonestos que outros. A Samara curtiu um artigo defendendo os homens que tatuaram LADRÃO na testa de um menino pego roubando bicicletas. Cancelo a minha amizade com a Samara. Ela é casada, além de tudo. A Yara tirou trinta e sete fotos do seu fim de semana na praia. Sorteio uma das fotos e levanto o polegar. O Tiago e o Jefferson curtiram um artigo sobre os benefícios do café para a saúde. Jefferson das Holandas, não Jefferson das crises conjugais. Os Jeffersons ainda não se conhecem. A Kelly curtiu uma hamburgueria vegetariana do Itaim. Mas ela ainda não respondeu as mensagens que eu mandei semana passada. A Marina compartilhou duas fotos de mendigos em frente a cartazes com paisagens urbanas. Parece que os mendigos estão na frente das paisagens e não das réplicas. Faria mais sentido se as paisagens nos cartazes fossem outras, mas as fotos da Marina nunca fazem muito sentido. A Ju está interessada num evento em algum lugar fora da cidade. A foto do evento é um tobogã sem fim no meio de um gramado sem fim. Se não fosse fora da cidade... Recebo uma sugestão para conferir pijamas em promoção. Pergunto-me como eles sabem. O Rodrigo levou menos de cinco horas para pedalar mais de cem quilômetros e agradeceu o seu treinador e a sua namorada pela façanha. Foi provavelmente a namorada quem tirou a foto do Rodrigo de uniforme apertado beijando uma medalha que acompanha os agradecimentos. O Rodrigo perdeu bastante peso desde que se converteu ciclista e por isso eu levanto o polegar. A Maria Cristina curtiu um artigo sobre um grupo protestando que uma ponte em São Paulo foi batizada com o nome de um político ao invés de outro. A Evelyn compartilhou uma foto dela e seis rapazes sentados em volta de uma fogueira com as seguintes hashtags: rasta, rastafari, criancasindigo, pleiadianos, reggaevibes, picnic, amigos, deboinha. Todos na foto tem dreadlocks felpudos e sorrisos relaxados. Eles também tem narizes vermelhos e eu desconfio que o sol do Planalto Central não esteja sendo clemente com as suas conversões. O Fabrício mudou a sua foto de perfil. Ele agora está de perfil. A Flor curtiu uma revista gratuita que esconde publicidade em odes a um estilo de vida alternativo. A Maria Cristina compartilhou um artigo criticando o procurador por trás dos acusações de corrupção contra o primeiro ex-presidente de esquerda do pais. O João curtiu um artigo aclamando a França por ser o primeiro país a proibir copos e talheres de plástico, por questões ecológicas. Um dos amigos do João comentou que ele não deveria esquecer que a França também proibiu a prostituição. Sério?

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A Maria Cristina compartilhou um artigo criticando a urgência com a qual o primeiro ex-presidente de esquerda do país está sendo processado por corrupção. Lembra-me o artigo do Elder sugerindo que a justiça mais lenta do lado direito. Tanto a Maria Cristina quanto o Elder são divorciados e têm mais de sessenta. Ambos gostam de vinho. Deveria apresentar um ao outro. A Maria Cristina compartilhou um artigo criticando o judiciário e também outro criticando a Monsanto. O Luis Felipe e o Ednardo curtiram uma operadora de telefonia celular. Suponho que eles tenham curtido essa operadora para poder ganhar algum desconto um tempo atrás e não sabem que toda semana os seus amigos e conhecidos são lembrados da sua astúcia. Mas não quero ser o arauto de más notícias. Não no aniversário do Luis Felipe. A Maria Cristina curtiu um artigo sobre os benefícios da amora para a saude. O artigo afirma que amoras têm vinte e duas vezes mais cálcio que uma quantidade equivalente de leite. Levanto o polegar para a minha tia por dessa vez ela ter sido positiva. E também por às vezes ela me ajudar com e aluguel. A Yara curtiu alguma coisa que um amigo dela escreveu em espanhol. Entendo o suficiente para entender que não entendo espanhol o suficiente. A Roberta postou uma selfie com as seguintes hashtags: matinal, casamento, amor, lindos, grata, fds, batevolta, jetlag, unitedstates. washington, beavercreekcountryclub, travelgram, fotocelular, iphone5. Pensei que a Roberta tivesse um telefone melhor. O Carlos e a Marta lamentam a morte do um escritor desconhecido. A Nina curtiu que a Ágata está interessada na festa de aniversário de um bar na Augusta. A Nina e a Ágata ficaram solteiras ao mesmo tempo o desconfio que elas tenham superado as suas diferenças em nome da farra. O Fernando compartilhou um artigo louvando um ator da nova geração e curtiu o seu próprio compartilhar do artigo. As fotos do ator que ilustram o artigo são assinadas pelo Fernando e aposto que ele quer que os outros pensem que ele é amigo do ator. Mas pode ser só hashtag-inveja mesmo. A Natália foi marcada numa foto em que ela e quatro outras garotas se espremem na pequena sacada de um apartamento com vista para o mar. A Natália parecia mais bonita antes de parar de responder às minhas mensagens. A Maria Cristina compartilhou um artigo sobre um pedófilo e disse estar chocada. A Flor curtiu um instituto que vende MBAs. Pergunto-me se a Flor já terminou o seu MBA. Ele tinha um titulo pomposo que combinava internacional, marketing e luxo e me pergunto se a Flor ainda vende roupas. Recebo uma sugestão para visitar a Feira de Empregos no Jabaquara. Filhos da mãe. A Marta curtiu a letra de uma música que diz Não importa se eu não sou o que você quer / Não é minha culpa a sua projeção / Aceito a apatia se vier / Mas não desonre o meu nome.

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A Maria Cristina compartilhou outro artigo criticando o mesmo procurador por trás do mesmo processo contra o mesmo ex-presidente. O João curtiu algo bem longo que um amigo seu escreveu. Bem longo. A Evelyn curtiu um artigo escrito em letras de outro planeta. Não entendo porque algumas pessoas perdem tempo aprendendo espanhol enquanto elas poderiam aprender rastafariano e se comunicar com o universo e seus arredores. Também não entendo porque há tantas fotos de pombas no artigo da Evelyn. A Kelly curtiu algo que um amigo dela escreveu. Algo sobre acordar de madrugada para assistir ao nascer do sol no campus da universidade prestigiosa que ambos frequentaram. O texto é tão bem escrito que quase não parece ostentação. A Marta curtiu a foto de uma borboleta ao lado da frase Às vezes uma boa conversa e um pouco de atenção é tudo aquilo que a gente precisa para aliviar a mente turbulenta. O Fernando compartilhou um artigo criticando o judiciário. O mesmo artigo que a Maria Cristina tinha compartilhado. O Fernando também está solteiro, mas acredito que o Elder seja um melhor acréscimo à família. A Flor curtiu a foto de uma estátua romana de 120 DC. O Carlos curtiu uma tirinha que faz piada de homens que usam pantufas. Também curtiu um artigo que ataca um formador de opinião que atacou aposentadorias antecipadas. O Carlos é um niilista. A Marta curtiu um poema que rima suplicar e explicar, uma imagem com a frase Não se torne aquele que lhe machucou e uma imagem com a frase Espero que a vida aceitará essa minha estranha mania de ser livre. Sair do armário deve ser complicado. A Vanessa anunciou uma viagem à Bolívia e comentou que está começando a cansar das suas longas férias. A Ágata curtiu a foto de um céu nublado Quem tirou a foto foi a Nina. Suas diferenças foram mesmo superadas. A Larissa curtiu a foto que um amigo dela tirou em outro país. Uma foto em preto e branco de duas crianças ao lado de uma moça. A criança da esquerda está tocando flauta, a criança da direita está cantando e a moça, no meio, está tocando tamborim. As três jovens pessoas da foto vestem branco e parecem felizes, É uma foto bonita, mas já estourei minha quota de polegares do dia. O Kléber curtiu a foto de um barraco de um, dois, três, quatro andares tão irregulares que o barraco só pode ter sido construído a partir de o último andar. Na parte inferior da foto segue a legenda Nossa falta de respeito pelas leis não perdoa nem as leis da física. A Vanessa compartilhou uma foto dela num lugar que muitas outras pessoas antes dela chamaram de Machu Picchu. Ela está usando um gorro estranho e parece suada. Mando um "como estás señorita???" e espero pelo melhor.

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A Evelyn compartilhou a foto de um velho sábio ao lado de uma frase sobre correr atrás dos seus sonhos. Se ela soubesse quais são os meus sonhos... O Fernando tirou uma foto em preto e branco de um senhor numa canoa com um cachorro. Eles parecem tranquilos. O Fernando curtiu a própria foto O Carlos curtiu uma foto de cinco homens num elevador com a legenda Continua descendo que a gente quer subir. Os homens são meio famosos e imagino que a foto venha de um filme ou série que ainda não assisti. E o elevador realmente sobe quando desço. E desce quando subo. Sobe. Desce. Sobe. Sobe. Sobe. Hehehe. Recebo uma sugestão para participar de um evento chamado Djeff Afrozila b2b DJ Shimza. Pergunto-me o quê, me pergunto por quê. Mas principalmente o quê. A Maria Cristina compartilhou um artigo criticando o atual presidente de ex-esquerda. Estava começando a sentir saudades dela. A Marta curtiu uma frase que diz Amar é uma loucura aceita pela sociedade. O Ednardo curtiu a foto de um rapaz lavando louças. O Fernando curtiu a foto das gravações de um clipe de música. Espero que ele não conheça a cantora. O André atualizou a sua foto de perfil. O seu filho ocupa três quartos da foto, a sua filha um quarto e o André mesmo, quase não aparece. As crianças ainda são pequenas, mas eu ficaria enciumada se fosse a filha do André. A Ju curtiu as quatro fotos que uma amiga dela tirou de uma menina. Na parte de baixo das fotos segue a legenda Cada segundo... com, vc filha [coração] se torna ouro [coração] [coração] [coração diferente]. Incomoda-me um pouco o último [coração] ser diferente dos outros três. Recebo uma sugestão para conferir roupas infantis em promoção. A Marta curtiu uma estorinha que diz: - Vem pra minha casa -Não posso. - Por quê? - Estou contemplando o universo e a natureza da existência. - Mas eu tô sozinha! - E não estamos todos? A Evelyn curtiu a foto de um dos seus amigos rastafári num rio de águas sujas. O amigo está remando um bote salva-vidas e sorrindo para a câmera. E não estamos todos? Mando uma mensagem de feliz aniversário para o Luis Felipe. Mando a mesma mensagem para a Vitória e anexo a foto de um gato carregando um bolo. Espero pelo melhor.

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LEGITIMA DEFESA George Cesar Beccaria Tavares (Conto selecionado) São 8h30m e já cheguei ao Fórum, hoje é dia de Tribunal do Júri. O dia está especialmente cinzento, frio, coisa rara nesta cidade praiana. Mesmo com o tempo nublado, ameaçando chover, Júri em comarca do interior é evento concorridíssimo, e quem pode vai dar uma olhada. Todos querem ficar a par do julgamento, querem detalhes. Toda a imprensa local se mobiliza para cobrir a sessão do Júri, que, mesmo começando pela manhã, pode avançar pelo dia todo, ingressar na noite, adentrar pela madrugada e terminar no dia seguinte. O juiz, o promotor de justiça e o advogado de defesa já chegaram e estão conversando. O juiz que presidirá o julgamento já é conhecido do povo. Rapaz jovem e bem-apessoado, fama de mão pesada com os criminosos, foi ele quem, desde que assumiu a comarca, pôs os processos de homicídios para andar e, pelo menos uma vez por mês, realiza um julgamento pelo Tribunal do Júri. O promotor de justiça que fará a acusação também é jovem, mas tem experiência no Júri, fama de combativo e de excelente orador. O advogado de defesa é um velho causídico da comarca, um "clinico geral” sem muito brilho, com fama um tanto polêmica, que atua tanto em processos cíveis quanto em processos criminais, e que conhece bem a gente do local, seus hábitos, costumes e modo de viver. Estão conversando, é claro, sobre o julgamento. O juiz precisará elaborar os quesitos, as perguntas que serão realizadas aos jurados para o julgamento, e já quer se preparar. Eu ouço quando o juiz pergunta ao advogado qual será a sua tese defensiva. - Excelência, legítima defesa da honra. - O quê? O senhor está brincando? - pergunta o juiz surpreso. - Não senhor! - Mas Doutor, não estão presentes os requisitos da legítima defesa! argumenta o juiz. O promotor de justiça concorda com o juiz acenando com a cabeça, e acrescenta em tom de conselho, alerta e com certo desdém: - O senhor vai dar um tiro no pé! Legítima defesa da honra não existe. O velho advogado dá um leve sorriso, ajeita os seus grandes óculos quadrados na ponta do nariz e responde: "Vossas Excelências estão equivocadas". O juiz então pondera, visivelmente preocupado com a defesa do réu por uma questão de Justiça, mas também porque uma defesa pífia pode vir a anular um julgamento: - Doutor, o senhor tem certeza, a tese é esta mesmo? O senhor sabe que a legitima defesa exige moderação no uso dos meios necessários para repelir

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agressão injusta atual ou iminente a direito seu ou de outrem. Nenhum desses elementos estão presentes neste caso. - Excelência, o meu cliente estava em legitima defesa quando matou a vítima, o senhor verá... - Doutor, ele não estava, tecnicamente não estava...legítima defesa da honra para um crime como este só no século XIX e olhe lá! - Excelência, esta é uma comarca interiorana. Para o senhor, que não é daqui, esta é uma cidade turística, praiana, para jovens e pessoas que gostam de esportes no mar ou de uma vida alternativa mais tranquila junto à natureza. Mas essa não é a realidade do povo. Nós somos do interior, conservadores. Fique tranquilo, o réu será bem defendido. - Está certo - falou o julz resignado - vamos então começar a sessão, uma vez que já são 9h. - E o réu? - perguntou o promotor - O réu chegou praticamente junto comigo, disse o juiz. O réu, que respondeu ao processo solto, é um homem alto, tez morena queimada pelo sol em razão do seu trabalho como agricultor, sessenta e poucos anos, cabelos brancos e um grande bigode branco, com um ar sério, distinto. Está solto aguardando o julgamento, pois ele chamou a policia logo após ter matado a vítima, é primário, tem trabalho e endereço certo no qual mora desde criança. O réu compareceu pontualmente a todos os atos do processo sempre que foi chamado. "Trata-se de um homem correto, que acabou cometendo uma desgraça em um momento de desatino", comentou o juiz certa vez após uma das audiências do processo - como eu sei disso? No interior as notícias correm e juiz é pessoa eminente na cidade, todo mundo quer saber o que ele pensa sobre isso ou aquilo. O crime teve repercussão na comarca. Todos que moram na localidade em que o réu habita o conhecem, assim como conheciam a vitima. Todos sabem que o réu é homem sério, de poucas palavras, conduta correta, homem de empenhar a palavra e cumprir, de fazer negócio no "fio do bigode”, que paparicava a filha temporã. A filha, menina bonita, um tanto sapeca, segundo alguns, mas educada e de bom coração. A vítima, um homem jovem, trabalhador, metido a gala, um tanto namorador e um tanto desaforado também. Quanto ao acontecido, não havia muito a descobrir, o fato se deu às claras e na frente de todos os que estavam no bar. Isso foi o que apurou o juiz no processo. A Sessão do Júri é solenemente aberta pelo juiz. Os jurados são sorteados e o Conselho de Sentença com sete jurados é formado. O Tribunal já está lotado de parentes de amigos e de conhecidos da vitima e do réu, de curiosos e de jornalistas. Está tão lotada de gente a sala, que o juiz precisa ordenar aos policiais que fazem a segurança do Tribunal que não permitam que ninguém mais entre sem que antes saia alguém da sala de sessões. O juiz então inicia o relatório do processo, que resume a acusação, a defesa, e as provas colhidas. O público e a imprensa não entendem direito o que o juiz lê, tanto em razão do burburinho que o público excitado e conversando faz,

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como em razão do linguajar processual, culto e técnico, somado ao ritmo de leitura monocórdio típico de relatórios oficiais que naturalmente leva a mente a se distrair e a prestar a atenção na conversa do vizinho ao lado, sempre com um palpite ou uma informação inédita sobre o caso. Até que o juiz bate o martelo, fazendo o plenário ficar em silêncio absoluto e diz: - Por favor, silêncio! Vamos interrogar o réu. E, dirigindo-se ao réu, pergunta: - O senhor confessa que atirou contra a vítima e a matou como narrado na denúncia do promotor de justiça? - Confesso. Burburinho na plateia. - O senhor pode nos dizer como os fatos aconteceram e porque o senhor fez isto? - Sim senhor. O que aconteceu é que este sujeito que eu matei não era um homem de respeito não. Ele seduziu a minha filha de dezessete anos, desvirginou a moça, não quis mais saber dela e depois saiu pela localidade contando vantagem pra todo mundo, se vangloriando porque a minha menina é muito bonita e era virgem. Quando eu fui ao bar ter uma conversa com ele, ele estava bebendo com amigos e jogando sinuca, e fez questão de me desacatar. Ficou rindo de mim, dizendo pra todo mundo o que tinha feito com a minha filha, como tinha feito, e me mandou pastar -E aí? - perguntou o juiz. - E ai que eu fui em casa, peguei meu revólver de caçar passarinho (revólver com munição de baixo calibre), voltei para o bar e descarreguei o bicho em cima dele. Outro burburinho se ouve na assistência. Muitos flashes da imprensa disparam neste momento, tentando eternizar na imagem a expressão de indignação do réu. - Mas o senhor tentou falar com ele outra vez? -perguntou o juiz. - Falar o que Meritíssimo? Ele era um biltre, sem vergonha! Me ameaçou bater na primeira vez que fui falar com ele! Eu simplesmente descarreguei a arma quando entrei no bar. - O que a vítima fazia quando o senhor entrou no bar?- perguntou o juiz. - Ele estava de costas para mim e de frente para a mesa de sinuca, bebendo e rindo com outros dois - respondeu o réu. “Oooh!” Se ouve da platéia. - Silêncio! advertiu o juiz batendo o martelinho de madeira que mantinha sobre a mesa. E continuou interrogando o réu: - Então o senhor confirma que atirou diversas vezes contra a vitima pelas costas? - perguntou o juiz. - Confirmo - respondeu o réu. - O senhor se arrepende do que fez? - perguntou o juiz. - Não! Faria de novo! Nenhum safado vai manchar minha honra não seu juiz! Na plateia, mais burburinho. Manifestações em favor e contra o réu são ouvidas.

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Alguém também chorava alto. E assim, confesso o réu, prosseguiu o julgamento, sem muito tumulto, mas atentamente acompanhado pelo povo. Testemunhas foram ouvidas e acusação e defesa foram aos debates. Debates esses muito calorosos, o que deixava a plateia mais excitada e ansiosa pelo resultado. A esta altura o julgamento já estava sendo acompanhado também por ouvintes da rádio local. Até o prefeito veio dar uma espiadela no julgamento... O argumento da acusação era óbvio: "O réu matou a vítima premeditadamente e dolosamente. Ele depois de ofendido pela vitima, foi em casa, pegou a arma e disparou contra a vítima pelas costas, matando-a covardemente, sem qualquer chance de defesa, homicídio qualificado, trinta anos de cadeia merece o algoz!" - Pediu o promotor. A defesa, porém, argumentou que a conduta do réu foi lícita, pois ele tinha sido gravemente ofendido pela sedução da sua filha o pelos impropérios assacados pela vitima. “Duplamente ofendido, portanto, e a ofensa e a vergonha diante da sociedade são para sempre, o que caracteriza um estado permanente do ofensa à honra, ofensa essa que foi repelida com os meios necessários pelo réu, um homem grande, mas idoso e incapaz de lavar a sua honra e a de sua filha no braço com um jovem rapaz, logo, ofensa também repelida moderadamente, considerando que uma situação daquela exigia que a vítima fosse calada para sempre", discursou o advogado em tom inflamado, dedo em riste e acrescentando: "Qual pai de família não faria o mesmo?” Em seguida, encerrados os debates, o juiz conduziu os jurados, o promotor e o advogado de defesa para a sala secreta, para que os quesitos fossem formulados pelo juiz e respondidos pelos jurados mediante voto secreto, sim ou não, escrito em um pequeno cartão que é depositado em uma urna. A cada quesito, explicação do juiz sobre o mesmo aos jurados, na frente do promotor e do advogado e, em seguida, a votação. Aos quesitos sobre materialidade e autoria do fato não houve surpresas, os jurados responderam sim, o réu disparou a arma de fogo contra a vitima, que morreu em razão dos disparos. Antes de votar o quesito sobre a legítima defesa da honra, tese defensiva, o juiz exaustivamente explicou aos jurados o que era legítima defesa, suas características, natureza e consequências em razão de uma resposta afirmativa ou uma resposta negativa. Antes mesmo de colher-se os votos, o promotor de justiça, com ares de quem já venceu, andava alegre pela sala conversando com seu assessor, incomodando um pouco o juiz que estava sisudo e concentrado diante da gravidade do momento. Depois de se certificar que todos os jurados estavam bem esclarecidos, passou o juiz a ler o quesito sobre legítima defesa e, ato contínuo, passou a urna colhendo os votos. Em seguida, abriu a urna, contou e recontou os votos, para em seguida, estupefato, declarar: "O réu está absolvido por unanimidade!”. O advogado do réu nada fala, apenas esboça um breve sorriso. O promotor fica branco, murmura algumas palavras um tanto atônito. Então, todos,

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juiz, jurados, promotor advogado voltam à sala de sessões. O juiz solenemente põe o capelo na cabeça, fica de pé, todos em seguida também ficam de pé, e anuncia a absolvição do réu por legítima defesa da honra. Manifestações de júbilo na plateia. O réu, sério, sem esboçar emoção, pergunta se pode ir embora e, autorizado pelo juiz, sai discretamente. Nesse momento o promotor inconformado brada: - Eu vou recorrer. Meritíssimo, este veredicto é manifestamente contrário à prova dos autos! Alguns meses se passam, o Tribunal de Justiça cassa a sentença de absolvição por ser manifestamente contrária à prova dos autos. Novo julgamento é marcado. O juiz cauteloso, substitui todo o corpo de jurados. No dia designado, o Conselho de Sentença sorteado tem uma composição equilibrada, considerando a idade e o sexo dos jurados. O réu, como da primeira vez, comparece ao julgamento pontualmente, é interrogado, e depois as testemunhas são ouvidas. Acusação e defesa apresentam os mesmos argumentos do primeiro julgamento, mas os debates são ainda mais apaixonados. Agora o promotor de justiça também apela para a emoção, menciona o sofrimento da mãe da vítima, o lamento da família da vítima, o trauma que o crime deixou na sociedade local e na própria filha do acusado. O advogado de defesa abraça com entusiasmo a mesma tese do julgamento anulado, legítima defesa da honra do réu e de sua filha. E o resultado novamente é o mesmo, o réu é absolvido por sete votos, por unanimidade, o vai embora para casa, altivo e tranquilo como chegou para ser julgado. O promotor de justiça não se conforma, visivelmente acabrunhado, pergunta ao juiz em que ele teria errado, ou se o problema era pessoal, uma falta de simpatia ou mesmo uma antipatia dos jurados e do povo da cidade para com ele. O juiz apenas olha para o promotor, pensativo. Nesse momento, o advogado de defesa, que se preparava para ir embora, intervém na conversa: "Se Vossa Excelência me permite, eu gostaria de frisar que o senhor promotor de justiça é muito benquisto na cidade, assim como o Meritíssimo. A absolvição do réu era mais do que esperada, eu avisei. Legítima defesa da honra no interior é batata, ainda mais do modo como a vitima tripudiou do pai da moça". E o juiz em tom reflexivo completou: "É verdade, o senhor está certo. A justificativa para a existência do Júri é justamente esta, a possibilidade de os jurados reconhecerem uma causa supra ou extralegal de antijuridicidade. É a moral, a ética local, justificando ou não um crime que qualquer um pode cometer, inclusive as pessoas de bem”. E o promotor respondeu: "Eu não me conformo. É por isto que o Júri tem que acabar. Isto é um absurdo! O sujeito mata e vai embora cheio de moral?". O juiz olhou, então, para o promotor e falou: "É a vida. Vivendo e aprendendo. Justiça foi feita, gostemos ou não do resultado. Vamos embora? Amanha é um novo dia, cheio de trabalho e Justiça para distribuir. O último apaga a luz!".

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VIGÍLIA Judik Thas (Conto selecionado) Num súbito levantou: “o velho, lembra do velho?" Mas de pé a dor veio aguda, curvou-a e a fez sentar na beirada da cama. O coração disparado, a mente confusa, a pergunta ainda ressoando: “o velho, lembra do velho?". A voz ecoou de um lugar do sonho, não de uma pessoa, falava baixo, mas era incisiva. Voltou a deitar tentando se recuperar do susto. Permaneceu quieta, bem quieta, a atenção aos poucos desfocando a dor e diluindo-se com seu corpo no colchão, os olhos fechando, o entorpecimento assumindo o comando... Mas de repente, na cozinha, o motor da geladeira engatilhou e também com ele uma consciência: meu deus, como pude fazer aquilo? Abriu os olhos e os fixou na janela, mas não havia luz ainda. "Pela manhã procurar um hospital”. O pé doía muito, cada vez mais inchado, mal pode se locomover durante o dia. Fechou novamente os olhos, ainda prevalecia o desejo da distância, do alheamento da realidade, dormir, dormir para todo o sempre, não queria pensar na confusão que seria sua vida com o pé quebrado, descansar... Um alvoroço na rua, gente correndo, gritando, um elefante raivoso jogava a tromba para todos os lados e bramia, um som como gemidos de dor, a pele encarquilhada lembrando a de um velho. "Não, não há barulho algum na rua, ninguém, madrugada ainda, nenhum ônibus passando na avenida, na mesma avenida onde avistei o velho! Atordoada sentou na cama, queria não lembrar, mas a associação foi imediata: ela que era jovem, agora com dificuldade para andar, e ele então? "Por que isto aconteceu comigo, cair da escada assim, sem mais nem menos?". A vibração contínua do motor da geladeira ainda a embalou por alguns minutos congelando-a no mundo dos sonhos, as orelhas do elefante eram asas de borboleta e ele voava, seria tão melhor poder voar, não precisar dos pés... Mas, então a geladeira emudeceu, a realidade se instalou no silêncio e na escuridão, e a insônia abriu seus olhos definitivamente. Inevitável a recordação da experiência com o velho, como um filme passando em sua cabeça. O velho caminhando lentamente. Mais do que isto, ele se arrastava pela calçada puxando um pé após o outro, como se fosse necessário calcular muito bem cada etapa do movimento que executava, como se cada passo fosse dolorido, e a imagem do trajeto a percorrer fosse desafiadora demais. Ela, a caminho do salão de beleza, o ultrapassou em poucos segundos e ao fazê-lo sentiu como se o desrespeitasse: sua juventude e saúde a alfinetavam com a contrastante exuberância e sua velocidade denunciava os descompassos do mundo. Outros andavam distraidamente ou ocupados com seus celulares e nem perceberam o velho. Os motoristas, protegidos pelo isolamento e velocidade dos

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carros, nem sequer puderam vê-lo. "O mundo corria ao redor e ele andava como um cágado em terra firme" - falou alto, como se conversasse com o marido, a voz ainda modorrenta. Entrou no salão um quarteirão à frente. De lá pode acompanhá-lo e passou a questionar: um velho ou um velho bêbado? Certo é que o viu chegar ao fim do quarteirão, certo é que viu sua grande dificuldade para descer o meiofio, certo é que um rapaz, um pouco mais à frente, também o via, certo é que nenhum dos dois se prontificou a ajudá-lo. "Eu esperava pela ação do rapaz e talvez ele esperasse pela minha. Típica cena do mundo moderno - alguém vai se mexer e fazer algo? Dai que o sentimento anterior de desrespeito apenas antecipou uma situação real, eu o concretizei naquele momento. Engraçado, eu sussurro como se estivesse em um confessionário. Mas estou sozinha, ninguém me ouve, nem padre nem Graciliano, que viajou”. Deitou novamente e ainda resmungou: "se bebeu, que resolvesse sozinho a situação e me eximisse do meu dever." Virou, revirou e afofou o travesseiro quinhentas vezes, o pescoço incomodado, quem sabe o sono voltava? Mas lembrava-se bem, ele não colocava o pé no lugar adequado ao descer o degrau, hesitava, perdia a coragem, voltava, se equilibrava, testava o chão como se fosse uma gelatina que não oferecesse a estabilidade para seus pés. “Ficou nesta dúvida um tempão e eu, vergonhosamente na dúvida de ajudá-lo. Eu via e analisava a situação externa-interna, mas não me mexia!". De repente aquele rapaz atravessou a rua – “ai alívio, ele ia ajudar” – mas passou direto sem sequer olhá-lo. O velho enfim conseguiu, firmou o pé no chão e atravessou a rua, mas ao subir o meio-fio seguinte desequilibrou e caiu. “Não ajudar também é não ver, não ver é como se aquela realidade não existisse, o velho não existisse. Como pude fazer isto, meu Deus! Este era um problema do meu tamanho, ao meu alcance. Eu, que ali no salão cuidava da estética, descuidava da ética e da humanidade. A vergonha de estacionar num lugar cômodo aumentava, saí da janela e deparei com minha imagem refletida no espelho do salão. Fechei os olhos para também não me ver". "E agora este sonho, esta voz, como se chamasse minha atenção, como quisesse me lembrar da tão falada banalização do mal passando descaradamente pelas minhas mãos, lembrar o meu lado sombra que se mostrou mais forte. Vitimização, agora? Culpa? Que bobagem, agir teria sido mais rápido, simples, efetivo, alegre e humano, Mas admito, ou não agi, não agi, mas simultaneamente me espantei comigo mesma, a minha atitude doeu. Maluco, não? Tão maluco que me pergunto: de quantas matérias sou feita? Tenho eu mais facetas com que me deparar?". Saiu da cama com a intenção de beber água na cozinha, e o choque da dor foi imenso, maior do que o que sentira até o momento. Voltou atrás. “E meu pé? Dizem que nossos pensamentos ou as forças mais profundas do inconsciente criam a nossa vida, a nossa realidade, e que tudo que vivemos é produto de nós mesmos. Teria a experiência com este homem me levado a

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quebrar o pé? Sim ou não? De quantas possibilidades sou feita? Preciso perguntar a Graciliano, ele que tanto gosta destes assuntos!". "Vigiai e orai - não dá pra esquecer, mas neste momento, bem que eu queria voar".

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RETROALIMENTAÇÃO (A ÉTICA NO COTIDIANO DO BRASILEIRO) Leôncio Ferreira (Conto selecionado) Que merda. Mais uma entrevista de emprego, mais uma decepção. Já foi a quarta só neste mês. Será que o problema sou eu? De novo disseram: "Você não tem o perfil que a empresa quer". Será que tenho que mudar alguma coisa para dar certo? Eu achei que tinha ido bem nessa, mas aquele moço mais novo conseguiu a vaga. Mas foi sendo desonesto, ele falou que era de um jeito quando conversamos e era outra pessoa na dinâmica de grupo. Ele parecia quieto como eu, mas na atividade ele chega, cheio de si, falando que é extrovertido, adora liderança e tudo o mais. Difícil se esforçar para ser certa e boa quando gente assim passa a perna e pega o emprego, dá um desânimo. Ao menos eu durmo de cabeça limpa. Bem, segue o jogo, talvez a entrevista semana que vem vá melhor, e agora eu tenho que ir buscar o Marcio. --- 1 hora depois --- Márcio! Sua mãe chegou, até amanhã. - Obrigado Shirley, ele deu trabalho hoje? - Imagina, você sabe que o Marcinho é um amor de criança. - Ah eu sei, ele sempre ajuda em casa. E aí mocinho, vamos lá? - Mamãe, eu tô com sono, me carrega? - Que é isso Márcio, você já tem 7 anos, não vou te carregar não. Mas eu levo sua mochila, a gente chega rápido em casa. Às vezes bate um dó de ver ele tão cansado, estudar integral é difícil para a criança dessa idade mesmo, ele sai da aula bocejando já. Mas é bom para ele, e não tenho com quem deixá-lo, se ele estudar só de tarde ou manhã. - Por que você tá toda arrumada mãe? Você foi trabalhar hoje? - Quem me dera. Lembra que eu falei das entrevistas? Eu tive outra hoje. - Quer dizer que você conseguiu um empe... Empere... Emperego hoje? - Não, ainda não. Mas vai que a da semana que vem vai melhor. - Ah... E mamãe, vamos no cinema no sábado? - Filho, você sabe que não tá dando ultimamente, a gente não tem dinheiro pra isso. - Mas todos os meus amigos vão! De novo não vai dar? - Marcinho, amigo que é amigo não liga quando não dá pra sair um dia, isso não é importante. Quando a mamãe tiver trabalhando a gente vai, tá bom? - Aaah... Tá bom...

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Não é importante ele ir ao cinema com os amigos, e o dinheiro não dá mesmo, mas eu queria poder dar essas coisas pra ele. E a grana tá começando a ficar apertada... Tomara que a próxima entrevista dê certo. --- 6 dias depois --Essa é uma empresa bem legal, seria muito bom se desse certo a entrevista... Mas é difícil esperar qualquer coisa... Já foram quantas? Quantas entrevistas que eu fui nesses últimos meses, sem retorno ou com um "não" como resposta? Eu realmente preciso voltar a trabalhar, por mim e pelo Márcio... E se... E se eu fizesse como aquele moço da última vez, fazer algumas mentiras inofensivas pra me valorizar pra empresa? Eu não gosto dessas coisas, mas talvez ajude um pouco... Ah, por que não, não tá machucando ninguém, e vai que ajuda. Ok, o entrevistador tá vindo, só manter a calma e fazer o que você sempre faz, mas falando mais pra encaixar no que eles querem... --- 3 semanas depois --- Alô? Quem fala? - Boa tarde, meu nome é Paulo, eu trabalho no Grupo Geldmacher, quem fala é a Daiane? É claro, mais uma rejeição. Só é estranho que eles estão ligando para falar isso. - É a Daiane sim, o que gostaria? - Estamos ligando em relação à seleção de emprego, você foi selecionada e gostaríamos de saber se você consegue começar na segunda? - O que? Eu fui... Claro, sim! Posso começar na segunda sim, sem problemas. - Ótimo. Você começa às 9h, chegando aqui procure a Flávia, eu vou encaminhar um e-mail com mais informações ainda hoje. - Ok, claro, obrigado! Uma boa tarde para você. - Boa tarde. Que loucura! Justo essa entrevista, que eu não tava dando nada, deu certo! Sinto-me um pouco suja de ter sido na que eu menti sobre mim, que eu fui selecionada, mas foda-se, finalmente eu tenho um emprego! Depois de o que? quatro, cinco meses? O que é mentir um pouco pra poder colocar comida na mesa e dar o que é bom pro Márcio? Fora que todo mundo faz isso, e eu tenho um motivo melhor do que muitas dessas pessoas que saem mentindo por ai. --- 4 horas depois --- Como foi a escola hoje filho? Pode deixar que eu levo a mochila hoje. - Foi legal, a Laura trouxe um carrinho novo e a gente brincou bastante.

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- Que bom! Viu, a mamãe tem uma surpresa boa, eu consegui um emprego novo. - Emperego novo? Isso é bom? - É muito bom filho. Quer dizer que a gente vai poder sair mais e ter mais coisas legais. Eu até pensei em irmos tomar sorvete pra comemorar, você quer? - Sorvete? Quero! Pode ser de coco? Eu adoro sorvete de coco. - Claro que pode filho, hoje é pra gente comemorar! Daqui um tempo quando a mamãe começar a receber o dinheiro do trabalho a gente pode até ir no cinema. - Uhu! Com pipoca também? - Com pipoca também filho, mas isso só mais pra frente tá bom? Vamos passar lá na mercearia agora. Fazia tempo que eu não via o Márcio animado assim com alguma coisa. Tomar sorvete ou ir ao cinema não é necessário e nem essencial, mas me deixa feliz ver ele animado desse jeito. Isso vale qualquer desconforto que eu tive por mentir na entrevista. - Boa tarde, a gente vai querer dois picolés, um de coco e um de morango. - Ok, os dois juntos saem 6 reais. - Aqui, você tem troco pra 20? Ele me deu o troco e saímos da loja. No caixa eu achei que ele tinha dado dinheiro a mais, mas só contei aqui fora, não tinha dado muita atenção. Ele deu a mais mesmo.. Eu deveria voltar pra devolver. - Mãe, o sorvete tá gostoso, quer um pouco? Você não vai abrir o seu? - Eu quero um pouco sim filho, já vou abrir o meu também. Vamos indo para casa? Ah, alguns reais não vão fazer falta pra ele, o moço tem uma loja, tem problema nenhum eu ficar com o troco. --- 2 meses depois --Nossa, a Larissa chegando à essa hora? Ela nunca atrasa, que estranho. - Lari, tá tudo bem? Que aconteceu pra você demorar tanto? Você sabe que o Lúcio pega no pé com atraso. - Ah, um babaca bateu no meu carro no trânsito. - O que? Sério? Você tá bem? E seus filhos, você não os leva para a escola no caminho pra cá? - Fica tranquila, não aconteceu nada, só riscou um pouco o carro e assustou os meninos. Foi até bom. já peguei a placa do babaca e vou entrar com processo, pro cara largar de ser idiota no volante. - Mas precisa disso Lari? Tá todo mundo bem, nem aconteceu nada com o carro, para que entrar com processo? Vai ser uma dor de cabeça isso.

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- Imagina se fosse com você, o cara chega e bate no seu carro com o Márcio dentro. Você não ia ficar puta da vida? Esse cara tem que pagar mesmo, tem que aprender a não fazer essas coisas, e o dinheiro vai ajudar muito. - Lari, parece que você tá mais interessada no dinheiro do que em fazer o certo. Vai te ajudar processar ele, mas tá certo fazer isso? Você nem conhece o homem, e não aconteceu nada. - Que certo que nada, ele faria o mesmo se eu tivesse batido no carro dele. E ele bateu no meu carro, tem que se ferrar mesmo, e se tivesse machucado as crianças? Gente assim tem que aprender na marra. - Mas nem aconteceu nada! E o que vai acontecer com ele? Você acha que tá certo fazer uma coisa des... O chefe está chegando. Melhor eu parar de falar e voltar a trabalhar, ele deve querer conversar com a Lari sobre o atraso. É, é sobre isso mesmo. Ai Lari, o cara tava errado, mas não precisa fazer essas coisas só pra se beneficiar... Se fosse comigo, eu faria a mesma coisa? ...Não, não faria. Eu não sou perfeita, faço minhas merdas mas esse tipo de coisa eu não faço. --- 4 meses depois --O Lúcio não parece muito feliz hoje, será que aconteceu alguma coisa? Bem, ele tá vindo aqui, acho que já vou descobrir - Daiane, você tem um minuto? Pode ficar tranquila, não é nada com você. - Claro chefe, o que aconteceu? - É em parte para dar um informe e agradecer. O departamento tem sido um dos mais produtivos da empresa, e eu fico feliz de poder trabalhar com vocês. É uma pena que nem todos os departamentos são como o nosso... Não sei se você já ouviu nos corredores, mas a empresa vai ter que reduzir gastos nos departamentos mais improdutivos. Como o nosso desempenho foi ótimo, não vai ter corte aqui, mas algumas pessoas de Recursos Humanos já foram mandadas embora. Enfim, eu sei que você era amiga de algumas delas, achei que você gostaria de saber mais informalmente, a Elisa e o Pedro vão sair da empresa. Que bom que o nosso departamento é produtivo, se todos fossem assim essas coisas não aconteceriam mas não tem o que fazer agora. Era isso, lembra de terminar aquele relatório até às quatro horas. O quê? Como assim? Isso não é possível, a Elisa e o Pedro vão ser demitidos? Isso... Eu... A única coisa que a produtividade dos departamentos dava era beneficio no fim do mês, eu não sabia... Eu que mudei os registros pro nosso departamento receber o bônus por desempenho, eu nunca pensei que isso fosse acontecer. Não, eu não sabia. Mas a culpa é minha, eu que fiz isso! A responsabilidade por eles terem perdido o emprego é minha! - Daiane? Daiane, você tá me ouvindo? - Eu... sim. Estou. Só... chocada. Eles perderam os empregos, isso é... Eu vou ao banheiro

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- Daiane? Isso é difícil, mas não tem nada a ver com a gente, não achei que você fosse ficar tão tocada. Daiane? Ok, ela já foi; Que se foda, eu preciso de tempo, vou trancar a porta do banheiro e só... Só sentar um pouco. Fui eu, eu que fiz isso. Mas eu não sabia... Eu não queria ferrar ninguém, só um pouco a mais pra mim e pros colegas, era inofensivo. Eu deveria falar do erro pro Lúcio... não, eu não posso fazer isso. Eu errei, mas se falar eu vou perder o emprego. E o Márcio? E eu? Foi tão sofrido antes de eu entrar aqui, como vamos viver depois disso? Com certeza seria mandada embora, talvez até processada. Não, tenho que ficar em silêncio. Que merda, merda, merda, merda. Por que eu inventei de fazer isso? Só pra ganhar um bônus no fim do mês? E por que justo comigo que dá errado? Quando a Larissa processou aquele cara, ela conseguiu um acordo e ganhou uma grana preta. A Amanda, que achou uma carteira fresca de uma saída de banco, pegou o dinheiro e devolveu só os documentos, falou que já tava vazia, e não deu nada. Justo comigo... todo mundo faz essas coisas, e justo eu me ferro? Nem eu, o pessoal do RH... Mas é lógico que eu fiz isso, de tanto fazerem e se darem bem, claro que eu entrei nessa, a culpa não é sua Daiane, para de se culpar. Antes eu era uma mulher certa, não fazia essas coisas não. Quando que eu comecei a fazer essas coisas... ... não importa agora. Eu não sei quando comecei a fazer essas coisas, mas foi tudo pro bem do Márcio. Faço o que for necessário pra ele e eu. Preciso engolir o choro e ir trabalhar. É uma bosta, mas a vida segue em frente. Não é porque eu fiz merda que o mundo vai parar de girar, e eu tenho que entregar a bosta do relatório até às 4.

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Posfácio A Academia Fluminense de Letras foi fundada em 22 de julho de 1917 por intelectuais idealistas empenhados em preservar os artífices naturais do Estado do Rio de Janeiro e suas respectivas obras na formação cívica e sociocultural de nossa nação. No ano de seu centenário foi reconhecida como a academia de letras oficial do Estado do Rio de Janeiro por meio da lei nº 7588 de 17 de maio de 2017. Esse reconhecimento mais uma vez reafirmou a importância desta Casa das Letras no contexto da Cultura, Educação e Ética em nossa sociedade, sendo estas temáticas, inclusive, as fontes inspiradoras do concurso que resultou na construção da presente coletânea de crônicas, contos e poesias. Afinal, os principais objetivos da Academia Fluminense de Letras também envolvem a divulgação da cultura, ciências sociais, artes, a valorização do nosso idioma e das nossas letras, além de contribuir para a preservação da memória dos vultos que se distinguiram na nossa história literária. Esta missão pétrea desta instituição foi reafirmada no I Congresso Brasileiro de Academias de Letras, com a abordagem do tema “Ética, Educação

e Cultura – Instrumentos Básicos para Fortalecer o Sentimento Nacional”, realizado durante as comemorações do Centenário da Academia

Fluminense de Letras. Esse evento reuniu Academias de Letras de várias cidades brasileiras para estimular e desenvolver ações socioculturais e educacionais vinculadas à ética, estimular a produção de livros e a difusão da leitura, valorizar o idioma nacional e intensificar a campanha para a sua oficialização na Organização das Nações Unidas. Ao final das exposições e debates foram colhidas sugestões, propostas e recomendações para a elaboração de um documento intitulado “Carta de Educação, Cultura e Ética de Niterói”, anexado integralmente ao final deste texto, para ser amplamente divulgado e que, inclusive, serviu de mote inspirador para o concurso literário, que resultou na presente obra. Assim, a Academia Fluminense de Letras reiterou com estas ações, seu empenho para que a Educação e a Cultura sejam impregnadas de Ética para construir um futuro bem mais promissor para todos os brasileiros. Como todos estes sonhos se concretizam por meio do apoio às iniciativas voltadas para o desenvolvimento das publicações literárias, a presente obra por si, justificou plenamente esse gratificante trabalho. Vale ressaltar o cuidado, da instituição, da comissão julgadora e deste organizador, em respeitar os originais recebidos, em sua forma, conteúdo e liberdades poéticas, ainda quando certas passagens possam não se coadunar estritamente com regras formais gramaticais. Além de reafirmar a ética preconizada na Carta acima citada, tal postura reafirma a intenção de nossa Academia de acolher da forma mais ampla os trabalhos concorrentes, sobretudo dos novos escritores, certamente a matéria prima - mesmo quando ainda não burilada - que garantirá a ampliação de leitores e de construtores da palavra escrita, objetivo tão necessário em nosso

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país, que ainda lê e escreve tão pouco em comparação com sua potencialidade literária. Finalizo agradecendo a todos participantes que doaram seus talentos literários para a construção de cada página deste livro e também aos confrades que tão generosamente contribuíram para o sucesso desta digna empreitada. Flavio Chame Barreto Diretor de Acervo Documental e Bibliográfico da Academia Fluminense de Letras.

Carta da Educação, Cultura e Ética de Niterói Os integrantes do I CONGRESSO BRASILEIRO DE ACADEMIAS DE LETRAS, promovido pela Academia Fluminense de Letras e pela Secretaria de Cultura / Fundação de Arte de Niterói, de 20 a 22 de julho de 2017, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, celebrando o transcurso do Centenário da Academia – 22 de julho – com a parceria da Universidade Federal Fluminense / Pró-Reitoria de Extensão, com a participação de Academias de Letras de várias regiões do Brasil e de municípios do Estado do Rio de Janeiro, além de entidades literárias e culturais congêneres, universidades, autoridades das áreas da Cultura e da Educação, professores, escritores, jornalistas, artistas, estudantes reunidos no Centro de Convenções do H Niterói Hotel para tratar de assuntos relevantes relativos à Cultura, à Educação e à Ética nos territórios fluminense e nacional, com análise e estudos, através de exposições, palestras e mesas redondas sobre os temas: “Educação, Cultura e Ética”, “Contribuição das Academias para Preservação do Patrimônio Cultural”, “Como Melhorar o ENEM e a Base Nacional Comum Curricular”, “Valorização do Idioma Português como Patrimônio Nacional – Campanha para Oficialização na ONU”, “A Relevância da Leitura no Século XXI”, “Entre o Autor e o Leitor – O Editor de Livros na Contemporaneidade”, “O Papel da Imprensa Fluminense”, visando a constante melhoria dos padrões de Educação e de Ética, e o incentivo às iniciativas de preservação da Memória e de difusão da Cultura; Decidiram assinalar neste documento, intitulado CARTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E ÉTICA DE NITERÓI em homenagem à cidade sede do Congresso, pontos fundamentais considerados propostas de equacionamento de alguns problemas debatidos, com sugestões e recomendações a serem levados às instituições públicas e particulares, Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, assim como às pessoas comprometidas em contribuir para um futuro mais ético, justo e responsável, a partir do processo educacional e do movimento cultural, para melhoria da conduta da sociedade em favor do Bem Comum.

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PROPÕEM E RECOMENDAM: Que seja inserido na formação educacional de todos os níveis, desde o fundamental ao superior, o ensino de Ética e Moral, na modalidade mais adequada, para criação de uma consciência ética, essencial na formação da cidadania, nas profissões, negócios e seu desempenho digno na sociedade, como meio de prevenção e combate à corrupção degeneradora do organismo nacional; Que sejam implantadas em todos os estabelecimentos de ensino dos mais variados níveis e modalidades, comissões de Ética, com a participação de professores, alunos, pais, promovendo reuniões periódicas, abertas à comunidade; Que se promovam medidas para aperfeiçoamento da qualidade do Ensino, incluindo no currículo matérias como Educação Moral e Cívica, Educação Artística, Educação Musical e outras; Que o ensino da Língua Portuguesa e da Literatura seja feito com a visão de que na língua nacional e na sua expressão literária estão as mais altas representatividades da nossa cultura, em permanente contato com as demais manifestações artísticas; Que seja incluído nas escolas regulares o ensino da Linguagem Brasileira de Sinais / Libras – reconhecida como Língua Oficial do Brasil pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 – garantindo o aprendizado dos deficientes auditivos, e que as bibliotecas públicas incluam em seus acervos obras em Braille, destinadas aos deficientes visuais, como forma de disseminação da leitura e Cultura para todos; Que os estabelecimentos de ensino públicos e privados de todos os níveis e as organizações sociais, além das entidades públicas, estimulem o respeito aos símbolos nacionais, contribuindo para levantar os sentimentos de brasilidade e amor à Pátria; Que se elabore e promova estratégia destinada a mais dignificar a figura do Professor – responsável pela Educação e pela Cultura – em sua missão fundamental para o desenvolvimento sociocultural do Brasil, destinando recursos suficientes para condições adequadas de trabalho e uma remuneração condigna valorizadora de suas altas responsabilidades para a comunidade nacional; Que o ENEM, em sua função de vestibular, busque constante aperfeiçoamento, levando-se em conta as críticas feitas em razão do conteúdo, tipo de provas e

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tempo exíguo para ler os textos propostos e interpretados pelos candidatos, e a distorções na formulação das questões, e que sejam incluídos temas sobre Ética nos concursos; Que sejam criados em todos os municípios brasileiros os Conselhos de Educação como instrumento de participação e fiscalização da gestão escolar, respeitando-se em sua composição a paridade de representatividade de órgãos do governo e da sociedade, buscando-se o equilíbrio entre membros da Secretaria de Educação, de entidades particulares, pais e estudantes, com a presidência sendo exercida em forma de rodízio entre os órgãos governamentais e as entidades particulares; Que sejam organizadas bibliotecas nas instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do País, dirigidas por profissionais habilitados em Biblioteconomia, sendo cumprida a meta prevista na Lei nº 12.244/2010 (2020), por serem as mesmas ferramentas fundamentais para a Educação e a Cultura; Que os livros e a leitura sejam incentivados como instrumento insubstituível para a cultura ética, a educação, o saber transformador de vidas, para melhoria da convivência e integração social, através de subsídios governamentais para a edição de livros, sobretudo os voltados para estimular esta ferramenta básica para o desenvolvimento cognitivo infantil e a futura caminhada nos estudos, facilitando o acesso aos livros; Que seja compromisso dos órgãos públicos nos três níveis de Governo estimular, fomentar, apoiar e manter as Academias de Letras nas capitais dos estados e nas cidades a fim de fortalecer o movimento cultural; Que as Academias de Letras e outras entidades congêneres se unam em entidades representativas, em âmbito nacional e nos estados brasileiros, como estratégia destinada a fortalecer suas importantes ações em favor do patrimônio cultural, da Educação e da Ética, vencer obstáculos a fim de defender e mais valorizar os sentimentos e as raízes nacionais; Que seja proporcionada maior relevância, por todos os meios ao alcance das instituições, federais, estaduais e municipais, ao Dia Nacional da Cultura e da Língua Portuguesa no Brasil – o 5 de novembro – como uma das formas de mais valorizar o idioma nacional e ressaltar a importância da Cultura como patrimônio nacional; Que se intensifique a Campanha para que o Idioma Português se torne oficial na Organização das Nações Unidas, congregando entidades socioculturais, organizações públicas e particulares, a fim de evidenciar o reconhecimento e o

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valor do 4º idioma mais falado no mundo, presente em todos os continentes, integrador de etnias, culturas, costumes, religiões e posições políticas e ideológicas, e que o Memorial contendo os fundamentos da proposta, com as assinaturas dos participantes deste Congresso e de outros interessados nesse esforço consensual, seja levado à sede da ONU em Nova York; Que os meios de comunicação em massa, imprensa escrita, radiofônica, televisiva e redes sociais sejam intérpretes dos anseios de respeito à dignidade humana, à defesa da vida desde a concepção, à verdade, à justiça, à melhoria dos padrões de conduta da cidadania e da sociedade, promovendo a compreensão e a tolerância, a resolução de conflitos e a busca da paz; Que os veículos de comunicação das cidades do interior, de grande importância na capilaridade da difusão cultural em todas as regiões do território nacional, sejam também contemplados na seleção de mídia dos órgãos públicos para fins de veiculação da publicidade oficial, como forma de valorização da imprensa independente e de contribuição para a democratização dos meios de comunicação. Este documento resultante do I CONGRESSO BRASILEIRO DE ACADEMIAS DE LETRAS, que celebrou o Centenário da Academia Fluminense de Letras, contém contribuições recolhidas durante sua realização, constitui compromisso solidário em defesa da Cultura, da Educação e da Ética, envolvendo o propósito de múltiplas profissões, atividades culturais, educacionais, científicas e sociais, e deverá ser encaminhado aos poderes públicos, entidades e órgãos cujas atribuições compreendem os assuntos tratados, bem como aos meios de comunicação e à sociedade em geral, como expressão de respeito à Cultura, à Educação e à Ética. Sala das Sessões, Niterói, 22 de julho de 2017

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Impresso por Clube de Autores Publicações S/A CNPJ: 16.779.786/0001-27 Rua Otto Boehm, 48 Sala 08, América - Joinville/SC, Brasil - CEP 89201-700 www.clubedosautores.com.br Tipografias utilizadas: Arial 12 (corpo de texto) Arial 16 (capitulares) Arial 24 (caracteres especiais) Papel offset 75 Formato A4 (21cm x 29,7cm) Brochura (acabamento) Preto e branco (coloração do miolo) Editor Flavio Chame Barreto - FCB 2018

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