UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo
Análise de aplicabilidade de princípios da biomimética ao projeto arquitetônico Relatório Final de pesquisa de iniciação científica, realizada sob orientação da Arq. Dra. Vanessa Gomes da Silva, docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Felipe Lopes de Paula flp87@fec.unicamp.br, (19)3837 1874 Aluno de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Análise de aplicabilidade de princípios da biomimética ao projeto arquitetônico
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Análise de aplicabilidade de princípios da biomimética ao projeto arquitetônico 1.Introdução Biomimética é o processo em que, para resolver problemas decorrentes do modo de vida adotado, o homem se inspira em soluções encontradas pela natureza. Esse pensamento tornouse atrativo a partir do momento em que se reparou que durante a história da Terra diversos dos ecossistemas espalhados pelo mundo, que hoje encontram-se em aparente estabilidade, também tiveram de passar pelas mesmas dificuldades que a humanidade está enfrentando. Acredita-se na potencialidade da biomimética como uma ferramenta útil no processo projetual e que já vem sendo empregada em alguns momentos no setor da construção. Ao buscar inspiração em processos naturais, estar-se-ia seguindo no rumo certo, visto que estes invariavelmente obtêm resultados eficientes e com um menor consumo de energia e matéria, objetivos compartilhados pela busca de uma arquitetura sustentável. Esta pesquisa tem como objetivo, portanto, encontrar e analisar exemplos de biomimética aplicáveis a projetos arquitetônicos considerados ecologicamente corretos. Parte desta pesquisa consistiu em uma análise documental a partir de livros, revistas especializadas e artigos recentemente publicados que comprovassem essa hipótese. Devido à escolha e a própria disponibilidade dessas fontes, pode-se observar que grande parte dos exemplos encontrados tratam de obras com certa repercussão no cenário mundial e também alguns produtos muito recentes que apresentam uma disponibilidade restrita para o mercado brasileiro. Mas certamente isso não elimina a aplicação da biomimética em edifícios de menor porte ou que ela seja um ideal distante da indústria da construção civil brasileira. Como veremos em alguns poucos exemplos, esses casos existem e a esperança é a de que eles aumentem com a disseminação do conceito de sustentabilidade no setor de construção. A primeira metade da pesquisa (segundo semestre de 2007) concentrou-se no levantamento de construções que teriam utilizado algum tipo de mimese da natureza e criar uma ficha técnica para cada projeto. Nesse momento, também se deu início a uma organização dos exemplos através dos pontos coincidentes presentes em cada um deles. A primeira forma de agrupá-los ocorreu por meio da criação de quatro grupos referentes aos assuntos: cobertura, estrutura, controle térmico e vedação. No término dessa fase já era possível identificar alguns nomes que apresentavam uma forte ligação com o conceito de biomimetismo como, Mick Pearce, arquiteto do Zimbábue, e do grupo inglês Arup and Partners apresentaram uma produção com forte ligação com o conceito. Na etapa final da pesquisa (primeiro semestre de 2008), enfatizou-se a busca de produtos relacionados à construção civil, desenvolvidos a partir de conceitos de biomimética. Novamente as revistas especializadas e artigos publicados, vários deles na internet, mídia mais ágil, auxiliaram na busca dessa gama de produtos, que se tratam ainda de uma grande novidade. A partir dos resultados do levantamento, foi possível notar que uma grande parte dos produtos encontrados estão relacionados às técnicas ou materiais de revestimento. A tabela abaixo procura sintetizar o material produzido por essa pesquisa, organizada
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através dos três grupos os quais se sistematizou as informações coletadas: Estrutura, Controle Térmico/Eficiência Energética e Revestimento.
Obras Cristal (1851) Paxton
Inspiração Palace Joseph
Estádio Olímpico de Munique (1972) Frei Otto
Estrutura
Aeroporto de Stuttgart (19801993) M. von Gerkan Residência Pouso Alto (2004) Nilton Massafumi e Tânia Parma
Ponte do futuro (1988) Marks Barfield Architects
St. Mary Axe (1997-2004) Norman Foster Estádio Nacional de Pequim (2003-2008) Herzog & De Meuron Eden Project (19962001) Nicholas Grimshaw Watercube – CNN (2003-2006) SPW Architects
Aplicação
A exemplo da planta, apresenta um sistema estrutural hierárquico em forma de Vitória-régia grid responsável pela distribuição as cargas, no caso do edifício é a cobertura. Mimese da teia da aranha Cyrtophora citricola para a elaboração de uma tensoTeia de aranha estrutura capaz de cobrir o complexo esportivo. O caminho mais curto encontrado pela natureza se torna interessante para estruturas como os pilares que têm com Árvore (tronco e função concentrar as forças resultantes em um único ponto. Essa solução resulta em galhos) estruturas leves e econômicas já que correspondem ao caminho natural das forças. O projeto é composto de peças muito semelhante à de vértebras, ligadas de modo a formar um arco. Diferentemente das demais, a Ponte do Futuro utilizaria Coluna vertebral apenas um apoio tendo sua outra extremidade em balanço, graças ao equilíbrio de esforços de compressão dos componentes e tração dos cabos de aço. Fachada de função estrutural composta de elementos dispostos de modo a formar Poríferos uma grelha de losangos. A solução pode ser comparada ao exoesqueleto dos poríferos. A exemplo dos pássaros que usam uma infinidade de materiais para conceber seus ninhos, os projetistas investiram na Ninho de pássaro estabilidade de um conjunto de elementos estruturais e não na resistência dos materiais isoladamente. Uso da geometria encontrada entre células ou bolhas, resultando em estruturas que Arranjo das vencem grandes vãos utilizando a menor quantidade de material possível. células e bolhas
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Revestimentos
Conforto térmico / Eficiência energética
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Eastgate Center (1991-1996) Mick Pearce
Cupinzeiro
Vawtex (2001) Mike Rainbow
Sâmaras
The Esplanade (1995-2002) DP Architects, Michael Wilford & Partners
Urso polar
Instituto do Mundo Árabe (1981-1987) Jean Nouvel
Íris (olho)
Efeito lótus (2001) Wilhelm Barthlott
Lótus
Entropy Interface Floor
Chão de floresta
TacTilesTM Interface Floor
Lagartixa
Manta em colméia Hexcel Composites
Favos de colméia
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O complexo de lojas e escritórios usa o ar adquirido durante a noite para enfrentar os dias quentes e faz uso desse mesmo ar aquecido para manter constante sua temperatura durante a noite. Essa capacidade de manipular a temperatura pode ser comparada aos cupinzeiros. O exaustor criado pela divisão da Arup and Partners usa um desenho semelhante à dessa semente para maximizar a performance do aparelho sem o uso de energia elétrica. No complexo cultural vemos um envoltório formado pelos painéis de alumínio com formato triangular. O intervalo entre os elementos proporciona um efeito aproximado ao encontrado na pelagem dos ursos, o que aumenta a eficiência do edifício com relação ao conforto térmico. Semelhante ao funcionamento da íris, os diafragmas metálicos do Instituto do Mundo Árabe também possuem a função de regular a quantidade de luz que penetra no ambiente. Principio utilizado em superfícies com características autolimpantes. Ao simular a superfície da folha do lótus cria-se um local instável para a fixação de partículas de sujeira. Carpete modular que possui um padrão semelhante ao encontrado no chão de uma florestas. A disposição randômica de suas cores possibilita a troca apenas dos módulos danificados ou desgastados. Adesivo desprovido de substâncias químicas inspirado na configuração das patas de uma lagartixa. Possui a propriedade de aderir a superfícies quando solicitado em uma direção e não oferecer maior resistência em outra. A disposição geométrica semelhante a da uma colméia de abelhas propiciou um material de revestimento muito leve, porém com resistência elevada.
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2.Estrutura No decorrer dessa pesquisa, foi possível notar o grande fascínio do homem pelas estruturas criadas pela natureza. Algo que não poderia ser diferente, tendo em vista que o meio natural foi e continua sendo uma das maiores fontes para os desafios da engenharia. Como resultado dessa posição de observador e aprendiz, conseguiu-se “criar” uma gama de sistemas estruturais razoável, capaz de materializar os mais diversos projetos. Durante a história, vários projetistas obtiveram resultados expressivos ao se inspirarem na natureza, dentre eles, destacase Antoni Gaudí. Talvez um dos fatos mais interessantes seja a presença da biomimética em um edifício símbolo de uma nova era da construção, o Cristal Palace. Esse edifício, construído em 1851, foi um dos primeiro a dotar de elementos totalmente industrializados. A sede da primeira Exposição Mundial realizada em Londres foi fruto da mente de Josehp Paxton, um projetista sem formação, mas um observador de grande sensibilidade. Além das peças pré-fabricadas que garantiram a agilidade na montagem, a obra dotava de grande arrojo estrutural ao propor o vencimento de vãos de até 7,2 metros. O engenheiro Augusto C. Vasconcellos afirma em seu livro, Estruturas da Natureza (Vasconcellos, 2000), a importância do contato de Paxton com a Vitória-régia, importada anos antes para a Inglaterra: Palácio de Cristal – vista interior
“Paxton ficou encantado com a estrutura dessa planta e verificou sua resistência colocando sobre ela sua filha de 8 anos. Em 1849 construiu em Chatsworth um teto plano com estrutura plissada em ziguezague que ele, sem conhecimento de estática, interpretou como equivalente à estrutura da folha”. O autor compara a tecnologia empregada na estufa do Castelo de Chastworth e, em seguida, no Palácio de Cristal, à forma com que a folha da planta distribui as cargas. A estrutura treliçada da cobertura disposta em forma de grade (grid) equivaleria à hierarquia presente nas nervuras da Vitória-régia. Folha (nervuras) da Vitória-régia
Mesmo que não existisse a preocupação com um método construtivo sustentável na época, ainda assim era preciso pensar na economia do material por questões financeiras. A estrutura feita por Paxton e suas derivações podem ser vistas como soluções positivas para serem utilizadas em um edifício ecologicamente correto, já que procura atender às necessidades de grandes vãos sem um grande volume de materiais e, conseqüentemente, propiciando pilares com seção mais esbelta. No século seguinte, no final da década de 60, começa a se destacar um dos arquitetos que mais se utilizou do conceito de biomimética em suas estruturas, o alemão Frei Otto. Sua busca por estruturas leves, eficiente e que proporcionassem uma maior liberdade formal o levaram a estudar as soluções empregadas por outros seres vivos. Para criar um repertório que viria a ser usado por ele e por outros profissionais, Frei Otto fundou o Instituto de Estruturas Leves de
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Stuttgart onde realiza diversos experimentos. Uma obra desse arquiteto que merece uma atenção especial é a grandiosa cobertura projetada para o Estádio Olímpico de Munique no ano de 1972. Se colocarmos lado a lado imagens dessa tenso-estrutura com a de uma teia produzida pela aranha Cyrtophora citricola, fica evidenciada a relação existente entre as duas estruturas(Roland, 1973). Assim como essa espécie de aranha, que consegue fixar sua teia através de poucos pontos localizados, o arquiteto alemão manteve suspensa sua malha apenas através de alguns cabos presos a postes. Tenso-estrutura usada Estádio Olímpico
no de
Da mesma forma que a seda produzida pela aranha se mostra eficiente diante dos esforços causados na teia, os cabos de aço, até o momento, mostram-se uma das melhores opções para cobrir grandes áreas com um uso reduzido de material. No entanto tenso-estruturas necessitam de um conhecimento técnico não muito comum aos profissionais da área, e, no Brasil, talvez seja quase inexistente. Caso mais profissionais se dediquem ao estudo das tenso-estruturas aliadas as formas naturais esse campo poderia colaborar muito mais com o caminho da sustentabilidade.
Cobertura do Estádio Olímpico de Munique.
Teia produzida pela aranha Cyrtophora citricola
Outra obra que pode ser apontada como resultado dos estudos desenvolvidos por Otto e seus colaboradores são os Terminais 1 e 3 do Aeroporto Internacional de Stuttgart. Projeto arquitetônico de Meinhard von Gerkan e estrutural, de Schlaich Bergermann, respectivamente. No interior dos terminais pode-se ver um outro alvo de estudos do Instituto de Estruturas Leves: um pilar de forma semelhante a de uma árvore. O posicionamento dos galhos das árvores tenta suprir as necessidades das plantas que é criar a maior exposição possível à luz do sol e promover o menor caminho para a seiva. O caminho mais curto encontrado pela natureza torna-se interessante do ponto de vista físico para uma estrutura como os pilares, que têm de concentrar toda a força resultante das lajes em alguns pontos (Rebello; et al, 2006). O resultado é uma estrutura leve e econômica, já que corresponde ao caminho natural das forças, além de exigir um menor numero desses elementos. Esse exemplo mostra mais uma forma de se pensar em uma estrutura que vença grandes vãos com um número reduzido de material. O pilar em forma de árvore pode ser visto em algumas edificações espalhadas pelo mundo, temos inclusive alguns exemplos brasileiros como a passarela da residência na Barra do Uma e na ESCAS, Terminal do Aeroporto Internacional de Stuttgart
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Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, desenvolvidos pela dupla de arquitetos Nilton Massafumi e Tânia Parma, de São Paulo - SP. Além das vantagens em termos de economia de material, esse tipo de pilar pode proporcionar uma solução estética muito interessante. Nos estudos promovidos pelos brasileiros pode-se ver que existe certa liberdade ao se manipular os barbantes embebidos em gesso e presos a um plano.
Estudos de pilar árvore feitos por Nilton Massafumi e Tânia Parma.
Em 1988, um concurso idealizado pela revista New Civil Engineer para a elaboração de uma ponte do futuro proporcionou mais uma manifestação da biomimética. O projeto da dupla de arquitetos Julia Marks e David Barfield usou como modelo a coluna vertebral. Inspirados pela capacidade dessa estrutura sustentar parte do corpo e pela sua flexibilidade, os projetistas criaram uma ponte de pedestres de 200 metros que atravessaria o Grand Canyon. Ela seria composta de 23 peças com desenho em forma de “Y”, muito semelhante à de vértebras interconectadas de modo a formar um arco. Diferentemente das demais pontes arqueadas que trabalham somente com a compressão e portanto necessitam de dois apoios, a Ponte do Futuro projetada pela dupla utilizaria apenas um apoio, tendo sua outra extremidade em balanço (Williams, 2003). A estabilidade da estrutura seria possível graças ao equilíbrio entre os esforços de compressão entre os componentes contra balanceados pela tração promovida pelos cabos de aço. Algo semelhante ao que acontece na coluna através do encaixe entre os ossos e sua ligação realizada pelos tendões. Projeto apresentado por Julia Marks e David Barfield
A idéia de Julia Marks e David Barfield não foi executada até o momento, no entanto pode ser muito útil tanto para pontes quanto para outras estruturas em balanço ou para coberturas. A leveza do conjunto, a possibilidade das peças serem industrializadas e teórica facilidade em sua montagem e desmontagem podem ser vistos como quesitos que tornem uma obra mais sustentável.
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Ao analisar obras mais recentes, é possível ver que o uso da biomimética tem influenciado cada vez mais no resultado final como método projetivo. Diferentemente de épocas anteriores a mimese não tem se resumido apenas a alguns elementos estruturais do edifício, mas também na totalidade de sua concepção. Auxiliados pelos grandes avanços da tecnologia muitos arquitetos vem tentando inovar no design de seus edifícios, alguns deles fazem isso pensando em torná-los mais sustentáveis como nota-se a seguir. Em meio aos prédios de Londres encontra-se o edifício St. Mary Axé, projetado por Norman Foster. Com o auxilio do grupo Arup and Partners, Foster foi capaz de criar um arranha-céu de 180 metros de altura com uma forma muito singular. O projeto foi encomendado pela companhia de seguros Swiss Re e apresenta boas aplicações de sustentabilidade, dentre elas o biomimetismo aplicado no conceito estrutural (Williams, 2003).
Fachada estrutural
Porífero - exoesqueleto
O edifício possui algumas diferenças quando comparado ao sistema estrutural mais tradicional para um edifício desse porte, que geralmente concentra a maior parte da carga no core central. O St. Mary Axe também possui um núcleo central, no entanto ele precisa suportar uma carga menor, já que em sua fachada existem elementos estruturais. Essa alternativa, criada junto à Arup, usa uma grelha com padrão de losangos, formada por elementos tubulares, algo semelhante ao papel desempenhado pelas espículas, estruturas ricas em calcário ou silício, encontradas nas esponjas do mar. Nestes casos, tal arranjo permite ao ser vivo conservar um vazio central mesmo em um ambiente submetido à pressão extremamente elevada (solo marinho). Quando importada para o St. Mary Axe essa estratégia converteu-se em uma economia de material empregado nas lajes e no core com uma melhor distribuição das cargas, além do ganho de áreas livres por necessitar de muitos pilares em seu interior. Norman Foster se utiliza de outras características dos poríferos para torna sua obra mais eficiente do ponto de vista estrutural. Sua forma ogival permite um fluxo facilitado dos ventos ao redor do edifício, o que diminui a carga causada por esse fator sobre o prédio. A preocupação se repete nesses seres vivos que tem de conviver com a dinâmica das correntes marítimas.
Estudo aerodinâmico
A proposta desse famoso arquiteto inglês se mostra como uma mudança radical da forma dos edifícios verticais que conhecemos hoje. Talvez uma planta-tipo de formato circular não seja a mais fácil de adequar-se espacialmente a alguns programas, como por exemplo, uma habitação. No entanto, a preocupação com a influência do edifício no microclima do local já se
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mostra como uma evolução na forma de se pensar um edifício em relação ao seu entorno. Provavelmente se passamos a compreender melhor algumas formações verticalizadas da natureza, como ocorre em alguns corais, poderíamos criar melhores relações entre o ambiente construído e os ambientes externos. Outro exemplo muito evidente de mimese aplicado a estruturas pode ser visto no recém inaugurado Estádio Nacional de Pequim. Neste caso, o “emaranhado” que o caracteriza não serve para suportar os vários carregamentos existentes em um arranha-céu, porém cumpre com inteligência e elegância sua função que é a de envolver o estádio. A fonte de inspiração para o envoltório da edificação foi o ninho produzido pelos pássaros, em especial o ninho do pássaro tecelão. A autoria do projeto é da dupla suíça Herzog & De Meuron, mais uma vez com a participação do grupo Arup and Partners. O Estádio Nacional de Pequim, criado para abrigar os principais eventos da Olimpíada de 2008, traz também uma nova forma de se pensar na distribuição de elementos estruturais em uma construção. O “ninho de pássaro”, como ficou conhecido o estádio, possui um aparente emaranhado de vigas e treliça onde dificilmente pode-se apontar uma lógica estrutural, mas é essa aparente “aleatoriedade” que trousse ganhos a estrutura. Na verdade o envoltório metálico, que forma a fachada e cobertura do local, foi resultado de estudos da equipe da Arup que garantem que, graças a essa disposição, a obra consiga uma aparente leveza formal prevista no projeto. A exemplo dos pássaros que usam com grande habilidade uma infinidade de materiais para conceber seus ninhos, os projetistas investiram na estabilidade de um conjunto de elementos estruturais que, isolados, não obteriam o mesmo rendimento. Assim, os 36 Km de elementos metálicos, caso fossem enfileirados, puderam ser dimensionados usando uma quantidade menor de material, limitando-se a caixas ocas de aço de espessura proporcionalmente reduzida(Sayegh, 2007).
Estádio Nacional de Pequim
Ninho de um pássaro
A complexa malha produzida pela Arup utiliza um conceito diferente do padrão utilizado nos edifícios mais convencionais. Ao invés de posicionar elementos estruturais de maneira pontual, o edifício propõe uma distribuição de cargas através de quase toda sua superfície. Além disso, usando componentes de extrema leveza feitos de aço e não de blocos estruturais que dão estabilidade ao prédio através do monolitismo. É nítida a economia de material que essa técnica traria, no entanto ela estabelece uma margem de erro muito pequena visto que a estabilidade está intimamente relacionada ao funcionamento do conjunto como um todo. Nos dois exemplos seguintes, o uso da biomimética como solução estrutural busca suas respostas no arranjo espacial das bolhas, que possuem a mesma disposição presente no agrupamento de células e em seres unicelulares. O uso desse modelo não é uma novidade para a arquitetura, ele já foi alvo de estudos de Frei Otto no Instituto de Estruturas Leves de Stuttgarrt como também do arquiteto inglês Buckminster Fuller. Ambos teriam se interessado por esse
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arranjo que tem como propriedade criar a menor superfície de contato entre seus elementos, sejam eles bolhas ou células. Essa fórmula encontrada pela natureza para economizar o maior número de material possível em áreas de contato foi incorporada nesses dois projetos. O primeiro deles é Jardim do Éden projetado por Nicholas Grimshaw e a Arup, construído entre 1996 e 2001. Esse complexo é dotado de um conjunto de estufas chamadas “biomas”, espaços totalmente climatizados que possuem em seu interior uma infinidade de plantas tropicais. Além das dimensões impressionantes desse jardim botânico, 26.000m², pode-se destacar o porte do conjunto de redomas que envolvem o complexo. Jardim do Éden – domos
Tratam-se dos maiores domos geodésicos executados pelo homem até hoje, em seu ponto mais alto chega a 60m e sua extensão chega a quase 1 km. Essa estrutura foi possível graças à composição de hexágonos, pentágonos e triângulos realizada por computadores (Arup, 2001). O resultado final se aproxima ao exoesqueleto presente um gênero de protozoários marinhos, os radiolários. Tanto nos domos quanto nesse ser pode-se ver novamente uma solução que graças a sua geometria acaba usando uma quantidade reduzida de material. O segundo exemplo trata-se do Centro Nacional de Natação construído em Pequim para as Olimpíadas de 2008. O edifício de autoria do grupo SPW Architects com a Arup tinha um grande desafio em sua execução, que foi projetar um ambiente fechado que abrigasse as piscinas, o que exige grandes vãos. Algo que comumente já requer um maior empenho no cálculo estrutural também teve de considerar a ação dos abalos sísmicos que ocorrem nessa região da China. Logo, a solução mais usual, que seria o uso de estruturas delgadas, não se mostrava interessante devido a sua fragilidade diante de atividades sísmicas (Figuerola, 2007).
Estrutura do Centro Nacional de Natação
A Arup, após realizar simulações no programa de analise estrutural LS-Dyna, optou por desenvolver uma estrutura com elementos compactos que se mostraram mais estáveis mesmo após a deformação causada pelos tremores. No entanto, para a execução dessa estrutura, seria necessária uma quantidade ainda maior de material incluindo mais uma preocupação, que seria o seu próprio peso. Na tentativa de diminuir o peso da estrutura, a equipe da Arup recorreu à teoria das bolhas de sabão criada por Weaire e Phelan, professores do departamento de matemática da Trinity College, da Universidade de Dublin. Ela foi criada para resolver um problema matemático proposto no século 19 pelo físico irlandês Lord Kelvin: "se nós tentarmos subdividir o espaço tridimensional em múltiplos compartimentos, todos de igual volume, de que formatos esses seriam quando as superfícies subdivididas são de uma área mínima?".
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Teoria desenvolvida por Weaire e Phelan
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A solução mais eficiente encontrada pela dupla foi com o uso de duas diferentes “células”, uma com 14 lados (dois hexágonos e 12 pentágonos) e uma de 12 lados (todos pentágonos) (Schroeder, 2004). A teoria aplicada ao edifício resultou em uma aparência sugestiva para a finalidade da obra, o que rendeu o apelido de Cubo d’água. O CNN, assim como o Jardim do Éden, conta ainda com o revestimento de ETFE (etileno tetrafluoretilono), material reciclável e aplicado de modo a formar “colchões” de ar que melhoram o desempenho térmico do centro.
Os quatro últimos edifícios apresentados possuem em comum a qualidade de apresentarem uma estrutura leve se comparados aos sistemas construtivos mais convencionais. Essa espécie de exoesqueleto, criado de maneiras diferentes em cada um deles, mostra a variabilidade de uma mesma idéia que, no entanto, mantém como prioridade a leveza dos componentes e uma economia de material. Através desses casos de estudo pode-se concluir que atualmente a biomimética, aliada ao uso de alta tecnologia, tem feito avançar pesquisas em sistemas estruturais que funcionam de forma mais integradas. Essa união permitiu utilizar o material de forma mais eficiente. 3. Conforto térmico / Eficiência energética A utilização das condições externas a favor do conforto e da eficiência energética do edifício é umas das condições mais elementares para sua sustentabilidade. Essa prática pode levar a soluções complexas, mas também a algumas idéias simples que apresentam uma grande eficiência. Contrário aos outros dois grupos em que essa pesquisa foi dividida, nesse pode-se ver obras em locais onde não são comuns grandes investimentos em tecnologia de ponta, mas que não foi impedimento para que surgissem ótimas idéias baseadas na biomimética. O Eastgate Center é um complexo de lojas e escritório construído na cidade de Harare, Zimbábue, projetado pelo arquiteto Mick Pearce, arquiteto nascido no país, em conjunto da equipe da Arup. O projeto desenvolveu um caminho alternativo para a climatização de seu interior: ao contrário da atual tendência dos edifícios hermeticamente fechados, que tem sua temperatura controlada por aparelhos de ar-condicionado, o Eastgate possui um sistema passivo para o controle de temperatura. Essa estratégia diminuiu a dependência do complexo por um sistema mecânico responsável por seu controle térmico, o que resultou em economia de energia significativa. Cupinzeiro
A partir do estudo dos cupinzeiros locais, que revelaram a forma de superar as altas temperaturas da capital do Zimbábue. Essa espécie de cupim cultiva fungos no interior de morada, algo nada fácil, pois para que isso aconteça à temperatura deve permanecer estável (por volta de 30o C) enquanto a temperatura externa pode variar entre 2 o C e 38 o C (Gissen, 2003). A tática adotada por esses insetos foi a de construir um abrigo que utiliza o sol para aquecer-se durante o dia e durante a noite, quando a temperatura é mais baixa, usa o ar quente
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que escapa por orifícios de seu topo para criar uma sucção que renova o ar interno através de “dutos” localizados em sua base. Assim o cupinzeiro usa o ar adquirido durante a noite para enfrentar os dias quentes, e faz uso desse ar aquecido para manter constante sua temperatura durante a noite.
Sistema passivo do Eastgate Center
No Eastgate Center vemos esse biomimetismo através das chaminés que permitem a saída gradual do ar quente produzido durante o dia, provocando o efeito “chaminé”, que promove a entrada de ar frio através de aberturas em níveis mais baixos (Willmert, 2001). Devido à diferença de pressão, o ar é conduzido para todos os andares por baixo do piso e em seguida liberado resfriando os ambientes. Aberturas na parte superior dos ambientes captam o ar quente, que é direcionado para as chaminés tornando constante o efeito do sistema de refrigeração constante.
As medidas relativamente simples adotadas por Mick Pearce mostraram-se muito eficientes para a situação. No entanto é válido lembrar que sua solução tornou-se exeqüível em um local que tem como característica uma amplitude térmica elevada, logo é necessário encontrar uma situação semelhante para que a haja uma eficiência semelhante. Ainda na capital do Zimbábue pode-se apontar outro exemplo de biomimética aplicada a um ambiente construído sem o dispêndio de um grande volume de dinheiro. Trata-se do sistema de exaustão utilizado na Escola Internacional de Harare, conhecido como Vawtex. O Vawtex possui o desenho próximo a de uma turbina que é capaz de captar a energia presente nos ventos e transmiti-la para um ventilador que tem a função de sugar o ar quente do ambiente interior para fora. Essa invenção é de autoria de Mike Rainbow, funcionário da Arup and Partners. Vawtex O princípio do funcionamento desse aparelho se assemelha ao encontrado nas sâmaras, um tipo de fruto encontrado em alguns gêneros das famílias das Malpighiaceae, Sapindaceae e algumas Fabaceae.
Sâmaras
Ambos redirecionam a energia presente no ambiente de modo a favorecê-las, a semente possui uma hélice que capta a brisa de forma a levá-la o mais longe possível de sua árvore progenitora. A turbina possui pás posicionadas em torno de um eixo vertical, o que a torna capaz de captar ventos de qualquer direção. Aliada à energia eólica captada no exterior, tem-se o processo natural de convecção que ocorre no interior do ambiente e, ao acionar a hélice do Vawtex, torna o conjunto até três vezes mais
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rápido que a velocidade do vento do local (Arup, 2002). Esse sistema eólico de controle térmico possui as vantagens de não utilizar energia elétrica, não ser poluente, ser mais silencioso e ainda possuir o mesmo custo de instalação que os sistemas convencionais. Pode-se associar ainda a característica das sâmaras a outra solução sustentável presente no projeto do Estádio dos Jets em Nova York. Elaborado por Kohn Pedersen Fox Associates no ano de 2001 o estádio contaria com chapas metálicas retorcidas que também fariam a captação da brisa, nesse caso a vinda do mar (Gissen, 2003). Diferente do exemplo anterior, essas turbinas usariam a energia do vento para gerar energia elétrica, e assim tornariam o edifício auto-suficiente em alguns momentos e, eventualmente, uma fonte de energia para os arredores em outros. O principio dos dois casos anteriores mostra-se interessante para edifícios sustentáveis em um ambiente urbano, tendo em vista que permite explorar uma das características desse ambiente que é a imprevisibilidade dos ventos. Além de promover seu controle térmico através do condicionamento de ar, este edifício também pode manter-se confortável para seus usuários ao estabelecer uma barreira entre seu interior e as condições climáticas externas. Os dois próximos exemplos trabalharam com essa questão, resultando em envoltórios com formas parecidas com algumas estratégias encontradas no meio natural. Desde de que a equipe formada pela DP Architects e Michael Wilford & Partners venceu o concurso para a criação de um complexo cultural para a Marina Bay em Singapura, os projetistas tinham uma certeza: a bela vista não poderia ser ignorada (Richards, 2003). O uso do vidro seria a forma de se conseguir o contato com a paisagem, porém uma “caixa de vidro” traria um enorme ganho de calor devido ao clima do país. Com a consultoria de profissionais do Atelier One foi possível criar painéis de alumínio que protegem o interior de insolação direta sem que a vista ficasse prejudicada. Um fato importante desse projeto é a proximidade da linha do Equador o que significa pouca oscilação da rota do sol durante o ano e, portanto, uma maior facilidade e eficiência de seus “brises”.
The Esplanade – brises
The Esplanade – Marina Bay
Outro beneficio apontado por Hugh Aldersey-Williams, em seu livro Zoomorphic: New animal architecture (Williams, 2003) é que, além da proteção dos raios solares, nessa disposição, os elementos de fachada criariam uma camada de ar que funcionaria como um isolante térmico, algo semelhante ao que se vê nos ursos polares. Nos ursos polares, delicados músculos se contraem para manter parte de sua pelagem eriçada, isso cria espaços entre os pelos preenchido por ar atuando como um “cobertor”. No complexo cultural, nota-se uma estrutura um pouco mais simplificada formada pela superfície composta dos painéis de alumínio com formato
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triangular. O intervalo entre os elementos proporciona um efeito aproximado ao encontrado nos ursos, aumentando o desempenho térmico do edifício. O Instituto do Mundo Árabe, projetado por Jean Nouvel, também usa um envoltório capaz de limitar os efeitos das condições externas no edifício, porém de modo mais interativo. A fachada dispõe de mecanismos que controlam a iluminação incidente em seu interior, o que podem ser comparados ao funcionamento da íris de nossos olhos. A íris, porção que define a cor de nossos olhos, possui dois músculos: o músculo dilatador que diminui a íris, portanto aumenta a entrada de luz; e o músculo esfíncter que aumenta a íris permitindo a Instituto do Mundo Árabe menor entrada de luz (Bianco,_). Essa espécie de “diafragma”, assim como nas máquinas fotográfica analógicas, tem a função de ajustar o foco da imagem criada em nossa retina. A princípio, Jean Nouvel teria se inspirado no musharabieh. No entanto, o desenvolvimento tecnológico propiciou o uso de uma estrutura mais complexa, painéis compostos por vários diafragmas feitos em alumínio. Os 240 painéis presentes na facha sul contam com 27.000 dispositivos sensíveis a luz, sendo capazes de controlar a incidência de luz direta e manter a iluminação homogênea (Tzonis, 1992). Painéis projetados por Nouvel
Tanto o complexo cultural em Singapura quanto o Instituto do Mundo Árabe são casos de biomimética que envolveram uma elaboração muito mais complexa que as obras anteriores. No primeiro caso fica mais evidente uma grande ligação com a especificidade do local e no segundo a necessidade de um uso constante de recursos tecnológicos. O resultado são edifícios que exigem maiores estudos em sua elaboração e um custo maior com sua a manutenção, como os painéis de Nouvel. Porém isto não deve ser visto como algo negativo, uma vez que a tendência é uma aplicação cada vez maior de novas tecnologias e que isso pode ser usado de forma benéfica na busca pela sustentabilidade dos edifícios. 4. Revestimentos Na segunda etapa dessa pesquisa passou-se a pesquisar a existência de mimeses da natureza não só em projetos arquitetônicos, mas também em componentes construtivos. Com a mudança da escala do objeto de estudo, vê-se que novas questões tornam-se mais evidentes na elaboração de elementos sustentáveis, dentre eles, pode-se apontar o tempo de uso (vida útil) e a sua destinação após o término dele. Nesse grupo, pode-se ver que muitas das idéias que surgiram a partir do biomimetismo ainda estão em processo de desenvolvimento, ou são vistas ainda como uma possibilidade de aplicação na arquitetura, já que não atingiram uma escala de produção compatível com a construção civil. O segmento que, até o momento, tem produzido resultados mais concretos, é o relacionado a revestimentos, com destaque para a Interface Floor, que tem mostrado um comprometimento em diminuir o impacto de seus produtos.
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Simulação da superfície de uma folha de Lótus
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Inicia-se essa análise a partir de um exemplo que tem como potencial provocar a economia de nosso bem mais precioso, a água. O “efeito lótus”, como é conhecida essa nova tecnologia empregada em superfícies impermeáveis e autolimpantes, foi descoberto pelo botânico alemão Wilhelm Barthlott, em 2001, na Universidade de Bonn. Sua pesquisa consistia no estudo da superfície de diversas plantas através de um microscópio eletrônico de escaneamento. Nesse processo ele precisava limpar as pétalas e folhas antes de analisá-las. Foi nesse momento que ele reparou que a superfície que menos tinha trabalho para limpar era a do lótus de flor branca (Robbins, 2001).
A partir de então, ele passou a reparar que as superfícies mais rugosas eram geralmente as mais limpas. Na folha de um lótus reparou-se a existência de minúsculos nódulos que proporcionavam uma região muito instável para que as partículas de sujeira se apoiassem. Quando uma gota de água, em geral advinda da chuva, entra em contato essa superfície, ela também não encontra área suficiente para se fixar. Desse modo, ela se agrupa em forma de gota e se desloca ao longo da folha levando toda a sujeira existente no caminho. Tinta de exterior autolimpante - Lotusan
Com o reconhecimento dessas características do lótus e com uso da nanotecnologia, foram desenvolvidos produtos com propriedade autolimpante. Como exemplos, podemos apontar a tinta para exterior produzida na Alemanha com o nome de Lotusan e também alguns tecidos que possuem essa vantagem, dentre eles o Lotus Effekt, em desenvolvimento pela Santista Textil. São alguns dos exemplos de uma idéia que ainda pode ser explorada em mais campos afim de diminuir ao máximo o uso da água apenas para a limpeza. Já a empresa de carpetes Interface Floor possui a pretensão de praticamente anular o impacto ambiental que seus produtos poderiam gerar, seu objetivo vem sendo conquistado aos poucos, graças à ajuda da biomimética no processo de elaboração de seus revestimentos. Um desses produtos tem o nome de Entropy, é um carpete modular, que possui um padrão semelhante ao encontrado no chão de florestas. A disposição randômica de suas cores possibilitou a aplicação de diversas vantagens ao produto. Módulo do carpete Entropy
Essa aparente aleatoriedade composta intencionalmente pelo fabricante permitiu que se pudesse dividir o carpete em módulos de 50 cm X 50 cm. Assim não existe uma grande rigidez para a instalação do carpete, logo essa liberdade pode se reverter em um aproveitamento maior de material na obra, gerando uma quantidade significativamente menor de perdas.
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Outra vantagem da estratégia presente no Entropy aparece durante sua manutenção. Enquanto que em carpetes comuns é necessário retirar grandes superfícies do material para reparar danos em áreas pontuais e assim manter um padrão uniforme do piso, no caso deste revestimento, o reparo resume-se à substituição dos módulos danificados, sem que isso altere o aspecto geral do piso. Carpete Entropy
Após a criação de carpetes ecologicamente corretos, a empresa Interface Floor passou a desenvolver um método de instalação que também fosse menos agressivo ao meio ambiente. Na busca por algo alternativo aos métodos tradicionais que envolvem produtos químicos e não reutilizáveis, mais uma vez o conceito de biomimetismo foi a chave para solucionar o problema. Foi baseando-se nas maneiras que alguns animais conseguem se fixar às superfícies que se conseguiu um produto adesivo livre de qualquer substância que servisse de cola. Dentre os animais talvez o caso do gueko, uma espécie de lagartixa, seja o mais próxima da tecnologia empregado nesse adesivo chamado TacTilesTM.
Superfície da pata de uma lagartixa
TacTilesTM
A capacidade desse animal de se locomover com grande agilidade por diversos tipos de superfícies, sejam elas lisas, rugosas, hidrófilas (atraem água) ou hidrofóbicas (repelem água) já há alguns anos atraía a atenção da indústria de adesivos. Porém, não se sabia até pouco tempo como a lagartixa conseguia essa façanha se não possuía ventosas nem produzia qualquer substância com propriedades adesivas. Chegou-se a uma resposta somente depois de submeter as patas do animal a um microscópio eletrônico. Através do instrumento foi possível constatar a existência de cerca de milhões de minúsculas cerdas, cada uma com cerca de 100 micrometros de comprimento, nas pontas de cada dedo. Segundo o Dr. Kellar Autumn, da Faculdade Lewis and Clark, em Portland, uma lagartixa utilizando todas as suas cerdas ao mesmo tempo seria capaz de sustentar até 120 kg.
Após estudos realizados sobre a nova descoberta, aliada à teoria de forças de Van der Waals, foi possível compreender os motivos da mobilidade da lagartixa e, assim, torná-la replicável. O TacTilesTM consegue explorar muitos dos benefícios promovidos por essa mimese. Esse adesivo, assim como o réptil, concentra seu poder de atração em apenas uma direção. Em sua instalação não é necessário pressioná-lo sobre a superfície, mas sim apenas deslizá-lo. Com esse movimento, as nanoestruturas presentes no material entram em contato com a superfície e criam uma ligação intermolecular entre o adesivo e a superfície (Rearing,
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2008). Como esta ligação fica fragilizada caso ocorra uma força perpendicular à superfície aplicada, esse produto consegue fixar-se e fixar os carpetes modulares com muita eficiência quando se realiza uma força paralela a superfície, porém proporciona uma fácil remoção do carpete e dele mesmo quando conveniente e sem deixar resíduos. Os bons resultados desse caso de biomimética mostram um caminho diferente e mais sustentável para muitos elementos da arquitetura de interiores e até mesmo de elementos externos de um edifício. A partir do momento em que se podem fixar objetos, mesmo com um peso elevado, e tem-se a opção de retirá-los quando for conveniente, é inevitável repensar questões relacionadas à mobilidade e vida útil dos mesmos. Poderiam surgir propostas de ambientes extremamente versáteis, Favos de colméias. compostos de elementos de fácil reposição ou substituição por outros mais aperfeiçoados pela indústria. Juntamente com essa hipótese de poder trocar com extrema facilidade os produtos, torna-se necessário também pensar na destinação dessa provável nova linha de produtos, procurando reciclá-los ou torná-los biodegradáveis. Como último exemplo dessa pesquisa de mimese da natureza, temos uma construção que despertou a curiosidade do homem desde a Antiguidade, por Pappus Alexandria (320 d.C.) como nos lembra o eng. A. C. Vasconcellos em seu livro (Vasconcellos, 2000).O motivo pelo qual as abelhas construíam seus favos sempre de modo a formar um prisma tendo como base o hexágono foi discutido durante muitos anos. Até concluir-se que, de modo intencional ou não, as abelhas chegaram a uma estrutura para seu favo que se utiliza da menor quantidade de cera possível mantendo-se uma mesma área. O próprio Vasconcellos mostra em seu livro que a segunda geometria mais econômica, o quadrado, consumiria cerca de 7,5% a mais de material. Tendo o conhecimento dessa propriedade, a Hexcel Composites foi a primeira empresa a produzir um revestimento semelhante à forma de uma colméia em escala industrial. Esse novo produto tinha como características uma baixa densidade, baixo custo e uma grande resistência a esforços. Logo passou a ser produzido com diversos materiais e a ser utilizado como revestimento em diversas áreas, como nas indústrias naval, militar, aeronáutica e até mesmo na aeroespacial. Hoje esse modelo em forma de colméia pode ser visto como parte de estruturas em sanduíche, e além de suas propriedades de resistência mecânica também se mostra um bom isolante térmico e acústico (Rebello; et al, 2006).
Manta de alumínio com geometria hexagonal
5. Considerações finais Essa pesquisa iniciou-se na expectativa de encontrar certa dificuldade para reconhecer obras e documentos que tratassem da biomimética na arquitetura. Porém, após a consultar fontes relacionadas à arquitetura praticada atualmente, e outras relacionadas às descobertas recentes da ciência, foi possível notar que esse conceito já está presente na produção de alguns profissionais e empresas do setor, sendo muitos destes exemplos destaques no cenário
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internacional. Após essa constatação, foi conveniente dividir os campos de aplicação encontrados em grupos, os quais seguem algumas conclusões: ·
Estrutura: Esse se trata do grupo o qual mais encontrei exemplares de mimese, muitos deles com uma semelhança incrível. No entanto pude notar que a maior parte se encontra em países com um alto grau de desenvolvimento. Não entendo que foi o poder aquisitivo desses países o principal fator que propiciou a execução das obras, mas sim sua produção tecnológica, visto que cada um dos casos estudados consistia numa inovação. Sua execução foi possível principalmente pela participação ou pelo conhecimento criado por órgãos de pesquisa como no caso do Instituto de Estruturas Leves de Stuttgarrt. Não se pode descartar a existência de alguns casos isolados, como a dupla de arquitetos brasileiros citados, porém a partir de uma análise geral fica claro que para que surjam maiores exemplos de biomimética nas estruturas é necessário o desenvolvimento do ensino e de pesquisas tecnológicas além de tornar a sustentabilidade uma das diretrizes de um projeto arquitetônico.
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Conforto térmico / Eficiência energética: Provavelmente esse seja o grupo no qual se encontram algumas das soluções mais fáceis de serem aplicadas em diferentes realidades devido a sua simplicidade. As aplicações dos princípios apresentados nessa pesquisa poderiam auxiliar-nos a diminuir muitas das dificuldades presentes nos nossos dias, como a geração de energia e a climatização de ambientes sem utilizar grandes quantidades de energia. Revestimentos: Nesse grupo mais uma vez a aproximação entre institutos de pesquisa e fabricantes foi importante para o desenvolvimento de produtos biomiméticos. Pelos poucos casos listados já se pode notar as mudanças radicais que esses novos produtos trarão para o setor da construção civil.
Eficiência, fabricação e uso de forma otimizada, econômica, e de baixo impacto ambiental são qualidades em um produto que agradam tanto aos fabricantes quanto aos consumidores, e ficam ainda mais evidentes no setor de construção, onde se trabalha em grandes quantidades. É com essa mentalidade que empresas de todo o mundo têm procurado fazer uso de conceitos de biomimetismo.
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