)NSPIRADA NAS EXPOSI ÜES E DISCUSSÜES DO ) 7ORKSHOP DA &-#36 ESTA PUBLICA ÎO PRETENDE DISSEMINAR IMPORTANTES CONHECIMENTOS SOBRE $ESENVOLVIMENTO )NFANTIL E ASSIM COLABORAR PARA QUE PROFISSIONAIS DE ÉREAS AFINS E A SOCIEDADE EM GERAL VALORIZEM O PERÓODO COMPREENDIDO ENTRE A CONCEP ÎO E OS ANOS DE IDADE #OMO SERÉ VISTO OS CUIDADOS DURANTE O PRÏ NATAL E NA PRIMEIRA INFÊNCIA EXERCEM IMPACTOS
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SIGNIFICATIVOS NO DESENVOLVIMENTO FÓSICO COGNITIVO E INSER ÎO SOCIAL E ADEQUA ÎO NAS ETAPAS FUTURAS DE SUA VIDA
FUNDAÇÃO MARIA CECILIA SOUTO VIDIGAL
EMOCIONAL DA CRIAN A E TÐM RELA ÎO DIRETA COM A SUA
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A FUNDAÇÃO
A Fmcsv HISTÓRICO
A FMCSV foi criada em 1965, pela família Souto Vidigal, para atender a necessidade então existente de geração e prática de conhecimentos na área de hematologia. Atuou nessa área durante quase quarenta anos, realizando pesquisa e diagnóstico em leucemia, por meio de um laboratório - de referência nacional - que criou e disponibilizou ao atendimento gratuito da sociedade. No período de 1965 a 2001 ocorreu um progresso científico de grande magnitude gerando novos conhecimentos sobre o entendimento do câncer, incluindo a leucemia. Novas tecnologias de pesquisa, de diagnóstico e de tratamento modificaram substancialmente o entendimento da leucemia, gerando no Brasil novos centros de hematologia com estudos mais adiantados sobre a doença. Frente a este cenário, a FMCSV iniciou um processo de revisão de sua atuação e concluiu que seria importante associar seu laboratório a um desses novos centros para maximizar o beneficio à sociedade. Assim, estabeleceu uma parceria com a Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo pela qual o laboratório da FMCSV foi transferido e incorporado ao Departamento de Hematologia da Faculdade, junto ao Hospital das Clínicas. Como resultado do processo de revisão, uma nova missão foi estabelecida com o intuito de adequar o papel da FMCSV às necessidades presentes da sociedade e aos interesses de uma nova geração da família que assumia as responsabilidades pelo futuro da organização.
A Fmcsv Redefinição
A nova missão da FMCSV passa a ser “Coletar, interpretar, gerar, sistematizar e disseminar conhecimento sobre temas importantes para a sociedade - relacionados de forma interdisciplinar com as áreas de saúde, educação e meio-ambiente - promovendo mudanças culturais em prol da solução de problemas presentes e futuros”. Um fundo patrimonial foi criado para possibilitar a sustentabilidade da Fundação, sendo este gerido de forma a permitir a perpetuidade dos recursos. Uma nova estrutura de governança foi estabelecida, sendo composta por um Conselho Curador; um Conselho Fiscal e uma Superintendência.
A Fmcsv Atuação
A FMCSV atua como uma Organização de Inteligência, investindo em atividades de geração de conhecimento sobre temas importantes para a sociedade e disseminando alternativas de ações para a solução de problemas iminentes ou futuros, nas áreas de saúde, educação e meio ambiente. Interesse pelo Desenvolvimento Infantil (DI) O Desenvolvimento Infantil, da concepção aos 3 anos, é o primeiro foco de atuação da FMCSV, especialmente no que diz respeito à importância das relações interpessoais iniciais e do vínculo afetivo entre mãe e bebê para o desenvolvimento integral (físico, cognitivo e psicossocial) da criança e o bem-estar do futuro adulto. A FMCSV entende que o investimento no desenvolvimento infantil é estratégico para a transformação da sociedade, como já demonstram inúmeros estudos. Investir neste foco significa contribuir para a prevenção de questões sociais, atuais e futuras – como baixa escolaridade, criminalidade, violência e outras –, pois estas estão diretamente relacionadas com a qualidade dos cuidados que um indivíduo recebe nos primeiros anos de vida. Portanto, a transformação social ocorre quando existem oportunidades para que a criança tenha seu potencial estimulado, desde a concepção até os três anos, pelos próprios pais ou cuidadores, apoiados por serviços e profissionais locais disponíveis em quantidade e qualidade para atender tal demanda. A geração e disseminação de conhecimento sobre como criar tais oportunidades, compõem uma das estratégias de ação da FMCSV.
DESENVOLVIMENTO INFANTIL Da concepção aos três anos de idade Contribuição dO I WORKSHOP da FMCSV
ORGANIZADORES Saul Cypel – Coordenador do Programa de Desenvolvimento Infantil da FMCSV. Marcos Kisil – Diretor Superintendente da FMCSV. Paula Weiszflog Lisbona – Gerente de Programas da FMCSV.
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO............................................................................................. 4
INTRODUÇÃO................................................................................................. 6
CAPÍTULO 1
O papel dos meios multimídia na formação de agentes de desenvolvimento da criança: o Programa Família Brasileira Fortalecida (FBF) - Gianvittore Calvi e Lucila Martínez................................... 50 Estratégias de mobilização no município de Santos: Experiências do Lar Veneranda, da Rede Sementeira e do Programa REDINs - Valéria Regis. ................................................................... 56
Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil
Gestão compartilhada de projetos: o trabalho da Fundação Arcor - Javier Rodriguez................................................... 62
Investindo no desenvolvimento infantil: Preenchendo a lacuna entre o que sabemos e o que fazemos - James F. Mustard......................................................................................... 12
CAPÍTULO 3
Ingredientes-chave para um programa de desenvolvimento infantil eficaz: um relato de experiências envolvendo comunidade, governo e setor privado - Mary E. Young. .......................................................................... 22
O olhar sobre o bebê: aspectos e práticas- Regina Orth de Aragão. ....................................................70
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Detecção e intervenção nos distúrbios do desenvolvimento infantil a partir do Programa de Saúde da Família - Wagner Rañna. ...................................................................... 32 A interação das crianças com adultos e outras crianças: o papel das famílias, educadores e comunidade no Desenvolvimento Infantil - Zilma de Moraes Ramos de Oliveira......................... 44
O Papel das Políticas Públicas na Atenção a Crianças de 0 a 3 Anos
A Infância como Eixo Integrador de Políticas Públicas: Programa Primeira Infância Melhor – (PIM) - Leila Maria de Almeida................. 78
considerações finais.......................................................................88
ANEXO Participantes da I Oficina de Trabalho Internacional sobre DI................................... 90
O I Workshop Internacional sobre Desenvolvimento Infantil da FMCSV Com o intuito de agregar conhecimentos sobre o tema Desenvolvimento Infantil (DI) e identificar alternativas de intervenção nessa área, a FMCSV decidiu realizar, periodicamente, um Workshop Internacional sobre Desenvolvimento Infantil. Na primeira edição, realizada em 20 de setembro de 2007, reuniu, em São Paulo, um grupo selecionado de profissionais já atuantes na área de DI para discutir questões relevantes e orientar a atuação da FMCSV. O evento contou com a participação de 70 profissionais, de diversas áreas – neurologia, pediatria, neonatalogia, obstetrícia, psicologia, psicanálise, psiquiatria e educação –, que representaram diferentes organizações, dos setores público e privado.
APRESENTAÇÃO
O Workshop partiu de um conceito de desenvolvimento infantil integral e integrado, dando espaço à reflexão sobre os papéis da família, dos serviços comunitários e da sociedade para o desenvolvimento adequado das crianças, bem como o papel das políticas públicas para que a sociedade incorpore tais conhecimentos, permitindo, de maneira sustentável, que todas as crianças alcancem seu pleno potencial de desenvolvimento.
Finalidade da Publicação Inspirada nas exposições e discussões do I Workshop da FMCSV, esta publicação pretende disseminar importantes conhecimentos sobre Desenvolvimento Infantil e, assim, colaborar para que profissionais de áreas afins e a sociedade em geral valorizem o período compreendido entre a concepção e os 3 anos de idade. Como será visto, os cuidados durante o pré-natal e na primeira infância exercem impactos significativos no desenvolvimento físico, cognitivo e emocional da criança e têm relação direta com a sua inserção social e adequação nas etapas futuras de sua vida.
As transformações econômicas, sociais, ambientais, culturais e políticas pelas quais o mundo vem passando
Contribuições do Desenvolvimento Humano para a compreensão do homem
têm gerado grandes desafios para as sociedades. Dentre eles podem ser destacados: a melhoria da educação;
O Desenvolvimento Humano é o estudo que permite a
a redução da violência e da pobreza, a promoção
observação e a melhor compreensão do comportamento
da saúde física e mental, e a garantia de direitos da
das pessoas e suas modificações durante todo ciclo da
população e das gerações futuras.
vida, desde a concepção até a morte.. Baltes1 identificou quatro princípios básicos fundamentais
Diversos economistas e cientistas políticos acreditam
inerentes ao desenvolvimento do ciclo vital. São eles:
que a solução para estes desafios passa pelo
INTRODUÇÃO
As evidências aportadas pelas neurociências demonstram que os primeiros anos de vida, da concepção aos 3 anos, definem a base para a vida, pois têm influência significativa no desenvolvimento global do ser humano. Pesquisas têm mostrado que a quantidade e a qualidade dos estímulos que a criança recebe do ambiente em que cresce, desde sua concepção, afetam seu potencial de desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial. Este, por conseqüência, tem influência direta na capacidade da criança tornar-se um adulto saudável e competente, em todos os aspectos de sua vida.
investimento permanente no capital humano.
• O desenvolvimento é vitalício. Cada período do
Maximizar o potencial humano é uma tentativa
tempo de vida é influenciado pelo que aconteceu
de garantir que as próximas gerações sejam de
antes e afetará o que está por vir. Cada período tem
populações capazes, prósperas, saudáveis, tolerantes,
suas próprias características e um valor singular.
pacíficas, estáveis e democráticas. Para tanto, torna-se fundamental entender o processo
• O desenvolvimento depende de história e contexto. Cada pessoa desenvolve-se dentro de um conjunto
que permite que cada indivíduo alcance seu potencial
específico de circunstâncias ou condições, definidas
máximo de desenvolvimento integral, em todas as suas
por tempo e lugar. Os seres humanos influenciam seu
dimensões: física, cognitiva e psicossocial.
contexto histórico e social e são influenciados por ele.
Este tema, embora relevante para toda e qualquer sociedade, é particularmente importante para países como o Brasil onde os direitos humanos não são ainda respeitados para com significativa parcela da população. Esta tem dificuldade de acesso a serviços
• O
desenvolvimento
é
multidimensional
e
multidirecional. O desenvolvimento envolve um equilíbrio entre crescimento e declínio. As pessoas procuram maximizar ganhos e minimizar perdas, aprendendo a administrá-las ou compensá-las.
básicos de saúde, moradia, segurança, educação. Neste
• O desenvolvimento é flexível ou plástico. Plasticidade
sentido esta população não tem oportunidades para
significa capacidade de modificação conforme certas
desenvolver seu potencial de crescimento integral.
necessidades, porém dentro de certos limites.
1
Baltes, P.B., Lindenberger, U. & Saudinger, U. M. (1998). Life-span theory in developmental psychology. In R. M. Lerner (Ed.), Handbook of child psychology: Vol.1. Theorical models of human development. (pp.1.029-1.143). New York: Wiley. 2 3
4
Carneiro, P.M. e Heckman, J. J. Human Capital Policy. Londres: Institute for the Study of Labour (IZA): IZA discussion paper 821.
Os textos apresentados a seguir foram organizados a partir das exposições realizadas durante a I Oficina de Trabalho Internacional sobre DI da FMCSV.
O estudo do desenvolvimento humano busca
• Jovem adulto (20 aos 40 anos);
sua correlação com o desenvolvimento socioeconômico
parte da citoarquitetura cerebral, bem como sua
compreender os fatores que levam ao desenvolvimento
• Meia-idade (40 aos 65 anos);
de uma população. Os estudos liderados pelo Prêmio
organização sináptica, que se estrutura, por sua
integral e equilibrado do homem em seus aspectos
• Terceira idade (65 anos em diante).
Nobel de Economia em 2000, James Heckman ,
vez, pela determinação genética e, em definitivo,
evidenciam que os cuidados adequados na primeira
pelas relações interpessoais iniciais que a criança
3
físico, cognitivo e psicossocial, considerando que estes estão interligados e influenciam um ao outro durante
Os períodos que englobam a concepção aos 3 anos
infância geram altos retornos socioeconômicos que
estabelecerá com o seu entorno, ou seja, com seus
toda a vida.
são foco desta publicação e serão abordados como
são superiores a qualquer outro tipo de retorno de
cuidadores (epigenética). Essas relações vinculares irão
Desenvolvimento Infantil (DI).
investimento econômico ou social. Tais retornos
modelando e estabelecendo a estruturação psíquica
O crescimento do corpo e do cérebro, das capacidades
referem-se a situações de renda, níveis de escolaridade,
do indivíduo, criando sólidas bases para o seu futuro
sensoriais, das habilidades motoras e da saúde é
empregabilidade e susceptibilidade a problemas como
desenvolvimento integral.
parte do desenvolvimento físico, que influencia os demais aspectos do desenvolvimento. A mudança
O Desenvolvimento Infantil (DI) e a importância das relações iniciais
e a estabilidade nas capacidades mentais, como
Papalia, D.E., Olds, S. W. & Feldman, R.D. (2001). Human Development. McGraw-Hill .
evidências
aportadas
pelas
gravidez precoce, prisão juvenil, e doenças mentais. Em resumo, o cuidado adequado - oferecido geralmente Uma possível explicação para esses resultados é
pelos pais, familiares e educadores - nos primeiros anos
aprendizagem, memória, linguagem, pensamento,
As
neurociências
o efeito cumulativo da aquisição de habilidades:
de vida, cria e potencializa as condições da criança para
julgamento moral e criatividade, constituem o
demonstram que os primeiros anos de vida, da
competência gera competência. Quanto mais cedo e
se tornar um indivíduo equilibrado emocionalmente,
desenvolvimento cognitivo, que por sua vez influência
concepção aos 3 anos, definem a base para a vida,
com maior qualidade se investir, mais se aprende e se
capaz de aprender e de ser um cidadão autônomo,
o desenvolvimento psicossocial. Este último é
pois têm influência significativa no desenvolvimento
acumula competência.
solidário e participativo, contribuindo para a melhoria
constituído pelas modificações e estabilidade na
global do ser humano. Pesquisas têm mostrado
personalidade e nos relacionamentos sociais.
que a quantidade e a qualidade dos estímulos que a
Esses conhecimentos têm, cada vez mais, corroborado
criança recebe do ambiente em que cresce, desde sua
a importância dos relacionamentos afetivos entre mãe
O investimento em programas de Desenvolvimento
Aomesmotempoquecadaindivíduopossuicaracterísticas
concepção, afetam seu potencial de desenvolvimento
e concepto, durante o período pré-natal, e mãe e
Infantil é uma urgência, no Brasil e no mundo, que
e ritmos de desenvolvimento próprios, há um consenso
integral. Este, por conseqüência, tem influência direta
criança, na primeira infância. Considerando que existe
demanda um olhar integral e integrado para a criança e
de que existem períodos universais de desenvolvimento
na capacidade da criança tornar-se um adulto saudável
uma tendência genética (nature) na determinação do
o envolvimento de todos os setores da sociedade. Nesta
em que determinados comportamentos são esperados,
e competente, em todos os aspectos de sua vida.
comportamento humano, é sabido que este sofrerá
publicação serão abordados os conceitos, os desafios e
influências do entorno no qual a criança se desenvolverá
as oportunidades do Desenvolvimento Infantil, bem
com alguma variação, em todas as pessoas. De acordo
da sociedade.
com Papalia , o ciclo de desenvolvimento humano
Dessa forma, as ciências humanas comprovam a
(nurture). Dessa forma, a relação que se estabelecerá
como o papel da família, dos serviços comunitários,
pode ser descrito em oito períodos:
necessidade de se investir no período da concepção aos
com os primeiros cuidadores, em geral mãe e pai, é
da sociedade e das políticas públicas nos cuidados à
3 anos, enfatizando a qualidade das relações iniciais
de fundamental valor. Essas serão as pessoas que,
criança de 0 a 3 anos4.
da criança com seus primeiros cuidadores, geralmente
inicialmente, acolherão o bebê, levando-se em conta
mãe, pai e familiares.
que se trata de um ser inteiramente dependente e que
2
• Período pré-natal (concepção ao nascimento); • Primeira infância (nascimento aos 3 anos); • Segunda infância (3 aos 6 anos); • Terceira infância (6 aos 11 anos); • Adolescência (11 aos 20 anos);
necessitará da continência de adultos para lhe transmitir As
ciências
econômicas
igualmente
valorizam
investimentos nos primeiros anos de vida, ao apontar
afeto e a segurança de que estará bem protegido. É no período inicial da vida que se estabelece boa
CAP�TULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil
Investindo no Desenvolvimento Infantil: preenchendo a lacuna entre o que sabemos e o que fazemos James Fraser MUSTARD
Em termos médicos, pode parecer preocupante observar
de vida, o cérebro define trilhas biológicas que afetam
a mortalidade como elemento de medida para avaliar
a saúde física e mental, a capacidade de aprender e
a saúde das pessoas – a saúde mensurada pela morte.
o comportamento durante toda a vida. Essas trilhas
No entanto, ao analisarmos os dados disponíveis com
são definidas pela história da criança, as experiências
mais profundidade, percebemos que não é algo tão
vividas em seus primeiros anos de existência.
controverso assim. No Canadá, observando os dados de mortalidade em relação à classe social, verifica-se um
Para chegar a essa conclusão, alguns estudos analisaram
gradiente linear. Quanto mais pobre a pessoa, maior a
as correlações entre variáveis como: desenvolvimento
taxa de mortalidade; quanto mais rica, menor.
cerebral e biológico, situação socioeconômica, saúde, linguagem, estresse, saúde mental e capacidade de
CAPÍTULO 1 12
Como o cérebro se desenvolve de modo que a criança se transforme em um adulto funcional? Nos anos iniciais de vida, o cérebro define trilhas biológicas que afetam a saúde física e mental, a capacidade de aprender e o comportamento durante toda a vida. Essas trilhas são definidas pela história da criança, as experiências vividas em seus primeiros anos de existência.
Os dados coletados, a partir de 1982, nos estudos do
aprendizado das crianças.
programa Saúde da População, que realizamos no Canadian Institute for Advanced Research, mostravam algo que, até então, passava despercebido: os riscos de alguém vir a sofrer problemas de saúde física e
13
Desenvolvimento cerebral e situação socioeconômica
mental, na vida adulta, advinham, na sua maior parte, da forma como a pessoa fora tratada quando muito
Um
estudo
canadense
cruzou
as
variáveis
jovem. Isso nos levou a questionar se os cuidados
“desenvolvimento cerebral” e “situação socioeconômica”
iniciais à criança também influenciam o aprendizado
de crianças, no momento do ingresso na escola.
e o comportamento dessa criança, ao longo da vida.
Descobriu que, no Canadá, cerca de 40% das crianças pobres são vulneráveis em relação ao seu
Iniciamos,
então,
outro
programa,
chamado
desenvolvimento e, entre os ricos, cerca de 12%.
Desenvolvimento Humano. Chegamos às mesmas conclusões e confirmamos que as experiências nos
Isso significa que 60% dos pobres se encontravam
primeiros anos de vida afetam a saúde, o aprendizado
bem. Mas por que, e o que fizeram para tal? E em que
e o comportamento. Assim chegamos ao terceiro
estão errando os 12% dos ricos? Na verdade, o estudo
programa, chamado Desenvolvimento Biológico e
apontou que qualquer pessoa, independentemente de
Cerebral Baseado nas Experiências.
sua situação socioeconômica, pode ser vulnerável em seu desenvolvimento, pois este depende das experiências
O programa visa responder à seguinte pergunta: como
vivenciadas em seus primeiros anos de vida. Isso sugere
o cérebro se desenvolve de modo que a criança se
que qualquer programa de intervenção desenhado teria
transforme em um adulto funcional? Nos anos iniciais
de ser universal e atingir todas as camadas da sociedade.
CAPÍTULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil Investindo no Desenvolvimento Infantil: preenchendo a lacuna entre o que sabemos e o que fazemos
James Fraser MUSTARD
Desenvolvimento cerebral, situação socioeconômica e saúde
Em 1998, Donald Acheson publicou, na Inglaterra, o
O PISA, um programa internacional de avaliação comparada de sistemas educacionais,
Relatório Britânico Sobre as Desigualdades e Saúde.
aplicado a jovens de 15 anos, usa uma escala similar, que desce até -1 (analfabeto). Na
Dentre as suas conclusões, o relatório aponta que o
Finlândia, apenas 6% se encontram nesse nível, enquanto cerca de 50% estão nos níveis
Outro estudo, realizado nos Estados Unidos, cruzou
desenvolvimento da criança, nos seus anos iniciais,
4 e 5. Apenas 38% dos estudantes do Canadá se posicionaram nos níveis 4 e 5. Brasil e
as varáveis saúde e renda familiar e comparou quatro
constitui fator crucial para o seu desenvolvimento
México têm uma parcela muito reduzida de sua população nos níveis 4 e 5, 8,2% e 4,8%,
faixas etárias: 0 a 3 anos; 4 a 8 anos; 9 a 12 anos; e 13 a
futuro e que experiências ruins, nos primeiros anos de
respectivamente, o que configura um grande problema para esses países.
17 anos. Mostrou que a correlação entre saúde e renda
vida, podem ser a causa de problemas de saúde física e
familiar já existe desde a primeira infância (0 a 3 anos).
mental, na vida adulta.
Baseando-se no nível de educação dos pais, o Brasil encontra-se abaixo da média dos países avançados, de cerca de 2,8, e Cuba está bastante acima (gráfico 2).
Quanto menor a renda familiar, pior é a situação de saúde da criança. À medida que a criança cresce, as variações de saúde aumentam. Em outras palavras,
Desenvolvimento cerebral e linguagem
Gráfico 2: Educação dos pais e aquisição de linguagem
aquilo que produz as variações de saúde se acumula 14
à medida que envelhecemos e tem início logo nos
Se o desenvolvimento cerebral afeta a saúde da
primeiros anos de vida (gráfico 1).
população, provavelmente também traz conseqüências
15
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para a capacidade de aprendizado e a aquisição de
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questões de aquisição de linguagem e capacidade de aprendizado. A
Organização
para
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Cooperação
e
o
Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla
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para determinar como o desenvolvimento afeta as Ó°Óx
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linguagem. Assim, alguns estudos têm sido realizados
Gráfico 1: Renda familiar e variações em saúde
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em inglês), com sede em Paris, criou uma escala £°x
para medir a competência de uma população no
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domínio da língua, o que refletiria sua qualidade
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em termos de demandas do mundo moderno, como alta tecnologia e conhecimento. A escala varia de 1
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a 5 – sendo considerada no nível 1 a pessoa que é Na Suécia, outro estudo acompanhou crianças até a
quase analfabeta (tem dificuldade de compreender
Mas por que Cuba? Como o país chegou a esse nível? Dados da Unesco (Organização das
idade adulta. Quanto mais adversas as circunstâncias
textos bastante curtos e simples), e o nível 5 refere-
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) mostram que, em Cuba, não há
do desenvolvimento inicial da criança, menor seria a
se à pessoa que entende e consegue facilmente
ninguém com menos de 8 anos de estudo. Além disso, Cuba está fazendo algo de suma
qualidade de sua saúde na vida adulta.
relacionar assuntos diferentes, de diversas áreas.
importância: investindo em mães e crianças pequenas.
CAPÍTULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil Investindo no Desenvolvimento Infantil: preenchendo a lacuna entre o que sabemos e o que fazemos
James Fraser MUSTARD
Qual a relação entre a habilidade lingüística e o estado
patinadora. Mas é melhor começar cedo. As ligações do
Baseado nas Experiências, no Canadá, montou um gráfico mostrando que os sistemas
de saúde? O cérebro. Todos os estudos já realizados
cérebro que propiciarão ao adulto desempenhar a tarefa
primários da visão e do som começam a se formar muito cedo, ainda dentro do útero, e
nessa área nos permitem afirmar que o funcionamento
com tal desempenho iniciam-se naquela tenra idade.
seguem até 1 ano de idade. Se esses sistemas primários não se desenvolvem logo cedo,
do cérebro é responsável pelas condições de saúde,
mais tarde a criança apresentará problemas de linguagem e alfabetização. Isso significa
comportamento e aprendizado. E o adequado
Sabemos que a experiência precoce, entrando em nossa
que programas de desenvolvimento de crianças que se iniciam na fase da gravidez podem
desenvolvimento do cérebro, por sua vez, depende
cabeça, afeta o modo como os genes se expressam. Os
conseguir ótimos resultados.
das experiências vividas no início de nossa vida. Elas
neurônios da visão tiveram genes ligados aos sinais de
estabelecerão vias neurológicas e biológicas que
seus olhos que permitem que você veja. Os neurônios
afetarão tais condições.
no lóbulo temporal esquerdo afetam e diferenciam
Gráfico 3: Período sensitivo de desenvolvimento do cérebro
suas funções para o som.
16
desses
estudos,
já
sabemos
que
o
desenvolvimento do cérebro afeta nossas condições
Isso ocorre cedo, em nossas vidas. Uma simples troca
de saúde e de aquisição de linguagem. Mas esse
de olhar entre um adulto e uma criança cria trilhas
desenvolvimento, por sua vez, depende das experiências
sensitivas que determinam como o cérebro dela
vividas nos primeiros anos de vida. E como isso ocorre?
funcionará, e não se trata de educação. Os estímulos
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de som, tato, olfato, etc. afetam a maneira como o cérebro se desenvolve e, por conseqüência, sua saúde,
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O desenvolvimento do cérebro
capacidade de aprendizado e comportamento.
Se abríssemos nossa cabeça, veríamos uma massa
Ao nascer, possuímos uma quantidade de células
A diferenciação das partes do cérebro destinadas aos sons da linguagem acontece nos
gelatinosa chamada cérebro. Ele compõe-se de bilhões
nervosas que não cresce até os 6 anos de idade. As
primeiros sete ou oito meses de vida. Nesse período, se falarmos com uma criança em duas
de células, denominadas neurônios, que têm trilhões
ligações entre elas são bastante densas. Para dois
línguas diferentes, suas células diferenciarão os sons e se programarão para entendê-los.
de ligações. Já nos perguntamos como esses neurônios
processos acontecerem – as funções das células nervosas
Assim, se for exposta à língua japonesa e à língua inglesa, na mesma proporção, naquele
diferenciam suas funções em som e visão? Como
para o som diferem de outros aspectos, como o tato –,
período, crescerá com a capacidade de falar inglês e japonês fluentemente e sem sotaque.
formam suas ligações? É algo automático?
as trilhas dos neurônios precisam ser formadas, num
Também poderá dominar facilmente uma terceira, uma quarta e uma quinta língua.
Não é automático. É estimulado pela experiência,
processo geneticamente controlado. Aos 14 anos de
Portanto, a quantidade de estímulos que a criança recebe, no início da vida, também é
especialmente as primeiras, pois é durante os três
idade, sobrarão apenas as ligações que mais usamos; as
importante para o seu desenvolvimento.
primeiros anos de vida que a maior parte das conexões
ligações que não usamos serão perdidas, pois o corpo
cerebrais se forma.
as eliminará.
Uma pesquisa norte-americana verificou as habilidades orais, em crianças de diferentes classes sociais, com 3 anos de idade. Monitorou o grau de linguagem a que as crianças
Se uma criança começar a praticar patinação com a
Chuck Nelson, que preside o comitê consultivo do
foram expostas e mediu a habilidade oral, em diferentes etapas do desenvolvimento.
idade de 2 anos, mais tarde se tornará uma excelente
Programa Desenvolvimento Biológico e Cerebral
Crianças de classes sociais mais altas, com intensa exposição a línguas, apresentavam maior
CAP�TULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil Investindo no Desenvolvimento Infantil: preenchendo a lacuna entre o que sabemos e o que fazemos
James Fraser MUSTARD
capacidade verbal aos 3 anos do que crianças mais
de vida. As consideradas boas mĂŁes sĂŁo as que mais
pobres, que nĂŁo haviam sido suficientemente expostas
lambem e limpam seus filhotes. Em outras palavras,
a lĂnguas, quando mais jovens. HĂĄ crianças no grupo
as que mais os tocam e, assim, estimulam a formação
,ÂˆĂƒVÂœĂŠ`i
iÂŤĂ€iĂƒĂƒKÂœ
das mais ricas com baixo desempenho, assim como hĂĄ
das trilhas do estresse.
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GrĂĄfico 4. Gene da serotonina e depressĂŁo
crianças pobres com bom desempenho, mas a grande
ĂŠrĂŠ Â?iÂ?ÂœĂŠ Ă•Ă€ĂŒÂœ ĂŠrĂŠ Â?iÂ?ÂœĂŠ œ˜}Âœ
maioria do grupo apresentou essa correlação entre a
Os filhotes bem lambidos apresentaram modesta reação
situação socioeconômica e a capacidade verbal.
ao estresse, o que leva a uma redução de riscos de desenvolver doenças e no caso de humanos, vĂcio em
xä
Îä
drogas e ĂĄlcool, no futuro. Os filhotes com baixo nĂvel de
Desenvolvimento cerebral, estresse e saĂşde mental
lambida e limpeza têm alta reação ao estresse e, portanto,
-i“Ê LĂ•ĂƒÂœ
maior propensão a desenvolverem doenças, no futuro. 18
LĂ•ĂƒÂœĂŠ Ă€>Ă›i
˜v@˜Vˆ>
A trilha do estresse ĂŠ mais complexa, pois afeta o modo como lidamos com nossas tarefas diĂĄrias. Essa trilha ĂŠ o
LĂ•ĂƒÂœĂŠ Âœ`iĂ€>`Âœ
°Ê >ĂƒÂŤÂˆ]ĂŠ-Vˆi˜Vi]ĂŠÂŁnĂŠ Ă•Â?ÞÊÓääÎ]ĂŠ6ÂœÂ?ĂŠĂŽ
A mesma teoria foi aplicada a humanos. Um estudo,
19
caminho que usamos para fugir de perigos extremos, o
nos Estados Unidos, mostrou que crianças maltratadas
O risco de depressĂŁo aos 20 anos mostrou-se alto, se a pessoa tinha uma estrutura de
que leva o corpo a produzir altos nĂveis de hormĂ´nios,
no inĂcio da vida tĂŞm maior risco de desenvolver
genes C e sofreu abuso. Se formos criados num bom ambiente, ainda que tenhamos uma
como a cortisona, que afeta todos os nossos tecidos
mais tarde vĂcios por drogas e ĂĄlcool. É importante
estrutura de genes C, nĂŁo corremos risco. Se tivermos uma estrutura de genes L, somos
– inclusive o cÊrebro.
frisar que essas questþes afetam toda a população,
resistentes ao abuso.
independentemente da situação socioeconômica. Isso mostra que, quando realizamos um estudo da população, podemos encontrar pessoas
Trata-se de uma trilha neurológica cuja função Ê determinada muito cedo na vida. O toque constitui
Na Nova Zelândia, uma pesquisa acompanhou
resilientes ao abuso, mesmo quando apresentam uma predisposição genÊtica, mas tambÊm
um dos principais estĂmulos que a afetam. Se estamos
pessoas desde o nascimento atĂŠ os 26 anos de idade,
encontraremos pessoas vulnerĂĄveis geneticamente, mas que nĂŁo desenvolverĂŁo depressĂŁo,
realmente interessados em deter a violĂŞncia e a
observando o grau de negligĂŞncia ou de abusos que
se crescerem em um ambiente sem abuso. Ou seja, a expressĂŁo dos genes ĂŠ vulnerĂĄvel Ă s
criminalidade (e essa trilha controla esses impulsos),
sofreram, desde muito pequenas, para avaliar os riscos
experiĂŞncias que vivenciamos desde o inĂcio da vida.
temos de dar a devida importância e atenção à s
de terem depressĂŁo. Depois, verificou as estruturas de
questĂľes do desenvolvimento infantil, como os
seus genes.
Desenvolvimento infantil e capacidade de aprendizado
cuidados e estĂmulos que as crianças recebem nos primeiros anos de vida.
No
gene
que
controla
a
serotonina
–
um
neurotransmissor envolvido na comunicação entre os
Os Estados Unidos realizaram um dos mais importantes estudos sobre os benefĂcios do
A prova sobre essa questĂŁo do toque veio,
neurônios –, CC significa que você tem dois genes
desenvolvimento infantil adequado. Chamado Abecederian Project, ĂŠ um estudo cientĂfico
inicialmente, de uma pesquisa com ratos. Um
curtos e LL significa que vocĂŞ possui dois genes
que avaliou o desempenho de crianças quanto à linguagem, alfabetização e habilidade
pesquisador verificou o quĂŁo bem os filhotes de ratos
longos. NĂŁo sabemos por que, mas o gene curto ĂŠ
matemĂĄtica, desde os quatro meses de vida atĂŠ os 21 anos de idade. Os resultados apontaram
sĂŁo lambidos por suas mĂŁes, nos seis primeiros dias
vulnerĂĄvel (GrĂĄfico 4).
que crianças que participaram de programas de desenvolvimento infantil, em centros de
CAPÍTULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil Investindo no Desenvolvimento Infantil: preenchendo a lacuna entre o que sabemos e o que fazemos
James Fraser MUSTARD
educação de alta qualidade e com envolvimento dos
de como é a sua população, naquele momento, no
O sistema escolar é importante, mas não consegue resolver o problema. Segundo ele,
pais, desde o nascimento até os 5 anos de idade, tiveram
teste chamado EDI (Early Development Instrument ou
se deixarmos para investir quando as crianças ingressam na escola ou depois, poderá ser
melhor desempenho escolar até os 21 anos.
Instrumento de Desenvolvimento Inicial).
tarde demais.
Os indicadores mensurados por esse instrumento Esses resultados combinam perfeitamente com o que
são: a) bem-estar físico; b) competência social; c)
sabemos sobre a hierarquia das estruturas do cérebro
saúde/maturidade emocional; d) desenvolvimento
e como elas se desenvolvem. Os dados dessa pesquisa
cognitivo e linguagem; e) capacidade de comunicação
e de outras mostram que, para realmente mudar o
e conhecimentos gerais. Ele permite prever a
desenvolvimento da criança, têm de haver programas de
capacidade de aprendizado de uma criança de 5 anos
desenvolvimento infantil de qualidade e, especialmente,
de idade, antes que ela entre na escola. Dessa forma,
com envolvimento dos pais. É o que funciona.
pode ser utilizado para identificar as habilidades que
Gráfico 5: Taxa de retorno dos investimentos em desenvolvimento infantil n
È ,iÌ À Ê Ê* À { f ÛiÃÌ ` ,
E o que os países fizeram? Em Cuba, 99% das crianças
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probabilidade de sucesso escolar.
e suas respectivas famílias participam de um programa
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de desenvolvimento infantil, com atendimento a crianças de 0 a 6 anos. Todo o quadro de pessoal do
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a criança necessita desenvolver para que tenha maior 20
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Desenvolvimento infantil e retorno econômico
Por fim, para resolvermos o problema do desenvolvimento infantil, temos de fazer com
programa possui quatro anos de estudos e treinamento No Canadá, há uma população de 33 milhões de
que a sociedade entenda a lacuna que há entre o que sabemos e o que de fato fazemos.
pessoas, e o custo social da violência, no país, é
Esse é um dos maiores desafios enfrentados pela raça humana. Como ter uma democracia
Não é preciso ser um país comunista para tanto, pois
estimado em 100 bilhões de dólares anuais. O custo
com 50% de sua população em baixos níveis de alfabetização e educação? Não é possível.
a Suécia e a Finlândia também o fazem muito bem.
de problemas com saúde mental e viciados também
Como reduzir a violência nas sociedades? Somente conseguiremos quando houver vontade
Intervir cedo, intervir freqüentemente, intervir com
alcança cerca de 100 bilhões de dólares por ano.
política e da sociedade.
qualidade. Essa é a regra básica, se quisermos avançar
Introduzir um programa de desenvolvimento infantil
no desenvolvimento da criança.
de qualidade e com envolvimento dos pais, com
para trabalhar na área.
pessoal altamente qualificado, custaria meros 18
James Fraser Mustard
bilhões por ano. Com esse custo social, por que não
Médico pela University of Toronto, com doutorado em Cambridge. Co-fundador da McMaster University’s New Medical School. Fundador-presidente do Canadian Institute for Advanced
Avaliação de resultados
podemos preencher essa lacuna?
Para acompanhar os resultados, criou-se uma técnica para
O economista James Heckman (Prêmio Nobel de
mensurar as capacidades das crianças, quando entram na
Economia em 2000) mostrou, em sua pesquisa, que cada
escola. Trata-se de macroindicadores do desenvolvimento
dólar investido num programa desse tipo tem um ganho
e internacionais e serviu em vários comitês governamentais, conselhos e fundações. Recebeu
cerebral, bons o suficiente para se obter uma avaliação
maior que os dólares investidos no sistema escolar.
numerosos títulos e premiações nacionais e internacionais.
Research. É especialista em determinantes socioeconômicas do desenvolvimento humano e saúde. Criador do Council for Early Child Development, em 2004. Autor da publicação Early Years Study. Possui 489 trabalhos publicados em jornais acadêmicos e já participou do conselho editorial de seis jornais acadêmicos. Atuou como consultor de diversos governos e organizações nacionais
21
Ingredientes-chave para um programa de desenvolvimento infantil eficaz: um relato de experiências envolvendo comunidade, governo e setor privado Mary E. Young
Este artigo pretende abordar três pontos: a importância
Em 2007, um artigo na Lancet1 mostrou o tamanho
do desenvolvimento inicial da criança, o que pode ser
do desafio: 219 milhões de crianças chegam à idade
feito para melhorar esse desenvolvimento e os desafios
escolar com baixo desenvolvimento mental. Por maior
e oportunidades para engajar o setor privado no apoio
que seja esse número, ele ainda está subestimado. As
a essa tarefa.
duas variáveis consideradas, má nutrição e pobreza (renda de menos de 1 dólar por dia), não refletem a
CAPÍTULO 1 22
Os desafios para o desenvolvimento inicial das crianças não se resumem a apenas um setor. Passam pela saúde, pela educação e pela proteção social. Portanto, todas as partes interessadas precisam se envolver, incluindo pais, famílias e comunidades. Assim, as comunidades locais constituem o veículo para assegurar o acesso eqüitativo de todas as crianças aos programas, especialmente das mais vulneráveis.
Estudos recentes da neurociência vêm apontando
realidade por completo. Há um gradiente de crianças da
a importância da experiência do período fetal e dos
sociedade que são afetadas pelo baixo desenvolvimento
primeiros anos de vida, que determina as trilhas para
infantil – e não são apenas as crianças que vivem em
os subseqüentes aprendizados e desenvolvimento. Ela
situação de pobreza.
afeta a arquitetura, a fiação do cérebro, a neuroquímica, a serotonina, a cortisona, a secreção hormonal e a
O Brasil tem um desafio especial, pois, apesar de
expressão dos genes que controlam o desenvolvimento
apresentar alta renda, possui um nível de educação
cognitivo, emocional e social.
bastante inferior ao de outros países da região. Para participar de uma economia baseada no conhecimento,
O estágio inicial de desenvolvimento das pessoas
a população de um país precisa estar nos níveis 4 e
define a trajetória dos aspectos de saúde, aprendizado
5, em termos de educação – os índices mais altos,
e comportamento de toda a nossa vida. Dessa maneira,
segundo as classificações mais aceitas.
cumpre um papel muito importante na definição da produtividade econômica da sociedade.
Evidências mostram que o sistema educacional não consegue fazer isso sozinho. Ele precisa de apoio,
A implicação dessa ciência – que se desenvolve muito
com a participação de programas de desenvolvimento
rapidamente – para a formação do capital humano é
inicial da criança, para trazer a competência a um
impressionante, pois o mercado de trabalho do século
patamar melhor.
21 favorecerá pessoas com qualidade intelectual, flexibilidade, habilidade para resolver problemas,
Se as nossas crianças precisam adquirir certas
maturidade emocional e capacidade para trabalhar em
habilidades para trabalhar e para lidar com os
equipe, num ambiente altamente competitivo, que
desafios do século 21, temos de reconhecer a
muda constantemente. Mais do que nunca, precisamos
importância de investir pesadamente nos programas
maximizar o potencial humano.
de desenvolvimento inicial da criança.
23
1
CAPÍTULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil
2
Uma das mais importantes publicações científicas na área médica. É publicada no Reino Unido, pelo Lancet Publishing Group.
Do termo em inglês paraprofessional. Profissionais sem formação universitária, mas que possuem um certificado que os permite trabalhar como técnicos, nas áreas de saúde, direito e educação.
Ingredientes-chave para um programa de desenvolvimento infantil eficaz: um relato de experiências envolvendo comunidade, governo e setor privado Mary E. Young
O que fazer?
a Indonésia e a República Dominicana. A baixa acessibilidade configura um problema, pois um número muito limitado de crianças pode se beneficiar.
As intervenções devem seguir gradações. Nos primeiros anos, há o importante papel dos pais. À medida que as crianças progridem, desenvolvem-se e movem-se para as
Há alternativas, como os programas não-formais, realizados em espaços diversos das
comunidades, os programas comunitários para o desenvolvimento infantil tornam-se mais
comunidades. O uso de técnicos2 , sem remuneração, não é desejável, mas pode ser uma
importantes. Na verdade, o ideal seria uma combinação da intervenção dos pais e dos
opção para países em desenvolvimento. Utilizando os serviços existentes na comunidade,
programas de desenvolvimento infantil, focados no aprendizado lúdico, pelo brincar, e
em locais como igrejas, prédios públicos e postos de saúde, temos a oportunidade de
atentos à nutrição e aos serviços essenciais de saúde.
introduzir intervenções mais cedo, por meio de infra-estruturas disponíveis. O governo local pode cobrir parte dos custos, mas a comunidade e suas famílias devem arcar com um
Os desafios para o desenvolvimento inicial das crianças não se resumem a apenas um
valor equivalente ou uma co-participação.
setor. Passam pela saúde, pela educação e pela proteção social. Portanto, todas as partes 24
interessadas precisam se envolver, incluindo pais, famílias e comunidades. Assim, as
As comunidades podem participar de diversas maneiras: selecionando os que as
comunidades locais constituem o veículo para assegurar o acesso eqüitativo de todas as
representarão – a mãe que prestará os serviços, por exemplo –, atuando no planejamento,
crianças aos programas, especialmente das mais vulneráveis.
providenciando e cedendo o local onde o programa ocorrerá. No Peru, um programa começou com mães que decidiram oferecer suplementação
Modelos de programas
alimentar e estímulos iniciais para suas crianças, durante uma forte seca. Não havia serviços disponíveis, e elas reconheceram essa necessidade. Uniram-se e providenciaram a
Não há um modelo único de programa que sirva para todo tipo de comunidade – ele deve
intervenção. Com o tempo, o governo começou a dar apoio. Hoje, existem mais de 70 mil
ser adaptado às diferentes localidades, culturas e contextos.
programas similares em todo o Peru. Iniciados pelas comunidades, pelas famílias.
É necessária uma gama de programas que atendam às várias necessidades de
Os governos reconhecem, cada vez mais, que se trata de uma técnica muito importante. Em
desenvolvimento da criança e que as vejam como um todo, integralmente. Portanto, deve
Cuba, há um programa, iniciado em 1983, que teve excelentes resultados em melhoria da
haver sinergia entre os aspectos de saúde, nutrição e estimulação da criança.
alfabetização e bem-estar da criança. Naquela época, 80% das crianças do país não tinham acesso a programas de desenvolvimento infantil.
Os programas tradicionais de desenvolvimento infantil tendem a ser realizados em centros de educação infantil, voltados para crianças mais velhas e controlados pelo setor privado.
Chamado “Educa tu Hijo”, ele começa durante a gravidez. As comunidades identificam
No setor público, ainda que existam tais programas, o acesso a eles é muito limitado.
mães grávidas, lhes dão alimento adicional e treinamento. Depois que a criança nasce, os pais recebem um conjunto de materiais sobre como lidar com seus filhos e visitas
Uma pesquisa realizada no Brasil mostrou que as crianças mais velhas, mais ricas e de áreas
domiciliares, duas vezes por semana, até os 2 anos de idade da criança. A partir daí, há
urbanas têm acesso a programas pré-escolares, padrão também verificado em países como
sessões em grupo para os pais de crianças de 2 a 6 anos de idade.
25
CAPÍTULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil Ingredientes-chave para um programa de desenvolvimento infantil eficaz: um relato de experiências envolvendo comunidade, governo e setor privado Mary E. Young
Tal programa mostra que existe uma cooperação entre
O
programa
boliviano
baseia-se
no
modelo
Com motivação e treinamentos de média duração, as mães da comunidade configuram
o setor não-formal e o setor formal. Da gravidez até
colombiano. Este começou cerca de 20 anos
uma importante força para assegurar essa qualidade. Elas se tornaram um agente social da
os 6 anos de idade da criança, o atendimento é feito
atrás, numa vila de pescadores que decidiu fazer
mudança, na Colômbia.
pela comunidade, setor não-formal, depois passa para
das crianças uma prioridade. Eles se uniram e
o setor formal, à medida que as crianças progridem
começaram a trabalhar com a nutrição, com a saúde
Uma questão controversa é o fato de que elas estão se associando com a intenção de se
para a escola primária. As comunidades trabalham
e com estímulos para as crianças.
tornarem servidores públicos. Como lidar com esse grupo de força formado por quase 80 mil mães comunitárias? Torná-las profissionais ou mantê-las como um grupo técnico?
como complemento ao setor formal, representado pelo sistema de saúde e pelo sistema educacional.
26
O programa chamava-se “Promesa”. Com grande impacto positivo, ele chamou a atenção do governo,
Outra ação importante ocorre na Indonésia. O país pretende implementar em todo
A lição que aprendemos com a experiência de Cuba é
que o assumiu e começou a espalhá-lo por todo o país.
o seu território programas dirigidos às comunidades, que devem decidir se terão um
a necessidade de vontade política. Mas não apenas isso.
Hoje, cerca de 1 milhão de crianças com menos de 7
programa de saúde ou de desenvolvimento e onde ele será executado. É um programa
Eles desenvolveram um currículo apropriado à idade,
anos beneficiam-se com os “hogares comunitarios”.
realmente acionado pela comunidade, com o apoio do governo e dos bancos, que
que apóia o desenvolvimento de crianças pequenas.
emprestam recursos. Trata-se de um programa domiciliar, destinado a famílias
Outro bom exemplo vem da Bolívia, que mantém um
de baixa renda, em que uma mãe da comunidade
Para que a iniciativa funcione, é preciso municiar a comunidade com informações claras
programa não-formal domiciliar, iniciado com famílias
presta serviços para as crianças da vizinhança.
sobre o desenvolvimento inicial da criança. Os personagens principais são as mães, que
de baixa renda. A provedora dos serviços é uma mãe
Os pais formam uma associação e escolhem as mães
entregam os serviços. Elas recebem treinamento e a ajuda de um facilitador da comunidade,
eleita pela comunidade e que atende até 15 crianças,
que participam do programa, de acordo com a renda
que apresenta os diferentes tipos de programas e as auxilia a identificar as necessidades e
com o apoio de um ou dois assistentes.
da família. Os beneficiados pagam uma taxa de 4
os recursos para tais programas.
dólares por mês e recebem alimentos da comunidade Esse programa oferece refeições com cerca de 70% das
para preparar as refeições das crianças.
Com todas as iniciativas aqui descritas, aprendemos que os programas, para serem eficazes, têm de ter intensidade e duração suficientes. É preciso realizar um contato direto com
necessidades calóricas diárias das crianças. Além dos cuidados básicos às crianças, realiza atividades que as
Para sustentar o programa, o governo introduziu um
as crianças, com envolvimento dos pais e das comunidades, que devem educar os pais.
estimulam, por meio do brincar.
imposto de 3% sobre a folha de pagamento. O setor
Finalmente, faz-se necessário integrar as questões sociais, a saúde e a nutrição num pacote
privado e o servidor público contribuem com 3% de
de serviços para as jovens crianças.
Um estudo mostrou que as crianças que participaram
dedução salarial.
do programa ingressaram na escola na época correta
O senso de propriedade, por parte da comunidade, constitui outro ingrediente-chave
e apresentaram melhor desenvolvimento cognitivo,
A experiência da Colômbia mostra que a qualidade
de um programa de desenvolvimento inicial. A comunidade tem de se sentir dona do
social e psicomotor. As que permaneceram por mais
faz a diferença. O governo estabelece padrões para
programa e considerá-lo culturalmente importante e adequado. Para tanto, o treinamento
de um ano obtiveram resultados significativamente
a localização, a infra-estrutura e o treinamento do
para que as pessoas consigam entregar serviços de qualidade é fundamental. Assim como
superiores aos das que ficaram menos tempo. Ou seja, a
programa. Criou, também, um sistema de supervisão
avaliar e monitorar os resultados das crianças.
intensidade e a duração do programa fazem diferença.
para dar apoio aos pais.
27
CAPÍTULO 1 Significado, importância, oportunidades e desafios do desenvolvimento infantil Ingredientes-chave para um programa de desenvolvimento infantil eficaz: um relato de experiências envolvendo comunidade, governo e setor privado Mary E. Young
Precisamos de um instrumento para medir o
sabem que as crianças constituem a força de trabalho
gastos futuros com saúde, educação e segurança pública.
desenvolvimento inicial, com base em cinco dimensões:
do futuro e sentem que precisarão de pessoas mais
Entretanto, paradoxalmente, fazemos o inverso do que deveríamos fazer. Sabe-se que 85%
1) bem-estar físico; 2) competência social; 3) saúde/
capacitadas. Para serem mais competitivos, devem
do desenvolvimento do cérebro se definem por volta dos 3 anos. Ao serem treinados, nos
maturidade emocional; 4) desenvolvimento cognitivo
desenvolver um capital humano melhor e, portanto,
anos iniciais, os neurônios e as sinapses explodem em resposta aos estímulos sensoriais. No
e linguagem; e 5) capacidade de comunicação e
começar mais cedo. Não querem que suas crianças
entanto, menos de 4% dos investimentos destinam-se a esse período sensível, não apenas
conhecimentos gerais. Trata-se de uma medida que
fiquem para trás, na concorrência do mercado global,
nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.
reflita o grau de desenvolvimento e o funcionamento
em relação à Índia ou à China, pois há uma busca de
do cérebro de uma criança de 5 anos de idade.
capital humano altamente qualificado.
Por fim, temos a ciência e o conhecimento, resta-nos colocá-los em ação e, para tanto, conquistarmos a vontade política. Chegou o momento de praticarmos aquilo que pregamos.
28
Tal instrumento existe e foi desenvolvido no Canadá,
O setor privado pode começar avaliando suas próprias
com o nome de EDI (Early Development Instrument
políticas, buscando formas de prover serviços para seu
ou Instrumento de Desenvolvimento Inicial). Sua
setor. Mas o seu maior potencial reside na atuação
aplicação permite prever a capacidade de aprendizado
como financiador e provedor de apoio, associando-se
de uma criança de 5 anos de idade ou antes que ela
com o governo para cuidar do desenvolvimento de
entre na escola. Dessa forma, pode ser utilizado para
crianças. Nesse aspecto, a Colômbia, com o imposto
identificar as habilidades que a criança necessita
sobre a folha de pagamento, constitui um exemplo
desenvolver para que tenha maior probabilidade de
bem-sucedido.
Mary Eming Young
Pediatra e Mestre em Saúde Pública pela Univesity of Wisconsin. Doutora pela Johns Hopkins University. Membro da Academia Americana de Pediatria e da Academia Americana de Medicina Preventiva. Antes de ingressar no Banco Mundial, até 1989, atuou como pediatra. Sua experiência envolve projetos em várias regiões, incluindo Ásia (China, Filipinas e Indonésia), África (Gana, Quênia e Uganda), Europa e Ásia Central (Polônia, Hungria, Geórgia e Macedônia), Oriente Médio (Jordânia, Irã e Egito) e América do Sul e Caribe (Brasil, Colômbia, Bolívia e Jamaica). Atualmente, é a Especialista Líder em
sucesso escolar. Outro bom exemplo de participação do setor privado
Desenvolvimento Infantil da Rede de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial. Possui
Os desafios a serem enfrentados são, portanto:
ocorre na República Dominicana. Criou-se um fundo
diversos trabalhos publicados, como Investing in Young Children, Early Child Development:
profissionalizar a força de trabalho, garantir qualidade
competitivo que iguala o valor investido pelo governo
e assegurar recursos. Assim, são três as oportunidades
com o valor investido pelo setor privado. ONGs,
para o futuro. Primeiro, implementar uma estratégia
sociedade civil, governo e igrejas realizam programas
geral.
dos
de desenvolvimento inicial da criança voltados para os
investimentos. E terceiro, engajar na luta o setor
mais pobres. O trabalho iniciou-se apenas dois anos
privado, que pode cumprir um papel extremamente
atrás e segue muito bem.
Segundo,
monitorar
os
resultados
importante para tornar o desenvolvimento inicial infantil muito mais acessível.
O investimento em crianças também traz retorno econômico à sociedade. Os economistas afirmam
Mas como conseguimos o apoio do setor privado?
que investimentos na infância, especialmente na pré-
Nos Estados Unidos, a comunidade de negócios e os
escola, apresentam taxa de retorno muito maior do
governos dos estados têm sido mobilizados porque eles
que se deixarmos para investir mais tarde, pois evitam
Investing in the Future e From Early Child Development to Human Development. Fala Chinês, Inglês, Francês e Português.
29
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos
Detecção e intervenção nos distúrbios do desenvolvimento infantil a partir do Programa de Saúde da Família Wagner Rañna
1
O perfil dos problemas de saúde na infância mudou,
tecnologia que, até então, não fazia parte marcante
na última década. Um dos aspectos importantes dessa
de suas intervenções, qual seja: o conhecimento
mudança foi o deslocamento do foco de atenção, que,
sobre o desenvolvimento infantil, sobre os fatores
antes, recaía sobre as doenças relacionadas com a
que intervêm nesse desenvolvimento, sobre os sinais
mortalidade infantil. Hoje, assistimos a uma crescente
precoces desses problemas e sobre os dispositivos de
presença de problemas relacionados com a qualidade
intervenção nos mesmos.
do desenvolvimento infantil, destacando-se os altos índices de problemas na aprendizagem, os problemas
Ao lado dos aspectos apontados, na última década,
de saúde mental e a violência entre os adolescentes.
ocorreu uma importante mudança na composição das equipes de atenção básica de saúde, com destaque
CAPÍTULO 2 32
Nas décadas de 80 e 90, as ações da rede básica de saúde eram voltadas à redução da mortalidade infantil e focadas nos aspectos de crescimento, nutrição e imunização da criança. Hoje, a atenção está voltada para a detecção e intervenção precoces dos problemas relacionados à aprendizagem, à saúde mental e à violência, que estão relacionados à qualidade do desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida.
Nas décadas de 80 e 90, a rede básica de saúde tinha como
para a implantação das equipes do Programa de
desafio as ações de promoção de saúde que visavam o
Saúde da Família (PSF). Numa tentativa de superar
impacto de doenças que implicavam o aumento no índice
o modelo biomédico de concepção sobre os processos
de mortalidade infantil. O crescimento, a desnutrição,
do adoecimento e recuperação da saúde, elas passam
as doenças diarréicas, as doenças respiratórias e a
a tomar como objeto de suas ações um território onde
cobertura das imunizações eram os focos de atenção.
vivem famílias, nas quais vivem os sujeitos em relações.
Os dispositivos apontados para as intervenções nesses problemas da saúde da criança referiam-se ao modelo
Nessas famílias, encontramos os bebês e seus cuidadores,
biomédico e ao de educação em saúde, historicamente
que, freqüentemente, são pais adolescentes, pois a
mais conhecidos pelos profissionais que compunham as
gravidez precoce ocorre com freqüência na passagem
equipes das UBS.
para a vida adulta. Os adolescentes, diante dos enormes desafios a serem enfrentados para atingir a maturidade,
Quando analisamos os novos desafios que se destacam
vítimas de um sistema educacional falho e promotor
nas análises epidemiológicas atuais, ficam evidentes as
de exclusão, vêem na maternidade uma forma de
mudanças acima apontadas. Hoje, a atenção volta-se
concluir o seu processo de adolescimento e assumir
para os adolescentes e para a detecção e intervenção
precocemente a condição de adultos. Não é incomum
precoces nos problemas de desenvolvimento e de
vermos, então, os adolescentes ou os jovens pais terem
saúde mental da criança, nos seus primeiros anos.
de dividir os papeis de cuidadores com outros membros da família ou com outras instituições.
Esse novo cenário coloca na ordem do dia dos processos de capacitação das equipes de saúde que
Os dois extremos do processo de desenvolvimento
trabalham na rede básica de atenção o domínio de uma
do sujeito humano se relacionam. Esse é apenas um
33
1
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos
Todos os nomes, nos relatos de casos, são fictícios.
Detecção e intervenção nos distúrbios do desenvolvimento infantil a partir do Programa de Saúde da Família Wagner Rañna
dos aspectos bem conhecido sobre os problemas de
no desejo e no discurso do outro ser humano, que
encontra os meios para se constituir como um novo
Universidade de São Paulo (USP), em um programa
desenvolvimento e de saúde mental da criança, que se
estabelece uma relação de amor com a sua cria.
ser no mundo, de forma verdadeira e prazerosa.
de saúde da família, no Distrito de Saúde Escola do
refere ao fato de estarem ligados a problemas de saúde
Butantã (bairro da zona oeste de São Paulo), que
mental dos pais e a problemas na dinâmica familiar. O
O pequeno e novo homem, o bebê ou a criança, não
Olhar o desenvolvimento humano sob esse aspecto
funciona como campo de treinamento para alunos
PSF deve ser considerado com muita atenção, e esse é
advém como ser subjetivado e inserido na cultura,
significa admitir que o melhor e mais fundamental
em graduação e alunos da residência em Saúde
o nosso objetivo, nesta exposição.
se esses elementos mínimos não forem fornecidos
determinante do mesmo é o lugar imaginário e
da Família e Comunidade. Utilizarei o método de
ao mesmo. As bases do desenvolvimento têm como
simbólico que assume no grupo familiar. Phillipe
estudos de caso para estabelecer as modalidades de
Pensando no desenvolvimento infantil de 0 a 3 anos,
irredutível a necessidade de uma criança ser tomada
Áries, no seu clássico trabalho sobre a origem histórica
intervenções, que envolvem:
é necessário atentar para a questão da intervenção
como objeto de amor pelo adulto cuidador e estar
da família e da infância, aponta que ambas são criações
precoce, a qual é apontada como relevante por
antecipada em um lugar significante para esse adulto,
que emergem na contemporaneidade, exatamente no
qualquer que seja o referencial tomado. Mas é
que atua como mediador entre o novo ser e a cultura.
momento histórico em que se constata que o novo
igualmente necessário levantar uma crítica aos modelos 34
ser em desenvolvimento necessita desses pressupostos
de intervenção, que, tomando como referencial as
Dessa forma, destacamos a importância das ações de
mínimos, e só o meio familiar dispõe dos mesmos.
concepções das neurociências, vão-se estruturando a
saúde que tenham como objeto a criança e seus objetos
Hoje, após muitas pesquisas, erros e acertos, sabemos
partir de modelos biomédicos, tendo como dispositivo
primordiais, ou seja, seus cuidadores, como integrantes
que, por mais que as instituições criadas pelo Estado
central os métodos de estimulação precoce.
de uma família, com suas histórias, seus mitos, suas
para garantir o desenvolvimento da criança estejam
crises e, principalmente, com sua potência criativa.
adequadas, esse mínimo indispensável só pode ser
Não restam dúvidas de que a neurociência e
oferecido pelo grupo familiar.
• observação de bebês e crianças; • análise da dinâmica familiar; • orientações aos pais, buscando detectar e intervir nesses distúrbios das relações parentais, que têm papel constitutivo para a criança; • capacitação dos profissionais das equipes de saúde da família; • capacitação de profissionais de setores da educação e assistência social.
suas descobertas sobre as bases neurológicas do
Anteriormente, falávamos em ações sobre o real
desenvolvimento do cérebro infantil trazem importantes
do ambiente que, por efeito do saneamento,
Essas questões nos levam a pensar nas possíveis ações
contribuições para esse campo, principalmente no que
dos alimentos e dos medicamentos, atuariam na
que uma equipe de programa de saúde da família
se refere à construção da rede neuronal e à importância
manutenção da vida de uma criança. Agora, o
poderá assumir visando o desenvolvimento infantil.
dos processos epigenéticos na mesma. Mas é também
que se coloca é a necessidade de intervirmos na
Defendemos o ponto de vista de que as ações sobre
importante destacar que, dentre as descobertas no
dinâmica familiar, onde a criança, por vezes, é só
o desenvolvimento infantil e sobre a saúde mental da
campo do desenvolvimento humano que ocorreram
um efeito da mesma. É evidente que uma criança
criança devem ter como base as ações sobre o grupo
no século XX, talvez as mais importantes sejam
necessita de atividades lúdicas, de ser auxiliada
familiar como um todo, e que as equipes de saúde da
aquelas que se referem aos processos de constituição
adequadamente para adentrar no mundo da
família podem ter relevante papel nessas ações, desde
da
Essas
linguagem e do letramento, mas, antes de tudo, e de
que tenham uma capacitação e uma rede de apoio
ano como do segundo ano da residência em Saúde da
descobertas vieram mostrar, de forma inequívoca, que
forma irredutível, essa criança deve ser tomada como
matricial suficientes.
Família e Comunidade, integram essas equipes. Oitenta
o desenvolvimento humano se dá prioritariamente
objeto de amor pelos adultos e, nessa relação afetiva,
por processos epigenéticos, a partir de uma dialética
ser antecipada como um sujeito na cultura. É no
Apresentarei, a seguir, algumas experiências ocorridas
nas unidades de saúde. Cada equipe é responsável pelo
entre impotência e prematuração e sua antecipação
desejo que o outro deposita sobre a criança que ela
no âmbito da atuação da Faculdade de Medicina da
atendimento a mil famílias de um território delimitado.
subjetividade
e
seus
determinantes.
O programa de saúde da família envolve equipes de médicos, enfermeiras e agentes comunitários de saúde, dentre outros profissionais. Os agentes comunitários são pessoas pertencentes e escolhidas pela própria comunidade. Essas equipes contam com um grupo de supervisores e uma rede de cuidadores. Os alunos residentes em formação, tanto do primeiro
por cento do programa dessa residência desenvolvem-se
35
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Detecção e intervenção nos distúrbios do desenvolvimento infantil a partir do Programa de Saúde da Família Wagner Rañna
Trata-se de um modelo de assistência que visa à integralidade, à resolutividade e à
familiares, tornando-se o que, na literatura, se chamou de “bebês de reposição”, com
territorialidade. Nas intervenções sobre os casos de crianças, trabalha-se com, no mínimo,
todos os efeitos positivos e negativos de estarem nesse lugar.
três pessoas: pai, mãe e criança. Mas os avós e outros cuidadores, bem como as instituições do território, são chamados para participar das discussões com a supervisão em saúde
No estudo dos casos, trabalha-se com o referencial psicanalítico, que destaca as funções
mental, na medida das necessidades de cada caso, para se posicionarem como sujeitos
materna e paterna como estruturantes para o novo ser. A função materna opera a passagem
frente aos problemas identificados para cada criança.
do organismo para um corpo e é responsável, também, por instalar no psiquismo infantil o desejo de ser amado e amar o outro. A função paterna tem como objeto a subjetivação
Na cidade de São Paulo, o Programa de Saúde da Família foi implantado seguindo os
da criança, ao liberá-la da relação simbiótica e pregnante da função materna, bem como
indicadores dos índices de violência e de mortalidade, atendendo aos bairros com os piores
colocar o sujeito submetido às leis da cultura. Tais funções não têm necessariamente de
índices. As famílias têm as mais diversificadas composições, com histórico de migrações,
ser desempenhadas pelo pai e pela mãe. Vários atores no grupo assumem essas funções,
separações, abandonos, mortes e convívio com a violência.
e é a dinâmica das relações familiares, suas histórias e seus mitos, que determinará como essas serão desempenhadas.
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37
Caso 1
A saúde mental da criança depende, como já afirmamos, da posição subjetiva da criança na família e da saúde mental dos familiares. A criança pode ser vista como um excelente
Família de um menino com 10 anos. A mãe encontrava-se deprimida. Teve dois filhos
indicador do grau de desenvolvimento da família. O investimento na saúde mental, além
que se envolveram no tráfico de drogas e foram assassinados. O marido, segurança
de beneficiar a criança, repercute na saúde mental da família como um todo. Não se
de uma padaria, também foi assassinado. O caso é discutido na supervisão em saúde
consegue tratar a criança sem melhorar a qualidade do vínculo, da relação, da interação e
mental, pois ele está com seu desenvolvimento escolar paralisado. Fez-se uma avaliação e
da posição dela na família.
constatou-se que havia uma dupla, mãe e filho, bastante deprimida e traumatizada pelas ocorrências relatadas.
Os problemas do desenvolvimento no bebê podem se expressar pelas vias do comportamento, das dificuldades em aquisições cognitivas ou das somatizações. Kreisler aponta o fato de
Muitos trabalhos, na literatura, apontam os efeitos paralisantes da violência sobre os
que esses distúrbios são efeito tanto do excesso, como da falta de investimentos sobre
processos de desenvolvimento, bem como os da vivência de perdas de membros de uma
a criança. A incoerência e a instabilidade nas relações também são consideradas. Não
família, principalmente por violência. Optamos, no caso, por um trabalho visando à
há apenas crianças carentes de estímulos e de amor. Há casos de pais que sufocam o
possibilidade de elaboração dos lutos sucessivos, que pudesse tirar essa dupla, mãe-criança,
novo ser com suas próprias necessidades afetivas ou de angústia frente ao desamparo. Por
desse estado de vazio depressivo em que se encontrava.
exemplo, temos o caso de uma mãe depressiva que não consegue deixar sua filha sequer ir à escola.
As famílias que vivem em regiões com altos índices de violência têm nas suas histórias muitos membros eliminados. Os bebês nascem nesse contexto. A violência é devastadora
Outro processo que integra as operações constitutivas do sujeito humano é o que pode
para o desenvolvimento do psiquismo da criança. Além disso, encontramos muitos casos
ser denominado estádio de espelho. O espelhamento ocorre principalmente entre os 6
de bebês que foram desejados e gerados como forma de aliviar as perdas nesses grupos
meses e 2 anos da criança. Nesse estádio, a criança reflete as características do cuidador
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Detecção e intervenção nos distúrbios do desenvolvimento infantil a partir do Programa de Saúde da Família Wagner Rañna
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e da família. Por exemplo, uma família hiperativa e
Levamos em conta, também, alguns referenciais
era um doente crônico. Hipertenso e começava a desenvolver Mal de Alzheimer. A equipe
desatenta estrutura na criança um comportamento
da teoria da complexidade, que ajuda a pensar e
suspeitava de uma determinação psicossomática para os problemas ginecológicos da mãe.
hiperativo e desatento, que pode, erradamente, ser
organizar os projetos de intervenções, considerando a
A avaliação psicológica dessa mãe mostrava uma pessoa muito impotente, incapaz de dar
tomado como um distúrbio da criança. A epigenética
singularidade de cada um. Essa teoria aponta para a
continência, afeto e limites para a criança, repetindo com a criança uma dinâmica de
no ser humano é decisiva, e o conceito de estádio
necessidade de haver um segmento para avaliar os efeitos
submissão e domínio.
do espelho é ferramenta muito esclarecedora para o
das ações. Somente saberemos depois se o que fizemos
entendimento do alcance desse aspecto.
hoje foi eficiente para aquele caso. A questão do apres-
Foi solicitado à equipe de saúde que agendasse com o pessoal da creche uma reunião,
coup ou do a posteriori decorre do fato de que as ações
na unidade básica de saúde, para discutir a reinclusão da criança e mobilizar a equipe da
O trabalho aqui proposto implica uma verdadeira
que têm efeito sobre um caso não necessariamente
creche para assumir o papel de parceira no trabalho. Foram priorizados os atendimentos
“microscopia” das relações constitutivas do grupo
terão em outro. Tudo passa pelos sujeitos envolvidos,
da mãe, nos seus problemas de saúde ginecológicos, mas com uma escuta para seus
familiar, o que é possível se não estivermos próximos,
daí a complexidade. Mas daí também decorre uma
problemas psíquicos e sua estória de abusos e violência, desde a adolescência. Aos poucos,
olhando e escutando a intimidade das relações com o
potencialidade inerente a cada caso.
a mãe pôde assumir uma posição mais ativa e ser capaz de assumir uma função materna
ser em desenvolvimento. Em nosso trabalho no Distrito de Saúde Escola
mais potente.
Caso 2 Caso 3
do Butantã, utilizamos metodologias simples e adequadas para o contexto e o cenário encontrados:
Jonas, menino de 3 anos hiperativo, agressivo com a
população pobre, com recursos de saúde simples.
mãe e com outras crianças. Foi solicitada a avaliação,
Maria, uma menina adotada, de 14 anos, com um bebê de 3 meses. Sua mãe a agredia
A observação sobre o olhar, a alternância entre
na discussão de saúde mental com a equipe responsável
e queria interná-la como psicótica. Ameaçava: “Se você não fizer isso que eu falo, vou te
presença e a ausência, o brincar do bebê, as
pela área de sua residência, por ter sido cogitada sua
devolver para tua mãe, porque a tua mãe era moradora de rua. Eu te tirei da tua mãe e
projeções do sujeito sobre a criança, as reedições
exclusão da creche. Algo impensável, por tratar-se de
você tem essa dívida comigo...”. Em meio a essa relação de violência entre a mãe adotiva e
transgeracionais e o vínculo entre os pais e os
uma criança com 3 anos.
a menina, Maria teve o bebê, em parte como uma maneira de vingar-se da mãe, em parte
profissionais de saúde são os elementos sobre os
como um desejo de ter um filho com o atual namorado, tido como muito amigo e fiel.
quais a nossa investigação deve incidir. Observamos
A mãe fora objeto de muita violência. Abandonada
Após uma briga com a mãe por causa do namorado, ela resolveu transar com ele. A equipe
o acontecer das relações. Em outras palavras, a fala,
pelo marido, vivia com o pai, ao qual ela se referia
trabalha no sentido de reatar as relações da adolescente com a mãe adotiva, com o bebê e
a continência, o jeito de pegar, o jeito de trocar, o
como um sujeito agressivo e violento – ela odiava o
com o pai do bebê.
jogo, o brincar e o imaginário dos pais acerca da
pai. Possuía várias doenças ginecológicas, entre outras
criança. Acompanhamos, também, as expressões
uma endometriose, e relatava um histórico de abuso
Maria tem uma compulsão: abandona a criança e sai de casa. Mas a equipe a convence a
dos distúrbios de desenvolvimento ou dos problemas
pelo próprio pai e por outros maridos.
voltar. Numa conversa, na unidade básica, afirmou ter resolvido ser moradora de rua, não
que vão acometendo a criança – psicossomáticos,
queria mais ficar na própria casa. Lembrou-se a ela que essa era a condição de sua mãe
comportamentais, mentais – e a presença de
Uma dinâmica de relações agressivas e violentas regia a
biológica. Ela disse: “Nossa, é mesmo! Será que eu fui para a rua procurar minha mãe?”.
morbidades na família.
família. O avô, tratado pela equipe de saúde da família,
A adolescente estava, ao nosso ver, tomada por um desejo inconsciente de encontrar ou se
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CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Detecção e intervenção nos distúrbios do desenvolvimento infantil a partir do Programa de Saúde da Família Wagner Rañna
espelhar no mito materno imaginário, pois a mãe real,
Precisava de cuidados e apoio no seu desejo de assumir
dormir. A equação mãe-alimento, tão apontada nos casos de obesidade e anorexia, nesse
a adotiva, estava em crise com ela.
a maternidade e ter mais autonomia. Não há como
caso se fazia bem presente.
cuidar desse bebê sem cuidar de Maria e sua situação A possibilidade de se ver mais sujeito e menos
de adolescente, adotada, em crise com sua família.
Essa dinâmica foi objeto de conversas com a mãe, para que ela se alternasse em presença e
compulsiva nas suas atitudes vai dando maior
ausência, com a orientação de colocar o menino na creche e de incluir o pai nos cuidados
consciência para atravessar a crise. Além disso, fica
noturnos. O caso era exatamente de “desinvestir”, ou de diminuir a intensidade do afeto
Caso 4
e do amor da mãe.
em discussão o diagnóstico de psicose, que, inclusive,
Carlos tem 1 ano e 6 meses. Trata-se de um menino
Nos atendimentos posteriores, como é comum acontecer nesses casos, a mãe relata a
foi dado por um serviço de psiquiatria, talvez por
obeso grave. Quando chegou ao atendimento, o
perda de um bebê anterior por morte súbita, o que já era conhecido pela equipe. A morte
influência da mãe adotiva, que, diante das dificuldades
médico de saúde da família discutiu o caso. Pesava 18
súbita de bebês tem efeitos traumáticos, que reincidem sobre os novos filhos. A cadeia de
com a filha, lança mão desse recurso para ter domínio
quilos, um raro caso de obesidade mórbida em bebê.
significados vai sendo revelada, e a ansiedade materna pode ser falada, e não mais “atuada”
sobre a mesma.
Sofria, também, distúrbio de sono. A equipe pensou,
no excesso de alimentos oferecidos e no excesso de presença no apoio ao sono. Dormir
inicialmente, em um regime alimentar. Sem êxito.
tinha o sentido de morrer no inconsciente materno, o que deixava o bebê diante de um
evidente que a adolescente estava vivendo uma crise, com sintomas bem lógicos para a situação, colocando
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Colocar o sujeito diante de sua própria questão na vida
fantasma ao adormecer.
é algo que a psicanálise faz, e a adolescente estava
O agente de saúde esteve na casa da mãe e relatou que
sendo ouvida pela equipe, supervisionada pela saúde
havia um armário com diversas latas de enriquecedores
mental e pela psicóloga da UBS. Maria convenceu-se
de mamadeiras, a base de amido. A mãe alimentava
de que não deveria voltar para sua casa por causa dos
a criança compulsivamente. Mudou-se o enfoque do
problemas com a mãe adotiva. Ficou em um abrigo
atendimento, levando em conta a insônia e a obsessão
Tomé, que está no programa desde os 2 anos e 9 meses. Tinha sido adotado por Ivone. Sua
para adolescentes em risco, que trabalha em rede com
da mãe com a alimentação do bebê.
mãe biológica era moradora de rua e, talvez, viciada em crack ou cocaína. Trata-se, então,
a UBS. A avó ficou cuidando do bebê, e a equipe
Caso 5
de uma criança com a possibilidade de ter sido exposta a tóxicos e ao alcoolismo intra-
facilitou a ela vê-lo com freqüência. Após alguns
Nesse novo enfoque, descobre-se que o bebê não
útero. Ivone, a princípio, queria ajudar a mãe de Tomé, mas esta desapareceu, deixando o
meses, Maria volta para sua casa, e a dinâmica familiar
desgrudava da mãe, e fica evidente uma relação com
bebê com Ivone, quando tinha 1 ano e 6 meses.
se equilibra novamente. O bebê é objeto de atenção de
excessos de presença materna, que tinha seus efeitos
toda a equipe, durante esses movimentos da dinâmica
no distúrbio de sono, pois a função onírica e o sono
Estamos diante de uma adoção forçada? Essa senhora, hipertensa e diabética, era atendida
familiar, estando sem sintomas até o momento. A rede
profundo precisam de uma boa presença e uma boa
pela equipe de saúde da família. O diabetes e a hipertensão pioraram depois da adoção.
de cuidados envolveu o bebê, Maria e sua família
ausência materna para se instalarem. A insônia dos bebês
Sua família não apoiava sua atitude e a culpa pelo problema que criou com a “adoção”.
adotiva, bem como a discussão do caso com todos os
quase sempre decorre de uma relação com uma mãe
agentes institucionais.
que traumatiza o bebê com sua angústia. A dinâmica
A equipe de saúde da família entra no caso para ajudá-la a estabelecer um vínculo e cuidar
A adolescente não era psicótica, mas uma adolescente
de excesso na presença materna deslocava-se para o
do Tomé. Tomé é agressivo, fóbico, hiperativo e tem crises de terror noturno. Dorme
em crise, com uma dinâmica familiar complicada.
excesso no objeto comida e para a impossibilidade de
agarrado à Ivone.
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CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Detecção e intervenção nos distúrbios do desenvolvimento infantil a partir do Programa de Saúde da Família Wagner Rañna
Na investigação subjetiva, Tomé mostra-se muito inteligente. Desenha, conversa e tem
Considerações Finais
uma relação com Ivone em que demonstra estar inseguro e lutando para ser aceito. Era como um pânico de ser novamente abandonado. Não descola o olhar da mãe adotiva.
Os casos apresentados mostram o tipo de trabalho em rede, em que há um distrito, com
Registros na memória dos tempos de morador de rua e filho de alcoólatra e viciada em
famílias e unidades de saúde; em que as unidades de saúde dispõem de equipes de saúde,
crack foram pensados como desencadeantes dos comportamentos e do terror noturno.
e a unidade funcional dos atendimentos são as famílias. Nas famílias, encontram-se essas
Tudo era discutido com Ivone. Havia grande angústia frente à possibilidade de desamparo.
crianças, em relações com essas pessoas. Os profissionais entram em contato com essa
Mas as hipóteses de uma lesão cerebral ou uma síndrome da criança filha de mãe alcoólatra
capilaridade da organização social por meio das suas observações, mas, principalmente,
são descartadas.
por meio de uma escuta qualificada sobre essas tramas de subjetividades. Eles têm a oportunidade de ajudar essas famílias a enfrentar melhor seus conflitos, reconhecer suas
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Na observação, percebeu-se, também, que Tomé está absolutamente subjetivado: fala, sabe
posições diante dos enigmas que se implicam na origem dos bebês sujeitos e, apesar de
quem é e quem fala com ele. Diz que tem 3 anos e 9 meses. Tomé desenha figura humana
adultos, poder se perguntar: “De onde vêm as crianças?”, ou “De onde vêm os novos seres
bastante completa, o que é precoce para um menino de 3 anos e 9 meses. Portanto, é
que, a todo instante, chegam ao mundo?”.
muito inteligente.
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A mãe relata que, em um atendimento feito em um serviço de psiquiatria infantil, foram
Wagner Ranña
receitados os seguintes medicamentos: imipramina 75 mg, clorpromazina 25 mg e
Médico, Pediatra e Psiquatra lnfantil, com Mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade
carbamazepina 200 mg. Deram um diagnóstico de TDAH.
de São Paulo (USP). Assistente Docente do Departamento de Pediatria Social da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP); Supervisor em Saúde Mental da Residência de Medicina da Família
A equipe decide atuar em três vertentes: primeiro, trabalhar a adoção real do menino; segundo, conscientizar a mãe e os familiares da não necessidade dos medicamentos, desde que se superassem as angústias do menino pela melhoria da qualidade das relações. Foram explicados para a família os potenciais de Tomé e que o diagnóstico dado de TDAH e os medicamentos não correspondiam ao quadro que estávamos vendo. Tomé foi incluído numa escolinha e passou a fazer sessões de psicoterapia conjunta, com a mãe, a equipe e a supervisão em saúde mental. Após um ano de acompanhamento, Tomé está na creche, sem medicações e apenas apresenta terror noturno em algumas noites. A adoção foi oficializada e, no último atendimento, Tomé aponta para sua certidão de nascimento e diz: “Meu nome, agora, é Tomé OLIVEIRA!” Cheio de júbilo.
e Comunidade. Docente do Instituto Sedes Sapientiae. Possui vários trabalhos publicados na área de Desenvolvimento Infantil e Desenvolvimento Precoce.
A interação das crianças com adultos e outras crianças: o papel das famílias, educadores e comunidade no Desenvolvimento Infantil Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
Para responder a questões sobre como encaminhar a organização de ambientes de desenvolvimento para crianças que atravessam situações de risco social, abordarei algumas considerações sobre a construção social da criança, um ser biologicamente social. Sob um ponto de vista sociocultural, elaborado a partir dos trabalhos de Vygotsky e Wallon, a interação da criança com diferentes parceiros – adultos e crianças – atua como recurso para o seu desenvolvimento na medida em que lhe fornece condições para se apropriar de formas historicamente desenvolvidas de perceber, memorizar, emocionar-se e solucionar problemas, dentre outros aspectos. Tais formas são produtos da interação das disposições da espécie e do aparato cultural que a envolvem no decorrer de sua vida. Os aspectos
CAPÍTULO 2 44
...dentre as condições necessárias ao desenvolvimento humano, está o estabelecimento de uma relação de vínculo entre a criança e os adultos que a acolhem e, logo, entre a criança e outras crianças de seu ambiente. Uma política que se apóie nesse princípio deve entender que o desenvolvimento consiste não apenas em uma tarefa conjunta, mas em uma tarefa recíproca – a criança não é a única que se desenvolve, mas também quem está com ela. A cada bebê que nasce, sua família renasce!
biológicos e culturais, portanto, interagem na construção social da criança. Partirei de um primeiro pressuposto: tomar os membros da família como parceiros privilegiados no desenvolvimento da criança pequena. Para explicá-lo, me basearei na experiência de quase 20 anos de trabalho da equipe do CINDEDI (Centro de Desenvolvimento e Educação Infantil), ligado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP).
O CINDEDI tem estudado a educação em creches e as condições para o favorecimento da aprendizagem e do desenvolvimento das crianças nelas atendidas, a educação das crianças com necessidades especiais em classes comuns e a questão da adoção e do acolhimento de menores em situação de risco social. Seus pesquisadores investigam não apenas os profissionais que trabalham com as crianças, mas as próprias crianças e suas famílias. Mantêm contato com outros profissionais da área de saúde e uma interface intensa com uma aplicação do entendimento do problema da criança dentro de um macro-sistema, o que os remete a trabalhar inclusive com sociólogos e advogados para mantê-los informados sobre projetos de lei que tramitam em Brasília. Sua experiência em pesquisa, ensino e intervenção têm-nos levado a publicar os resultados de investigações e a realizar vídeos sobre os temas estudados, com o objetivo de usá-los em programas de formação de professores. Também elaboram documentos que os posicionam em relação a certas políticas que ecoam nas condições de desenvolvimento e de aprendizagem de crianças pequenas.
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CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos A interação das crianças com adultos e outras crianças: o papel das famílias, educadores e comunidade no Desenvolvimento Infantil Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
Um estudo do CINDEDI apontou que, dentre as condições necessárias ao
No caso da família, esta não apresenta apenas um cotidiano biológico, mas também uma
desenvolvimento humano, está o estabelecimento de uma relação de vínculo entre
maneira de funcionar, uma rede de significações que faz sentido para seus integrantes
a criança e os adultos que a acolhem e, logo, entre a criança e outras crianças de
e na qual o bebê está inserido. A família possui uma cultura, que pode ser depressiva,
seu ambiente. Uma política que se apóie nesse princípio deve entender que o
violenta, às vezes violenta e festeira. Ou pode não ser violenta, mas muito apática, com
desenvolvimento consiste não apenas em uma tarefa conjunta, mas em uma tarefa
poucas festas, dentre outras formas de existência familiar existentes em nossa sociedade,
recíproca – a criança não é a única que se desenvolve, mas também quem está com
marcada pela desigualdade de acesso a bens sociais e culturais diversos.
ela. A cada bebê que nasce, sua família renasce! Contudo, o desenvolvimento da criança não é avaliado apenas a partir das importantes
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Projetos de qualquer natureza devem colocar seu foco nas atividades que as crianças
significações recíprocas construídas nas interações de mãe, família e filho. Nos
desempenham. Estudos do CINDEDI constataram que, em ambientes onde o
diferentes contextos cotidianos, as crianças apropriam-se de diversas competências
foco é na promoção do desenvolvimento da criança, onde há objetos e atividades
sociais, a depender de suas condições pessoais e da forma como interagem com
mediadoras da ação infantil, os bebês são incentivados a engatinhar, andar, manipular
outras pessoas, com os objetos e as situações – elementos cheios de significações,
objetos, buscar aconchego, brincar de esconde-esconde, observar com atenção e
que precisam ser interpretados por parceiros mais experientes. Nos ombros desses
interesse outras crianças e outros bebês, cantar e dançar. As crianças um pouco mais
parceiros, a criança aprende a ver mais longe, a fazer conquistas. Eles ajudam-na a
velhas, além das ações descritas, apreciam jogos de faz-de-conta, cantam, dançam,
realizar ações que a levam além de si mesma, como se lhe dessem apoio para ver e
disputam objetos, ouvem histórias, escrevem bilhetes, planejam festas, envolvem-se
significar o mundo e a si, em uma relação onde há cuidado e vínculo afetivo.
em investigações sobre animais, plantas e, principalmente, em brincadeiras, fazem amigos, choram e são consoladas, e muito mais.
Ao lado desse conjunto de afetos e representações, existem práticas cotidianas que devem igualmente ser observadas. A criança brinca? Como brinca? Ela vê TV? De
A depender de sua experiência na interação com parceiros mais experientes, em práticas
que maneira? Alguém lhe dá comida? Como isso acontece? Como foi comemorado
culturais concretas, elas nomeiam objetos, imitam pessoas ou outros elementos que
seu aniversário? Em função disso, é necessário tornar as práticas culturais objeto de
observaram, aprendem a cuidar de si de determinada maneira, discriminam sons, traçam
investigação. Tais práticas, para as quais uma visão acadêmica antiga não conferia
desenhos, formulam perguntas, elaboram respostas, constantemente significando o
importância, passam a ter, hoje, grande relevância, inclusive na promoção do
mundo à sua volta, influenciando-o e sendo influenciadas por ele. Assim, a criança
desenvolvimento cognitivo. Isso pode ser observado quando uma criança e a mãe
apropria-se de novas formas de ação sobre o meio e desenvolve maneiras de sentir, agir
costuram uma meia que foi furada, preparam um bolo ou consertam um carrinho de
e pensar ao mesmo tempo em que vai delineando o sentido de si, em um processo em
madeira, tarefas que exercitarão o cérebro da criança, sua motivação.
que as significações que as figuras adultas constroem sobre a criança constituem fortes mediadores das condições de desenvolvimento que elas podem lhe proporcionar.
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CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos A interação das crianças com adultos e outras crianças: o papel das famílias, educadores e comunidade no Desenvolvimento Infantil Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
Grande parte da aprendizagem se dá por observação, fazendo junto. Quem não observa as
Em função do que apresentei, o conhecimento e a utilização de redes de apoio como forma
ações presentes em seu meio terá dificuldades em aprender como esse meio se estrutura.
de compreender os contextos de criação das crianças, em diferentes grupos e camadas
Uma mãe muito parada, pouco ativa, chorando será observada por sua criança, que
sociais, configura ponto importante no desenvolvimento infantil. Uma família ou mãe
aprenderá com essa inatividade, pois não se empresta a consciência apenas para o lado bom
que atravessa com seu filho uma situação de vulnerabilidade social deve ser ajudada de
e saudável da criança. Um lado, digamos, doente de uma visão de si também é construído
diferentes formas e por diferentes instituições, que, para não segmentar a família atendida
com o outro. Algo sempre está acontecendo na relação interpessoal. O papel educativo
em direções antagônicas, precisam buscar uma integração de seus serviços para facilitar a
da comunidade, dos pais, dos educadores de creche consiste, como vimos, em erguer e
troca de percepções e a adoção de procedimentos articulados.
sustentar uma criança para que veja longe, em mediar-lhe a construção de significações.
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Mas é claro que não se deve esquecer que outras crianças constituem importantes parceiros
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
da criança na formação de sua identidade. O CINDEDI tem investido muito em pesquisas
Pedagoga e Pesquisadora de Psicologia do Desenvolvimento da Universidade de São Paulo (USP).
de interação de bebês com menos de 1 ano. Suas análises, feitas a partir de uma perspectiva
Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP. Professora livre-docente da Faculdade
micro-genética, nos têm possibilitado constatar que eles gostam de ficar próximos uns dos outros, negociam intenções e significações muito precocemente. Se uma educadora sai por uma porta e algum bebê vai atrás, mas a porta se fecha, esse bebezinho, bem pequeno, fica parado diante da porta fechada, observado por outro bebê, dois meses mais velho, que se aproxima dele e tenta empurrar a porta, mas também não consegue abri-la. Esse bebê que tentou empurrar a porta dirige-se a uma educadora e a puxa na direção da porta, mas ela não o atende. Nesse momento, percebe-se que o segundo bebê foi capaz de apreender a intenção lançada pelo primeiro. Estamos nos referindo a bebês que tenham em torno de 10, 11 meses de vida. Vê-se, no caso mencionado, a importância dos estímulos recíprocos como partilha de projetos, como formação de identidade. Um bebê conta as coisas para o outro do seu jeito. Mesmo o bebezinho pequeno mostra algo ao parceiro, não importa que não o entenda. A relação com o outro bebê constitui uma fonte muito forte de autoconhecimento, que vai-se alterando, ao longo da vida, em um processo em que a imitação constitui um instrumento fundamental: trata-se de uma comparação, de uma fusão.
de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP. Autora do livro Educação Infantil: fundamentos e métodos e organizadora do livro Educação Infantil: muitos olhares.
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O papel dos meios multimídia na formação de agentes de desenvolvimento da criança: o Programa Família Brasileira Fortalecida (FBF) Gianvittore Calvi e Lucila Martínez
A atenção à criança de 0 a 3 anos demanda um
capacitação sobre as estratégias de mobilização social
esforço multilateral, intersetorial, simultâneo e
que possibilitam conquistar uma participação mais
harmônico entre os mais diversos atores dos setores
efetiva, por parte das famílias, no processo de educação
público e privado. A mobilização efetiva desses
formal dos filhos. Atenção especial deve ser dada aos
atores e a preparação, qualificação e monitoramento
responsáveis por educação infantil e aos educadores de
de agentes multiplicadores constituem os maiores
segundo grau, que trabalham com adolescentes e jovens
desafios a serem enfrentados pelos projetos de
em idades de maternidade e paternidade precoce.
desenvolvimento infantil. Pais e mães, por sua vez, devem dedicar algum tempo
CAPÍTULO 2 50
A necessária mudança de hábitos de vida implica despertar o interesse pela leitura e sensibilizar as pessoas sobre a importância da informação e do conhecimento relacionados ao desenvolvimento da criança. Mães e pais leitores encontram melhores soluções e acesso aos serviços, em busca de melhores oportunidades de sobrevivência, desenvolvimento, proteção e participação da criança.
O desenvolvimento da criança demanda estreita relação
a aprenderem a ser melhores pais e mães. Precisam
entre a escola e o grupo familiar que a rodeia. A ação
garantir qualidade ao tempo em família e para a
promotora e preventiva que resulta do diálogo e da
família, bem como ao tempo dedicado aos encontros
participação permanentes família-escola-comunidade
com a escola, com os educadores, com as propostas
tem como resultados futuros:
político-pedagógicas, com os projetos que fortalecem o diálogo com os filhos.
• diminui o comportamento violento (pessoal/familiar); • reduz o abuso de álcool e o consumo de drogas;
A partir de consultas e avaliações entre parceiros,
• evita o isolamento social e afetivo;
durante os anos 2002 e 2003, o Fundo das Nações
• melhora os sentimentos de auto-estima; • eleva o interesse e a facilidade da criança para a aprendizagem; • aumenta a aptidão intelectual; • diminui os índices de repetência e de evasão escolar; • as crianças a lidar melhor com os conflitos do dia-adia, reduzindo o estresse e o desapontamento;
Unidas para a Infância (Unicef) concluiu que o fortalecimento das competências familiares, na atenção às crianças de 0 a 6 anos, constituía uma das estratégias indispensáveis para apoiar a capacidade de as famílias oferecerem melhores condições de desenvolvimento humano. Assim, a entidade criou as bases gerais para um programa de qualificação de agentes de transformação em todo o país, com materiais de apoio especialmente
• melhora a utilização do tempo livre;
orientados a famílias com crianças pequenas e com
• aumenta a capacidade para planejar, sonhar e inovar;
filhos adolescentes: o Programa Família Brasileira
• diminui a institucionalização da criança acolhida
Fortalecida (FBF).
nos abrigos. Liderado pelo Unicef, o programa é uma das mais No sistema de ensino, os educadores devem receber
eficazes estratégias de mobilização e envolvimento dos
51
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos
1
Declaração do Milênio das Nações Unidas, adotada pelos 189 estados-membros no dia 8 de setembro de 2000
O papel dos meios multimídia na formação de agentes de desenvolvimento da criança: o Programa Família Brasileira Fortalecida (FBF) Gianvittore Calvi e Lucila Martínez
serviços comunitários de atenção à criança de 0 a 6 anos. Trata-se de um programa de
• estimular o prazer pela música, a composição, os instrumentos, a relação música-emoção-
caráter multisetorial, que integra projetos e ações das áreas de saúde, educação, habitação,
comunicação e ambiente, os efeitos sonoros, a relação com o movimento e a linguagem
desenvolvimento social, meio ambiente e demais setores, com os seguintes objetivos:
sonora, propiciando o desenvolvimento do gosto pela música;
• apoiar as famílias no cuidado e na educação das crianças, envolvendo mulheres, familiares e comunidade, para diminuir a mortalidade infantil e materna;
• identificar as técnicas de animação e audiovisuais, a relação com as imagens do livro, as
• promover o desenvolvimento saudável da criança, para ser socialmente competente, emocionalmente segura e mentalmente estimulada, alerta e pronta para aprender;
• recontar e recriar as histórias novas e recorrentes, promover a leitura coletiva, propondo
• propiciar melhores condições para a sobrevivência, o desenvolvimento, a proteção e a participação da criança em um ambiente acolhedor da família.
ilustrações, imagens planas e animadas ou tridimensionais;
outras formas de contar e ler a mesma história, por meio do teatro, da música e dos desenhos, promovendo a expressão oral e corporal; • decodificar e pesquisar os elementos e situações – aproveitar, por exemplo, os diversos animais e regiões geográficas do mundo, que aparecem nos livros e nos filmes, para
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Constitui, assim, uma estratégia auxiliar no esforço de contribuir para que o Brasil possa cumprir as metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o terceiro milênio1. Pretende, ainda, fortalecer as famílias e as comunidades, criando laços de apoio e de solidariedade entre si, além de incentivar o conhecimento das regras de convivência, estimulando o exercício consciente da cidadania.
pesquisar suas características, espécies e origens; • transformar em objetos concretos o resultado do debate sobre a história, por meio de máscaras, roupas, desenhos, maquetes etc., integrando outras linguagens e materiais, como sucata e argila, entre outros; • promover o prazer da fantasia para reinterpretar a história, estimulando a capacidade de
A necessária mudança de hábitos de vida implica despertar o interesse pela leitura e sensibilizar as pessoas sobre a importância da informação e do conhecimento relacionados ao desenvolvimento da criança. Mães e pais leitores encontram melhores soluções e acesso aos serviços, em busca de melhores oportunidades de sobrevivência, desenvolvimento, proteção e participação da criança. O livro deve ser um ponto de referência constante no lar, na escola, na comunidade. O uso de recursos multimídia amplia o universo cultural das crianças e garante o lúdico na rotina da sala de aula e das relações familiares, abrindo espaço para o diálogo em família e a participação cidadã. Ele cumpre o papel de:
imaginar e criar personalidades, situações e cenários; • incentivar a valorização da criação e da comunicação escrita pelas crianças, começando por imaginar outro final para cada história – além da imaginação, contribui para o exercício do pensamento lógico, matemático e lingüístico. Cada instituição de educação infantil envolvida no Programa recebe um kit, composto por cinco álbuns seriados que fornecem informações e orientações sobre questões relacionadas à saúde, higiene, alimentação, segurança, desenvolvimento e aprendizagem. O objetivo imediato é auxiliar as equipes municipais e estaduais a formar os professores e gestores das instituições de educação infantil que trabalharão diretamente com as famílias.
• criar um ambiente favorável à leitura e analisar o objeto livro, a relação texto/ imagem, a narração, as vozes, as inflexões, o ritmo, a música e as diferentes
Uma das metas propostas pelo Unicef é que os grupos de agentes sociais de mudança sejam
linguagens presentes nos materiais;
qualificados, para aprimorar seu perfil perspicaz e tático-operacional, devendo multiplicar
53
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos O papel dos meios multimídia na formação de agentes de desenvolvimento da criança: o Programa Família Brasileira Fortalecida (FBF) Gianvittore Calvi e Lucila Martínez
o treinamento para outros agentes. Isso exige um bom entendimento do Programa FBF,
Lucila Martínez
bem como aprender a usar os álbuns seriados e os conteúdos do livro O Município e
Pedagoga, especialista em planejamento da Educação. Mestre em Ciências da Informação (Pratt
a criança de até 6 Anos – Direitos cumpridos, respeitados e protegidos, que ajudam a compreender as competências municipais. Essa visão de conjunto enriquece a percepção dos agentes multiplicadores sobre as
Institute de Nova Iorque, EUA). Pós-graduações em nível de especialização em Inovação e Difusão Tecnológica (Universidade Católica de Petrópolis e Laboratório Nacional de Computação Científica/ Brasil) e em Gestão Estratégica para o Desenvolvimento Local e Regional (Ilpes/Cepal). Atuou na coordenação de projetos internacionais para Banco Mundial, Unesco, Cerlalc, PNUD, OEA e BID e no planejamento e coordenação de redes de sistemas de bibliotecas escolares e públicas.
múltiplas possibilidades de melhor aproveitar os álbuns seriados do kit e, especialmente, sobre as possibilidades que cada um poderia ter de ampliar a capacitação, identificando e conquistando parceiros e aliados locais e regionais. Para melhor utilizar os álbuns, eles
Gianvittore Calvi
precisam aprender a mobilizar e sensibilizar seus colegas, as lideranças e os formadores
Designer gráfico, autor e ilustrador nascido em Bérgamo, Itália. Especialista em planejamento da
de opinião para que trabalhem juntos no fortalecimento de competências municipais que
educação. Radicado no Brasil desde 1949, atuou na criação e produção de materiais educativos
levem ao aperfeiçoamento das políticas públicas, na atenção às crianças de 0 a 6 anos.
impressos e audiovisuais, realizados em regime de consultoria, em diversos países latino-americanos,
54
Nos álbuns seriados do programa FBF, a ênfase principal recai sobre os direitos de sobrevivência e proteção. Mas os multiplicadores precisam conhecer e se aprofundar, também, nos direitos ao desenvolvimento e à participação, que aumentam exponencialmente o efeito da utilização dos álbuns seriados. Isso exige maior conhecimento sobre as formas efetivas de organização comunitária, de governança e de liderança, sobre a legislação e a rede de proteção de direitos, entre outros setores. As competências de pais e familiares para promover o desenvolvimento de suas crianças envolvem relações de afeto que permeiam as oportunidades de aprendizagem e os cuidados com a saúde, a alimentação e a proteção da criança, no seu dia-a-dia. As condições de pobreza, de falta de informações, as dificuldades de acesso aos serviços médicos e de educação, em muitas comunidades e municípios, e a falta de saneamento básico impedem as famílias de criar condições favoráveis para o desenvolvimento e a proteção desejados. Assim, é muito importante que os agentes multiplicadores tenham uma visão macro e holística do que realmente significa o fortalecimento de competências familiares e o desenvolvimento infantil.
para Unesco, Unicef, OEA, PNUD, Banco Mundial e BID, além de diversos ministérios e secretarias de Educação, Saúde, Justiça e Desenvolvimento Social. É autor e co-autor de livros ilustrados para educação e literatura infantil.
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Estratégias de mobilização no município de Santos: experiências do Lar Veneranda, da Rede Sementeira e do Programa REDINs Valéria Regis
Este artigo pretende abordar experiências adquiridas
e cabe a ela destinar, a cada uma das organizações que
no envolvimento com os serviços comunitários
atuam nessa área, chamadas entidades conveniadas,
existentes no município de Santos, no litoral paulista,
toda a demanda da cidade, distribuída conforme a
especialmente creches e serviços de educação infantil
necessidade das famílias.
para famílias em situação de vulnerabilidade social. Serão relatadas algumas estratégias adotadas no
A Secretaria Municipal de Saúde, por sua vez,
trabalho do Lar Veneranda e da Rede Sementeira
responsabiliza-se pelo atendimento das crianças e
– uma rede que congrega organizações que atendem
famílias nas unidades básicas de saúde e no Centro
mais de 5 mil crianças e adolescentes de 2 a 16 anos.
de Valorização da Criança. Caso seja detectado algum problema comportamental, nutricional ou
CAPÍTULO 2 56
Os benefícios do trabalho em rede são muitos, pois é um espaço para articular pessoas e organizações, circular informações de forma ágil, pensar criticamente, planejar e desenvolver ações e projetos coletivos, produzir e disseminar propostas que apontem para sociedades mais justas e eqüitativas.
fonoaudiológico, a criança e a família são encaminhadas
Lar Veneranda
a esse Centro. 57
O Lar Veneranda, comunidade assistencial espírita,
Também é mantida estreita relação com a Secretaria
tem como missão promover a cidadania e a formação
Municipal de Assistência Social, que realiza o trabalho
moral e espiritual das crianças e jovens atendidos e de
com a família. Nessa Secretaria, obtêm-se os recursos
suas famílias. Fundado há 53 anos, em 5 de junho de
para os programas de atendimento à família e o
1954, possui uma creche que atende crianças de 0 a
encaminhamento para os projetos do governo: bolsa-
3 anos, em período integral, um núcleo de recreação
família, o Programa de Erradicação do Trabalho
infantil para crianças de 4 a 5 anos e 11 meses, também
Infantil (Peti) e o Centro de Referência de Assistência
em período integral, e uma oficina pedagógica que
Social (CRAS).
atende, em meio-período, no contraturno escolar, crianças de 6 a 12 anos. Esses trabalhos contam com
A participação do Lar nos Conselhos Municipais é
um Núcleo de Formação da Família, que realiza o
fundamental porque ali são discutidos os desafios
acompanhamento da família, cursos de capacitação e
enfrentados e as soluções. Há uma grande representação
de geração de renda.
das organizações sociais nos Conselhos, principalmente o da Criança e do Adolescente.
O Lar relaciona-se principalmente com a Secretaria Municipal de Educação de Santos, pois, ao configurar
No âmbito não-governamental, o Lar relaciona-se com
um espaço de educação, passou a ser regido por essa
outras organizações que disponibilizam serviços de
Secretaria. Dela vem o suporte econômico para os
diagnóstico e de reabilitação e com os voluntários que
programas de atendimento à criança e ao adolescente,
procuram as organizações, sejam eles autônomos ou
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos
1
A Fundação Bernard van Leer é uma instituição privada, sediada na Holanda, que financia e dissemina conhecimento sobre iniciativas/projetos de
Desenvolvimento Infantil e Cuidados na Primeira Infância. Sua missão é desenvolver e apoiar programas que gerem mudanças positivas significativas para crianças até os 8 anos de idade, que vivam em circunstâncias de vulnerabilidade social e econômica (www.bernardvanleer.org)
Estratégias de mobilização no município de Santos: experiências do Lar Veneranda, da Rede Sementeira e do Programa REDINs Valéria Regis
não, e que trabalharão diretamente nos cursos, com as crianças e as famílias. Destacam-se
A Rede reúne-se mensalmente, em uma das organizações, que cede o espaço. Tudo
as parcerias com a Rede Sementeira e o REDINs, os quais abordarei em seguida.
é decidido nessa assembléia. Todas as organizações que participam têm voz e voto, e sempre se procura chegar a um consenso sobre as ações. A Rede faz planejamento de
Participa, também, do Santos Criança, um projeto em fase de implantação que dividirá
estratégias e avaliação das ações periodicamente, como o objetivo de garantir que sua
a cidade em quatro regiões, nas quais se formarão mini-redes de atendimento à criança.
missão seja cumprida. Toda reunião da Rede possui pauta e ata, onde são registradas
Com essa estrutura, Santos pretende ser uma cidade que dá atenção global às crianças.
as decisões. A interação dos grupos entre si e seu comprometimento com a causa definem a
Rede Sementeira
sustentabilidade da Rede. Seus ativos, portanto, são as próprias pessoas e organizações. Mas a Rede procura parcerias para potencializar os aportes financeiros a projetos específicos,
58
Criada em 1999, por iniciativa da Associação Comunidade Mãos Dadas (uma associação
além de utilizar os recursos materiais e humanos das próprias organizações parceiras –
empresarial) e pelo Instituto C&A de Desenvolvimento Social, a Rede Sementeira
trabalha-se muito com a troca de recursos humanos e materiais.
constitui um dos canais que dão voz às organizações. Sua missão é a de integrar, fortalecer
59
e representar as organizações da sociedade civil de Santos, pela participação democrática
Há, também, um fundo coletivo para promover as capacitações, realizar aquisições de
e ajuda mútua, para que atendam com qualidade o maior número possível de crianças e
interesse comum e financiar despesas operacionais. Os recursos do fundo provêm de
adolescentes.
duas atividades: uma barraca de jogos na festa junina promovida por uma organização integrante e três feiras de roupas, calçados e acessórios promovidas durante o ano, com
Hoje, a Rede Sementeira é integrada por 33 entidades, incluindo creches, serviços de
produtos doados pelas lojas C&A de Santos, São Vicente e Praia Grande.
educação infantil, abrigos, oficinas pedagógicas, educação especial e reabilitação, que atendem mais de 5 mil crianças de 2 a 16 anos.
São desenvolvidos diversos projetos, mas o grande foco é a capacitação. Trata-se de uma área em que o governo municipal não tem uma atuação suficiente, e a Rede acredita que, para melhorar a qualidade do atendimento à criança, todos devem ter melhor capacitação,
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Quem Somos em números
principalmente aqueles que lidam diretamente com a criança.
33 Entidades Integrantes Programa REDINs 5.442 crianças e jovens atendidos em serviços de abrigo, creche, educação infantil, oficinas pedagógicas, educação especial e reabilitação faixa etária:
2 a 6 - 3.277 7 a 16 - 2.165
Desde setembro de 2006, o leque do trabalho da Rede Sementeira expandiuse, por meio do programa Redes pela Educação Infantil (REDINs). Iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), o REDINs tem o financiamento da Fundação Bernard van Leer1 . Seu objetivo consiste em contribuir para a ampliação do acesso à educação infantil de qualidade, por meio da formação
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Estratégias de mobilização no município de Santos: experiências do Lar Veneranda, da Rede Sementeira e do Programa REDINs Valéria Regis
de redes inter-setoriais nos municípios onde opera: Santos, Penápolis, Limeira e São
Os benefícios do trabalho em rede são muitos, pois é um espaço para articular pessoas
José dos Campos, todos em São Paulo.
e organizações, circular informações de forma ágil, pensar criticamente, planejar e desenvolver ações e projetos coletivos, produzir e disseminar propostas que apontem para
O programa tem os propósitos de aumentar o acesso de crianças de 0 a 6 anos a um
sociedades mais justas e eqüitativas.
atendimento qualificado; melhorar a qualidade da educação infantil; mobilizar recursos públicos e privados; melhorar a formação dos profissionais para esse setor e sensibilizar toda a comunidade para a importância da educação infantil.
Valeria Regis e Silva
Formada em Matemática pela Universidade Católica de Santos e em Pedagogia pela Universidade
Em Santos, a Rede Sementeira é a organização parceira desse projeto e já participou de três oficinas de capacitação. Agora, as redes estão na fase de elaboração do projeto da cidade, que ampliará o acesso à educação infantil. Há, também, parceria da REDINs
Metropolitana de Santos. Trabalhou 25 anos como professora de matemática, em escolas municipais, e, há mais de 10 anos, preside a Comunidade Assistencial Espírita “Lar Veneranda”. É facilitadora da Rede Sementeira e da Redes pela Educação Infantil (Redins).
com a Secretaria Municipal de Educação de Santos e com o Conselho Municipal 60
de Educação de Santos. No segundo setor, a rede trabalha com duas universidades, a Faculdade Universitas e a Universidade Católica de Santos. No terceiro setor, participam as entidades da Rede Sementeira que atuam em educação infantil. Os projetos coletivos da Rede Sementeira e do Redins são definidos em assembléia, após analisadas as sugestões e os anseios das organizações participantes. É contratada uma fundação, instituto etc. especializado no tema escolhido para a capacitação. Cada organização implanta de acordo com a sua realidade, cabendo à Rede acompanhar os resultados obtidos por meio de relatórios. Podemos citar como exemplo a parceria, desde 2005, com o Instituto Criança é Vida, mantido pela Mantecorp e Schering-Plough, para a realização de um programa de treinamento cujo objetivo é conscientizar funcionários de instituições e pais sobre as etapas de desenvolvimento emocional dos bebês, nos primeiros 24 meses de vida, e promover a formação do vínculo afetivo. Por meio de depoimentos das organizações participantes, verificou-se uma sensível melhora na qualidade do atendimento dispensado aos bebês, tanto na instituição quanto nas famílias que receberam os treinamentos.
61
Gestão compartilhada de projetos: o trabalho da Fundação Arcor Javier Rodriguez
Entidade privada de origem empresarial, sediada na
Entendemos que as crianças aprendem o que elas
Argentina, a missão da Fundação Arcor é contribuir
vivenciam. O meio que as envolve fornece fontes de
para que a educação seja uma ferramenta de igualdade
aprendizagem. Ele tem muito mais força que aqueles
de oportunidades para a infância. Seu trabalho
aprendizados promovidos explicitamente. Criam-se
caracteriza-se por gerar alianças em torno de um
matrizes de aprendizagem, que a psicologia social
objetivo comum: o desenvolvimento da criança.
desenvolveu de maneira conceitual. Deixa-se um rastro, uma maneira de aprender e de se relacionar
Nós
CAPÍTULO 2 62
... acreditamos e trabalhamos para posicionar a infância como o lugar de encontro de vários setores, que configuram uma realidade social. ... entendemos a gestão compartilhada como uma ferramenta para ampliar a democratização, a base para a tomada de decisões. De certa forma, ela se relaciona com o fortalecimento da cidadania e da participação, em todas as fases de um projeto.
adotamos
uma
perspectiva
voltada
ao
com o mundo. Assim, a idéia de que as intervenções
desenvolvimento infantil de modo integral. Essa visão
devem ser integradoras está ligada ao fato de que elas
se traduz nas formas de olhar os projetos a serem
devem abordar os diferentes elementos que formam a
apoiados. Ainda que tenham determinado recorte
realidade na qual a criança vive.
e trabalhem sobre certa temática, queremos que adotem esse olhar integral. Historicamente, o
Nessa
perspectiva
integradora,
acreditamos
e
tema talvez tenha sido abordado a partir da ênfase
trabalhamos para posicionar a infância como o lugar
biologista, mas, nos últimos anos, o enfoque
de encontro de vários setores, que configuram uma
sociocultural adquiriu mais importância.
realidade social. Dizemos ‘lugar de encontro’ porque acreditamos que é possível articular as contribuições
Trata-se de uma abordagem voltada ao desenvolvimento
das organizações da sociedade civil, das instituições do
infantil não só como uma questão biológica, mas
Estado e das empresas em torno da preocupação com
também como um processo pelo qual o sujeito passa
a infância.
da posição de sujeito individual para a de sujeito social. Essa é a chave para se entender o desenvolvimento
É preciso fazer da infância uma causa para a qual
infantil. A constituição do sujeito social implica um
atores diversos possam realizar diferentes aportes. As
sujeito político e histórico.
empresas, as instituições do Estado e as organizações da sociedade civil têm algo a contribuir. Deve-se
Assim como abordamos o desenvolvimento infantil
pensar com criatividade, e não de modo convencional,
sob uma perspectiva integral, propomos que as
repetindo que o mercado tem de destinar recursos
intervenções tenham de adotar uma perspectiva
econômicos, o Estado deve fornecer a legitimidade
integradora, ao estabelecer relações com a família
sociopolítica-institucional, e as organizações da
ampliada. Ninguém questiona o papel da família
sociedade civil cumprem o papel de prover o
como primeiro e principal meio de socialização
trabalho de campo. Essa é uma visão reducionista das
das crianças.
contribuições possíveis para a causa da infância.
63
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Gestão compartilhada de projetos: o trabalho da Fundação Arcor Javier Rodriguez
Promovemos iniciativas nas quais buscamos a participação de diversos atores. Muitas vezes, o setor empresarial tem um olhar voltado aos resultados, e esse é um aporte importante, com a formatação de ferramentas de avaliação e a gestão de desempenho.
MODO de trabalho conjunto entre diferentes atores que compartilham um território
ESTRATÉGIA para ampliar a base da tomada de decisões (democratização)
O destaque do setor empresarial reside nessa lógica competitiva e de resultados. Não podemos reproduzi-la como um bloco, de forma mecânica, mas podemos discuti-la
implica
para que a contribuição do setor seja realmente significativa, e não se reduza apenas ao aporte econômico-monetário. • Construção de novas práticas coletivas no espaço público-político • Processo de articulação internacional encaminhado • Uma forma de co-gestão entre Estado, Sociedade Civil e Empresa.
A Infância: lugar de encontro
Nós atuamos de diversas maneiras. Podemos atender diretamente uma demanda, podemos 64
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consiste numa forma de atender diretamente as demandas. A identificação de territórios e a intervenção por meio de modelos de abordagem definidos,
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relacionados com a estratégia proposta, constituem a modalidade na qual estamos trabalhando mais fortemente. Buscamos melhorar o acesso das crianças à educação Ê v@ V >ÊV Ê Õ}>ÀÊ`iÊi V ÌÀ
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convocar projetos de determinados temas, com foco populacional... Essa flexibilidade
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reconhecendo a comunidade ou tentando fazer dela um espaço educativo para as crianças e, a partir da abordagem comunitária, potencializando, articulando os distintos agentes locais existentes em cada comunidade.
Promovemos a idéia de gestão local compartilhada, que tem a ver com um modo de
Contamos com níveis de avaliação das propostas que nos chegam em três momentos
trabalho envolvendo os diferentes atores que compartilham um território. Acreditamos na
diferentes. Um nível ligado à análise, à seleção e à aprovação das propostas; um nível de
importância do território, que praticamente define o cenário de atuação. A partir de critérios
acompanhamento e monitoramento, quando os projetos se encontram em desenvolvimento;
geográficos, há um trabalho de georreferenciamento. É inquestionável o componente
e, por último, um nível de avaliação dos resultados e dos impactos dos projetos apoiados.
político, mas também consideramos delimitador do território o componente simbólicocultural de identidade e o sentimento de pertencer à comunidade.
Quando chega uma proposta, quais elementos são observados? Espera-se que eles tendam a fortalecer os espaços familiares e institucionais, sejam informais e comunitários ou
Ao mesmo tempo, entendemos a gestão compartilhada como uma ferramenta para ampliar
formais, e tratem ou posicionem as crianças como sujeitos de direito. Trata-se de critérios
a democratização, a base para a tomada de decisões. De certa forma, ela se relaciona com
indispensáveis. Todo projeto que apoiamos deve, de alguma forma, fortalecer os espaços
o fortalecimento da cidadania e da participação, em todas as fases de um projeto.
existentes e fazer com que, nesses espaços, as crianças não sejam vistas como um objeto de
65
CAPÍTULO 2 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos Gestão compartilhada de projetos: o trabalho da Fundação Arcor Javier Rodriguez
proteção, de uma prática tutelar ou assistencialista, mas, ao contrário, sejam consideradas
educação nacional, cujo principal ponto versava sobre a obrigatoriedade da educação para
sujeitos de direitos.
as crianças de 3, 4 anos. Por fim, decidiu-se que a educação é obrigatória a partir dos 5 anos de idade. Foi um ponto de discussão importante, sobre o qual existem diferentes posições.
Essa avaliação é difícil, pois, ao longo do tempo, as organizações desenvolveram
No entanto, há o consenso de que deve existir algum tipo de norma para os espaços que
discursos politicamente corretos, assim como nós. Raramente se assume adotar um olhar
acolhem crianças, os espaços comunitários, os jardins de infância.
assistencialista. Portanto, faz-se necessário identificar essa proposta na própria lógica do projeto, na maneira como são pensadas as atividades, as metas, os resultados, os orçamentos.
Quanto ao acompanhamento dos projetos, é necessário estruturar determinados dispositivos,
Muitas vezes, há inferências, podendo-se cometer erros.
basicamente, de monitoramento. O principal ponto a se avaliar consiste na sustentação
Outro elemento levado em conta, e bastante inovador, é a inclusão de campanhas de
das propostas, a sustentabilidade dos projetos. Nesse sentido, não acreditamos que
comunicação orientadas aos diversos atores. Elas ampliam a cobertura do projeto. Por
a sustentabilidade exista por si própria, mas que é preciso criar condições para que as
ser uma iniciativa do setor privado, para uma Fundação fica impossível alcançar uma
propostas sejam sustentáveis – condições políticas, institucionais, econômicas.
cobertura universal, como podem e devem ter as políticas públicas. Mas, com as campanhas 66
de comunicação, um projeto pode ter seus efeitos multiplicados. Não se trata somente
Em todas as experiências, tentamos extrair aprendizados. Procuramos sistematizá-las e
de pensar em cartazes e cartilhas, mas em parcerias com meios de comunicação locais,
publicá-las, de modo a gerar um processo de disseminação. Nos últimos anos, nos propomos
convidados a participar das nossas iniciativas.
a fazer com que todo processo – todo projeto apoiado e nossas iniciativas como fundação – incida sobre diversos atores, sobretudo o agente público. Acreditamos que as ações devem
Os projetos também precisam identificar modelos e práticas de cuidado infantil de
se transformar em políticas de Estado, pois há iniciativas singulares, mas difíceis de manter
diferentes comunidades – algo extremamente importante. Todo projeto deve começar
ao longo do tempo. Portanto, desde o início da nossa ação, pensamos sobre como ela se
a partir do que já existe no nível comunitário para ser potencializado, melhorado, sem
relacionará com as políticas públicas e de que maneira poderá se transformar em um
desconsiderar a realidade ou tentar criar o modelo ideal e correto de como se deve
plano, no médio e no longo prazos, mais do que em um projeto particular e limitado que
acompanhar o crescimento e o desenvolvimento das crianças.
se está levando a cabo em um lugar e um tempo determinados.
Além disso, devem-se formar membros da comunidade com perfil educativo, capazes de reproduzir e multiplicar a experiência e fortalecer estratégias que partam do
Javier Rodriguez
reconhecimento do espaço onde as crianças estão. As crianças estão em todas as partes,
Formado em Ciências da Educação e Educação Física. Trabalhou em docência nos níveis de
mas há alguns lugares mais importantes para elas, como, por exemplo, uma praça ou
Educação Secundária e Terciária em Formação Docente. Foi membro de ONGs de promoção
um campinho de futebol. Trabalhar com esses lugares, levar em conta esses espaços onde as crianças vivem cotidianamente, não apenas os espaços formais, constitui uma estratégia importante. Mais que isso, é preciso visar à ampliação da cobertura e da qualidade dos serviços. Os projetos devem propor o desenvolvimento de determinadas normas para o funcionamento das instituições que atendem crianças. Em 2006, na Argentina, discutiu-se uma nova lei de
social. Atualmente, coordena a área de Relações Institucionais e Mobilização Social da Fundacao Arcor, na Argentina.
67
CAPÍTULO 3 O Papel das Políticas Públicas na Atenção a Crianças de 0 a 3 Anos
O olhar sobre o bebê: aspectos e práticas Regina Orth de Aragão
O olhar sobre o bebê tem adquirido, ao longo do
• Trabalhar em rede com os profissionais das estruturas
tempo, diversas nuances teóricas e práticas que nem
básicas e especializadas de saúde, educação e
sempre se complementam. Às vezes, nas experiências
assistência social do bairro.
existentes, há uma falta de sintonia e comunicação entre os agentes para que seus trabalhos possam
A segunda experiência é a de uma creche atendendo
ser reconhecidos por outros grupos e melhor
crianças dos 4 meses até os 4 anos de idade. Os pontos
desenvolvidos. Este artigo, contextualizado por
a serem destacados são os seguintes:
experiências consideradas importantes no trabalho com o bebê, pretende oferecer algumas dessas visões teóricas.
CAPÍTULO 3 70
Ao nascer, o bebê chega a um mundo onde já existem linguagem e pensamento. Para se apropriar deles, precisa de seu corpo, do ambiente, das relações e da inscrição na cadeia de filiação, que o situam numa história. É preciso, fundamentalmente, que seja acolhido em um ambiente com adultos que pensem – que pensem no bebê, que pensem pelo bebê e que pensem por eles mesmos. O pensamento do bebê se constrói, inicialmente, a partir do pensamento do outro..
• A função da creche como estrutura de prevenção de futuras dificuldades no desenvolvimento infantil e até mesmo sua função terapêutica, respeitadas
A primeira experiência a ser citada é a da Unité de Soins Specialisés à Domicile pour Jeunes Enfants,
determinadas condições da equipe profissional.
no 13º bairro, em Paris. Criada por iniciativa e
• A prática profissional interdisciplinar, aspecto
sob a direção da Dr.a Myriam David, pioneira, na
essencial tendo em vista a complexidade do trabalho
França e na Europa, no atendimento ao bebê e à sua
desenvolvido nessa instituição.
família aliando os conhecimentos da psicanálise e as práticas de cuidados institucionais, essa Unidade de Tratamento Especializado situava-se no conjunto dos dispositivos setoriais de saúde mental daquele bairro. Ela dirigia suas ações, preferencialmente, para as crianças vivendo em situação de risco psicossocial. Dentre os objetivos e meios propostos para as ações da Unidade, destacaremos três, que nos parecem ser os mais importantes para o debate: • Intervir o mais cedo possível, antes que as estruturações patológicas se fixem e prejudiquem o desenvolvimento da criança. • Ir aonde o bebê estiver, isto é, ao domicílio, à creche, ao hospital, ao abrigo.
• O enfoque simultâneo e igualmente valorizado nos aspectos de saúde e educação, a ser considerado nos programas de formação e capacitação das equipes. • A creche como agente de mudança social, levando em conta a inter-relação estreita que se estabelece entre os pais e a equipe profissional, e considerando a capacidade da criança de suscitar modificações positivas no comportamento parental, a partir das experiências benéficas vividas com os cuidadores na creche. A terceira e mais atual refere-se à Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê (Abebê), criada em fevereiro de 2003 e afiliada à World Association for Infant Mental Health (WAIMH). Trata-se de uma associação que congrega os mais diversos profissionais atuando com
71
CAPÍTULO 3 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos O olhar sobre o bebê: aspectos e práticas Regina Orth de Aragão
a primeira infância. Entre seus objetivos e metas, destaca-se a difusão de conhecimentos
Será interessante voltar um pouco no tempo para situar os estudos sobre o bebê no campo
científicos a respeito dessa etapa da vida, visando contribuir para a formação e o
mais geral da infância, o que nos leva a uma representação da infância no imaginário
aprimoramento dos profissionais da primeira infância.
social ocidental. Desde o final do século XVII, em nossas sociedades ocidentais, há uma mudança progressiva, mas radical, do estatuto da criança. Se, até então, a criança era
72
O nascimento da Abebê, no Brasil, dá-se num momento privilegiado, resultante da
um sobrevivente, a infância limitada ao seu período mais frágil, após o qual aquela que
conjunção de diferentes fatores, de variadas forças e do trabalho contínuo e prolongado
ultrapassava essa fase passava a participar do mundo adulto, chegamos ao século XX com
de inúmeros agentes e parceiros, em seus campos profissionais próprios, tendo em
a criança ocupando um lugar cada vez mais central no imaginário social, resultando
comum o olhar e a atenção dirigidos às necessidades da primeira infância.
numa mudança significativa das práticas voltadas para a infância.
Nesses poucos anos de vida da Abebê, constata-se que muitos núcleos de trabalho se
Essas práticas envolvem todos os planos da vida social, desde a educação e a saúde até as
formam, no país, na maior parte das vezes, por iniciativas individuais ou de pequenos
relações familiares. E o bebê, como passa a ser visto nesse contexto, especialmente a partir
grupos, mas, dadas a dimensão, a complexidade e as desigualdades regionais do país, eles
da segunda metade do século XX, no período pós-Segunda Guerra Mundial?
acabam não sustentando uma continuidade e não se comunicam com outros grupos que
73
realizam ações semelhantes ou complementares. Uma das funções da Abebê tem sido
Produz-se uma mutação importante na forma de ver o bebê, decorrente de várias fontes
a de colocar em contato e promover a interlocução entre esses vários grupos, dando a
de estudo. Uma delas é o interesse pelas origens, impulsionado pelo desenvolvimento da
conhecer os trabalhos realizados em diferentes regiões e cidades brasileiras.
psicanálise, que relaciona o sofrimento neurótico do adulto aos percalços da infância e da primeira infância. Também os estudos sobre as competências precoces do recém-nascido
Dentro do quadro dessas experiências, que pontos parecem relevantes para a temática
e do bebê fazem com que ele passe a ser visto como um ser ativo, dotado de orientação
dos estudos e das intervenções profissionais dirigidas ao bebê e à criança pequena?
social desde o início – um verdadeiro parceiro na inter-relação com o adulto.
Uma primeira observação diz respeito a uma tendência em ver o bebê segmentado,
Como conseqüência desses estudos, não mais podemos ver o bebê separado do conjunto
dividido em partes pelas áreas da ciência e pelos organismos especializados do Estado,
de relações no qual está inserido. O bebê é visto, essencialmente, como um ser de relação
que, muitas vezes, definem e implementam políticas próprias setoriais sem conhecimento
ou de interação. Além disso, a descrição de quadros graves de distúrbios psíquicos na
de outras ações semelhantes já em curso. Há uma dificuldade, tanto nas ciências, como
infância, tais como os autismos infantis e as carências precoces, leva à constatação de que
nas práticas, de olhar para a criança como um ser unificado, e não dividido em áreas de
a vida psíquica já está presente na primeira infância.
desenvolvimento ou de comportamento. Como resultante dessa segmentação, também as políticas se desenvolvem em setores estanques. Assim, podemos afirmar que a inter-
Surgem, assim, duas representações do bebê, quase opostas entre si. De um lado, o
setorialidade se apresenta como um desafio e como uma das metas a serem conquistadas
bebê visto como uma pessoa, em seu tempo próprio, e não como um futuro adulto, que
para o desenvolvimento de políticas públicas eficientes.
ganha direito à vida psíquica, mas que, com ela, também recebe o peso do sofrimento psíquico, dos riscos inerentes a essa conquista. De outro lado, o bebê com suas várias
Isso conduz a pensar numa posição ética que nos deve ocupar: considerar o bebê uma pessoa,
competências, encarregado de realizar os sonhos e aspirações dos pais, um bebê capaz e
em seu tempo, em seu momento próprio, e não um adulto em devir, um projeto de adulto.
inteligente, quase um herói da modernidade.
CAPÍTULO 3 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos O olhar sobre o bebê: aspectos e práticas Regina Orth de Aragão
Entre esses dois extremos, entre o bebê frágil, vulnerável e sensível e o bebê competente
tudo, tocá-lo, cheirá-lo, prová-lo, ser atraído por ele. Sensorialidade e afetividade andam
e inteligente, onde fica o bebê real? Em relação aos estudos que demonstraram as
juntas – o bebê “pensa” com seu corpo.
diversas competências que situam o bebê como um parceiro da interação com o adulto, há, no entanto, algo importante a notar: as competências descritas do bebê constituem,
Mas, para construir seu pensamento, para constituir seu aparelho psíquico, que o ajudará a
muitas vezes, competências potenciais ou competências que se manifestam em situações
decifrar e codificar os fatos do mundo, é preciso que o bebê, no início da vida, esteja envolto
experimentais. Portanto, não são utilizadas por ele nas condições comuns e rotineiras da
por um ambiente que pensa nele e que pensa por ele. Essa é a função de interpretação dos
vida. Trata-se de competências em reserva.
pais e cuidadores, fundamental para o reconhecimento do bebê como pessoa. Assim, o bebê se constrói como humano passando pelo outro, ele se faz pela alteridade. Sabemos,
Ao nascer, o bebê chega a um mundo onde já existem linguagem e pensamento. Para se
também, da importância dos ritmos e da maneira como os objetos se apresentam ao bebê,
apropriar deles, precisa de seu corpo, do ambiente, das relações e da inscrição na cadeia de
proporcionando sua descoberta e sua construção do mundo.
filiação, que o situam numa história. É preciso, fundamentalmente, que seja acolhido em 74
um ambiente com adultos que pensem – que pensem no bebê, que pensem pelo bebê e
Todos os estudos das últimas décadas têm comprovado a importância fundamental
que pensem por eles mesmos. O pensamento do bebê se constrói, inicialmente, a partir do
da qualidade dos cuidados ao bebê e à criança pequena como determinantes para o
pensamento do outro.
desenvolvimento de suas capacidades e de seus potenciais. Se, hoje, sabemos que o bebê humano nasce provido de uma série de competências e de aptidões para o contato social,
O olhar mais afinado permite ver melhor o sofrimento na infância e os fatores de risco para
também compreendemos que essas competências podem simplesmente não se desenvolver,
o desenvolvimento mais saudável. Como intervir, usar na prática o que já sabemos? Como
se as condições ambientais não forem propícias.
perceber os fatores positivos e negativos para estarmos mais bem preparados para lidar com eles? Ao nascer, o bebê chega a um mundo onde já existem linguagem e pensamento.
Espera-se que conhecimentos sobre os fatores que influenciam o desenvolvimento infantil
Para se apropriar deles, precisa de seu corpo, do ambiente, das relações e da inscrição
possam ser cada vez mais levados em consideração ao se implementarem políticas públicas
na cadeia de filiação, que o situam numa história. É preciso, fundamentalmente, que
para o cidadão criança. No entanto, há certas peculiaridades dessas políticas que interferem
seja acolhido em um ambiente com adultos que pensem – que pensem no bebê, que
em sua aplicabilidade e eficácia.
pensem pelo bebê e que pensem por eles mesmos. O pensamento do bebê se constrói, inicialmente, a partir do pensamento do outro..
Em primeiro lugar, e lembrando o que disse o educador Euclides Redin, em Congresso da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins (Abenepi),
Devemos olhar para aquilo que, no bebê, pode nos ajudar nessa compreensão dos fatores
em junho de 2007, em Porto Alegre, a não existência de política pública numa determinada
que favorecem ou dificultam a implementação de políticas públicas eficientes. Sabemos
área já é uma política pública. Ao referir-se a essas escolhas, Redin afirmava que se trata de
que a infância e a primeira infância são nossas ancoragens constitutivas. Porém, um
“escolhas de Sofia”, escolhas trágicas, pois sempre alguém é deixado de fora.
ponto essencial na abordagem das questões do bebê consiste em lutar contra uma cisão, dominante em nossa cultura ocidental, entre o corpo e a psique. O bebê se constitui
Aqui, cabe uma pergunta: por que deixar tantas vezes de fora justamente o bebê e a
com e pelo seu corpo. A sensorialidade, as disposições perceptivas iniciais são, ao mesmo
criança pequena, não só no Brasil, como também em diferentes países, como pôde ser
tempo, a forma e o conteúdo do psiquismo nascente do bebê. Pensar o objeto é, antes de
comprovado pelo estudo desenvolvido pela WAIMH, no ano de 2006?
75
CAPÍTULO 3 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos O olhar sobre o bebê: aspectos e práticas Regina Orth de Aragão
Em segundo lugar, é importante lembrar que a política pública para a infância supõe um
Trabalhar com o bebê nos leva a tocar em nossas partes-bebê mais vulneráveis, e o bebê
investimento de longo prazo, o que significa que seus resultados mais significativos não
suscita emoções extremas, tanto na direção do cuidar, como na direção do rejeitar. Há uma
serão colhidos no tempo da gestão daqueles que a implantaram. Trata-se, para os políticos e
ambivalência fundamental, em todos os laços humanos, que se potencializa no contato
gestores, de se dispor a fazer história, a mudar algo em nosso panorama social em benefício
com o bebê e que, negada no imaginário social, ressurge nas práticas e no descaso com o
das gerações seguintes. Isso faz toda a diferença entre uma política de governo e uma
qual são tratadas as necessidades básicas da criança.
política de Estado. Cabe a nós perguntar, enquanto profissionais, como corresponder ao que o bebê espera de Em terceiro lugar, constata-se a descontinuidade das políticas e das ações públicas, própria
nós. Talvez, antes de tudo, adotando uma atitude de humildade, que nos permita aceitar
do modo brasileiro de administração pública. Ao mudar um governo, mudam-se as políticas
que somos importantes, mas somente enquanto um entre vários – o bebê exige de nós a
por princípio, sem considerar sua utilidade e sua eficácia.
multiplicidade de olhares, de entendimentos, de disposições. O próprio bebê tem muito a nos ensinar, se nos dispusermos a oferecer a ele nossa atenção autêntica e profunda,
76
Como quarto ponto, apontamos a falta de informação e de articulação dos diferentes
acompanhada por uma abertura de pensamento que aceite o novo e o inesperado, em
programas. Por vezes, no âmbito do mesmo Ministério ou dentro da mesma administração
nossos conhecimentos e em nossas práticas.
estadual ou municipal, as equipes e técnicos desconhecem os programas implantados e desenvolvidos por seus vizinhos da sala ao lado. Regina Orth de Aragão
Por fim, precisamos tratar das resistências mais profundas para lidar e atender às
Psicóloga e psicanalista. Atuou como psicoterapeuta da Unité de Soins Intensifs à Domicile
necessidades da primeira infância. Por que sabemos bem o que fazer, mas não fazemos?
pour Jeunes Enfants, Centre Alfred Binet (Paris) e como diretora da Creche Fundação Cabo
Por que se mantém essa distância entre os conhecimentos adquiridos nas últimas décadas e sua aplicação prática em larga escala? Uma tentativa de resposta deve considerar nossas dinâmicas psíquicas mais profundas, que marcam não somente o funcionamento individual, mas se impregnam nas práticas culturais sem que tenhamos consciência de suas origens e das razões que as sustentam. Lidar com o bebê significa lidar com a nossa própria infância. Ao reconhecer os riscos e sofrimentos do bebê, é preciso reconhecer que, talvez, nós também tenhamos passado por eles, o que nos leva a desfazer um mito, caro a nós e à sociedade, da infância como um período idílico, de inocência e de alegria. Portanto, isso envolve criticar nossos pais, admitir suas falhas e insuficiências, desfazer o ideal que neles projetamos de pais perfeitos, cujo amor pelos filhos seria incondicional e sem brechas.
Frio (Brasília). Atualmente, é pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro-fundador e atual presidente da Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê (Abebê), afiliada à World Association for Infant Mental Health (WAIMH).
77
A Infância como Eixo Integrador de Políticas Públicas: Programa Primeira Infância Melhor – (PIM) Leila Maria de Almeida
O Programa Primeira Infância Melhor (PIM) integra a
Grupal (de 3 a 6 anos). Atualmente, o PIM beneficia
política de Governo do Estado do Rio Grande do Sul,
57.900 crianças, 38.600 famílias e 4.632 gestantes, em
sob a coordenação da Secretaria da Saúde. Atua na
219 municípios do Estado.
promoção e no desenvolvimento da primeira infância, nos aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais. Tem como objetivo orientar as famílias, através de
Introdução
suas culturas e experiências, para que promovam o desenvolvimento integral de suas crianças, da gestação
Transformar a primeira infância em prioridade
aos 6 anos.
exige um olhar ampliado para outras necessidades essenciais dessa fase da vida. Mais que sobrevivência,
CAPÍTULO 3 78
Transformar a primeira infância em prioridade exige um olhar ampliado para outras necessidades essenciais dessa fase da vida. Mais que sobrevivência, é preciso garantir às crianças oportunidades para o seu desenvolvimento integral. Esse olhar requer uma mudança no entendimento sobre a criança e uma ação efetiva do poder público e da família.
Os eixos estruturantes do PIM são a família, a
é preciso garantir às crianças oportunidades para o
intersetorialidade e a comunidade. Como modelo inovador
seu desenvolvimento integral. Esse olhar requer uma
de gestão, a intersetorialidade se constitui na formação
mudança no entendimento sobre a criança e uma
de redes de saberes e de serviços, por meio do trabalho
ação efetiva do poder público e da família. Portanto,
articulado entre quatro Secretarias de Estado, da Saúde,
a compreensão da primeira infância é uma construção
da Educação, da Justiça e Desenvolvimento Social e da
política e cultural contínua, na qual a criança
Cultura, e parcerias com a sociedade civil, especialmente
já nasce sujeito de direitos, quanto ao seu pleno
na constituição dos Comitês Estadual e Municipais de
desenvolvimento, embora dependente dos cuidados do
Desenvolvimento Integral da Primeira Infância.
adulto. Em nenhuma outra fase da vida o ser humano se desenvolve tão intensamente como nos meses da
O PIM é executado pelas prefeituras municipais, por
gestação e nos três primeiros anos de vida.
meio de termo de adesão firmado entre o Secretário do Estado da Saúde e o Prefeito Municipal. Orienta,
A neurociência revela que a criança nasce com quase
sistematicamente, gestantes, pais ou cuidadores, em
todas as células cerebrais necessárias para o seu
especial aqueles cuja renda per capita é de meio
desenvolvimento e, para tanto, são decisivas as ligações
salário mínimo, para a promoção do desenvolvimento
que se fazem entre elas, “as sinapses”, que acontecem
das capacidades e potencialidades de seus bebês e
a cada toque, a cada olhar, a cada estímulo.
de suas crianças, por meio de atividades lúdicas que contemplam aspectos específicos da cultura de cada
A base do Programa Primeira Infância Melhor (PIM)
comunidade. A metodologia do Programa dá ênfase
está no reconhecimento da importância da família
à promoção de ganhos da criança e da família, em
como agente de seu próprio desenvolvimento, cuja
Modalidades de Atenção Individual (de 0 a 3 anos) e
influência é decisiva por sua atuação na educação dos
79
1
CAPÍTULO 3 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos A Infância como Eixo Integrador de Políticas Públicas: Programa Primeira Infância Melhor – (PIM) Leila Maria de Almeida
2 3
NIS/ SINASC/RS - Coeficiente de Mortalidade Infantil (0 dias a 1 ano) por 1.000 nascidos vivos, por CRS e município de residência, 2006.
Atlas Socioeconômico Rio Grande do Sul– SCP/DEPLAN – Indicadores Sociais. IDH e Renda. www.scp.rs.gov.br/atlas/atlas.asp?menu=440 . data da consulta: 05 de agosto de 2007. 4 5
UNICEF. Situação da Infância no Brasil. Crianças de até 6 anos. O direito à sobrevivência e ao desenvolvimento. UNICEF, 2006.
Atlas Socioeconômico Rio Grande do Sul – SCP/DEPLAN – site: www.scp.rs.gov.br/atlas/ # Atualizado em: 23/05/2007, data da consulta: 11 de julho de 2007
7
filhos, perpetuando a herança cultural. É no cotidiano
entre 0 e 6 anos, cujo percentual populacional é de
e na convivência familiar de cada criança que o PIM
11,98% (DATASUS/2006 ). Possui posição privilegiada
matriculadas em escola de educação infantil foi de 264.225, das quais 16,95% estão na
apóia e fortalece as famílias, orientando-as, a partir
no cenário nacional e apresenta uma das menores
pré-escola e apenas 6,75%, em creches.
1
taxas de Mortalidade Infantil (13,1/1.000, em 2006 )
o desenvolvimento das capacidades e potencialidades
; um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de
criança, da gestação aos 6 anos de idade.
de ensino. Segundo o Censo Escolar de 2006 , o número de crianças de 0 a 6 anos
2
de suas culturas e experiências, para que promovam cognitivas, afetivas, motoras e socioemocionais da
xxxxxxxx
3
0,81, no ano 2000 ; e um Índice de Desenvolvimento 4
Merece destaque o fato de que, da população total já mencionada de crianças de 0 a 6 anos, 1.049.692 ainda não se encontram incorporadas ao sistema de atendimento institucional, conforme dados oficiais fornecidos pelo Deplan/SE (Departamento
Infantil (IDI) de 0,72, em 2004 .
de Planejamento da Secretaria Estadual de Educação). Isso representa 79,89% da
80
O convívio com adultos responsáveis faz da criança
Avanços em favor da criança têm sido demonstrados,
população infantil de 0 a 6 anos sem o atendimento educacional necessário, o que
um aprendiz nato, pois palavras, ações e atitudes
embora grande parcela da população continue em
justifica pensar em uma nova postura de gestão pública municipal e estadual que
representam estímulos constantes para a construção
situação de vulnerabilidade social, com indicadores
incorpore a Primeira Infância como prioridade absoluta, tendo como referência o
e organização de inúmeras capacidades, como
que exigem maior atenção do Poder Público. Um
próprio contexto geopolítico.
autoconfiança, autonomia, segurança e sociabilidade.
desses refere-se à faixa de renda familiar de até meio
Quando, na relação de apego, o bebê tem um
salário mínimo, considerada abaixo da linha de 5
81
Do ponto de vista da saúde, a mortalidade infantil é fator importante a se destacar. No
sentimento especial de segurança e conforto, na
pobreza, cujo percentual é de 19,7% . A desigualdade
Rio Grande do Sul, o coeficiente de mortalidade infantil passou de 15,94/1.000, em 2002,
presença da mãe/cuidador, ele pode usar esse outro
social e a pobreza têm como conseqüência crianças
para 13,1/1.000, em 2006 , considerado o menor do país. Ao analisarmos a cobertura de
como uma “base segura” a partir da qual explora o resto
vitimadas pela má nutrição, vivendo em habitações
atendimento pré-natal, segundo dados do Sinasc (Sistema de Informações de Nascidos
do mundo, o que lhe possibilita ser um adulto criativo,
precárias e sem saneamento básico, sem acesso
Vivos – Datasus), observa-se que, no ano de 2000, mais de 50% das gestantes do Rio
autônomo, produtivo e responsável. Nesse sentido,
à escola e aos serviços básicos de saúde e mais
Grande do Sul fizeram 7 ou mais consultas, com um aumento percentual progressivo,
quando o meio ambiente da criança é constituído por
predispostas às diferenças de gênero, etnia ou classe
chegando a 65%, em 2005. Entretanto, um dado preocupante é que no Estado, a cada
relações culturais/familiares saudáveis, estas se tornam
social – aspectos geradores de altos índices de
ano, 19% das crianças que nascem vivas são filhas de adolescentes entre 12 e 18 anos, e
requisitos indispensáveis ao desenvolvimento integral
violência no cotidiano familiar.
é importante observar que a atenção pré-natal ainda necessita ser melhor implementada,
das potencialidades do indivíduo. O Estado do Rio Grande do Sul, localizado no
8
de forma a garantir a redução da gravidez precoce, dos óbitos infantis e dos distúrbios no No que concerne à educação, o Rio Grande do Sul
desenvolvimento infantil.
aumentou em 63% a oferta de escolas e em 52%
Diante desse contexto, evidencia-se a necessidade de esforço coletivo, dos setores
6
extremo Sul do Brasil, possui uma área de 282.674
a de matrículas, no período de 1996 a 2006 . A
governamentais e não governamentais, para a melhoria na qualidade da atenção materno-
km², que abrange 496 municípios, organizados em
comprovada importância da educação no processo
infantil em todo o País, especialmente em nosso Estado.
19 Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS), 32
de desenvolvimento da criança, nos primeiros anos
Coordenadorias Regionais de Educação (CRE) e 22
de vida, e a crescente necessidade das famílias de
Reconhecendo a necessidade de implementar ações voltadas às gestantes e famílias como
Delegacias Regionais da Justiça e do Desenvolvimento
dispor de uma instituição que compartilhe o cuidado
protagonistas do desenvolvimento integral de suas crianças, o Estado do Rio Grande do
Social. A população é de 10.963.216 habitantes,
e a educação de seus filhos fazem com que a oferta
Sul optou por um Projeto Social, institucional equivalente, de ação socioeducativa, hoje
totalizando uma população de 1.313.917 crianças
existente ainda esteja aquém da demanda, nesse nível
Lei Estadual 12.544/2006. Como referência teórico-metodológica para sua elaboração,
6
CAPÍTULO 3 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos
www.scp.rs.gov.br/atlas/atlas.asp?menu=320 data da consulta: 05 de agosto de 2007. 7
A Infância como Eixo Integrador de Políticas Públicas: Programa Primeira Infância Melhor – (PIM) Leila Maria de Almeida
Atlas Socioeconômico Rio Grande do Sul – SCP/DEPLAN –. Indicadores sociais. Educação Infantil.
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar. Sinopse Estatística da Educação Básica 2006. Número de Matrículas de Educação Básica, por Etapas e Modalidade de Ensino, segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação, em 29/3/2006. www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Sinopse/sinopse.asp . 8
NIS/ SINASC/RS - Coeficiente de Mortalidade Infantil (0 dias a 1 ano) por 1.000 nascidos vivos, por CRS e município de residência.
implantação e implementação, inspirou-se no Programa
capacitar, monitorar e avaliar as ações desenvolvidas
Quando direcionadas às gestantes, buscam promover o fortalecimento do vínculo mãe,
“Educa a tu Hijo”, mediante consultoria do Centro
no Programa pelos municípios.
bebê e família, por meio da abordagem de temas pertinentes à gestação, bem como
de Referência Latino Americano para la Educación
possibilitar a interação e integração entre as gestantes.
Preescolar (CELEP/Cuba), no período 2003/ 2005,
As prefeituras executam o PIM por meio do Grupo
pelos resultados positivos alcançados e sua expertise
Técnico Municipal (GTM), cuja representação
Além das duas Modalidades de Atenção, também são realizadas Visitas de Acompanhamento
na área.
é similar à do Estado. Os GTMs são responsáveis
e Reuniões Comunitárias com Gestantes.
pela coordenação local, seleção e capacitação dos Monitores e Visitadores, bem como pelo mapeamento
O PIM, além dessas ações, incentiva a realização da Atividade Comunitária, de modo a
das famílias beneficiadas. Os Monitores capacitam,
estreitar as relações sociais, motivar as famílias para outras formas de entretenimento e
orientam, acompanham e avaliam o trabalho dos
enriquecimento pessoal, engajamento e mobilização comunitária, com vistas à promoção
A família, entendida como um dos primeiros ambientes
Visitadores, responsáveis pelas orientações às famílias.
de sua qualidade de vida.
protetores dos direitos da criança, é a unidade básica
Estas são realizadas por meio das Modalidades
para a ação, no que concerne ao direito à convivência
Individual e Grupal, complementadas com Reuniões
Nesse processo, desempenha papel relevante o Grupo Técnico Estadual (GTE),
familiar, desde que os pais ou cuidadores exerçam
e Atividades Comunitárias.
mediante assessoria, monitoramento e avaliação sistemáticos aos municípios, atendendo
O Programa Primeira Infância Melhor
82
suas competências com responsabilidade e de forma
a proposta teórico-metodológica do Programa. O sistema de monitoramento e avaliação,
participativa. Ao priorizarem os interesses e necessidades
A Modalidade de Atenção Individual é realizada com
com base em indicadores de natureza quantitativa e qualitativa, contempla os ganhos do
de suas crianças, estarão garantindo, protegendo,
gestantes, famílias e crianças de 0 a 3 anos de idade,
desenvolvimento integral das crianças em seu cotidiano e o envolvimento da família e da
promovendo e respeitando esses direitos. O Programa
em suas residências, sob a orientação do Visitador.
comunidade. A avaliação de ganhos é realizada trimestralmente, no primeiro ano de vida,
Primeira Infância Melhor (PIM), tendo como eixos
A Modalidade de Atenção Grupal é realizada com
e, entre 1 e 6 anos incompletos, anualmente. É um processo revelador quanto à observação
estruturantesafamília,acomunidadeeaintersetorialidade,
gestantes e com famílias que têm crianças de 3 a
da família, da criança e da gestante, assegurando, dessa forma, uma visão contextualizada
constitui-se de fundamental importância enquanto
6 anos. Tem por objetivo respeitar e promover as
e enriquecedora acerca do desenvolvimento infantil.
iniciativa pioneira no incentivo dos vínculos afetivos
diferentes fases do desenvolvimento integral de cada
familiares para a promoção do desenvolvimento infantil,
criança, considerando a necessidade de interação e
A partir dos registros do GTE, dos depoimentos das famílias e das observações apontadas
da cidadania e da inclusão social.
convivência social. As atividades ocorrem em espaços
pelos Visitadores e Monitores na primeira avaliação parcial realizada pelo Programa, em
da comunidade, de preferência amplos e abertos, como
2005, resultados positivos puderam ser constatados: melhoria na qualidade de vida das
praças ou centros comunitários.
famílias e das crianças atendidas; reforço dos vínculos afetivos entre pais ou cuidadores e
Para sua operacionalização, o PIM tem como gestor um Grupo Técnico Estadual (GTE), composto
crianças; melhor acompanhamento das etapas do desenvolvimento integral das crianças
por representantes das Secretarias da Saúde, da
As Modalidades se dão por meio de atividades lúdicas e
de 0 a 6 anos; diminuição da violência intrafamiliar; mudança no olhar e na cultura de
Justiça e do Desenvolvimento Social, da Educação
educativas, planejadas pelos Visitadores, sob a orientação
atenção à primeira infância.
e da Cultura. Nessa estrutura está incluída a
do Monitor ou GTM, e vivenciadas pelas famílias com
participação das Coordenadorias Regionais de Saúde
suas crianças, tendo como suporte os Guias da Família
e de Educação, cujos responsáveis têm a função de
e da Gestante, disponibilizados pelo Estado.
83
CAPÍTULO 3 O Papel da Família, dos Serviços Comunitários e da Sociedade nos Cuidados a Crianças de 0 a 3 Anos A Infância como Eixo Integrador de Políticas Públicas: Programa Primeira Infância Melhor – (PIM) Leila Maria de Almeida
Por outro lado, é fundamental a participação da
recebido de agências de cooperação internacionais,
comprovados, representam a capacidade do PIM para se colocar como efetivamente
comunidade na consolidação do Programa na sociedade.
como Unesco e Unicef. Parcerias como essas viabilizam
replicável enquanto ação para a promoção de uma infância melhor.
Nesse sentido, a criação do Comitê Estadual para o
ao Programa projeção importante no cenário nacional
Desenvolvimento Integral da Primeira Infância (Cedipi)
e mundial, uma vez que investir na primeira infância,
Portanto, a partir dos impactos causados pelo Programa, que conta com o apoio e o
e dos Comitês Municipais busca garantir a articulação
hoje, representa uma tendência social, política e
reconhecimento de estudiosos e especialistas na área, novas demandas necessitam ser
entre os setores governamentais e não governamentais na
econômica não apenas reconhecida, mas necessária.
incluídas nas atuais metas do governo do Estado do Rio Grande do Sul. Dentre elas, o
elaboração, execução e sustentabilidade das ações, bem
84
interesse de outros municípios e de outros estados na replicabilidade dessa experiência;
como a divulgação da importância do investimento nos
Ao colocar a intersetorialidade como meio de
a ampliação do número de famílias atendidas nos município que já participam do
primeiros anos de vida. Nessa perspectiva de sensibilização
otimização e concretização de suas ações, o PIM
Programa; o fortalecimento das redes locais por meio de uma maior integração dos serviços
e mobilização das famílias e da comunidade, é
promove impactos positivos em toda a sociedade.
oferecidos, tanto nos municípios, como no Estado; a implantação do Projeto Diversidade
preponderante a atuação dos comunicadores do rádio,
A co-responsabilização entre família, governo e
em Comunidades Quilombolas e Indígenas, que objetiva adequar e sugerir atividades e
capacitados pelo Unicef, como multiplicadores, na área
comunidades legitima conceitos e altera estruturas no
recursos lúdicos específicos a essas culturas; e a inserção do PIM como uma das bases
da infância, quanto às competências familiares, levando
sentido do bem social, desacomodando e instigando
operacionais do Programa Estadual de Prevenção da Violência, por meio da integração e
à população local informações relevantes sobre os
o crescimento. Apostar em abordagens integradas
da articulação intersetorial para a promoção e o fortalecimento de uma Cultura pela Paz.
cuidados nessa tão importante fase da vida.
na gestão do serviço público, agregando forças da sociedade civil organizada, mesmo que desafiadoras, pode resultar em êxito.
Conclusão
Leila Maria de Almeida
Assistente Social, Terapeuta de Famílias e Casais. Atualmente, é Coordenadora Geral do Programa
A incorporação de estudos e pesquisas de diferentes O Programa Primeira Infância Melhor, uma política
áreas do conhecimento, como a neurociência, a
pública que vem alterando significativamente o
psicologia do desenvolvimento e a teoria histórica
quadro das desigualdades sociais no Estado do Rio
cultural, deu solidez à metodologia que serve de base
Grande do Sul, credencia-se enquanto ação inovadora
às atividades do Programa. A promoção do vínculo
no cenário nacional e internacional. A implantação
mãe-bebê, educação, saúde da criança, saúde materna
e implementação desse Programa pelos municípios
e a importância desses asspectos para a formação do
gaúchos, com uma proposta de monitoramento e
indivíduo foram devidamente contemplados nessa
avaliação sistemáticos e envolvimento efetivo da
abordagem, o que comprova ser uma estratégia
sociedade, constitui diferencial importante a ser
eficiente de informação, formação e apoio às ações
considerado, quando se pensa em ação sustentável.
focadas no desenvolvimento integral, quando voltada aos cuidados com a primeira infância. Os ganhos
A credibilidade alcançada enquanto ação política
de desenvolvimento alcançados pelas crianças
voltada ao desenvolvimento infantil traduz-se pelo apoio
beneficiadas, que já podem ser cientificamente
Primeira Infância Melhor (PIM), do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Atuou como pesquisadora do Ministério da Saúde/Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no processo de Avaliação da Municipalização da Saúde no Brasil; como Assessora Técnica da área de Saúde e Meio Ambiente da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs); como Coordenadora do Projeto de Desenvolvimento Infantil “O Mundo do Bebê”, em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef); e como Gestora Municipal de Saúde e Assistência Social em São Lourenço do Sul.
85
consideraçþes finais
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O I Workshop Internacional sobre Desenvolvimento Infantil (DI) promoveu a troca de
à criança de 0 a 3 anos e sua família, com ênfase na valorização das relações humanas,
experiências e de conhecimento sobre DI enfatizando a relação direta entre os cuidados
especialmente das relações iniciais entre pai-mãe-bebê.
adequados na primeira infância e a qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade. Foram sugeridas três vertentes principais para investimentos em DI, no Brasil: As discussões evidenciaram a importância dos investimentos em DI, desde a concepção até os 3 anos de vida, como forma de aliviar questões sociais enfrentadas, hoje, no Brasil
1) Conscientização e fortalecimento do papel da família em promover o desenvolvimento
e no mundo.
saudável das crianças, por meio da atenção e dos cuidados adequados, desde a gestação até os 3 anos de vida.
Três pressupostos principais do conceito de Desenvolvimento Infantil foram reforçados 88
na Oficina:
2) Conscientização de lideranças locais e fortalecimento das competências municipais para a melhoria dos serviços de atendimento a gestantes, mães e crianças de 0 a 3 anos, no
• os três primeiros anos de vida da criança são decisivos para o seu desenvolvimento físico,
que diz respeito aos cuidados adequados, nos primeiros anos de vida das crianças.
cognitivo e psicossocial; • o ambiente em que a criança cresce e as relações humanas que vivencia influenciam a qualidade de seu desenvolvimento; • há uma relação direta entre o desenvolvimento infantil e o desenvolvimento econômico de uma sociedade.
3) Promoção de políticas públicas e da articulação inter-setorial (ações conjuntas entre Poder Público, sociedade civil e empresariado) para a sustentabilidade de programas de atenção às crianças de 0 a 3 anos.
Foi também ressaltado que, apesar do aumento, nos últimos anos, da conscientização sobre a importância do DI e dos investimentos nessa área, ainda há muito o que se fazer. No Brasil,
A FMCSV espera que as sugestões acima e os conceitos abordados nesta publicação
infelizmente, é nessa fase do DI que se encontra a maior deficiência de investimentos.
possam ser incorporados às agendas daqueles que já atuam a favor do DI e que estimulem o interesse de novos atores por esse importante tema. Assim, a FMCSV pretende contribuir
Dessa forma, conclui-se que há urgência em desenvolver programas e projetos de DI para
para a criação de iniciativas que promovam o Desenvolvimento Infantil e a conseqüente
atender às necessidades do público de 0 a 3 anos, que vêm sendo negligenciadas. Cabe
melhoria da sociedade brasileira.
à sociedade se articular para disponibilizar serviços de atendimento integral e integrado
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ANEXO Participantes da I Oficina de Trabalho Internacional sobre DI Adriana Friedmann Aliança pela Infância Brasil
Eloísa Maria Simionato INFANS – Unidade de Atendimento ao Bebê – SP
Luzia Torres Gerosa Laffite Instituto da Infância – IFAN
Renata Sanches Salva G Rocha Fundação Orsa
Alessandra Schneider Unesco RS
Elsa Regina Justo Giugliani Ministério da Saúde
Margareth Alves Carvalho REDIN-BH e PUCMINAS
Alexandre Alves Schneider Secretaria Municipal de Educação de SP.
Fernando José de Nóbrega International Society of Pediatric Nutrition e Sociedade Brasileira de Pediatria
Maria Alice de Rezende Proença UniFMU e Escola Lourenço Castanho (SP) Maria Aparecida Gomes – Orientadora Pedagógica
Rogério Lerner Associação Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica, do Departamento de Psicologia da USP
Gabriela Azevedo de Aguiar Instituto Promundo e Rede Nacional Primeira Infância
Maria Cristina Machado Kupfer Instituto de Psicologia da USP e Associação Lugar de Vida – Centro de Educação terapêutica
Andréa S. Regina Banco ABN Amro Real
Inês Kisil Miskalo Instituto Ayrton Senna
Anete Abramowicz Centro de Educação e Ciências Humanas da UFSCar
Iole da Cunha Neonatologista e Pediatria
Maria da Gloria Zenha Wieliczka Programa Saúde da Família da Associação Congregação de Santa Catarina
Anna Maria Chiesa Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEUSP
Jaime Luiz Zorzi Instituto CEFAC
Ana Lucia Petty Laboratório de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da USP e INDI – Instituto de Neuro Desenvolvimento Integrado
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Célia R. Belizia Schlithler IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social Ciça Lessa Rede ANDI Brasil Claudia Malbergier Caon UNESCO São Paulo Claudius Ceccon CECIP - Centro de Criação de Imagem Popular Cristiane Marangon Revista Nova Escola Daniela de Oliveira Guimarães PUC-RJ e Consultora do MEC (Proinfantil) Dimilson Souza dos Santos Movimento de Luta Pró-Creches/BH
Jairo Werner Júnior Instituto de Pesquisas Heloisa Marinho e Faculdade de Medicina da UFF-RJ Jovelina Protasio Ceccon CECIP - Centro de Criação de Imagem Popular Laura Oltramare Banco ABN AMRO Real Lia Rachel Colussi Cypel Sociedade Brasileira de Psicanálise de SP – SBPSP Lino Macedo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Maria Fernanda Rezende Nunes PUC-RJ; UFRJ e Fórum Permanente de Educação Infantil do Estado do RJ Maria Lucrécia Scherer Zavaschi Faculdade de Medicina da UFRGS; Hospital das Clínicas de Porto Alegre - HCPA; FAMED- UFGRS; e Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre- SPPA Marisa Marli Farinelli Lima Brito IBV – Instituto Brasil Vivo e REDIN-BH Monica Mumme CECIP - Centro de Criação de Imagem Popular Nylse Helena Silva Cunha Instituto Indianópolis e Associação Brasileira de Brinquedotecas
Liu Fat Kam – Fundação Romi
Osmar Terra Secretaria Estadual de Saúde do RS
Lou Muniz Atem – Infans/SP – Unidade de Atendimento ao Bebê
Paulo Fernandes Cardoso Movimento de Luta Pró Creche de Belo Horizonte
Lucilia Nunes da Silva – Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria Municipal de Saúde
Priscila Fernandes Fundação Abrinq
Sílvia Maria Pereira de Carvalho Instituto Avisa Lá Solange de Oliveira Rocha Creche Jd. Imperador Sueli Torres Fundação Romi Tatiana Akabane van Eyll IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social Tatiana Valverde da Conceição Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) Ute Craemer Associação Comunitária Monte Azul Vanda Anselmo dos Santos Secretaria Municipal do Trabalho, Ação Social e Cidadania do município de Aracati/CE Vanessa do Nascimento Fonseca Instituto Promundo Vera Melis Paolillo Unesco São Paulo Vital Didonet Organização Mundial para Educação Pré-Escolar - OMEP Brasil
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Edição e Revisão Report Comunicação para a Sustentabilidade.
Projeto Gráfico Marina Siqueira Teresa Guarita Grynberg [Estúdio Colírio]
Produção Gráfica GFK Comunicação