P rtilhando JORNAL
JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO DE 2020 | ANO 04 - NÚMERO 26
VER, SENTIR E CUIDAR "Viu, sentiu compaixão e cuidou dele" (Lc 10,33-34). Ver, sentir, cuidar: três verbos que vêm do coração.
COMPADECER-SE DO OUTRO Estamos vivenciando mais uma campanha da fraternidade que tem como tema “Fraternidade e vida: dom e compromisso” e como lema
E
m umas das páginas mais lindas que São Paulo escreveu (Coríntios 12, 13,1-8) sobre a caridade=amor, ele não falou uma vez sequer que a caridade é querer que o outro nos queira. E para nós é sempre isso: eu amo porque eu quero ser amado. Sou amado para amar. Ele diz que a caridade é benigna; na caridade não tem inveja, a caridade perdoa, tudo suporta. Suporta até o não-amor. O que os nossos amores não suportam, a caridade suporta. Tudo crê, tudo pode, tudo espera. Segundo o texto de Lucas 10,2-37, na passagem do “Bom Samaritano” que inspira a Campanha da Fraternidade 2020, o levita e o sacerdote estavam "sem tempo" para ajudar aquele homem caído na beira da estrada. É verdade, corremos o dia inteiro. Tempo, tempo, tempo... O deus-relógio manda em nós e, escravizados, a ele obedecemos. Também nós somos "levitas e sacerdotes" sem tempo. Aquele idoso esperando no corredor do hospital não é normal. Aquele jovem que se tirou a vida não é normal. Não pode ser normal. Mas, na correria, nosso olhar não vê mais nada, senão o relógio. E a vida passa. O tempo passa. O vazio permanece. O relógio pode ser muito importante, mas ele não preenche algo que diz respeito a "outro tempo". É o tempo do bem-querer. Há caídos e machucados que estão precisando de ajuda. E há "samaritanos" morando e querendo viver dentro de nós. Precisamos deixá-los vencer nossos relógios. Outras passagens bíblicas (Marcos, 6,31-34 - 8,1-9; Mateus 14,132115,32-29; Lucas, 9,10-17; João 6,113) nos contam que, ao final da tarde, os discípulos pediram que Jesus mandasse embora a multidão. Não tinham comida, apenas cinco pães e dois peixes. Jesus afirmou que não mandaria ninguém embora, que era para repartir o que tinham ali. Todos, sentados na grama, comeram e ficaram felizes. Jesus sabia que o maior milagre de todos é saber partilhar. Ele viu, sentiu compaixão e cuidou.
O detalhe interessante é que o Evangelho de Mateus inicia dizendo que eles estavam no deserto. Depois Jesus os mandou acomodar na “grama” (cfMt 14,18). Como assim grama no deserto? Pois é. Há atitudes que transformam a secura em flor. Que transformam a terra em grama. Quando fazemos uma boa experiência de Deus, tudo pode se transformar. Fico pensando e rezando quantas realidades secas que precisamos transformar em grama boa de se assentar e conviver. Falo de um pedido de desculpas que devemos para uma pessoa. Falo de uma capacidade de não repetir besteiras que ouvimos e começamos a divulgar. Por exemplo, as criticas que pessoas de dentro da própria “Igreja” vêm fazendo ao Papa Francisco. Falta consciência crítica, falta leitura, falta aprofundamento de tanta coisa. Parece que isso significa transformar o deserto em grama verde. O milagre está em nossas mãos. Compaixão é a capacidade de colocar-se no lugar do outro e sentir com ele sua própria dor. Tocar o outro é devolver-lhe a certeza de que pertence à nossa humanidade. Há muitos desertos esperando alguém plantar grama. Ver, sentir compaixão e cuidar... Pe Hermes Firmiano Pedro
“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). Se puxarmos pela nossa memória, vamos perceber que o tema VIDA já esteve presente em outras campanhas: Onde está teu irmão? (1974); Para que todos tenham vida |(1984); Escolhe, pois, a vida (2008). Então, podemos perceber que a questão é sempre a vida, mesmo que não seja especificamente. Depois de várias campanhas que abordaram, direta ou indiretamente, o tema da vida, deveríamos ficar impactados, uma vez que ela ainda permanece agredida, ameaçada e destruída. A CF interpela-nos nesta quaresma, questionando-nos nas dimensões pessoal, socioambiental e sociocultural. Estamos vivendo a época da indiferença como diz o nosso papa Francisco. Precisamos sempre assumir a defesa e a promoção da vida. É preciso um olhar mais atento. Não estamos nos dando conta de que estamos alheios ao sofrimento do outro, incapazes de compadecer-se do outro. Estamos vivenciando uma época de mudança em que o indiferentismo impera. A CF retoma o tema Vida para nos alertar de que está se criando em nosso mundo, sob diferentes formas, uma cultura de morte. Os outros, as outras já não são vistos como irmãos. Quase não se tem um olhar cristão para o próximo. Mas quem é o meu próximo? Há um clamor para uma conversão sincera. Redirecionar o nosso olhar e identificar o irmão ou irmã que sofre, estabelecer pontes, comprometer-se e compadecer-se dele ou dela. Quem é o meu próximo? Não existe um próximo. Você é que se aproxima.
Torna-se próximo. Ou seja, próximo não é apenas alguém com quem temos algum vínculo. O que conta não é a lei, mas a compaixão. “Sermos capazes de sentir compaixão: essa é a chave. Se, diante de uma pessoa necessitada, você não sente compaixão, seu coração não se comove, alguma coisa está errada” (Papa Francisco). “Na parábola do bom samaritano podemos perceber que dois transeuntes oriundos do templo, o sacerdote, responsável pelos sacrifícios e o levita, responsável pela animação da liturgia, retornam de Jerusalém após concluírem seus turnos de trabalho e agem com indiferença diante daquele que jaz sofrendo à beira da estrada. Não se descreve o motivo da indiferença. Poderia ser por motivos culturais, religiosos ou simplesmente por não desejarem interromper a viagem, não mudarem seus planos, não terem seu trajeto e horário prejudicados por esse acontecimento. De qualquer forma, é dito que viram o homem e se distanciaram dele. Um samaritano que passava, ao ver o homem, sentiu compaixão. Essa compaixão nasceu do seu modo diferente de perceber aquela realidade. Essa compaixão o levou a se aproximar do homem, gastar tempo, modificar parcialmente sua viagem, tudo para não ser indiferente com aquele que sofria diante dele. Os cuidados práticos descritos na parábola são emergenciais: desinfeta as feridas com vinho e alivia a dor com o óleo, costume daquele tempo; transporta o homem até a hospedaria e paga as despesas de sua estada.” A postura inesperada do samaritano contém o centro do ensinamento de Jesus: o próximo não é apenas alguém com quem possuímos vínculo, mas aquele de quem nos aproximamos. É todo aquele que sofre diante de nós. Não é a lei que estabelece a prioridade, mas a compaixão que impulsiona a fazer pelo outro aquilo que é possível, rompendo, dessa forma, com a indiferença. É preciso ter coragem para romper com a barreira da indiferença. E neste mundo no qual estamos inseridos, encontramos pelo caminho duas bacias com água: de um lado, a bacia de Pilatos, símbolo da indiferença e da omissão; do outro lado, a bacia utilizada por Jesus no lava-pés, sinal do terno cuidado, do compromisso, do serviço humilde e gratuito. Qual das duas bacias temos utilizado? O nosso olhar (ver) não pode ser a do político, do economista, do sociólogo, do repórter, do funcionário do IBGE, mas deve ser um olhar de discípulos missionários! A fé leva necessariamente à ação, à fraternidade e à caridade. Ver... Sentir compaixão... Aproximarse... Cuidar... O segredo está no olhar, na forma de olhar, em compadecer-se do outro. Vera Pimenta