Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania Impacto das Tecnologias da Comunicação no Acesso à Informação
Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania Impacto das Tecnologias da Comunicação no Acesso à Informação
Paulo Faustino (Coordenação)
FICHA TÉCNICA TÍTULO: Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania Impacto das tecnologias da Comunicação no Acesso à Informação COORDENADOR: Paulo Faustino INVESTIGADORES E CONSULTORES: Guilherme Pires (Editor-adjunto), Alan Albarran, Arons de Carvalho, Alfonso Sánchez-Tabernero, Angela Powers, Anabela Gradim, Ana Jorge, Francisco Rui Cádima, George Sylvie, Helena Sousa, Hélder Bastos, Manuel Pinto, Paul Murchetz, Steve Wildman, Luísa Ribeiro e Joana Resende COMPOSIÇÃO, PAGINAÇÃO E DESIGN: Telma Leonor Ferreira, Claudio Leão e Alexandre Pais EDITORA: Media XXI | Formalpress COLECÇÃO: Ciências da Comunicação, Marketing e Indústrias Criativas IMPRESSÃO: Publidisa Reservados todos os direitos de autor. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização da Editora e do Autor. Formalpress – Publicações e Marketing, Lda Rua Dr. Egas Moniz, n.º 11 AB, 2675-341 Odivelas | Lisboa Telefone: 217 573 459 | Fax: 217 576 316 Praça Marquês de Pombal, n.º 70; 4000-390 Porto Telefone | Fax : 225 029 137 1ª edição - 2010 ISBN: 978-989-8143-17-4 Depósito Legal n.º:
ÍNDICE Introdução
9
Parte I | Caracterização e Dinâmicas no Mercado dos Medi a
18
1. Enquadramento científico da investigação 1.1. Questões de partida 1.2. Estratégia metodológica
19 21 25
2. Perspectiva transnacional do pluralismo dos media na era digital 2.1. Tecnologias, diversidade e concentração dos media 2.1.1. Introdução 2.1.2. Tecnologias e meios de comunicação social 2.1.2.1. Agentes de mudança na indústria dos media 2.1.2.2. Teorias do impacto das TIC 2.1.2.3. Acesso, literacia e fosso digital 2.1.3. Concentração dos media e impactos económicos das TIC 2.1.3.1. Concentração do mercado e poder do mercado 2.1.3.2. Efeitos e medidas da concentração 2.1.3.3. Concentração nos meios digitais e aspectos críticos 2.1.4. Impactos sociais das TIC na indústria dos media
31 31 31 33 33 41 46 51 51 53 58 64
2.1.4.1. Conceitos e perspectivas da diversidade os media 2.1.4.2. Conteúdos difundidos por media digitais 2.1.5. Regulação, concorrência e políticas públicas 2.1.5.1. Teorias e regulação da transmissão de conteúdos 2.1.5.2. Governo da empresa e responsabilidade social 2.1.5.3. Regulação e promoção da diversidade de conteúdos 2.1.6. Tendências internacionais: o caso dos EUA e da Europa 2.1.6.1. Tendência nos Estados Unidos da América 2.1.6.2. Tendências em alguns Estados Europeus 2.1.7. Síntese e conclusões relevantes 2.2. O Pluralismo na Era do Digital 2.2.1. Pluralismo e concentração
64 68 71 71 73 78 82 82 87 92 99 99
2.2.2. O pluralismo “redutor” 2.2.3. O “pluralismo” no contexto da era digital 2.3. O Pluralismo na Legislação da Comunicação Social 2.4. Concentração dos Media e Desafios Colocados pelos Media Digitais: o Caso dos EUA 2.4.1. Consolidação Industrial: O Caso dos Estados Unidos 2.4.2. Concentração dos Media 2.4.3. Medidas de Concentração 2.4.4. Aspectos técnicos da Concentração 2.4.5. Revisão dos Principais Estudos de Concentração dos Media 2.4.6. Surgimento da Internet: uma nova esperança? 2.4.7. Conclusão
106 115 126 138 139 141 142 143 144 146 149
3. Caracterização e estrutura das empresas e grupos de media em Portugal 151 3.1. Imprensa 153 3.1.1. Análise de audiências 153 3.1.2. Análise da circulação 157 3.1.3. Análise do investimento publicitário 160 3.2. Rádio 161 3.2.1. Análise da audiência 161 3.2.2. Análise do investimento publicitário 162 3.3. Televisão 163 3.3.1. Análise da audiência 165 3.3.2. Análise do investimento publicitário 166 3.4. Caracterização dos grupos de media 167 3.5. Situação económica e financeira das empresas 179 3.5.1. Cofina Media 179 3.5.2. Controlinveste 181 3.5.3. Impresa 182 3.5.4. Media Capital 185 3.5.5. Grupo Renascença 187 3.5.6. Grupo RTP 189 3.6. Estatísticas europeias e internacionais 190 4. Abordagens teóricas e perspectivas de análise da concentração dos media 4.1. A concentração do sector dos media em Portugal 4.2. Tipos de concentração empresarial nos media
209 210 212
4.3. 4.4. 4.5. 4.6.
Causas da concentração e da diversificação multimédia Impacto da concentração e das TIC na estrutura dos media Posições complementares sobre concentração Concentração dos media em Portugal: o caso dos jornais e da televisão 4.6.1. Mercado dos jornais 4.6.1.1. Circulação 4.6.1.2. Audiências 4.6.1.3. Investimento publicitário 4.6.2. Mercado da televisão 4.6.2.1. Audiências 4.6.2.1.1. Televisão não paga 4.6.2.1.2. Televisão paga 4.6.3. Investimento publicitário 4.7. Concentração dos media: mitos e realidades do pluralismo da informação 4.7.1. Perspectivas de abordagem da concentração dos media 4.7.2. Pluralismo da informação e limites dos estudos sobre a concentração
219 225 226 232 233 236 244 246 250 251 251 254 256 259 260 270
Parte II | Impacto dos Media Digitais no Mercado da Informação 5. New Media, Mercado e Pluralismo da Informação 5.1. Posicionamento 5.2. De volta ao básico: os media digitais 5.3. Os media digitais e a democracia – a esperança da participação 5.4. O alargamento do Espaço Público
274 275 277 280 281 284
5.5. Os media digitais no mercado da informação 5.5.1. O mercado da informação generalista na Internet em Portugal 5.6. Os media digitais no pluralismo da informação 5.6.1. Conteúdo de meios noticiosos tradicionais e respectivos sites 5.6.2. Breve apresentação de espaços de opinião nos meios tradicionais 5.6.2.1. Televisão 5.6.2.2. Rádio 5.6.2.3. Imprensa 5.6.3. Apresentação de alguns dos principais blogues políticos
288 289 292 297 302 303 304 305 307
6. Os media digitais como produtos informativos complementares e substitutos 311 6.1. Contexto português 311 6.2. Comparação das audiências dos meios noticiosos tradicionais e respectivos sites 312
6.3 Novos media versus media tradicionais 6.3.1. Complementaridade ou substituibilidade? 6.3.2. Novos media: ameaça ou oportunidade? 6.4. Modelos de distribuição e acesso aos novos meios 6.4.1. Outras fontes de desigualdade
320 323 329 333 334
Parte III | Análise Empírica: Impacto das TIC na Concentração e Pluralismo dos Media
336
7. Percepções dos cidadãos e consumidores sobre pluralismo 7.1. Estratégia metodológica 7.2. Análise dos resultados
337 337 339
8. Pluralismo da informação e cidadania: inquérito a especialistas 8.1. Estratégia metodológica 8.2. Análise dos resultados
352 352 354
9. Concentração e pluralismo nos media: entrevistas a especialistas 9.1. Estratégia metodológica 9.2. Análise dos resultados 9.2.1. Impacto das TIC na concentração e pluralismo nos media 9.2.2. Relação entre a concentração e a criação e acesso à informação 9.2.3. Intervenção do Estado nos media e promoção do pluralismo 9.2.4. New media: diversificar conteúdos e reduzir influência dos grupos
360 360 361 361 363 364 365
9.2.5. Impactos das TIC na produção e distribuição dos conteúdos
366
10. Síntese conclusiva e recomendações 10.1. Evolução do sector dos media em Portugal 10.2. Concentração e pluralismo 10.3. Resultados empíricos 10.3.1. Inquéritos a consumidores 10.3.2. Inquéritos a especialistas 10.4. Tendências de evolução do mercado 10.5. Recomendações e Desafios para as Instituições de Media
367 370 372 382 382 383 384 391
Referências Bibliográficas
399
I ntrodução
Com esta iniciativa, pretendemos suscitar uma reflexão, à luz de possíveis cenários futuros, da actividade empresarial dos media e analisar os impactos das novas tecnologias ao nível das dinâmicas do mercado dos media, nomeadamente: desafios de gestão, tendências de negócio e pluralismo da informação. A investigação realizou-se mediante análise documental, entrevistas a especialistas, responsáveis de empresas e docentes, bem como através de uma sondagem (com cobertura nacional) aplicada aos consumidores de informação. Na sequência dos desenvolvimentos tecnológicos verificados na área das tecnologias de informação, a indústria dos media encontra-se actualmente numa fase de profunda transformação, assistindo-se a um incrível progresso em matéria de capacidades de armazenamento de informação bem como ao nível da velocidade de transmissão de informação. Nesse contexto de mudança acelerada, assistimos actualmente ao advento e proliferação de novas formas e meios de comunicação como por exemplo os sites noticiosos, a blogosfera, os sites de partilha de conteúdos, os motores de busca, o fenómeno da Internet móvel (a partir de telemóveis ou PDAs). Estes novos meios e formas de comunicação (comummente designados por meios digitais) são na sua maioria baseadas na Internet e têm registado uma dinâmica
9 Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
pela Associação Portuguesa de Imprensa e pela Media XXI, Consulting & Research. O estudo, por imposições administrativas, foi realizado em apenas 45 dias e nele colaboraram vários investigadores, bem como outras instituições, nomeadamente a Quatrocês e o IPOM. Na qualidade de coordenadores do projecto, queremos agradecer, em primeiro lugar, aos responsáveis do Programa Operacional da Sociedade do Conhecimento, que consideraram a oportunidade do nosso projecto. Em segundo lugar, agradecemos a todos os investigadores e entidades envolvidas (referidos na ficha técnica) o contributo e entusiasmo demonstrados nas várias fases de desenvolvimento do estudo.
Livros que Inspiram
O trabalho que aqui apresentamos resulta de um amplo estudo-piloto intitulado «Impacto das TIC na cidadania e no pluralismo da informação», levado a cabo
Livros que Inspiram
de crescimento muito forte, esperando-se que em 2010 as receitas relativas a conteúdos online ascendam a 8,3 milhões de Euros, representando um crescimento de 400% em apenas cinco anos1.
Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
10
Com o advento da nova geração de media, as palavras de ordem são interactividade; diferenciação do produto; aproveitamento de nichos de mercado; fragmentação de audiências; informação a qualquer sítio a qualquer hora; cultura do gratuito; target advertising (publicidade dirigida). A maioria destas realidades são completamente novas em relação aos mercados dos meios ditos tradicionais e, inevitavelmente, este processo de mudança acelerada tem sido (e continuará certamente a ser) acompanhado por um grau de incerteza muito acentuada quanto à configuração da futura geração de mercados de media. A significância económica da indústria dos media constitui, actualmente, uma realidade irrefutável. No entanto, a relevância do sector dos media vai muito além do seu peso económico, estendendo-se aos mais diversos domínios (político, social, cultural, económico), na medida em que os meios de comunicação representam um veículo privilegiado na transmissão e difusão de informações, valores, ideias e opiniões. Deste modo, os meios de comunicação social tornam-se verdadeiros opinion-makers, influenciando de forma determinante as opiniões e posições dos cidadãos. Neste contexto, a promoção do pluralismo de ideias por parte dos media torna-se condição sine qua non para o adequado funcionamento das sociedades democráticas. A questão do papel dos media na promoção do pluralismo de ideias tem sido, aliás, uma das questões mais amplamente debatida em matéria de media. Em muitos mercados, o aumento dos índices de concentração na indústria dos meios tradicionais tem sido encarado com alguma preocupação (mas também com alguns dogmas pré-estabelecidos, nomeadamente que qualquer processo de concentração afecta negativamente o pluralismo da informação; de facto, nem
��������������������������������������������������������������������������������������������� Fonte: Viviane Reding (2007) no discurso proferido na conferência organizada pelo Grupo Impresa e Rádio Renascença sobre o Futuro dos Media, em Julho de 2007.
Adicionalmente, a nova geração de meios está (e continuará) a produzir profundas alterações na estrutura organizacional do sector dos media, alterando a premissa de que estruturas de mercado concentradas se reflectem inevitavelmente numa limitação ao “número de vozes” no sector. Esta é uma questão extremamente desafiante e cuja resposta não é, até ao momento, nem imediata nem definitiva - e muito menos consensual -, dada a complexidade do conceito de pluralismo da informação e a multiplicidade de efeitos originados pelos novos media em matéria de acesso à informação e liberdade de expressão.
Pluralismo
de ideias
O conceito de pluralismo de ideias nos media denota uma realidade complexa e multi-dimensional. Face a tal complexidade, revela-se extremamente difícil 2 Neste contexto, importa sublinhar que a existência de um reduzido número de players independentes também não representa inevitavelmente um deficit em matéria de pluralismo e, em determinadas circunstâncias, a existência de um reduzido número de players independentes até pode promover a diversidade e o pluralismo de ideias (nomeadamente o pluralismo interno). Como se afirma no documento de trabalho da Comissão relativo ao pluralismo dos media na União Europeia (SEC (2007) 32): High market share - concentration – may be helpful for funding certaintypes of programming considered important for pluralism, notably expensive drama series or investigative journalism.
11 Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
O advento da nova geração de media veio trazer novos ingredientes a este debate: se no contexto dos meios tradicionais era já amplamente debatido em que medida o fenómeno da concentração se reflectiria numa limitação ao desempenho dos media na promoção do pluralismo de ideias, no contexto dos novos media, estas discussões tornaram-se mais acesas. As potencialidades tecnológicas dos novos meios vieram expandir incomensuravelmente a capacidade de armazenamento e transmissão de informação, reforçando os argumentos das correntes que se opõe à existência de uma relação directa entre concentração e declínio do pluralismo de ideias.
Livros que Inspiram
sempre será assim2), debatendo-se recorrentemente com a seguinte questão: em que medida a potencial redução do “número de vozes” na indústria poderá colocar em causa o papel dos media na promoção do pluralismo de ideias?
Livros que Inspiram
(se não mesmo impossível) estabelecer uma definição universal de pluralismo nos media. Não obstante, podem ser identificadas algumas condições necessárias à promoção do pluralismo nos media. Segundo o Conselho da Europa, o pluralismo nos media requer a existência de condições para que os media possam dar expressão a um conjunto alargado e diversificado de valores, opiniões, informações e interesses de carácter social, político e cultural. Battaggion e Vaglio (2007) identificam duas condições necessárias para a promoção do pluralismo de ideias: a extensão da cobertura de temas relevantes e a diversidade de pontos de vista.
Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
12
Relativamente à cobertura de temas relevantes, o pluralismo nos media requer que todos os temas de relevo para os cidadãos encontrem cobertura no sector dos media. Quanto à diversidade de pontos de vista, o pluralismo de ideias requer que os temas de relevo para os cidadãos sejam debatidos por, pelo menos, duas fontes informativas independentes de forma a promover a diversidade e a pluralidade de opiniões. Atendendo às múltiplas dimensões do conceito de pluralismo, não só é difícil definir objectiva e universalmente este conceito, como é ainda mais difícil aferir o grau de pluralismo em cada mercado. As medidas de pluralismo existentes são de certa forma limitadoras, na medida em que uma única medida dificilmente consegue captar todas as dimensões inerentes ao conceito de pluralismo. Na literatura científica é comum distinguir-se duas dimensões do pluralismo: pluralismo externo e pluralismo interno. No âmbito do pluralismo externo, a unidade de análise é o sector globalmente considerado e a principal dimensão do pluralismo de ideais consubstancia-se na existência de um elevado número de canais, títulos, websites controlados por players diferentes, de modo a garantir a existência de um elevado número de vozes independentes. Já no caso do pluralismo interno, a unidade de análise é circunscrita a cada voz em actividade no mercado, avaliando-se indicadores como a diversidade de conteúdos disponibilizados, a estrutura de programação, a composição dos órgãos de gestão ou dos órgãos responsáveis pelo processo de selecção de conteúdos. A aferição do grau de pluralismo interno revela-se extremamente difícil, passando muitas vezes pela condução de análises qualitativas que procuram englobar as várias
Segundo este critério, duas vozes são consideradas independentes se a sua propriedade for detida por players distintos, pelo que tenderá a existir uma relação directa entre o grau de concentração no mercado e a sua situação em matéria de pluralismo: em estruturas de mercado mais concentradas, o número de vozes independentes é mais limitado e, consequentemente, tenderá a existir um maior risco em matéria de pluralismo. À luz da relação anteriormente descrita e, atendendo à dificuldade de medida das demais dimensões do pluralismo, até ao momento, a análise do pluralismo de ideias tem sido baseada na avaliação dos mercados em matéria de concentração.
Pluralismo
de ideias e concentração de mercado
A concentração de mercado tem sido frequentemente utilizada como proxy da situação dos mercados em matéria de pluralismo. Segundo os defensores da utilização desta proxy, tenderá a existir uma forte correlação entre a concentração e as demais dimensões não observáveis do pluralismo de ideais, pelo que o grau de concentração de mercado poderá constituir um indicador da situação dos mercados em matéria de pluralismo. Os defensores desta corrente argumentam que em estruturas de mercado mais concentradas há o risco dos players dominantes favorecerem certos temas em detrimento de outros, colocando em causa o princípio da extensão da cobertura de temas relevantes.
13 Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
Atendendo às dificuldades na obtenção de uma medida de pluralismo interno objectiva, os estudos quantitativos sobre o pluralismo de ideias nos media têm-se focalizado na análise do grau de pluralismo externo. Neste contexto, o indicador de pluralismo externo mais comummente utilizado corresponde à contabilização do número de vozes independentes nesse mercado. No entanto, o conceito de vozes independentes é, em si mesmo, subjectivo e, não é fácil identificar até que ponto duas vozes são ou não independentes. O critério relativo à independência mais frequentemente empregue corresponde à independência em matéria de propriedade.
Livros que Inspiram
dimensões do conceito em causa, muito embora não permitam obter indicadores objectivos sobre o grau de pluralismo interno nos mercados.
Adicionalmente, mercados concentrados também representam um risco superior no que respeita à manipulação de opiniões e posições, na medida em que é mais restrito o número de vozes a emitir informações, opiniões e valores.
Livros que Inspiram
Dadas as relações estreitas entre concentração e pluralismo de ideias, o agravamento dos índices de concentração nos mercados de meios tradicionais tem sido encarado como um indicador de uma evolução extremamente desfavorável também em matéria de pluralismo. No entanto, é necessário ter algum cuidado com este tipo de inferências na medida em que o raciocínio subjacente assenta no princípio de que existirá uma correlação estreita entre pluralismo de ideias e grau de concentração de mercado.
Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
14
No entanto, este princípio está longe de ser demonstrado, quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista empírico3. Apesar da escassa evidência empírica em matéria de pluralismo e diversidade de conteúdos mediáticos, alguns estudos corroboram as ideias anteriores, pondo em causa a ideia generalizada de que estruturas de mercado mais concentradas são inevitavelmente lesivas para o pluralismo de ideias. Por exemplo, George (2007) encontra evidência de uma correlação positiva entre o grau de concentração e o índex de variedade de conteúdos mediáticos disponibilizados nos jornais americanos (1994-1999).4 O mesmo tipo de resultados é obtido em estudos teóricos como Steiner (1952) ou Spence e Owen (1977), segundo os quais a observância de elevados níveis de
3 A este propósito é de referir que alguns estudos teóricos, como por exemplo Gabszewicz, Laussel e Sonnac (2001, 2003) demonstram que a independência de propriedade não é condição suficiente para garantir a diversidade de conteúdos. Os autores demonstram que, num cenário de concorrência directa, os players na indústria dos media tenderão a convergir na selecção dos temas cobertos e no tipo de opiniões/ posições transmitidas (fenómeno do pensée unique) de modo a ir ao encontro dos interesses da maioria e, deste modo, alcançar uma audiência mais vasta (maximizando as receitas de subscrição e as receitas publicitárias). Nestes mercados, mesmo que o grau de concentração seja relativamente reduzido, pode verificar-se um deficit efectivo em matéria de pluralismo de informação, pois os players do sector, com o objectivo de maximizarem audiências, optam por estratégias de diferenciação mínima. 4 Segundo o estudo em causa, a correlação positiva entre concentração e variedade de conteúdos decorre de uma estratégia de reposicionamento do produto. Sendo os jornais, empresas multi-produtos, o aumento da concentração nesta indústria, cria incentivos para explorar nichos de mercado, promovendo a diversificação dos conteúdos cobertos pelos jornais.
concentração, pode ser um estímulo à diversificação de conteúdos5.
O trabalho encontra-se dividido em três grandes partes, que englobam capítulos alusivos aos seguintes temas: - Na Parte I realiza-se, no primeiro capítulo, o enquadramento científico da investigação, com a apresentação da estratégia metodológica e uma resenha teórica sobre 5 A conclusão destes autores sugere que em mercados mais concentrados, a dimensão dos players relevantes tende a ser superior, aumentando os incentivos para investir em políticas de diversificação de audiências (e, por arrasto, diversificação de conteúdos). Por outro lado, em mercados mais concentrados, reduzem-se os incentivos à duplicação de conteúdos (principio da diferenciação mínima) na medida em que a concorrência entre os players dominantes tenderá a ser menos feroz, e, consequentemente, esses players podem dedicar-se ao aproveitamento de nichos de mercado, oferecendo conteúdos que, de outro modo, não teriam lugar no mercado.
15 Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
Nesse contexto, e considerando as abordagens desenvolvidas nos parágrafos anteriores, a principal questão de investigação deste projecto é: qual o impacto das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no pluralismo dos meios de comunicação social e como deve a internet estimular a participação dos cidadãos como alternativa aos media? De forma a respondermos a esta e outras questões de investigação relacionadas, desenvolvemos um conjunto de técnicas empíricas qualitativas e quantitativas, incluindo inquéritos, entrevistas e pesquisa e recensão literária, reunindo e analisando informação referente à estrutura actual dos mercados de media português e internacional. Para este efeito, este projecto-piloto foi realizado entre Setembro de Novembro de 2008, com a colaboração de uma equipa multidisciplinar (coordenada por Paulo Faustino) composta por investigadores nacionais e estrangeiros com elevada experiência nas linhas de investigação aqui apresentadas.
Livros que Inspiram
No âmbito do actual processo de convergência, o advento da nova geração de media tem provocado profundas mudanças, seja ao nível da gestão interna das empresas de media, seja ao nível da estrutura organizacional do sector. Consequentemente, é expectável que a nova oferta associadas à geração de produtos de media possa igualmente trazer mudanças ao nível do pluralismo de informação. E, uma vez mais, as vozes dividem-se quanto aos potenciais benefícios/ custos dos novos media em matéria de pluralismo.
Livros que Inspiram
os assuntos que serão desenvolvidos ao longo do trabalho. Os capítulos 2 e 3 focam a concentração de propriedade e editorial da indústria dos media e o pluralismo, no contexto da evolução e afirmação da Era Digital, sendo também apresentada uma caracterização e análise das empresas e grupos de comunicação em Portugal. O capítulo 4 faz uma abordagem mais específica à concentração empresarial, desenvolvendo as suas causas, efeitos, tipologias, bem como os impactos ao nível da diversificação dos conteúdos.
Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
16
- Na Parte II identificam-se os impactos dos media digitais no mercado da informação, sendo focada a relevância dos novos media para o acesso dos cidadãos aos canais de produção, distribuição e acesso à informação (capítulo 5), e analisados os espaços noticiosos e de opinião tradicionais e online. No capítulo seguinte são focados os media digitais como produtos informativos complementares e substitutos dos meios de comunicação tradicionais, sendo ainda desenvolvidos modelos de distribuição e acesso aos media digitais. - A Parte III engloba a análise empírica realizada ao longo da investigação, sendo focadas as percepções dos cidadãos, consumidores e especialistas na área da comunicação (investigadores, docentes universitários e informantes privilegiados) sobre pluralismo dos media e concentração (capítulos 8, 9 e 10). A investigação é encerrada com a apresentação de uma síntese conclusiva e das principais recomendações para o mercado, a academia e instituições públicas, no capítulo 11. No actual cenário de profunda mudança, coexistem lado a lado potenciais ameaças e oportunidades que criam grandes desafios para todos os envolvidos no mercado da media, nomeadamente, consumidores, anunciantes, empresas de media e para responsáveis pela regulação do sector. Dada a extensão e profundidade da mudança alavancada pela nova geração de media, o estudo deste sector revela-se muito aliciante, uma vez que restam muitas questões por responder. Em síntese, o presente trabalho procura contribuir para um melhor conhecimento dos impactos dos media digitais no mercado da comunicação, focalizando-se
Paulo Faustino (PhD), Presidente da Media XXI, Consulting, Research & Publishing
17 Pluralismo, Concentração dos Media e Cidadania
João Palmeiro (MSc), Presidente da Associação Portuguesa de Imprensa
Livros que Inspiram
na procura de resposta(s) a três questões de partida: (i) Os novos media e os meios tradicionais na óptica dos consumidores deverão ser classificados como bens substitutos ou bens complementares? (ii) Qual o impacto dos novos media na evolução da concentração nos mercados de media? (iii) Qual o impacto dos novos media na promoção do pluralismo de ideias? É nossa expectativa ter desenvolvido um projecto capaz de apresentar abordagens importantes para analisar o pluralismo da comunicação social em Portugal (e o contributo das novas tecnologias e media digitais), bem como identificar pistas para possíveis estudos a realizar no futuro que alarguem o âmbito da pesquisa ou considerem metodologias empíricas complementares, como é, aliás, sugerido no capítulo final.