Cartel como decisão Glaucia Nagem*
“Vamos. Reúnam-se vários, grudem-se o tempo necessário para fazer alguma coisa, e depois dissolvam-se para fazer outra coisa”(LACAN, 1980).
Como um dispositivo de Escola o cartel coloca de saída o rompimento como base. Cartel, um montinho de gente, sem um líder, cada um trabalhando um tema próprio apesar de ter um nortea-dor. Ideal de uma Escola que apesar de ter sido proposta no início dos anos 60 se mostra atual a cada vez que nos juntamos para trabalhar em cartel. Poderia ficar algo ‘demodé’ mas o que ele traz é sempre uma decisão. Parece que cada vez mais é do desejo decidido que o cartel nos dá notícias. Algo que só se faz possível quando um sujeito é posto a trabalhar em sua divisão, às voltas com o que é da castração. Nisso o final da análise, se uma análise chegar até ai, nos mostra que a castração está para cada um dos que nos rodeiam, impedindo que façamos um todo, um bolo. Pois quando estamos andando em massa desnorteada nos tornamos rebanho, direto para o matadouro. As últimas manifestações nos fazem pensar nisso: a massa norteada e a massa desnorteada. Vimos às claras e depois de tudo, o que se pode avançar é a necessidade de que não se perder a direção. Mas qual direção se trata lá e cá? E como não perder a direção? Talvez voltando aos princípios. *
Membro da IF-‐EPFCL-‐ Fórum SP
No caso do cartel, qual o seu princípio? A Escola. E por que falamos disso anualmente neste encontro Naccional? Lemos na carta da IF-EPFCL: “Esses fóruns não são Escola e não outorgam nenhuma garantia analítica ... mas campo ... (mas) terá sua Escola (238)”. Que história é essa afinal? Bem, lemos ainda: “O objetivo principal dos fóruns ... se desdobra em 3 eixos: a crítica, a articulação com os outros discursos, a polarização em direção a uma Escola de psicanálise.”(idem) Pois bem, fiquemos no terceiro item pois é sobre ele que recai a questão do cartel. “Os fóruns não deixam de ser orientados rumo à Escola de onde tomam seu sentido, pois é a Escola que se dedica a cultivar o discurso analítico. A experiência prova que esse discurso, sempre ameaçado pelo recalque, pela tendência a se perder e a se fundir no discurso comum, está à mercê das contingências do ato”(...)”Os fóruns não são Escola, mas eles participam da manutenção desses objetivos da Escola. Eles se dão como objetivo preparar um retorno à Escola que Lacan quis, no contexto das necessidades de nosso tempo”(idem). Com isso me respondi, nessa dúvida recorrente: por que fazer cartéis no fórum? Lembro finalmente (valha me Deus o recalque!) que os cartéis são inscritos na Escola. E esta Escola que coisa estranha: sem sede, sem diretoria, sem nada; parece a poesia de criança: era uma Escola muito engraçada não tinha sede não tinha nada, ninguém podia mandar nela não, por que a Escola não tinha dono, ninguém podia deitar na rede, por que na Escola não tinha parede, ninguém podia fazer pipi porque ouvido não é pinico, mas ela é feita com muito esmero na rua dos tolos número 0. Sim, esparsos disparatados esses tolos que se grudam por um tempo e se desgrudam. Grudam por um tempo pois não pensam iguais, não se vestem igual, não falam igual. É difícil com-viver com o diferente. Mas é principalmente nisso que uma análise opera, não? No fim, contamos-nos um a um. Que trabalho! A ilusão é pensar que se nos contarmos todos seria mais fácil. A pergunta é: mais fácil para quem? Ah,
quando não nos contamos de um em um rapidamente surge Um (letra maiúscula) para nos contar à revelia. E disso temos notícias na história do movimento psicanalítico. Nos livraremos disso para sempre, de Uma vez por todas? Lamento em informar para aqueles que chegam por agora que não. Dá um trabalhão se contar um a um. Não é a revolução tão almejada, mas a subversão que faz um sujeito. Finalmente, cito mais um pedacinho da carta de princípios: “Em todo lugar onde houver dispositivos de Escola, a intitulação do conjunto Fórum-Escola passa a ser Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano de X. Ora bolas, estamos aqui falando dos cartéis e eu de tolinha falando de Escola! Ah: um não é sem o outro! Bibliografia Lacan, Jacques. Senhor A., in Revista n°0 – Documentos para uma Escola – Letra Freudiana – Circulação interna. Carta da IF-EPFCL – julho de 2006 – in catálogo 2006-2008 da IF-EPFCL.