Cartel: experiência de não-saber

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Cartel: experiência de não-saber Sandra Tolentino da Cunha* Cartel, possibilidade de passar por um lugar que, sustentado pelo ‘não-saber’, me provoca e me lança em direção a um ‘a-saber’, ‘a-saber’ sobre a psicanálise. Sendo ‘um em um cartel’ me lancei às provocações que este pudesse me propiciar. Na experiência de um cartel circulei, entre outros, por alguns escritos institucionais de Lacan que tornou possível uma contextualização histórica, política e clinica porque não. Lacan, fazendo oposição aos desvios teóricos e a formação analítica praticada pela IPA Associação Internacional criada em 1910 por Freud que visava resguardar sua invenção e assegurar a continuidade da psicanálise, articula a Escola Freudiana de Paris em 1964 que nasce com o Ato de fundação em 21 de junho desse mesmo ano (LACAN, 1964). Cria então uma Escola para a psicanálise que deve realizar um trabalho reconduzindo a práxis da psicanálise instituída por Freud. Ainda neste texto Lacan (1964, p. 242) afirma que “O ensino da psicanálise só pode transmitir-se de um sujeito para outros pelas vias de uma transferência de Trabalho”. Questiona assim se não estaria a formação do analista pautada nos moldes da licenciatura universitária o que estaria em contradição com o lugar do saber introduzido por Freud. Na proposição de 9 de outubro de 1967 com os dispositivos – a instituição do passe e o cartel – Lacan (1967, p. 248) propõe um laço social em relação ao discurso e dá estatuto à questão do analista, na formulação “O psicanalista só se autoriza de si mesmo” e anos depois diz “e com os outros”. Ainda coloca o principio da finitude ao falar sobre a razão de ser da Psicanálise “... constituir a psicanálise como uma experiência original, leva-la ao ponto que nela figura a finitude...”. Assim, a formação de um analista não se dá pela construção de um saber, mas trata-se de ter acesso a um saber com transferência para um trabalho. Bem, mas se falamos em transferência estamos falando em sujeito suposto saber? Suposto saber sobre a psicanálise? Mas, Lacan (1967, p. 250) diz que “... nenhum ensino fala do que é a psicanálise de maneira declarada, cuida-se apenas de que ela seja conforme”, ou seja, tenha a mesma forma. Ainda a de se considerar que a transferência é sustentada a partir de um saber impossível.

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Membro do Fórum SP


Assim, esta colocado em questão o ‘saber’ na e da psicanalise, o que nos angustia, pois, do saber nada se sabe. De acordo com Lacan (1967, p. 254) a questão do psicanalista não é de se dar por satisfeito com esse nada se sabe, mas sim “do que ele tem de saber” diz Lacan colocando que o “não-sabido ordena-se como o quadro do saber”. O dispositivo do cartel, cujo funcionamento se baseia na experiência, propõe um espaço onde quem, se assim o desejar, se coloque sob transferência de trabalho, a produção de um saber, saber este concernente ao saber na psicanalise. A estrutura do cartel apresentada por Lacan (1980, p. 51) assim o faz propondo uma nova lógica coletiva no seu funcionamento e nesta a escolha de um “... Mais-Um [Plus-Un] que, se é qualquer um, deve ser alguém. Será em carregado de velar pelos efeitos internos do empreendimento e de provocar sua elaboração”; então, alguém com a função de velar para que se evitem os efeitos de grupo a quem cabe fazer corte do suposto saber, evitando o efeito de cola, subvertendo a função de mestria. Ainda diz das discussões, das produções individuais e da determinação do tempo no cartel: o produto é próprio de cada um e é resultado de um tempo de trabalho de no máximo dois anos, o que diferencia do ensino que é um saber cumulativo. Se podemos dizer que há algo em comum num cartel é o tema e um ‘não-saber’. O cartel esta destinado ao fracasso, pois se trata de lidar com o horror ao saber, o saber impossível. O dispositivo do cartel é possibilidade de ‘não-saber’, possibilidade de criação, lugar privilegiado de produção não endereçada a um Outro, mas na construção da psicanálise.

Referencias bibliográficas: LACAN, J. (1964) Ato de fundação. In: LACAN, J. Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. P. 235-247. ______ (1967) Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da escola. Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. P. 248-264. ______ (1980) em D’Écolage. Rio de Janeiro, Letra Freudiana, n.0, s/d.


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