O Cartel e o discurso do analista

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O Cartel e o Discurso do Analista Samantha A. Steinberg* No seminário entitulado D’Écolage, não por acaso, pois se tratou de um trabalho de dissolução, na sua aula de 4 de março de 1980, Lacan se dirigiu aos que não estavam na sua Escola como talvez não intoxicados, para lançar a Causa Freudiana. Não intoxicados pelo que? Pela teoria? Dirigiu-se a eles para restaurar o órgão de base da sua Escola, o cartel. Neste momento procura afinar a formalização do cartel, a partir da experiência. Conclui dizendo que a Causa Freudiana não seria mais uma Escola, mas sim um Campo, onde cada um teria a via livre para demonstrar o que faz com o saber que a experiência decanta” (LACAN, 1980, p.51). Resgato este dizer: O que fazemos com o saber que a experiência decanta? Será que o cartel não seria o lugar privilegiado para fazermos um trabalho com este saber? Em outubro do mesmo ano, na sua carta para a Causa Freudiana, Lacan nos diz que o Cartel funciona, basta não colocarmos obstáculos. O que é preciso para um cartel funcionar, quais são suas invariantes? E o que pode lhe fazer obstáculo? São estas questões que pretendo rearticular com vocês neste espaço tão rico, criado especialmente para estas elaborações. Gostaria aqui de propor um pequeno deslocamento de matema: dos nós, usualmente utilizados para formalizar estas invariáveis, para o discurso do analista. Parto da hipótese que os lugares e letras articulados ao discurso do analista podem nos ensinar e que, talvez, ganhemos em precisão para formalizar a estrutura do cartel. Revisitemos alguns dos nossos pressupostos. 1. Sobre o número de integrantes. Precisamos ter um número mínimo de 3, mais 1, integrantes para um cartel. Esta estrutura quaternário, sabemos, é importante para Lacan desde o início do seu ensino. No entanto, levanto um problema. Será que não coincidimos este número com os indivíduos? Não seria mais rico se pensássemos este número a partir da lógica? Afinal de contas, o sujeito barrado só pode ser pensando logicamente, não podemos

* Membro da IF-­‐EPFCL -­‐ Fórum SP


encarná-lo no ser vivente. Se pudermos repensar esta articulação, a estrutura do cartel poderia ser ampliada. Talvez o número de integrantes num cartel poderia ser pensado como os enlaçados em determinada questão, num determinado tempo e espaço. Um ótimo campo para testarmos esta possibilidade são as nossas redes de pesquisa e módulos de transmissão. Quem são os participantes do cartel, os oficialmente nomeados, ou todos aqueles que se enlaçaram na questão num determinado momento? 2. Tempo pré-fixado. O cartel deve terminar, deve haver uma permutação. Lacan assim propõe para prevenir os efeitos de cola, grude, os efeitos de grupo. Também poderíamos articular esta necessidade com o furo do saber no lugar da verdade. Se não podemos por estrutura alcançar uma verdade, se a verdade é sempre um semi-dizer, o tempo pré-fixado tem a função de um ponto de basta para o cartel. Ele barra um gozo que tende a se fundir ao saber e à verdade. Um gozo que levaria o cartel ao infinito em busca de uma verdade do objeto e de um saber sempre a completar. 3. Cada integrante deve ter uma questão. A questão é essencial no cartel, uma questão do grupo e uma questão de cada um. Me parece que só podemos articular uma questão se estivermos como sujeitos barrados. Não é assim se entra em análise, formulando uma questão sobre o desejo do Outro e o próprio? Pude me dar conta que os integrantes do cartel estão, pela referência lógica, sempre como sujeito barrados, inclusive o Mais-Um. Mas qual seria então a especificidade da função do Mais Um, poderíamos nos perguntar? A função do Mais Um não deixa de ser fundamental para que um cartel ocorra. É ele que deve subverter as relações com o saber e manobrá-lo, se necessário. Ele deve desbancar o saber do mestre ou universitário. Se o mais um vacila nesta função, se veste com o uniforme do saber, o cartel estará fadado ao insucesso. Ele institui que todas as perguntas são cabíveis, das mais bestas às mais subversivas. Talvez esta poderia ser a regra fundamental do cartel... Relato uma experiência interessante que tive ao iniciar um cartel de topologia. No primeiro encontro, em que nos dirigíamos ao mais um escolhido, este diz: “Só quero falar um coisa pra vocês, eu não sei NADA de topologia, serei só mais um aqui, mais um mesmo...! ” O que houve aqui? Uma manobra nesta relação com o saber de saída provocada pelo Mais Um.


Outro elemento que gostaria de articular com vocês é o agente do discurso do analista na sua relação com o cartel. Proponho pensarmos que o objeto a, causa de desejo, talvez se articule ao desejo de trabalhar, se debruçar sobre uma questão. Talvez também possamos articulá-lo à experiência, ao vazio, que se impõe pelo saber da impotência, determinado pelo saber no lugar da verdade do discurso do analista. E o Real? O Real se coloca de saída nos discursos pois, como nos disse tão bem Michel Bousseyroux na sua vinda ao Brasil, o Real limita a verdade. A verdade, como Simbólico, já está impossibilitada, inacessível por estrutura pela barreira do Real. E o saber, ao habitar este lugar no discurso do analista, só pode ser da ordem de um furo. Enfim, articulo, não sem a experiência, que todos os integrantes do cartel poderiam ser pensados como sujeitos barrados, inclusive o Mais Um. O Mais Um, que pode rodiziar entre os integrantes, que pode ser qualquer um, seria só mais um na maior parte do tempo, mas possuiria uma função clara nos momentos em que o saber se perde, caminha para outro discurso. O Mais Um nesta hora o puxa pela mão e o conduz de novo ao seu lugar no discurso do analista, ao lugar da verdade não toda. Afinal de contas, o Discurso Analítico é o único discurso que convém ao nosso Campo. Referências bibliográficas: Revista Letra Freudiana- Escola, Psicanálise e Transmissão- Ano 1- No 0- Documentos para um Escola- para circulação interna LACAN, J. (1980-1981) El seminário, libro XXVII: Disolución:

Carta para la Causa

Freudiana. Escansion 1 (nueva serie) Ornicar? 22/23. LACAN, J. (1969-1970) O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.


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