Textos Café Cartel 2011

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FÓRUM DO CAMPO LACANIANO - SÃO PAULO

Café Cartel 2011

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Para que serve o Mais-um?

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Alberto Giacometti


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Café Cartel – uma história Em 2005 a Comissão de cartel convidava para o primeiro Café-Cartel, que na época se nomeava: ‘Café de transmissão’ e tínhamos na época 8 cartéis funcionando. No ano seguinte, mais um passo. Se no primeiro o que estava em jogo eram as questões da formação e transmissão, em 2006 a pergunta era pela lógica da dissolução proposto para o cartel ao término de dois anos. Em 2007 a pergunta foi “Por que um Cartel não é um grupo de estudos?” e em 2008, no ano do encontro internacional em São Paulo tivemos mais um Café Cartel em que estava em jogo a transmissão e as produções de cartéis com o tema: Cartel, Escola e formação do analista (finita ou infinita)? Em 2009 tivemos no Café Cartel a possibilidade abrir para que cada um pudesse trazer sua contribuição para uma conversa “ao redor da mesa de café” para que em um clima de leveza as questões pudessem ser discutidas. Em 2010 a pergunta foi: Por que? Para quê? Qual a implicação de declarar um cartel para a Escola? Vemos ai a série que já se forma e como as questões avançam. Neste ano os membros de Fórum e os membros de Escola, nas reuniões de Formação Continuada leram durante o primeiro semestre as quatro sessões das jornadas da Escola Freudiana de Paris que aconteceram em abril de 75. Pierre Martin na abertura desta jornada declara em determinado momento que: “depois de ter discutido com muitos colegas que fazem parte dos cartéis, eu me atrevi a fazer-lhes a seguinte pergunta: qual é o lugar que vocês deram, na criação e na organização do seu grupo de trabalho, a esta pequena palavra: mais uma (plus-une). O que Lacan em seguida reforça dizendo: “Pelo menos, que declarem sobre este tema as pessoas que quiserem: em suma, o que lhes evoca, o que lhe sugere essa “pessoa” que trato de isolar do grupo, o que não quer dizer que não possa ser qualquer uma delas.” Nos quatro encontros do nosso Espaço Escola, trabalhamos cada uma das sessões e o que se mostrou é que, da mesma forma que nas jornadas de 75, muitas questões estavam abertas para todos nós, mesmo 36 anos depois de termos todos esses textos à disposição. Efeito de recalque, sobre o que temos que estar constantemente atentos no funcionamento do Fórum, em sua tarefa de sustentar a Escola. Por isso estamos aqui, em 2011 nos perguntando: “Para que serve o Mais-um?”. Reabrindo a questão de 75 na expectativa de recolher aqui, no 7° Café Cartel, com a leveza da mesa de café posta, como vocês tem se virado com esse dispositivo e com esse, que sendo qualquer um, é o ‘Mais-um’. Glaucia Nagem Pela Comissão de cartéis 2011


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Sumário 4

Ana Paula Lacorte Gianesi - “Sem mim”

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Conrado Ramos - O mais um borromeano não é um fio de colar

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Luciana Guareschi - Daquela que não fez cartel, ainda

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Glaucia Nagem – Fisgada pelo Cartel

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Rafael Daud – Para que serve o Mais-um?

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Reinaldo Grillo - f(+1) = mais um enigma da psicanálise, que ressurge a cada percurso de formação

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Ronaldo Torres - Para que serve o mais-um?

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Sandra Berta - Se endereçar, se adereçar, se desadereçar. O cartel e a função do Mais-Um: não tanto para que ele serve, mas de que ele se serve.

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Welson Barbato - para que serve o mais-um?

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Vanessa de Fátima Muraca - Cartelizando


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“Sem mim” Ana Paula Lacorte Gianesi*

O “para que serve” da questão - tema/mote de nosso encontro de hoje me enviou a uma resposta a um só tempo óbvia e furada. Poderia até dizer assim: óbvia porque furada, ou furada porque óbvia. A pergunta aqui exposta indica, quem sabe, o que do olhar se sonoriza, que sonoriza o furo – o buraco – o que do oco engole, turbilhona e cospe. Cospe o que? Lacan fora enfático: cospe o nome. Se do óbvio extraímos a função, função de mais-um, pergunto-me como, então, encontrar o tom? O tom e o som de cada vez? Que cada um faça a seu modo, que cada mais-um possa imprimir seu estilo, isto talvez seja próprio ao campo onde somos mais livres. Entretanto, e a nossa política? Se a visada é o enlace, o enodamento desde produções possíveis, trata-se mais uma vez de enfatizarmos o des-ser e não o ser! Lacan havia nos indicado, em 1964, que o analista passaria a viver a pulsão. Mais tarde, em seu seminário 23, declarou-nos que as pulsões, seriam, no corpo, o eco do fato de que há um dizer (p.18). Poderíamos, por analogia, fazer aqui referência ao mais-um. Como, a partir da colocação do corpo em presença (com o negativo que isso implica), fazer trabalhar, evitando, inclusive, mutismos aflitos? Ainda impactada (e por isso mesmo inspirada) pela última apresentação do Grupo Corpo, que tão bem nos apontou que “um corpo é algo que tem um furo no meio”, aproveitaria o nome da segunda parte do espetáculo para encerrar meu comentário, a saber: “Sem mim”. Colocar o corpo como coloca o Corpo, descompletando o conjunto, imprimindo o não todo, mostrando o impossível, o não há relação sexual. Nos passos de Pederneiras não há proporção sexual. Harmonia clássica, também não há. Amor recíproco, tampouco. No passo deste ato - “Sem mim”, isso que se transmite como um dizer e não passa sem os ditos. As letras, os versos, as músicas. É o que nos mostram, a cada gesto, esses inventores do movimento. Enfim, quiça possamos apontar essa função de mais-um seguindo o que aqueles atos poéticos e performáticos nos permitem ver decapar: “sem mim”, mas com o corpo.

*Membro da IF-EPFCL - Fórum SP


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O mais um borromeano não é um fio de colar Conrado Ramos*

Todo nó borromeano se constitui de nós triviais (círculos soltos) não presos um ao outro por encadeamento, mas sim por uma propriedade que se caracteriza pela correspondência mínima entre os nós; uma lei que, embora não pertença a nenhum deles, pode ser encarnada por qualquer um deles. Que se tente separar qualquer dos nós soltos, sempre haverá um que, embora solto também, cumpre a função de enodá-los todos. Se escolhermos outros nós para puxar, outro será aquele que encarnará a função de enodamento. De minha experiência, um cartel preserva as singularidades de seus participantes, amarrando-os por aquele que, seja quem for e em diferentes momentos, repõe o enodamento na forma da causa que os une. Que esta causa seja tamponada por alguém, aí então o que temos não é mais um cartel, mas um grupo de estudos, que se caracteriza pelo encadeamento dos nós triviais por um único elo, como um colar de contas no qual o fio do colar é, em tal circunstância, o mestre. No cartel, que um saia, o elo se desfaz. O colar de contas, por sua vez, só se rompe quando o fio quebra. Que se quebrem algumas contas, o colar permanece, sem singularidades a não ser a do fio. Difícil função a do mais um, de não virar fio de colar e de deixar que cada um conte um sem que tenha que sair do laço para isso. Nos cartéis em que os participantes não se contam e pedem por um fio de colar, o mais um tem que ser menos um para fazer girar os nós, com o risco da coisa se arrebentar. Mas há cartéis em que o mais um quer ser fio de colar. Aí, então, se isso não cola, as contas desconfiam e matam o pai para tentar fazer o mais um operar. Um mais um, para ser mais um de cartel, precisa ser descolado, isto é, saber não ser fio de colar, e saber descolar quem aí vier a se fazer de fio. Um cartel, então, precisa de ao menos um que, sem ser fio de colar, saiba ser descolado o bastante para fazer de cada um, aquilo que conta um. Afinal de contas, se o mais um é propriedade, é efeito de uma determinada junção dos nós triviais, mas de uma junção que causa o laço, mas não apaga os nós. Nós só fazemos um cartel quando um cartel se faz de nós, isto é, quando cada um dos nós não se faz de conta. Quando se faz de conta, deixa de ser nó. Quando os nós viram contas, passam a colar. Isto certamente é embaraçoso, e é justamente a função do mais um que pode fazer o embaraçoso passar novamente ao embaraçado, se ele souber equivocar. Lembremos que um cartel nos faz ficar embaraçados, mas no fim nós nos desembaraçamos sem perdermos o fio da meada. É isso o que, no final das contas, experimentamos quando deixamos cair o mais um. No entanto, se o final das contas for a partida do fio de colar, aí somos nós que caímos todos espalhados pelo chão. Conclusão: um cartel trança, mas desfia; um colar afiança, mas trancafia.

*Membro da IF-EPFCL-Fórum SP


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Fisgada pelo Cartel Glaucia Nagem*

O cartel é um dispositivo que se apresenta como enigma e mesmo como dificuldade para as pessoas que se aproximam de uma Escola de Psicanálise que tem no cartel e no passe a sua orientação. O primeiro cartel que entrei foi um choque na minha experiência, pois, em meio a conversa para definir o tema, eu insistia em saber o que era esse Mais-um. Um cartel com colegas que já tinham percurso numa Escola e que já tinham feito outros cartéis, assim o sensato, pensava eu, seria um deles ser o Mais-um. Uma proposta: o Mais-um poderia ser você? Atordoada aceitei mesmo sem saber do que se tratava, e o efeito foi o de buscar as referências sobre essa função e sobre o dispositivo. Fui fisgada. Que coisa era essa que se juntava por um tempo com data para se separar, expectativa de um produto, e um que não faz função de cacique, mas é declarado à Escola com esse nome esquisito? Fisgada pelo cartel trabalhei com este cartel que, por minha vinda para São Paulo se dissolveu. E ainda tinha isso: se um sai, o cartel se dissolve pois nele é o princípio borromeano que opera. Desde então fui fisgada, mas o que fisgou? Ser Mais-um de um cartel em minha primeira experiência deixou a marca do qualquer um, mas não sem que essa proposta tenha sido feita por uma escuta que tinha o analítico como diapasão. Se o cartel é o primeiro dispositivo, ele já traz o germe do que Lacan irá propor como o Passe, afinal nele a lógica do Não-todo está posta em jogo de saída e também a idéia dos “esparsos disparatados”. Afinal, esparsos no Huaiss é o que é solto, que não se apresenta em bloco, não compacto, espalhado aqui e ali, pouco numeroso, e vejam só: diz-se geralmente de algo contável. Propor que um pequeno grupo se reúna e que nele se conte 3+1, coloca o cartel como um modo de contar de um a um, aqueles que se aproximam da Escola. Disparatado: que diz disparates, sem sentido, sem nexo, absurdo, despropositado, descombinados, ilógico, maluco. Não poderíamos dizer que a escolha de alguém que está chegando como o Mais-um é um disparate? Bem, o Mais-um é um disparate na lógica de grupos, afinal não é o cacique, e pode ser qualquer um. No entanto, incluo algo que hoje faz outra amarração no que entendo: esparso, disparatado, mas não desorientado. Mesmo que “qualquer um” não é sem consequências que este seja declarado a uma Escola. A declaração faz com que a Escola esteja ai não apenas como um receptáculo burocrático de nomes e temas. A Escola está em função de broca, furando a cada vez que convida os cartéis a se pronunciarem, que propõe um espaço como o de hoje para que possamos parar e nos perguntar ‘que dispositivo é este que eu me meti’, para que no Espaço Escola espere os produto e assim, descomplete, oriente, fure o que se não cuidar gruda, e cola.

*Membro da IF-EPFCL – Fórum São Paulo


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Daquela que não fez cartel, ainda Luciana Guareschi*

Tendo sido questionada sobre os cartéis que teria feito, vi-me responder: Nenhum. Como assim? Pois é, assim. Mais dez anos a-bordando a psicanálise e nenhum cartel. Desculpas haverá aos montes. Mas a questão ecoou, pondo-me a trabalhar. Descompromissadas pesquisas empíricas foram feitas, recolhendo dados daqueles que fizeram cartel. Mas como é? Para que? “Ahhh, tem que fazer para saber, passar pela experiência.” Inefável? A esses, tenho que admitir, não os escutei muito. Outros foram muito precisos, contando, “1, 2, 3, hum, 5 cartéis!” Bom, é uma maneira de contar, juntamente com aquela que tenta equiparar sucesso/insucesso de um cartel com a realização ou não de um produto ao seu final. Continuei minha busca e desta vez fui aos livros. Pequena pesquisa bibliográfica, onde pude encontrar não mais que algumas poucas indicações de Lacan, embora fossem cirúrgicas, cito minha predileta: “aposto tudo no funcionamento e muito pouco nas pessoas” (Lacan, J. L’Autre manque. 15 janvier 1980). Será? Fui me aproximando de uma definição, cartel: artifício criado, sob medida, para a (de)formação que os analistas precisam passar para melhor desocupar suas poltronas. Dispositivo que necessita de 4 sujeitos a fim de se coçarem, coçadores, intrigando-se com as suas mazelas ou as mazelas de sua clínica ou ainda com as mazelas teóricas, articulando assim psicanálise em intensão e extensão. Mazelas que, enfim, resumem-se em uma só, a de um saber que não pode ser escrito e que, no entanto, espera-se que possa ser circunscrito, cito Lacan: “Tudo o que é escrito parte do fato de que será para sempre impossível escrever como tal a relação sexual. É daí que há um certo efeito do discurso que se chama a escrita” (Seminário 20, pag. 49.). 4 e um +1, o acossador, aquele que incomoda, aturdita, molesta insistentemente os outros 4, como se não bastassem as coceiras de cada um... E não bastam! E aí encontrei alguma resposta e mais perguntas. Se o acossador não pode ser (ou ocupar o lugar de) mestre, os outros 4 o são, mestres em deixar seus comichões identificados, adormecidos e colados em seminários, grupos de estudos, instituições e afins. Resposta: foi e ainda é preciso o cartel, porém sua estrutura, seu funcionamento não é garantia de uma mudança de posição do sujeito em relação ao saber, sendo o + 1 aquele que deve zelar para que esse giro ocorra, do saber no lugar da produção (discurso da histérica) para o saber no lugar da verdade, sempre não-toda. (Sandra Berta, O produto do Cartel, 2008). Ah! Ia me esquecendo, o produto, claro. Bem, ele começa aqui.

*Participante das Formações Clínicas do FCL-SP


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Para que serve o Mais-Um? Rafael Daud*

A série de nonsenses do nosso blablablá cotidiano, agravada quando deitamos sobre o divã, parece clamar ansiosamente por um ponto final. Porque estamos na língua, pouco importa se falamos ou calamos: a cadeia significante é infinita. Por isso multiplicamos amores e temores: sintomas, em resumo. No divã, endereçamos essa infinitude insuportável a um Outro, para que opere um corte eficiente e nos permita seguir nossa vida, que é, afinal, finita. E que a análise seja, também, finita! Mas o analista, como segue, ele mesmo, sua vida? Como limita a infinitude da sua própria cadeia inconsciente? Como diz uma amiga, “quem analisa o analista?” Essa pergunta é justíssima, partindo de um inconsciente que busca sempre no próximo significante a justificação do anterior. Se confiamos nesse Outro que supomos saber do nosso último sofrer, então é preciso também acreditar que exista um Outro do Outro, que o autorize a trabalhar. Isso é lógico, mas leva a uma progressão ao infinito. Se numa análise é desse infinito que tiramos as associações significantes do inconsciente, numa escola de psicanálise consentir com essa progressão infinita é inadmissível. Mas que autoridade chamaríamos para, de uma vez por todas, interrompê-la? O analista didata? Aquele que “analisa o analista”? Faríamos consistir um Outro, e a cadeia regridiria até Freud. Nós, no entanto, acreditamos que tal cadeia não regride, mas progride, infinitamente, porque o Outro não está no analista, mas no tesouro dos significantes, na própria língua, em última instância. Para a nossa Escola, portanto, o “analista do analista” não resolve. É por isso que a porta da nossa escola não é a análise. É o cartel, o dispositivo próprio para se suspender a progressão ao infinito e apontar para o fim. E como pode o cartel suspender a infinitização? Como na matemática, é muito simples. Para conter o infinito, basta contar até um. Por isso, num cartel, convocamos o Mais-Um. Num cartel, tudo tende ao infinito: que tema discutir? Que título dar ao cartel? Que textos? Quanto tempo temos para elaborar nosso produto? Cada uma dessas perguntas levanta um tanto de desejo e um tanto de angústia, e para fugir de um e de outro, nos comportamos como Aquiles e a tartaruga, sempre em busca de uma nova proposição que justifique a aceitação da anterior. Postergamos isso, diluímos aquilo, deixamos aquilo outro indefinido, acreditando sempre que alguém já dominou tal assunto e respondeu tal pergunta, e que é preciso remeter-se a esse Alguém (com A maiúsculo). Assim, nada acontece. A autoridade se esfumaça, ou consiste, o que dá no mesmo, e ninguém tem que se haver com a castração. Perguntamos sempre: mas e se... ou então: podíamos acrescentar... O papel do Mais-Um, grandemente, é dizer: não, aqui não se acrescenta mais nada, aqui se interrompe, aqui cessa. Um papel de corte, portanto. O Mais-Um aponta para a finitude da falta quando percebe que a corrida que os cartelizantes propõem tende a se tornar infinita. Não sendo um qualquer, ele se impõe arbitrariamente sempre que uma autoridade qualquer ameace surgir como não arbitrária, como fundada em não sei que significação, que tentaria, sempre, ser a última. Mais é Deus. E fim. *Participante das Formações Clínicas do FCL-SP


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f(+1) = mais um enigma da psicanálise, que ressurge a cada percurso de formação Reinaldo Grillo

Antes, quero agradecer a oportunidade de estar aqui com vocês, participando desse mais um Café Cartel. O que irei desenvolver a seguir é um percurso, uma práxis possível e não uma teoria. O texto do convite deste encontro do Café cartel cita três datas: 2011, 1964 e 1980. A que acrescento – 2005 – como ponto de circularidade de uma questão, entre muitas outras, sobre o funcionamento desse dispositivo, o que evoca a seguinte questão: para que falar mais ainda sobre o dispositivo passados 47 anos de sua criação? Ainda não sabemos a função do mais um? No entanto essas perguntas caberiam no modelo f1. Modelo ingênuo tratando-se de seres de linguagem. Voltando a questão do +1 listo algumas possibilidades polissêmicas do significante “mais um”: 1. um a mais; 2. um qualquer; 3. qualquer um; 4. um que conta; 5. só mais um; 6. um de unidade; 7. um do todo; 8. Há o Um. Traço uma reta a fim de representar essas possibilidades de entendimentos modificandose num tempo F2. Mas também não é disso que se trata. Na estrutura desse dispositivo fundamental, que articula (cado) seus membros, tanto à escola como também a sua formação como analista. O espaço não é euclidiano e sim topológico e o tempo não é cronológico e sim lógico, portanto precisamos da topologia e da matemática para formalizá-lo. Cabe ao mais um o ato de formalizar a existência do cartel para outros (escola). Causar a produção de textos dos seus membros sendo que este não ocupe um lugar qualquer. Propiciar que os impasses dêem mais um passo. Propiciar que aquele cartel seja mais um cartel que conte na base da escola (entendida como um espaço de transmissão que se revalida a cada momento, assim como as analises). Que possa ex-sistir a aquele conjunto. Que possa manejar a dialética do um e do múltiplo. Que dê espaço para o real que está em jogo na formação do analista, pois o 1 é a cifra simbólica que inscreve a existência do zero. Isso tudo sem garantias.


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Para que serve o mais-um? Ronaldo Torres*

A proposta de trabalho deste ano do Café Cartel foi desafiadora para mim. Primeiro porque tomei a interrogação por aquilo que ela esconde. “Para que serve o mais-um?”, na forma interrogatória, induz a responder ou que o mais-um serve e ponto, ou que ele serve para isso ou aquilo. Mas o que a indagação guarda em si, enquanto possibilidade, é uma contra-resposta, uma negação: O mais-um não serve! E aí tanto em sua forma intransitiva como transitiva. Desafiadora tb porque, a partir disso e por conta da regra do encontro, terei que desenvolver porque o mais-um não serve em apenas uma lauda! Bom, já é uma brincadeira com o impossível de responder que indica bem porque o mais-um não serve. Esse mais-um entra não cabendo: muito largo, frouxo, bambo, em sobra ou impossível de vestir de tão pequeno, rígido, inflexível, aquela peça que ultrapassa o muito justo e sobra na mão sem ter o que fazer com ela, não tem aonde pôr. O mais-um não serve! Seu desarranjo, inadequação, é o que faz dele o mais-um que não sem se colocar na série entra ali de forma êxtima. Se servisse, desserviria à serie: ou desde dentro como um a mais a esperar algo, ou como Um de fora, que no engodo de suspender o esperar, só faz o saber produzir o um a mais de gozar, a marca de gozo do um da alienação. Esta última, posição do servo no discurso do mestre, em que o Um não serve, mas faz servir. O mais-um não serve e assim não desserve a série. Lacan trabalha essa posição de diversas maneiras, mas uma das formalizações que me vale é quando trabalha a série de Fibonacci no S16. Vcs sabem que é nesse seminário que Lacan re-introduz a noção de discurso de forma renovada. Se por um lado ali ele aponta o infinito nas séries, é a desproporção entre o 1 e o a que revela o limite das séries na ordem da repetição. Repetição na qual Lacan vai localizar, desde o S11, o real e o trauma. Mas no cartel e nessa função do mais-um que constitui o cartel com tal, a aposta é que não se vá do trauma à fantasia. Aliás, não é a fantasia essa tentativa fundamental de tentar fazer servir aquilo que realmente não cabe? Assim, é na abertura da repetição real que podemos testemunhar essa função que opera na estrutura do cartel, essa estrutura mínima de 3 mais-um na qual não se busca suplantar o a com o 1. Esse é o limite real da série, aquilo que não se inscreve, que não calça nem re-calça, mas que re-causa a série e pode abrir possibilidade para que o cartel tenha efeito de transmissão. É essa a aposta de Lacan nos 2 dispositivos da Escola. Porque, como entendo, aquilo que a proposta sobre os discursos faz avançar no ensino de Lacan é justamente a indicação de que aquilo que não se inscreve não está fora da estrutura. Ou seja, que os discursos são formas de tratar o real impossível. É claro que há discurso que busca restituir o que não se inscreve com um mais de gozar que visa consistir o Um. Todavia o que me parece central para Lacan é poder pensar o laço por uma ordem de discurso na qual aquilo que não se inscreve se encontra na posição de agente do discurso e em função de causa. Isso é de fato um desafio, pois é o único discurso em que se faz do real seu agente. O mais-um é, assim, a amarração que dá estrutura ao que se chama cartel e que Lacan buscou sustentar quando afirmou que “há do um” (Il y a de l’un). Que essa amarração esteja posta ou não em alguém, a mim não faz a menor diferença. Foi o que Lacan falou da matemática para os matemáticos.


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Assim, não é por outra razão que o cartel, tal como o propôs Lacan, vem de cardo, gonzo, dobradiça, porta que faz passagem de um lugar a outro. O cartel é a verificação de um discurso que orienta e sustenta a psicanálise em intensão em sua função frente à psicanálise em extensão. Busca verificar os efeitos de um laço estruturado de tal forma que todas as formas de servir já não servem mais.

*Membro do Fórum de SP


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Se endereçar, se adereçar, se desadereçar. O cartel e a função do Mais-Um: não tanto para que ele serve, mas de que ele se serve. Sandra Berta*

“Foi uma sorte eu estar no caminho” disse Alice enquanto ajudava à Rainha Branca a pôr o xale de novo. A Rainha começou a recitar uma fórmula para se salvar ‘pão com manteiga - pão com manteiga”. Alice decidiu iniciar a conversa “Estou me endereçando à Rainha Branca!” / “Bem, se você chama isto de se adereçar... Não é a minha ideia da coisa, em absoluto”, respondeu a Rainha. Alice, sem querer discutir enquanto iniciava a conversa, preferiu começar assim: “Se vossa Majestade tiver a bondade de me dizer qual é a maneira certa de começar, farei isso da melhor maneira” / “Mas não quero que seja feito de maneira alguma!... Faz duas horas que estou me desadereçando”, contestou a Rainha / “Todos os adereços estão tortos, pensou Alice e tudo está pregado com alfinetes”. Lewis Carroll, Mais-uma vez! O épico da era científica, como Lacan o chamou. Equivoquemos o “serve’ e evoquemos Alice. Justamente porque nos reinos, os serventes sabem muito bem para que servem. Se para algo serve o Mais-Um é para saber do que ele se serve para fazer ex-sistir num pequeno grupo isso que Lacan chamou o desejo como turbilhão. Serve para fazer furo, para fazer múltiplo esse buraco onde a-coisa turbilhona. Todavia o Mais-Um se faz servir à sustentação disso que no nó borromeano é o furo que escreve um semblante de relação onde o que prima é a nãorelação. Então, se houver função do Mais-Um e se o acaso nos fizesse encontrar com a Rainha Branca enquanto tentamos saber por onde começar a “conversa” (trabalho) de um cartel, por onde continuar e por onde terminar, teríamos a habilidade de Alice: de passar do se endereçar para o se adereçar e ainda de poder sustentar que os alfinetes frouxos possam servir para dar a consistência do xale enquanto ele se desadereça. Ela, a menina Alice, se adereça no xale da Rainha para endereçar-se à rainha. É uma boa metáfora. Eis assim como tratamos os analistas nossa relação ao saber, especificamente quando, na carne - por assim dizer - sabemos que o saber suposto é a ficção do sujeito. A invenção do cartel remete a aposta nó borromeano, isto é: um apoio para sustentar a metonímia da escrita S() não há Outro do Outro. Lacan o diz assim: falar da Coisa Freudiana como constituída essencialmente por esse buraco. O Mais-Um como função e como aquele que se faz agente dessa função deve estar afetado pela a-coisa, para fazer turbilhão do cartel. Há uma pergunta pelo desejo que se ausente não sustenta a experiência analítica nem a experiência do cartel. Vale para o analista, vale para o MaisUm. Eis a charada! *Membro da IF-EPFCL – Fórum SP REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Lacan, J. Homenagem a Lewis Carroll. In: Ornicar? 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, pp. 7-11 _______ Jornadas sobre Cartéis. In: Escola da Coisa Freudiana. Cadernos 0. Da fundação. Curitiba: Juruá, 2010, pp. 75-149. ______ Talvez em Vincennes.... In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pp. 316320. Lewis Carroll. Alice. Através do Espelho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, pp. 187-198.


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PARA QUE SERVE O MAIS-UM? Welson Barbato

A função do mais-um, sabemos, é a de provocar a produção desde o voto de cada cartelizante, ao redor de um tema central. Sua posição de provocação - possibilitada pelo advento da transferência de trabalho - realiza-se inevitavelmente como estrutura discursiva que, por conseguinte, convoca e vetoriza aos elementos essenciais de uma elaboração. Dialeticamente, essa elaboração é, a priori, causa e evento de leis lógicas da linguagem usual que sustentam, por exemplo, a univocidade entre o saber e a verdade como um de seus componentes intrínsecos. Desse modo, não há formulação e ordenamento clássicos de produção desde a linguagem que não concentre na sinonímia “saber/ verdade” os parâmetros cruciais de sua realização. Essa derivação de princípios aristotélicos (Lógica Formal) é reconhecida, acolhida e interpelada pela psicanálise na medida exata em que esta almeja sua desconstrução, como condição princeps da legitimidade e eficácia de sua própria práxis. No manejo do Cartel, isso não será diferente. O registro linear e, portanto, não digressivo entre saber e verdade é signo de dois importantes discursos formalizados topologicamente por Lacan: o de mestria e o universitário. Este último engendra com maior propriedade tal conformidade de efeitos sinonímicos, pois pretende viabilizar o saber em aliança com a verdade absoluta, demonstrando, grosso modo, o axioma da trilha da elaboração e da produção unidas à certeza. Reitero: essa é a demanda da linguagem lógica corrente que, via de regra, alicerça sua “linha de produção” na sintaxe e na semântica, justificando, assim, “objetos idênticos-a-si-mesmos”. No interior do dispositivo do Cartel esse estilo de produção não se legitima (demanda não autorizada taticamente pelo mais-um), sob o risco de produzir objetos na égide do mais-de-gozar e de não referenciar a particularidade da indagação de cada voto e a fundamentação clínica de cada um. Nesse sentido, o mais-um propõe uma operação nodal – entre outras tantas – que desvincula o saber da verdade, cumprindo táticas e estratégias (cálculo) que circunscrevem um campo, particularizando-o; postula-se aí um vetor contraditório ao campo de mestria (e também capitalista) que não visa esse limite. Sem essa separação, o produto final é um efeito, banal identificação com o (já) dito, sem implicações de autoria. De certa forma, então, o mais-um opera na função de explicitar/pontuar a mera e recorrente captura no/do discurso do Outro, castrando - na medida das condições que dispõe no Cartel - a verdade como paradigma universal. Como na clínica, a Lógica da Oposição (formal e clássica) não pode engolir o inexorável das inconsistências.


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Cartelizando Vanessa de Fátima Muraca

Falarei do Cartel enquanto dispositivo e da minha vivência durante um Cartel. De inicio pensar na possibilidade do Cartel, para mim era pensar em algo para minha formação. Além da análise pessoal, da supervisão, sempre tive uma busca pelo saber que advinha da incomoda sensação do não saber. Será que pensar o Cartel na minha formação me traria informação? Conhecimento teórico, algo do modelo acadêmico, tal como cursos, seminários, palestras, aulas ou até grupos de estudo? Mas no Cartel não há um mestre, um responsável pela transmissão do saber. Certamente o Cartel é um espaço diferente do saber. Lacan pensou no dispositivo como forma de romper com este modelo mestre/aluno. Mestre como o detentor do saber e (a)luno, sem luz e sem saber. O Cartel é um espaço onde 4 + 1 transitam pelo lugar hora de mestre e hora de aluno, sem ser um nem outro. O que há é uma troca do que se estuda, pesquisa, elabora e se questiona, tendo o mais-um como facilitador, quem auxilia o grupo neste percurso, sem exercer o papel de líder nem detentor do saber. O líder está acima, a frente, enquanto o mais-um me parece estar ao lado. Portanto o Cartel é um lugar de construção em conjunto do que se é mais particular, falo do percurso de cada um. Sendo assim, é estar junto estando sozinho. Freud dizia que as grandes decisões e as momentosas descobertas e soluções de problemas só são possíveis ao indivíduo que trabalha em solidão. O espaço com o grupo é para se compartilhar o que se trilha sozinho. Assim como o nó borromeano ao sofrer uma ruptura se desfaz, o cartel também. Só me parece possível ter uma única formação, depois de constituído não dá para se pensar na saída ou inclusão de membros ou então já se tem um outro cartel. O que se produz num cartel não é um saber fabricado, com um caminho imposto, não e um saber subordinado, mas sobretudo, construído por um caminho trilhado pelo próprio sujeito dentro de um grupo. O cartel é um lugar onde surgem sintomas de cada um, com suas angustias, dificuldades e desejos. Portanto é preciso lidar com as particularidades de cada um e a sua própria. Mas estando todos numa mesma condição, a de se lançar ao não saber. Finalizo assim, dizendo que o cartel é um dispositivo de transmissão da psicanálise, de um tipo especial de laço social onde surge o um a um de cada analista participante, com a sutileza da singularidade presente em cada escrita como o produto final. Bem, hoje eu digo, só dá para saber o que é e como é um cartel, cartelizando!


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Encerramento É com enorme satisfação que encerro mais um Café Cartel onde discutimos essa função que tantos enigmas causa. Desde os textoemunhos do primeiro cartel, que como dizia a antiga propaganda “o primeiro não se esquece”, passando pelo último cartel feito, a carta que chega ao seu destino, ao cartel como verbo no gerúndio “cartelizando”e até mesmo as reflexões de quem ainda não fez e que o a- coça para que faça; Contamos na boa e velha matemática, um, dois, três, mais um, e alguns se perguntaram para que isso serve? Não serve, ao que serve, de-serve, se serve. Assim, chegamos com nós na cabeça dizendo sem cola e sem mim, torcendo os elos para continuarmos o trabalho que se espera de cada um. Ainda teremos um tempo para ouvirmos os ecos dessas mesas, a música que se tornou o que até a pouco eram alguns ruídos, enquanto comemoramos o lançamento da Revista Livro Zero dois, e continuamos a contagem de nosso trabalho, zero-um, zero-dois, zero...... Em Outubro receberemos o cartel que estuda Melancolia para o Debate com Cartéis. Bem vindo tema em tempos em que o planeta do mesmo nome ameaçou a terra nas telas de cinema. Esperamos a todos para continuarmos nossas discussões. Glaucia Nagem


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