Textos Café Cartel 2012

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FÓRUM DO CAMPO LACANIANO - SÃO PAULO

Café Cartel 2012

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Cartel o que tem de novo? 1


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Café Cartel Café cartel é um evento que ocorre no FCL-SP desde 2005. Essa proposta surgiu como um espaço para debatermos as questões que este dispositivo da Escola provoca na formação dos psicanalistas e na transmissão da Psicanálise. A orientação do Café Cartel é debater as condições de possibilidade do funcionamento de um cartel, o qual faz borda entre a comunidade e a Escola.

Texto convocatório do Café Cartel 2012 Cartel: o que tem de novo? Mais um Café Cartel. Mais uma questão. Que ritmo tocar nessa repetição? A baladinha melancólica do Lulu? “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia... Tudo o que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo?”2 Será o cartel uma repetição como a onda do mar? Animamos um pouco mais com o Moska? “Tudo novo de novo; Vamos mergulhar onde já caímos; Tudo novo de novo; Vamos mergulhar do alto onde subimos!”3 Qual o ritmo de cada cartel? O que este dispositivo tem trazido para a transmissão da psicanálise? Em torno dessas ideias todos aqueles que fazem, fizeram ou pretendem fazer Cartel foram convidados a escrever para o Café Cartel de 2012. Temos assim a satisfação de apresentar a coletânea de textos que foram apresentados e sustentaram nossa conversa de 2012. Mais uma questão. Mais um Café Cartel!

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Parte da letra da música “Como uma onda do mar” de Lulu Santos.

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Parte da letra da música “Tudo no denovo” de Paulinho Moska.


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Sumário 4

Ana Paula Lacorte Gianesi - Esperando Godot e o s’...uspiorar pelo Um -

Lacan com Beckett 6

Beatriz Oliveira - Cartel: fazer laço com o singular de cada um

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Conrado Ramos - Do tempo no cartel ao cartel no tempo

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Glaucia Nagem - Breve-longa história com o cartel

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Paul Kardous - O mais Um e o zero: reflexões sobre a função do mais Um.

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Rafael Daud - O cartel como porta giratória

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Reinaldo Grillo - O Cartel põe o Real em jogo

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Sandra Berta - O cartel :n+1 e um corte que diga “não é isso”

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Silmia Sobreira - Cartel, o que tem de novo?

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Welson Barbato - O cartel, sua estrutura e seu (novo) furo


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Esperando Godot e o s’...uspiorar pelo Um Lacan com Beckett Ana Paula Lacorte Gianesi*

Um percurso analítico que bem pode ser extraído de Beckett: “Adiante. Dizer adiante. Ser dito adiante. De algum modo adiante. Até que de nenhum modo adiante. Dito de nenhum modo adiante. [...] Dizer por ser dito. Dito mal. Desde agora dizer por ser dito mal. [...] Dizer um corpo. Onde nenhum. Nenhuma mente. Onde nenhuma. Isso pelo menos. Um lugar. Onde nenhum. Para o corpo. Estar nele. Mexer-se nele. Fora dele. De volta a ele. Não. Não fora. Não de volta. Somente nele. Ficar nele. Adiante nele. Parado. Tudo de outrora. Nada mais nunca. Nunca tentado. Nunca falhado. Não importa. Tentar de novo. Falhar de novo. Falhar melhor [...] Primeiro o corpo. Não. Primeiro o lugar. Não. Primeiro os dois. Ora um. Ora o outro. Farto do um tentar o outro. Farto deste de volta farto do um. Assim por diante. De algum modo adiante. Até farto dos dois. Vomitar e ir. Onde nenhum. Até farto de lá. Vomitar e de volta. O corpo de novo. Onde nenhum. O lugar de novo. Onde nenhum. Tentar de novo. Falhar de novo. Melhor de novo. Ou melhor pior. Falhar pior de novo [...]As palavras também quem quer que sejam. Que espaço para pior! Como quase verdade que elas às vezes quase ecoam!” (Beckett, 2012, p.75) Pois bem, não há relação sexual, mostrou-nos Lacan. Farto do Um tentar o Outro poetizou Beckett. Não foram poucas as referências de Lacan, em sua lógica não toda, aos equívocos do Um unificante e sua distinção de seu “Há [do] Um”. Um-dizer! Umdizer que não é da impotência fantasmática daqueles que s’uspioram pelo Unificado. Uma pista - sobre o gozo: “sendo o gozo do Outro, exige que o gozo do Um, aquele que exerce a função do sujeito, seja simplesmente castrado, isto é, simbolizado pela função imaginária que encarna a impotência – em outras palavras, pelo falo. [...] Trata-se, na psicanálise, de elevar a impotência (aquela que dá conta da fantasia) à impossibilidade lógica (aquela que encarna o real) [...] para isso, basta saber contar até 4 [...] O Um, no entanto, que situo pela não relação, não faz parte desses 4, justamente por compor apenas seu conjunto” (Lacan, 1972/2003, p.548).


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Se via discurso analítico podemos apostar no cartel enquanto dispositivo d’escola – podemos, igualmente, encontrar alguns de seus efeitos: Um-dizer, sem s’uspiorar pelo unificado, ou seja, sem esperar Godot.

*Membro da IF-EPFCL- Fórum SP


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Cartel: fazer laço com o singular de cada um Beatriz Oliveira*

Minha solidão foi justamente aquilo a que renunciei ao fundar a Escola, e que tem ela a ver com aquela em que se sustenta o ato psicanalítico senão poder dispor de sua relação com esse ato?(LACAN, 1970, p.267) O comentário que quero fazer é um recorte do que escrevi e apresentei na Jornada de Cartéis de 2011 do FCL-SP. Naquele momento, escrevi sobre a Solidão, não sem alguns outros. Qual é a possibilidade de fazer laço a partir da solidão do fim, pensado naquele texto como fim de uma análise? Fazer Cartel me parece um ato sustentado pelo mesmo posicionamento ético que sustenta uma análise, qual seja, a ética do desejo de obter a mais pura diferença. Nesse sentido, aproveitando a questão colocada pelo Café Cartel: O que haveria de novo no dispositivo Cartel, podemos ficar com os dois sentidos da pergunta: “de novo”, como repetição de mais-uma volta; ou de novo como novidade, no sentido da volta ímpar que permite uma saída desta repetição e que um traço singular apareça. Um traço com o qual o sujeito está só. Na epígrafe do texto, Lacan diz que a solidão é o que se escreve por excelência. Isto que se escreve ao longo de uma análise precipita fragmentos de saber, pedaços de real que tem um efeito feminizante, justamente por levarem o sujeito ao encontro com o Outro sexo, o Outro gozo, diante do qual, a partir de sua solidão, inventa algo. No entanto, de alguns outros precisamos para fazer passar aquilo que pudemos inventar, enquanto fragmentos de saber sobre o real. Nesse sentido, me parece que a única via pela qual o laço com esses outros seja possível, é a da transmissão. Aí sim podemos sustentar a solidão do fim não sem alguns outros. É só a partir daí que uma marca se faz, algo singular que permite encontrar uma saída para a inex-sistência. Como havia dito acima: uma solidão, não sem alguns outros. Uma solidão que se transmite. Assim, entendo que ao se fazer Cartel, o novo pode advir, desde que, na repetição, uma singularidade não faça par, mas sim, laço.


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*AME da IF-EPFCL- Fórum SP - Outubro / 2012

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: LACAN, J. (1970). Discurso na Escola Freudiana de Paris. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. OLIVEIRA,B. (2012) A Solidão do Fim. Não sem alguns Outros. In: Revista Livro Zero. Fórum do Campo Lacaniano- SP, nº 3. São Paulo, 2012.


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Do tempo no cartel ao cartel no tempo Conrado Ramos*

O que não muda nos cartéis, o que neles já é velho, o que neles se repete, é o esforço dos cartelizantes para escreverem algo de suas experiências com o real. Isso é o que não muda e coloca os cartelizantes na posição homóloga à do analisante: como dizer/escrever isso? O que há de novo, o que às vezes acontece como novo, é justamente quando alguém escreve algo da experiência do real ou, talvez, quando se consegue cingir um real, fazendo isso passar da vivência (Erlebnis, como dimensão privada e imediata das percepções individuais) para a experiência (Erfahrung, como saber acumulado e transmissível). Para que o novo no cartel aconteça é preciso que o velho do cartel funcione. Sem que se coloque em movimento o velho tentar escrever isso, o novo, em sua singularidade, não acontece. Acontece, porém, que o novo se dissemina, perde o frescor de sua singularidade, vira lugar comum, palavra gasta, dura, envelhecida. Tem novidades que perdem o dizer que carregam. É preciso, então, que alguns as retomem, as releiam, retirem sua camada de poeira, para ver se há ainda algum dizer ali. Muitas vezes, há: achar novamente um dizer, ou mesmo um dizer novo, em palavra velha, também é o que faz pulsar um cartel. Um cartel tem ritmo, mas seu ritmo só se verifica na dança dos cartelizantes, dança que se dá entre falantes que fazem textos dizerem para, no final, fazerem de seus dizeres, textos. Que cada um cante e dance em seu tempo é o que permite que no final cada um encontre sua textura, seja a do réquiem, a do tango ou a da gafieira. Esta ciranda a que chamamos cartel e que evolui no tempo e no espaço fazendo bordas e superfícies, ainda se encontra, no entanto, fora de seu tempo e de seu lugar: que lugar ocupa o cartel na transmissão que sustentamos em nosso tempo? O cartel ainda está à margem... (e, até certo ponto, sempre: ele faz margem...)


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Isto faz pensar que, se já temos muito dito do tempo no cartel, é hora de pensarmos um pouco mais sobre o cartel no tempo: como fazê-lo ocupar o lugar em que o queremos na história da psicanálise? Eis a velha questão! É o de novo que temos, ainda, a conquistar para o cartel.

*Membro da IF-EPFCL – Fórum SP


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Breve-longa história com o cartel Glaucia Nagem* Cheguei à Psicanálise por acaso. A escolha da supervisão clínica para os atendimentos no SPA da faculdade provocou um bom encontro. Eu que corretamente fazia terapia, afinal estudava psicologia, me deparei com o corte. “Chega, você já poderia ter cortado antes!” Como cortar? “Queria ser uma mosquinha no consultório da Myriam para saber o que é esse corte!”. Foi assim que sai da terapia e parti para a Psicanálise. Mas não era só o corte, tinha a formação. Aportei numa Escola de psicanálise de orientação Lacaniana, a Escola da minha supervisora. Um lugar estranho, que dia após dia me movia a queixar na análise recém-iniciada sobre a falta de pedagogia. Não demorou para me indicarem o cartel. Se na Escola não encontrava a pedagogia imagine um grupo sem um coordenador, e que no final espera que se escreva algo! E assim foram os primeiros anos angustiados de minha formação e de meu encontro com o cartel. Para que essa introdução pessoal? Inicialmente para dizer que foi o furo produzido por um psicanalista na universidade que me catapultou para a Psicanálise. Um psicanalista na instituição universitária tendo porém como agente de seu discurso o furo, isso que promove o corte. Um furo que orientou o início de uma formação. E ai é que entra o cartel. Meu primeiro cartel foi um marco. Marcou um lugar, um modo de aprender e de transmitir. Uma experiência que, ano após ano, se faz renovar. Um dispositivo que faz com que a transmissão não se cristalize em um formato, um padrão. Um mínimo que orienta. Desse percurso várias experiências: Cartel que funcionou, que não funcionou, que produziu horrores, que produziu horror, que promoveu laços de trabalho, amizades e afins. Trago porém um recorte recente que me surpreendeu, sim ainda me. Lendo os relatos daqueles que se analisavam com Lacan encontramos acontecimentos como Lacan enviando telegrama, carta, mandando o analisando saber notícias de outro e tanto mais. Isso me fez refletir sobre o uso que Lacan fazia do que dispunha em sua época. Telegramas, cartas ou os charmosos “pneumatics”. E hoje? Pois bem, a colega de outra cidade não pode comparecer ao encontro do cartel. Cancelamos? Não, no horário do cartel estava lá a colega discutindo o texto e o tema via Skype! Em outro cartel a colega


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teve uma viagem imprevista, e o que fazemos com o encontro? A colega preparou um texto comentando o tema que discutiríamos naquele dia e trabalhamos como a presença de seu texto. É claro, que alguns encontros acabam por serem desmarcados pois não temos outro meio que não esse. Mas o que para mim ficou como experiência foi que estando os 4+1 implicados no trabalho de cartel algo funciona. Penso que para a Escola é o cartel, “encore”, que mantém o furo e a possibilidade de uma transmissão fora das paredes do discurso universitário. Furo que turbilhona toricamente enquanto esses 4+1 se colam, para no final poderem, ao de-colarem, apresentar algo novo do caminho percorrido nessas voltas. O corte modifica, redimensiona, em um nó-Bo, fazendo operar na transmissão o Real, Simbólico e Imaginário sem que feche um saber todo ou tudo, mas um saber de cada um.

*Membro da IF-EPFCL- Fórum SP


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O mais Um e o zero: reflexões sobre a função do mais Um. Paul Kardous*

Nas linhas que se seguem desejo trazer à discussão algumas considerações a respeito da função do mais Um. O mais Um é uma pessoa presente e desconhecida, faz eco do grupo, existe em todos os grupos de diversas formas, por isso que os analistas precisam pensar qual é a sua função e quais são os efeitos esperados quando o cartel é usado na instituição psicanalítica com o propósito de ser um dispositivo da formação do analista. São diversas as funções do mais Um num cartel psicanalítico, vai desde enquadrar as regras de funcionamento, por exemplo: a permutação incondicional dos cartelizantes, o tempo de duração que leve em conta um momento de concluir, desfazer o cartel se um cartelizante desistir, administrar a frequência dos encontros, assim como, incitar, estimular e provocar o desejo do Outro. Duas outras funções chamadas por Lacan de dobradiça (cardo) podem ser atribuídas ao mais Um: ele serve de conexão entre a escola e o exterior fazendo que o interior e o exterior possam se homogeneizar numa única superfície que possibilita que algo se passe de uma para outra, e sua outra função é a de conexão entre os cartéis. Por sua vez, o cartel em que o mais Um cumpre a sua função analítica faz com que a psicanálise seja um sintoma, um sintoma social, já que por definição o sintoma tem uma grande relação com o inconsciente. O mais Um vacilando como menos Um possibilita que cada um se encontre com o nada, próprio de cada um, e assim dá a chance destes criarem alguma palavra que surja do nada. Neste sentido, o mais Um é o zero, o buraco que permite que o conjunto se mantenha como ordinal fazendo circular o $, o outro, a produção e finalmente a verdade que amarra os demais. Por último, o mais Um que provoca o desejo do Outro não se confunde com o Outro do Outro, já que atribui um desejo no Outro que é o retorno da marca e o reconhecimento da realização de um desejo indestrutível em sim mesmo. Desejo este que está marcado pelo próprio paradoxo da existência da Coisa freudiana, ex-niho, que se pode traduzir


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pela relação do zero com o Um de Frege, ou seja, o zero é a existência da inexistência e o Um é o símbolo da existência da inexistência.

*Membro do Fórum SP


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O cartel como porta giratória Rafael Daud

Do cartel é dito que é a porta da escola. Normalmente se entende com isso que seja sua porta de entrada. É igualmente plausível, no entanto, que fosse a porta de saída, como se dissesse: a porta é serventia da casa. Nesse caso, o cartel seria uma porta comum: com um movimento, se entra, com o movimento contrário, se sai. Não é este o caso, vim a constatar. Também se diz (mas não sei quem o diz) que a experiência do cartel guarda semelhanças com a experiência da análise. Sim e não, como diz o outro. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Na análise supomos um sujeito que sabe, mas num cartel? É melhor não entrar aí com essa esperança. Mas uma coisa aqui certamente será valiosa: desejo de saber. Algo com o que nem sempre se começa uma análise, embora provavelmente ela não possa acontecer sem isso. Porque implica um desejo de saber, faz mais sentido que se chame de porta da escola. Não é para estudar que entramos numa escola (poderíamos igualmente entrar num grupo de estudos), mas porque desejamos saber. E desejamos saber num sentido muito específico, e é isso que me interessa no cartel. É preciso pôr isso em jogo logo de saída. É preciso declarar, até formalmente, uma questão sobre a qual se quer saber mais. E o que isso traz de novo que não se acha num grupo de estudos? É que o grupo de estudos deve obedecer a uma progressão: acumula-se um saber (nem entro na discussão que possa sugerir uma diferença entre saber e conhecimento). No cartel, porém, essa acumulação não existe: já por não estar referenciado a um Ideal, um sujeito que sabe, ao qual devemos aceder [não está essencialmente, pois por outro lado sabemos sem saber, e pode ser que mesmo assim venhamos a sabê-lo], mas principalmente porque, no cartel, o desejo com o qual nos implicamos nesse saber nos lança numa busca, e como faz Ariadne, devemos seguir esse fio ao longo do labirinto inteiro, onde quer que nos leve. Como no labirinto, o mesmo fio que nos leva para dentro nos leva para fora, isto é, à conclusão do cartel. E, sendo o cartel a porta da escola, leva-nos para dentro e também


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para fora. Não como uma porta comum, porém. Não é com o movimento contrário que se sai, mas como numa porta giratória, com o mesmo movimento que se entra, se sai.


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O Cartel põe o Real em jogo Reinaldo Grillo*

“Eu tenho um problema: Eu preciso da rotina, ela me faz bem; Por outro lado, ela me incomoda, eu preciso do novo...”. Assim falou um analisante sobre seu conflito diário. A estrutura de funcionamento do Cartel guarda algumas semelhanças em relação às analises. Se há um Cartel em funcionamento, este é sempre inusitado, criativo, por isso vejo o tema deste encontro como uma questão retórica, uma provocação. Eu participei de cinco carteis, todos com composições variadas, temas variados e principalmente efeitos variados. Em 2005, quando fiz parte da comissão de Carteis, que funcionou como um Cartel, nos deparamos com questões que se repetiam e, relendo os textos institucionais de Lacan, percebemos que lá no inicio as questões eram muito semelhantes. Seria uma mera repetição? Os psicanalistas não teriam avançado em todos esses anos? Em minha opinião, o Cartel é um espaço privilegiado, aonde o inconsciente é atualizado através das relações de vizinhanças, continuidade e descontinuidades e outras propriedades topológicas que esse dispositivo põe em jogo em cada encontro, quando o cartelizante se coloca a escutar o outro e escutar-se através dos ecos dos seus dizeres. No 1º Cartel, éramos quatro estudantes de um curso de formação no ensino lacaniano (1995), todos graduados em psicologia e já praticantes e o tema escolhido foi: “A direção do estudo e os princípios de seu poder”, digo, “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”, estávamos ávidos por algo “prático” para aplicarmos em nossas clinicas... não concluímos, ainda bem! O 2º Cartel foi sobre os quatro discursos, que chegou ao final, sendo bem diferente a forma de nos escolhermos e ao tema de pesquisa. O 3º Cartel foi sobre o funcionamento dos Carteis, que foi formado a partir da comissão


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de Carteis. O 4º “De um Outro ao outro”, que foi interrompido. O 5º “Psicose e laço social” em andamento. Relendo atentamente à lista, vocês podem notar que não há continuidade, tão pouco uma evolução nos temas há sim uma insistência, algo que retorna. Não desenvolvi nada sobre a contribuição, do Real e do novo que o Cartel põe em jogo Na Escola. Espero que alguém o faça. Um analisante diz: “Hoje vou falar daquela situação de novo”... é sempre a mesma coisa!”Depois de algumas palavras o analista intervém: “Mas você se da conta do disse de novo?”

*Membro do Fórum SP


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O cartel :n+1 e um corte que diga “não é isso” Sandra Berta* Um cartel aberto? Um cartel público? O que deu na cabeça de vocês: 4+1!!!! “n+1”!!!! Aí que está!!! Disse ela, pensando alguma coisa, como sempre com pouca vergonha na cara. Porque nessas alturas já não lhe importava a vergonha. Não desse modo, nem nesses termos. Na vida alguma coisa passou disso. Mas nesse cartel, passou para valer! Por que? Porque tem a convicção de que vai para cada reunião desse cartel como vai para cada reunião de cada cartel que já fez: com perguntas e bastante empenho em debatê-las, e com alguma esperança em responde-las, com os outros: n+1. O cartel é um trabalho de pesquisa e partilha entre poucos. Merece intimidade. O suficiente seria poder apresentar para esses poucos seus produtos, suas escritas, após um tempo. Mas, é vero!, apenas 4+1. Então, vamos falar para um publico aberto? VAMOS!!!! Depois a gente recolhe a experiência, e, de duas, uma: engaveta sem dizer um pio ou.... faz valer o que ela lhe trouxe. Após quase 2 anos, a segunda opção é a que me marcou, entalhou. E teimo dizer, sem consulta prévia, a que “nos” marcou, entalhou. Bem que o tema desse cartel é “Transmissão”. Do que? De cada questão de cada “n+1”. Por que não? Porque são “elaborações em curso” que decantam algumas posições para a clínica no dia-a-dia da clínica. É só dar-se a licença de ser um, mais um na série para poder colcar-se uma questão “a sério”. Quem escreve, ainda e após esse cartel, sabe que “n+1” a série infinita dos ditos que não acabam de acabar, precisa de um corte, de um “chega” e que isso não vem do Outro, vem de quem QUER, até as últimas consequências. Quem sabe, esse cartel tem um tempero gracioso de “até as últimas consequências” E isso porque: muito ocupado pelo que cada um pesquisa e não sabe, vai se fazendo um estilo – um pouco estapafúrdio e divertido – de avançar COM CALMA. Isso lembra algo que as crianças me permitem dizer, porque sempre digo para elas quando estou com elas: vai com calma! Boa licencia poética... e da vida. “n+1” é a série dos que fazem esse cartel: os cartelisante e o público. E que vão com calma. Modo outro de dizer que não esperam demasiado: andar passo a passo já tá bom demais. Trabalhar muito para tal não é novidade. Fa parte da série. “n+1” , série infinita


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que somente se corta pelo corte, qual seja: “não é isso”! .... De cada um que lá intervêm para escandir o que se tinha a propor. Então, acompanhemos Lacan nesse Seminário XIX, “... o u pire” para dizer que nas reticências se escreve: a castração, portanto algo do objeto que objeta a série, portanto, ainda, o que faz corte ao n+1 desse cartel. Ou, que seja! Desse cartel sobre Transmissão que teve o desatino de ir do ato ao pior. “Peço que me recuses o que te ofereço porque não é isso” Dixit, Lacan em “...ou pire”. Isso põe na cena o objeto como aquilo que interpela o infinito da cadeia, mas por estar na cadeia. Não diz nada: interpela. Como a cada vez que lá estamos os “n+1”. Enfim, restamos alguns para indicar que o que se deseja se transmite para alguns: “n+1” que sejam cúmplices dessa experiência de corte: “não é isso”. Para concluir uma observação: os “n+1” pelo corte que todo desejo metonímico carrega radicalmente no imperativo de sustentá-lo, eles, “n+1”, tem nomes próprios nessa experiência: Ana Paula Pires, Rita Vogelaar, Conrado Ramos, Sandra Berta e Ronaldo Torres fazendo da função de +1 o índice do corte. Obrigada caros amigos. O cartel público: nada de novo, “n+1” e o corte!!!

*AME da IF-EPFCL – Fórum SP


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Cartel, o que tem de novo? Sílmia Sobreira* O novo não é o surgimento abrupto de algo sem relação com algum antecedente. O novo, em geral, é um salto com apoio nesse anterior. Assim também foi a idéia de cartel. Nos anos 50, ainda na Sociedade Psicanalítica da França (Seção Francesa da IPA), Lacan denunciava “o saber pré-digerido” oferecido aos que buscavam uma formação nas instituições psicanalíticas. Sabemos que a experiência de Bion com soldados ingleses que voltavam doentes da guerra, física e psiquicamente, chamou a atenção de Lacan, tendo publicado um artigo (1949) no qual se refere a uma eventual psicosociologia de grupo. Será em 1964, no Ato de Fundação da Escola Francesa de Psicanálise que Lacan vai propor que nela se cumpra um trabalho para cuja execução seja adotado o princípio de uma elaboração sustentada por um pequeno grupo composto de três pessoas no mínimo, de cinco no máximo, Mais Uma. A partir daí a prática do cartel vai se refinando com a preocupação de Lacan com a formalização da psicanálise a partir das referências da Lógica e da Topologia. Por exemplo, quando dizia que o Mais-Um não seria nem coordenador, nem secretário, mas um mé-chef (mé - prefixo do antigo francês, negativo e pejorativo). O conjunto dos quatro ou cinco elementos funciona graças a esse méchef, o elemento que lhe é exterior.

*AME da IF-EPFCL – Fórum SP


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O cartel, sua estrutura e seu (novo) furo Welson Barbato

O funcionamento da experiência de Cartel predica esse dispositivo no interior de sua cabal exigência estrutural. Se tomarmos classicamente a noção elementar de estrutura atada à especificidade de um conjunto resultante das operações nele definidas e das propriedades dessas operações, reconhecemos que o Cartel invoca componentes estruturais que, a priori, apresentam-se como "objetos comuns" (mais-um, cartelizantes, tema, voto, livros, textos), cuja função é a de provocar e possibilitar a produção particular. É intrínseco a esse postulado, portanto, que cada cartelizante interrogue-se a partir de território já constituído, onde "o já posto e o já dito" são desenhos inevitáveis e eventualmente exacerbados pela via dos meandros das suposições de saber. Isso é um fato de estrutura que amarra o ato de produzir (de dizer) à dimensão do Outro e a seu código linguístico pré-existente. Esse fato cria uma bifurcação essencial, passível de ser alegorizada pela própria direção da clínica psicanalítica, onde o sujeito é interrogado exatamente na sua divisão. Ao ser indagado, produz vetores díspares: implica-se ou não (primeiro tempo da interpretação, tempo da implicação), reconhece seu gozo na dialética do campo do Outro ou insiste na posição de voz passiva (assumindo-se somente como efeito do Outro); produz pequenas diferenças e posições (furos) ou perpetua a "cópia". No Cartel, essa alegoria materializa-se na medida em que nele o ato de implicar-se - vetorizando o desejo de saber - também é fundamental, sob pena de qualquer produção basear-se em mero conhecimento de objeto ou num certo saber filosófico que, como tal, é analiticamente insuficiente, pois apontará exclusivamente para as dimensões do ensino em detrimento das vitais premissas de transmissão. Que cada um encontre num "texto" a sua pergunta e não a sua resposta (sempre presente, repetitiva) - temos aí um axioma analítico por excelência. Nesse sentido e como em qualquer estrutura discursiva, o Cartel encontra-se com a inevitabilidade das recorrências na base de suas operações. Mas é impossível a existência de algo novo que não se origine e se respalde nesse alicerce. Essa simultaneidade entre o novo e o sempre visto (reincidente) é dialeticamente


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indispensável e legitima o estatuto da castração como pivô estrutural. Nessa perspectiva, o voto de cada componente do dispositivo é, em tese, o instrumento que funciona como suporte do "furo" e da re-interpretação do já dito, desde que não se limite aos ditames do gozo pelo amor ao saber, embutido, por exemplo, nos apelos da provocação universitária. Para isso, o Cartel teria que promover manejos constantes de modalização do tema, na busca de vetores de produção que vislumbrem a perda - ligada a qualquer produto -, o inédito no interior de um “conjunto” já dado e o limite da própria estrutura. O efeito radical (e novo) de um Cartel seria da ordem da "aproximação" ao real e não de um saber plenamente semântico ou proposicional. Quiçá, entramos, assim, no campo da topologia e sua demonstração do vazio que permeia e possibilita dizeres nos moldes de uma operação borromeana. Tarefa analítica também no Cartel.


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