Fotografia e modernismo: um breve ensaio sobre idéias fora de lugar

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Fotografia e modernismo: um breve ensaio sobre idéias fora de lugar Ricardo Mendes (25.08.96) Volta!

Estas reflexões são fruto de preocupações surgidas durante pesquisas e documentações sobre o período e buscam, antes de um texto final de perfil acadêmico, rever abordagens sobre a produção fotográfica paulistana nas primeiras quatro décadas deste século.

É notória a ausência da fotografia (enquanto meio expressivo) do movimento modernista brasileiro. Centrado de início em manifestações de caráter literário e nas artes visuais, o modernismo passou alheio ao mídia. A idéia de ausência é par complementar das noções de presença e alienação. Nem por isso, tem se argumentado sobre as razões desse afastamento de forma consistente. Em nosso trabalho, publicado sob o título Fotografia em 1993, em co-autoria com Mônica Junqueira Camargo, que apresenta uma história da fotografia em São Paulo centrada sobre o eixo da informação e difusão da cultura fotográfica, a questão se impos. O distanciamento foi abordado de forma indireta, estudando entre outros a documentação pessoal de literatos e escritores como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Monteiro Lobato. Procurava-se através de documentos diversos como cartas ou textos para palestras compreender a visão sobre a fotografia. O resultado desse levantamento, que aguarda uma tratamento mais sistemático, pode ser visto no capítulo Arte e fotografia - o estatuto da técnica, no livro citado. Mais adiante retomaremos algumas conclusões. O que nos interessa aqui é refletir sobre o panorama fotográfico paulistano, sua configuração no período entre 1900 e 1940 e eventuais motivos do distanciamento do campo artístico e seus movimentos de renovação. No polo oposto dessas preocupações, complementando-as temos a questão do moderno de modo amplo, que será abordada em paralelo. O livro de Renato Rodrigues e Helouise Costa A fotografia moderna no Brasil, publicado em 1996 (Funarte/UFRJ) a partir de texto realizado em 1987, estabelece como um marco da experiência moderna brasileira em fotografia a Escola Paulista, denominação que agrupa participantes que freqüentaram por breve período nos anos 50 o conjunto de atividades ao redor do Foto Cine Clube Bandeirante (1939). Os autores apontam essa produção como primeira experiência de busca de uma expressão moderna de fotografia brasileira de forma contínua, aglutinada ao redor de um grupo de produtores. No entanto, algumas questões poderiam ser levantadas. Esse momento de produção ocorreu deslocado de um contexto? Em caso positivo, o que permitiu seu surgimento? Não existiriam outras manifestações anteriores de menor escala, ao menos no cenário paulistano, que pudessem ser incorporadas ao movimento de renovação? Essa proposição merece antes um questionamento de outra ordem. Quais manifestações de modernidade estamos à procura? Uma ruptura de linguagem, um deslocamento dos focos de produção, uma nova posição para o artista, para obra e sua relação com o mercado? Uma nova relação com a obra e suas 'finalidades'? (1)

1.Fotopintura e fotoclubismo

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Para responder esse conjunto de questões, é necessário um pequeno retrospecto. Atendo-nos ao cenário paulistano na virada para o século XX, podemos dizer com segurança que ao final da primeira década todos os diversos gêneros de produção em fotografia estavam implementados ou em vias de. Estúdios de retratos, fotos técnicas, documentação de obras e paisagem urbana, nenhum campo fugia ao desenvolvimento progressivo de uma demanda a ser atendida. Se a fotografia aplicada crescia, por outro lado o espaço voltado ao pensamento fotográfico, seja como crítica, seja como ensino, era quase inexistente. Revistas ou colunas especializadas pipocam a intervalos largos de tempo (2). Quase sempre funcionaram como foco de agregação que geram ou surgem simultaneamente à fundação de grupos de amadores. Aqui pode ser definido um primeiro ponto. Até a virada do século, poucas manifestações tiveram lugar que se propusessem a "ver" a fotografia como meio expressivo, salvo às exceções mencionadas a seguir. Artefato conhecido e aceito por todos, a fotografia não parece ter sido objeto no contexto local de nenhuma evidente restrição a uma tentativa de apresentar-se como manifestação artística à altura da pintura, por exemplo. Sob este ângulo, poderíamos argumentar que a presença dos fotoclubes, que centraram sua produção seguindo o modelo tradicional de fotoclubismo com forte informação francesa, representaram um momento chave, uma guinada, ao proporem a fotografia como arte. Num panorama em que as únicas informações externas podiam ser obtidas em manuais importados, surgem os primeiros nomes de fotógrafos cuja produção é discutida. Embora, fora do contexto paulistano, em um dos primeiros números da revista carioca Kosmos, é publicado o artigo de Eunápio Deiró: A arte - I (3). Excepcionalmente longo, o artigo que aborda o tema fotografia e arte, comenta não só as obras de autores estrangeiros (Constant Puyo, Robert Demachy, Julia Cameron(4)) como também preocupações relativas à fotopintura (5). Não deixa de ser significativo quanto à circulação de novas idéias sobre a fotografia, voltando ao contexto paulistano, que a maior coleção de revistas fotográficas do período, localizadas em acervos públicos paulistanos, seja a Revue de Photographie, editada pelo Photo-Club de Paris, a partir de 1903. A coleção, disponível na biblioteca do Departamento de História da FFLCH-USP, abarca os anos de 1903, 1904 e 1906. Essa presença em si é episódica, segundo os levantamentos atuais, e deveria ser analisada cuidadosamente em paralelo aos títulos de revistas paulistanas citadas na nota 2. Episódica, mas indicativa de alteração na qualidade de informação disponível. Aparentemente a distância do Rio de Janeiro e tudo o mais, parece limitar as demais notícias registradas ao longo de nosso levantamento sobre o período a informes sem maior relevância. Basta lembrar que a produção fotoclubística carioca, núcleo de intensa atividade, não parece deixar registros na imprensa paulistana, a não ser vez ou outra na imprensa especializada (6). O quadro de informações sobre os anos entre 1910 e 1930 deverá mudar de forma mais substancial quando for possível analisar as coleções de periódicos especializados, publicados em São Paulo. As coleções disponíveis são praticamente únicas, estando ainda na esfera privada, como a do fotógrafo Eduardo Salvatore, um dos fundadores do FCCB. Entre os títulos dessa coleção, presenteada pela família de Valêncio de Barros, um dos elos entre a primeira geração de fotoclubismo (anos 20) e o FCCB, temos a Revista Brasileira de Photographia. À guisa de exemplo, durante o ano de 1926, a revista publica alguns textos estrangeiros, entre ele um creditado a Jacques Beryl, apresentado como colaborador da revista francesa Photo Revue. Temos assim uma primeira proposição: o fotoclubismo instaura uma preocupação artística. Independente de um juízo de valor, considerando o quadro internacional, essa produção segue os parâmetros da fotopintura, empregando um conjunto amplo de técnicas artesanais. Numa perspectiva local, essa atitude representa um avanço. Define-se uma nova atitude perante a obra, uma nova função. Numa perspectiva global, de industrialização crescente, de explosão de novas tecnologias associadas à vida urbana, essa fotografia representaria, com certeza, a olhos de outra realidade uma aberração subtropical. Num contexto tímido para as artes plásticas em São Paulo, considerando a primeira década deste século como um período que não dispunha de um universo amplo de informação e ensino, de locais para exibição e mercantilização para as artes visuais, as colocações relativas ao panorama fotográfico não devem ser vistas de modo depreciativo para a fotografia paulistana. Em 1905, Valério Vieira - fotógrafo comercial distanciado das tentativas fotoclubistas locais - realiza uma grande exposição de suas obras, no Salão Progredior. Raras até então, uma exposição fora do estúdio era em si um diferencial pouco comum. Chama a atenção o artigo publicado pela revista Santa Cruz, editada pelo Liceu Coração de Jesus, respeitada instituição de ensino católica mantida

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pelos Salesianos, sediada no elegante bairro dos Campos Elíseos. O artigo extenso, assinado com pseudônimo, inclui flagrantes do salão, além de listar as obras e técnicas utilizadas, similares à produção fotoclubista (7). O caminho adotado pelos adeptos da fotopintura, que no contexto europeu e americano pode ser associado a uma reação ao caráter mecanicista da fotografia, uma busca de restauração da figura do autor, adotando procedimentos artesanais que no extremo anulam as características do suporte fotográfico, mereceria ser visto sob outro ângulo em sua manifestação paulistana. Um dos argumentos mais recorrentes quanto ao tratamento da fotografia através de processos como o bromóleo ou similares, é trabalhar a imagem de forma a reduzir a homogeneização formal que o processo fotográfico imprime ao registro. Procura-se alterar os valores da composição, palavra cara a este segmento de produção, de modo a instituir valor estético à obra. Curiosamente, Valério Vieira ao apresentar seu grande panorama urbano nos anos 20 no folheto O record mundial de photographia (apócrifo) justifica a adoção do acabamento a óleo, utilizando como argumento a conservação do painel e a mesma preocupação de tratamento visual apresentada pelos adeptos da fotopintura (8). A fotopintura, entre nós, instaura a noção de construção, em decorrência da orientação de intervenção do fotógrafo sobre os processos usuais. Se esta interpretação parece absurda, considerando a historiografia internacional, a idéia em si é sustentável(9). Isolados, sem penetração na grande cultura da sociedade local, essa produção não mereceria atenção, porém. A fotopintura, como o texto de Deiró exemplifica, combate a subordinação da fotografia a uma visão homológica da realidade, enquanto visão direta. Combate a 'falha' do processo técnico apresentada pelo registro uniforme de detalhes. Adota assim a intervenção para adequação à representação ideada pelo fotógrafo, reforçando paralelamente a noção de autor, questão esta cujo debate não se apresenta no panorama local de forma clara. Um exemplo desse posicionamento pode se encontrado no número 4, de 1926, da Revista Brasileira de Photographia, que publica um artigo de A. Jonon: Façamos photographia pictórica. A introdução do artigo, redigida pela equipe da revista, é explícita: "Falta aos amadores daqui a 'coragem de intervir' na finalisação de suas provas, a fim de imprimir-lhes um caráter artístico, uma interpretação pessoal, que obrigue o expectador a 'vêr', a 'sentir' o effeito e a emoção que experimentou o amador no momento em que se dispôz a reproduzir pela photographia a paizagem ou a scena anecdotica que se lhe offerecia." (p.4). O artigo de Jonon é claro ao propor "uma dominação do autor sobre a materialidade do assumpto". Propõe a intervenção como forma de "regular a distribuição de nitidez", bem como prevendo um intervenção pragmática visando eliminação de objetos em função da composição. Caberia avaliar em relação a essa produção local as razões que restringiram seu desenvolvimento e até mesmo identificar os limites dessa intervenção em relação ao referente. Falta à nossa proposição um levantamento detalhado de textos isolados e artigos publicados na imprensa, com destaque para as revistas especializadas. De produção e alcance limitado, essas fontes representam porém os únicos registros escritos sobre a produção fotoclubista do período. Certamente, a noção de construção era única, restrita a obra. Não pensava-se intervenção a outros níveis como a captação ou montagem e difusão da obra, que persistia na sua integridade. É necessário lembrar que a geração de 40, ao redor do FCCB, na sua afirmação e oposição à velha escola, causou uma ruptura com a produção de fotopintura. Vista com total descaso, esse segmento foi simplesmente deixado ao acaso, necessitando ser foco de pesquisas que recuperem as imagens e permitam posicioná-la dentro de seu ideário (10). As questões de intervenção nasceram mortas, aqui. Eram uma ideário de recente introdução, para uma prática de novatos, distanciados de um circuito de arte estabelecido, de um mercado. Restritas a um tratamento de superfície parecem ter sofrido as conseqüências de uma circuito de produção informe, cujo desenvolvimento pouco consistente foi atropelado por alterações externas de linguagem e técnica, que aportaram no país ao final dos anos 30.

2.Fotografia e o novo cenário da cidade Simultaneidade, ícones urbanos, velocidade. Como se insere a fotografia em meio ao conjunto de valores que a produção modernista valoriza em seu primeiro momento? Artigos da revista Klaxon ou

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ainda o Manifesto do Pau Brasil de Oswald de Andrade enumeram vários itens como o cinema ou outdoor. Sensíveis a uma mudança no cotidiano urbano, ainda que numa versão tímida, precária e restrita, mas uma mudança, os modernistas não reservaram espaço para a fotografia. Mas a produção de imagens no período avança. Durante os anos 10 surgem as primeiras revistas ilustradas paulistanas, à sombra da produção carioca. E surge em campo uma nova configuração do fotógrafo, ao menos uma nova versão: o repórter fotográfico. Presente em todas as cerimônias, esse profissional, cuja figura se confunde às vezes com a do cinegrafista, torna-se expressão pública da imprensa. As revistas ilustradas, com recursos de impressão ainda tímidos, tornam-se palco da exposição social. Fotografam-se arquibancadas em detrimento do jogo. As imagens, em mosaicos que refletem tanto a cornucópia social como uma economia de custos industriais, transbordam das páginas (11). Os primeiros sinais de uma indústria de comunicação de massa se apresentam: cinema, imprensa e rádio. Os jornais tradicionais não tardarão a sentir a concorrência das revistas. Basta ver o surgimento de Suplementos em rotogravura como o editado pelo jornal O Estado de São Paulo, a partir de 1930. Chama atenção a completa ausência de um projeto gráfico (em verdade, ausência de um projeto editorial claro) por longos períodos de sua publicação. O que conta são as imagens. Publica-se de tudo. Imagens de colaboradores, amadores ou profissionais. O que nos interessa destacar é a edição mais arrojada da imagens. Não só fotomontagens, como em revistas ilustradas, mas a ocorrência de capas ou contracapas com imagens sangradas, dando-se valor a foto em detrimento do texto ou chamadas (12). O surgimento do Suplemento em Rotogravura antecede o aparecimento em 1936 da publicação periódica S.Paulo. Editada, também em rotogravura, sob coordenação de grupo de jornalistas e intelectuais próximo ao governador Armando de Salles Oliveira, a revista visava divulgar as realizações do governo estadual. A 'leitura' da revista S.Paulo, da qual foram editados apenas dez números, justificaria por si a proposição de que um estudo da história da fotografia no século XX não pode ser feito isoladamente de uma história gráfica. Adotando um projeto visual inovador no panorama local, a revista investe pesadamente na edição de imagens. Inverte-se a noção de ilustração, textos se subordinam a imagens, reduzem-se a legendas e chamadas. Surge a revista cinema como Belmonte apontaria no artigo S.Paulo(13). A revista S.Paulo é fenômeno central para pensarmos as novas manifestações da fotografia paulistana. Não era um evento único. A revista segue a influência de periódicos estrangeiros, sendo o modelo adotado de forma isolada no Brasil em revistas e mesmo álbuns com projetos similares (14). O que a experiência da revista S.Paulo introduz de relevante para uma análise de um modernismo fotográfico na cidade de São Paulo vai além de um projeto gráfico radical ou a transposição gráfica de uma sensibilidade a um cenário urbano em transformação. As imagens perdem sua autonomia individual, surge a página-cartaz. Uma narrativa visual, explorada timidamente pelas experiências de fotomontagem, ganha estatuto. A repercussão da revista e sua vendagem parece demonstrar a aceitação do projeto, embora o projeto radical não tenha sido adotado no período que se sucede. Apenas nos anos 50 a produção publicitária, em pleno auge do uso da ilustração, apresentaria experiências com algumas similaridades. Se a revista S.Paulo exaltava a cidade, seu crescimento acelerado, esse fenômeno não era único nos quarenta anos compreendido por esta análise. Seria interessante lembrar que entre as várias produções fotográficas sobre a cidade de São Paulo, em especial durante os anos 20, que coincidem com as comemorações do primeiro centenário da Independência, destaca-se a série de panoramas da cidade realizados por Valério Vieira entre 1905 e 1921. O que há relevante nessas grandes telas? A grande dimensão. Vieira introduz na fotografia local as primeiras manifestações que poderiam rivalizar com o cinema ou os imensos cartazes de rua. Não era uma novidade na produção visual brasileira. Victor Meirelles expunha em 1891, na capital federal, o Panorama do Rio de Janeiro (15). Mas seu suporte era a pintura. Valério ao adotar a fotografia para registrar a paisagem paulistana conquistava um lugar para a técnica. A recepção a suas obras ocorreu, porém, dentro do universo das comemorações oficiais. Todos os diversos eventos que contaram com grandes panoramas estão registrados na imprensa com destaque para a afluência de espectadores. No entanto, essas obras - que adotam procedimentos da fotopintura em especial na última versão em 1921, exposta em 1922, e trazem o registro da paisagem para a grande escala - não causaram impacto sobre o restante da produção fotográfica local.

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O que parece acontecer no contexto paulistano é a plena difusão de novas formas de produção, uso e manipulação de imagem fotográfica, incorporada sem problematização (16). As imagens feitas pela codaque, termo que cronistas e jornalistas adotam nas revistas dos anos 10, ou as primeiras fotos aéreas da cidade em 1919 (17), publicadas em periódicos como Revista do Brasil (18) são apenas alguns exemplos da diversidade de interesse sobre a fotografia.

3.Fotografia e os modernos/modernistas Sobre a percepção do meio por membros do quadro cultural paulistanos no período em questão, o capítulo do livro Fotografia, já mencionado, aborda de forma sumária a questão. A visão instrumental da fotografia pelos modernistas é apenas reflexo da ausência de uma produção "artística" visível e continuada. O isolamentos dos grupos produtores, no caso o fotoclubismo, e a orientação dada a essa produção apenas mantiveram este segmento da produção fotográfica num nicho restrito. Ausência de uma crítica especializada sobre imagem e o 'não entendimento' sobre a extensão das aplicações da imagem de base fotográfica em setores como a imprensa sedimentaram a alienação das preocupações modernistas. Apenas nos anos 30, Benedito Duarte - fotógrafo que participaria da experiência da revista S.Paulo e atuaria no Departamento de Cultura, na fase final da experiência institucional implementada por Mário de Andrade em 1937 - reinvidicaria um lugar para a fotografia no 1. Salão de Maio (19). A atuação de Benedito Duarte é com certeza um dos principais pontos a serem resgatados no período. Educado em Paris no atelier fotográfico de Reutlinger, retorna ao país no início dos anos 30. Em 1931 realiza uma exposição individual, cujo livro de visitas indica a presença de intelectuais associados ao movimento modernista paulistano. Sua atuação como repórter fotográfico, documentarista (20)e articulista seria encerrada nos anos 50 quando passa atuar em cinema, como diretor e crítico.

Um pré-modernismo fotográfico? A intenção deste ensaio não é 'criar' uma obra modernista em fotografia, uma produção. Mas definir traços antecipatórios, traços de uma interpretação da modernidade, da sensibilidade ao moderno. Fica a pergunta sobre os pontos destacados: essas manifestações não mereceriam ser incorporadas a um conjunto de eventos de caráter pré-moderno? Façamos, antes, um balanço dos pontos que poderiam justificar a ausência da fotografia no campo das manifestações do modernismo no contexto paulistano entre 1900 e 1940: a fotografia como meio técnico plenamente estabelecido e presente no cotidiano; ausência de uma produção com estatuto artístico de repercussão no campo cultural, mantendo-se as atividades restritas ao circuito do fotoclubismo.; inexistência de uma crítica especializada, de mecanismos de difusão de informação internacional regular e de um mercado de arte para essa produção artística. Os anos 40 marcam uma passagem muita definida no panorama fotográfico paulistano. Num primeiro momento, a renovação ainda conta a presença de alguns fotógrafos ligados à produção fotoclubística da primeira geração paulistana. É fato registrado pela ata de fundação do então Foto Clube Bandeirante em 1939, que reúne ainda participantes de iniciativas similares do momento anterior, uma geração envelhecida que daria espaço aos novos fotógrafos 'formados' nos ares advindos no segundo pós-guerra. Novas informações, novos veículos de informação. Nova geração de amadores e profissionais. O pós-guerra traz um quadro diverso para a produção de imagens. A introdução das câmeras miniaturas e a não intervenção na imagem formam, por um lado, um dos vetores desse momento. As primeiras exposições fotográficas nos museus de arte recém fundados indicam, por outro, que a fotografia conquista uma inserção diferenciada na sociedade local. A Escola Paulista - sua produção, participantes e difusão - devem ser analisados dentro dessa nova matriz (21).

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NOTAS: 1. A análise de um projeto de 'modernidade na fotografia' enfatizando a "pesquisa de autonomia formal e, conseqüentemente, pela negação da importância decisiva do referente" proposta por Helouise Costa e Renato Rodrigues na obra citada (p.38) pode ser uma decisão restritiva para uma investigação sobre o período proposto neste ensaio, considerando-se a extensão das mudanças de usos e funções da fotografia e suas aplicações. É sobre este enfoque que abordaremos o tema. Volta! 2. São conhecidos os seguintes periódicos e colunas especializadas em fotografia na cidade de São Paulo entre 1898 e 1940: 1898 .(coluna) Artes do amador, por ZERO no jornal CORREIO PAULISTANO 1909 .(revista) Revista photográphica. São Paulo, (1909- ) 1919 .(revista/associada a comerciante) Illustração photográphica. São Paulo: A. de Barros Lobo, (1919-[1920]) Mensal. Revista associada à CASA STUCK, de Otto Stuck. 1926 .(revista) Revista brasileira de photographia. São Paulo, (1926- ) 1929 .(revista/associada a fotoclube) Sombra e luzes. São Paulo: Sociedade Paulista de Photographia, (1929- ) Circulação interna. 1931 .(coluna) Página dos amadores (1931-193X), no Suplemento em Rotogravura de O ESTADO DE S.PAULO. 1934 .(revista/associada a fabricante) Agfa novidades. São Paulo: AGFA, (1934- ). Bimensal. 1939 .(rádio) Instantâneso no ar, por José Medina 1939 .(coluna/jornal) [s.t.]. José Medina, no DIÁRIO DE S.PAULO. 1939 .(coluna/jornal) Photographia (1939-1941), por Benedito Junqueira Duarte (1910), no Suplemento Em Rotogravura do jornal O ESTADO DE S.PAULO. Volta! 3. DEIRÓ, Eunápio. A arte - I. Kosmos, 1 (11): n.p., 1904. O articulista comenta texto sobre a fotografia sem indicar autoria e fonte. O ensaio no contexto local parece hoje algo deslocado e mereceria um estudo detalhado do panorama carioca em especial, pois revela um quadro de questionamento dos limites da fotografia enquanto manifestação artística. O penúltimo parágrafo deixa claro este aspecto: ...os críticos parecem uns simplórios, que de ordinário não julgam os quadros, as paizagens, e estatuas, sinão sob o ponto de vista da escola do assumpto e da disposição dos personagens e nunca sob o ponto de vista da factura! Volta! 4. Os comentários sobre estes fotógrafos destacam algumas obras e textos inclusive (Annals of

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my glass-house de Cameron e Notes sur la photographie artistique de Puyo), fato raríssimo no período em questão. Volta! 5. O debate surge centrado sobre os seguintes pontos: a oposição de um excessivo registro literal da realidade pela fotografia e a intervenção do fotógrafo, o uso da máquina pelo artistafotógrafo e a noção de autor (presença do artista). Volta! 6. Devemos lembrar que a consulta de acervos públicos paulistanos indica a ocorrência de coleções de periódicos especializados apenas a partir dos anos 40, apresentando títulos de origem americana. A dificuldade de localização de outros títulos editados no período anterior, ainda mais tendo em consideração que muitos desses acervos como o da Biblioteca Municipal Mário de Andrade foram formados a partir da agregação de bibliotecas mais antigas, pode ser interpretada como prova da ausência de outros títulos. No entanto, considerando o estatuto recente da história da fotografia paulistana, essa associação imediata de ausência de provas documentais e ausência de produção não deve ser feita de modo tão simples, para evitar danos ao prosseguimento das investigações e à interpretação do período. À título de curiosidade, o acervo da Biblioteca Nacional apresenta coleções de periódicos como Photographische Correspondenz, editada em Viena, que cobre o período entre 1867 e 1887 e a inglesa The Photogram, com exemplares editados entre 1895 e 1906. Volta! 7. VERA-CRUZ. Exposição Valério. Santa Cruz, VI (4):183-186, jan.1906. Volta! 8. O record mundial de photographia. São Paulo: Officinas Graphicas Monteiro Lobato & Cia, [1921]. 12p. Volta! 9. A proposição de restringir a idéia de intervenção nas imagens técnicas ao aparelho parece uma contaminação da polêmica entre uma nova fotografia surgida nos anos 20 e 30 e o fotoclubismo de linhagem fotopictórica. A noção de aparelho deveria ser estendida a todo o processo de geração de imagem, orientação mais adequada, considerando-se o conjunto de processos técnicos englobados sob o título fotografia desde a invenção do daguerreótipo. Esse posicionamento do pesquisador é uma decorrência sobre a questão levantada sobre a produção de José Oiticica Filho em resenha sobre o livro citado de Helouise Costa e Renato Rodrigues. (FABRIS, Annateresa. Uma modernidade tardia. FSP, 10.05.96, jornal de resenhas, p.Especial-10. Volta! 10. É necessário não só localizar as imagens, como mapear as exposições e formas de difusão. No momento, apenas os periódicos especializados e, eventualmente, revistas da 'grande imprensa' como A cigarra, são fontes de autores e reproduções dessas imagens. Volta! 11. Embora em outro contexto, é esclarecedor o comentário ao filme O homem da câmera, de Dziga Vertov (1929), feito por Susan Sontag em In Plato's Cave: "(the film) gives the ideal image of the photographer as someone in perpetual movement, someone moving through a panorama of disparate events with such agility and speed that any intervention is out of the question." (On photography. New York: Delta Book, 1980, p.12). Falando do ato de fotografar como participação dos acontecimentos por delegação, Sontag permite entender a formação desse agente moderno: o jornalista, no caso o repórter fotográfico. No entanto, o texto aborda de forma enviesada a questão da presença do fotojornalista na cobertura de eventos. Volta! 12. Imagens sobre esportes e vida ao ar livre dominam as capas do Suplemento em meados dos anos 30, submetidas a uma edição que valoriza, por exemplo, o aspecto gráfico de registros de competições de natação. Os retratos publicados revelam a influência da indústria do cinema americano, adotando poses e tratamentos visuais presentes em fotos do star system. A diagramação abusa de procedimentos como enquadramentos em diagonal, recortes.... Porém, é necessário lembrar que o projeto gráfico não é um processo articulado. Volta! 13. S.n.t. Documentação pessoal de Benedito Junqueira Duarte. (Com a viúva Ruth Duarte) Volta! 14. Para uma análise mais detalhada sobre a revista veja o artigo: MENDES, Ricardo. A revista S.PAULO: a cidade nas bancas. IMAGENS, Unicamp, (3): 91-97, dez.1994. (a partir de trabalho apresentado no V Congresso Brasileiro de História da Arte (1993). Disponível també neste site. Seria oportuno lembrar da experiência em fotomontagem de Jorge de Lima que culminou com a publicação de A pintura em pânico(1943). No entanto este evento constitui um episódio de menor proporção considerando o projeto da revista S.Paulo. Volta! 15. ARAÚJO, Vicente de Paula. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976, p.31 e seguintes. Volta!

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16. O artigo de Belmonte sobre a revista S.Paulo é talvez uma das raras manifestações sobre os tópicos tratados neste ensaio, que, indo além do mero registro e elogio, traz uma análise do contexto de inserção desse projeto editorial. Comenta outras revistas do período e estuda com atenção a nova publicação, apesar de tratar-se de pequeno artigo. Volta! 17. Veja menção em SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Volta! 18. [s.t.]. Revista do Brasil, São Paulo, (XI): 177-178, maio/ago.1919. (Biblioteca da Faculdade de Direito da USP) Volta! 19. DUARTE, Benedito J. O 1.Salão de Maio e a photographia. Suplemento em rotogravura, (107): set.1937. Volta! 20. Caderno de assinaturas em posse da viúva Ruth Duarte, consultado em 1993. Volta! 21. Este breve ensaio, mais voltado a um balanço da experiência profissional do pesquisador do que a um levantamento de campo específico, revela e sofre simultaneamente da orientação dos interesses do autor. A proposta de estudo da fotografia paulistana no século XX num contexto de implementação de uma sociedade de comunicação de massa deve ser vista par a par com as restrições impostas por uma documentação em elaboração. Volta!

Página criada por Ricardo Mendes 01.05.1997 - criação 01.05.1997 - atualização

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