O Novo Mundo
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O NOVO MUNDO: Especulações sobre a difusão de fotografia astronômica na década de 1990
Ricardo Mendes (01.12.96) anterior
(Base da Tranqüilidade) Na superfície do satélite do planeta Terra repousa um placa em que se pode ler o seguinte texto: We come in peace for all mankind. Ao mesmo tempo, já fora do sistema solar, um outro artefato humano - um dos Voyagers - leva uma placa com imagens e sons de seres vivos do planeta Terra. Introdução Este ensaio tem por objetivo avaliar a presença da fotografia astronômica na mídia contemporânea a partir do contexto paulistano, considerando as possibilidades de comunicação possíveis numa metrópole desse porte (1). O motivo imediato para sua proposição é aparentemente prosaico. Andando pela avenida Paulista, em agosto de 1996, observo um novo painel eletrônico de grandes dimensões que veicula imagens em movimento (2). Sua presença é marcante por permitir a reprodução de imagens com alta qualidade em termos de definição e gama de cores. Imagem em movimento, no século do cinema, elevada à escala urbana, à maneira de Blade Runner, filme de Ridley Scott de 1982. Veiculando anúncios e notícias, paira o luminoso sobre a avenida. E lá estão: imagens do satélite Ganimedes, uma das luas de Júpiter, brilham sobre a cidade (3). O que podem significar essas imagens para os quem passam por ali?
A partir do final de 1992 com o conserto do telescópio espacial Hubble (4), as imagens astronômicas, que freqüentavam os noticiários com alguma regularidade desde a corrida a Lua nos anos 60, tornam-se uma presença constante. Instrumento de marketing, a divulgação dessas imagens "científicas" não parece no entanto ter merecido qualquer tipo de avaliação no contexto local. O primeiro recorte proposto para este ensaio partia desse confronto entre imagem científica e o contexto periférico de sua difusão. A expectativa era refletir sobre o seguinte argumento: à semelhança do século XV estamos vivendo uma experiência similar - construindo as imagens de um Novo Mundo. Essa explosão de informações técnicas e visuais sobre o espaço não mereceriam um acompanhamento mais atento? Não se trata apenas de imagens isoladas, mas um conjunto de informações que alimenta e modificará os modelos propostos para o Universo. Se o caráter especulativo e introdutório do texto parece minimizar a questão, é necessário lembrar que o assunto se insere na mesma modalidade das proposições de Copérnico e as suas conseqüências. Como procedimento metodológico foi proposto inicialmente uma avaliação de como o tema poderia ser problematizado a partir da mídia impressa e eletrônica. Como contraponto, estavam previstos depoimentos com especialistas em difusão científica - Ulisses Capozzoli, do jornal O Estado de S.Paulo, astrônomos como Augusto Daminelli do Instituto Astronômico e Geofísico - USP com presença freqüente na mídia e especialistas na área de humanidades como Ana Maria Beluzzo, curadora da exposição Brasil dos Viajantes (MASP, 1995). No entanto, o desenvolvimento de um ensaio segundo esse procedimento mostrou-se frágil por exigir uma avaliação prévia mais consistente. Decidiuse por um balanço das principais questões já levantadas através da experiência de documentação realizada pela Equipe Técnica de Pesquisas em Fotografia da Divisão de Pesquisas/CCSP. Embora o tema fosse secundário na cobertura, era possível acompanhar sua presença em seções da imprensa não dedicadas à informação científica. Assim, este artigo é formalmente um relatório de avaliação de informações de fontes diversas: mídia impressa (jornais e bancos de dados via CDROM), músicas e filmes, internet, mercado editorial... O texto foi desenvolvido como um laboratório de ensaio para especulações ao redor do tema, que objetivam justificar um trabalho posterior de maior extensão. Embora o caráter especulativo e a estrutura adotada, enfatizando o relato pessoal, pareçam no contexto universitário sem aprovação como metodologia científica, essas opções pareceram mais adequadas ao propósito de avaliar o impacto dessas imagens sobre o conhecimento.
No mundo da lua: 1 - 2 - 3 "O reclame produzindo letras maiores que torres. E as novas formas da indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros. Rails. Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações. Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O correspondente da surpresa física em arte." Manifesto da Poesia Pau Brasil (1924), de Oswald de Andrade (5) Desde que o telescópio caolho Hubble foi consertado, defeito cujas conseqüências além do econômico deveriam ser medidas pelos sinais de decepção refletidos na imprensa, a mídia foi mergulhada por imagens de um nova paisagem. Algumas primeiras impressões, restritas ao universos da mídia e distante do 'homem das ruas', foram manifestas através de articulistas como Paulo Francis, Arnaldo Jabor e Marcelo Coelho. 1 Em março de 1995, a ESA - European Spacial Agency divulgou imagem do globo terrestre elaborada a partir de radar, cujo processamento resultou numa representação deformada da Terra (6). O articulista do jornal Folha de S.Paulo - Marcelo Coelho comenta a imagem em sua coluna de (FSP/24.03.95): " (...) A Terra se revela, como dizia a
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legenda, 'nem azul, nem redonda' (7). E dizer isso é dizer pouco. Surge medonha, objeto de consternação e de escárnio para os outros astros do firmamento.(...)De qualquer modo, senti-me tão incrédulo quanto um medieval a quem revelassem, pela primeira vez, que a terra é redonda.(...) Menos do que um planeta monstruoso, a foto parece retratar, na verdade, uma característica notável de nossa época: a tendência para a precisão extrema. Uma diferença de 200 metros na superfície da Terra não é quase nada; mas exagerando-a brutalmente, a foto corresponde a importância que se dá, hoje em dia, para a medição exata. (...) Mas a aventura fotográfica dos cientistas europeus também pode ser comentada de outro ponto de vista. É também uma experiência estética; uma espécie de expressionismo via satélite. Como se a imagem apolínea da Terra, com o azul clássico, rafaelesco, opalescente que nos foi noticiado por Gagarin, tivesse de dar lugar a uma versão mais moderna, no estilo de pintores como Kokoschka, Soutine ou Vlaminck. O espelho redondo, vago e perfeito em que nos víamos não mais nos satisfaz. (...)". Se a inserção dessa imagem motivou esse artigo de Marcelo Coelho, cujas questões (como o horror frente à imagem e o gosto pela precisão de nossa época) permitiriam uma longa apreciação, é ilustrativo mencionar que uma semana após o cartunista Angeli, do mesmo jornal, utilizaria como ponto de partida para uma charge sobre o presidente Fernando Henrique Cardoso a mesma foto do satélite, sendo publicada junto aos editoriais (8). 2 Em janeiro de 1996, são divulgadas imagens do telescópio espacial Hubble (9), revelando um número superior de galáxias ao previsto, o que implicaria em revisão do tamanho do Universo. O impacto da notícia poderia ser aferido, fora do âmbito científico, pelo número de cronistas que mencionam diretamente o evento ou apenas o citam. Arnaldo Jabor é um deles, em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 23.01.96: "Diante do Boeing, eu sou o índio de Caramuru fascinado. Me humilha e ofende a sonda Galileu chegando em Júpiter e o Hubble descobrindo bilhões de galáxias enquanto o Paulo Paim e Lula tentam esmagar a liberdade progressiva de Vicentinho" (10). 3 Ainda na esteira das imagens do Hubble, Paulo Francis pode ser incluso nesse primeiro painel de avaliação, através de artigo no jornal O Estado de S.Paulo: "Uma nova estrela detectada pelo telescópio Hubble. Tem 14 bilhões de anos, na estimativa dos astrônomos. É anterior ao chamado Big Bang, o estouro que teria criado o mundo. Isso é a pá de cal na teoria de que o universo teve uma origem única, e, claro, por ilação, é um golpe de morte no monoteísmo./ Teorias astronômicas dançam toda semana graças ao Hubble. Edwin Hubble ficou famoso por descobrir 10 milhões de galáxias como a nossa. O telescópio que leva seu nome descobriu mais 40 milhões de galáxias. Ou seja, o nosso planeta, em matéria de presença, é uma titica." (11)
Enumerando questões Se é possível traçar um denominador comum a estes exemplos, talvez o melhor seja apontar a reavaliação da inserção da espécie humana no Universo. Em busca de um procedimento sistemático vamos elencar alguns pontos. representação e documentação As imagens astronômicas são produzidas no âmbito da ciência como documentação e veículo de investigação. Os diversos segmentos de pesquisa científica fizeram uso da fotografia desde o século XIX sob essas duas vertentes, num contexto de época que tomava a fotografia como prova de verdade. As belas imagens da Lua produzidas pelos irmãos Paul e Prosper Henry na década de 1890 ainda podem nos fascinar. E o sinal do interesse por essas imagens no período pode ser medido pela presença, por exemplo, do Atlas photographique de la lune de Michael Lowy e Pierre-Henri Puiseux, de 1896, resultado de trabalhos desenvolvidos no Observatoire de Paris, no acervo da biblioteca da Escola Politécnica da USP, ou as imagens pertencentes à coleção Teresa Cristina, da Fundação Biblioteca Nacional (12). Michel Frizot , no livro Le Medium des temps modernes (1880-1939), na coleção Histoire de voir, assim posiciona esses trabalhos no capítulo L'inventaire de la planête: "Dans le contexte du symbolisme fin de siècle, porté par la poétique crépusculaire et la fascination stellaire, ces nouveautés scientifiques, perçues comme des images de vrais objets à échelle presque humaine, ont certainement contribué à l'enrichissment de l'imaginaire collectif au-delà des contigences terrestres." (13) O contexto contemporâneo mostra um completa inversão dessa situação. O conjunto de imagens astronômicas, e mesmo o conjunto geral de imagens científicas, não pode ser apresentado estritamente como peças de documentação, provas de verdade. Dois exemplos ilustram o ponto com precisão. Primeiro, diversos segmentos da pesquisa científica passaram a produzir registros, desde a última década do século passado, utilizando segmento do espectro eletromagnético fora do campo visível. Raios X, infravermelhos e ultravioletas, por exemplo. Para isso, as informações eram decodificadas através de processos e materiais sensíveis que permitissem a visibilidade para o olho humano. Um novo universo físico surgia. No âmbito da fotografia astronômica, o recurso sofisticou-se. A imagem enfim passa de documento baseado numa analogia de luz e sombra através de um meio (físico-químico no caso) para uma interpretação progressivamente simbólica de dados. Como exemplo, a imagem da Terra produzida pelo satélite europeu ERS-1 (14). As imagens passam a ser fruto de processamento intensivo, cuja interpretação 'correta' requer um conhecimento especializado (15). espetacularização As imagens não são mais 'reais'. Imagens por radar, imagens simuladas por computador são oferecidas em profusão pelos mídias impressos e pela televisão. O 'homem das ruas' convive com elas, embora seu conhecimento e contato com alta tecnologia seja nebuloso. A presença de imagens simuladas na mídiaé um tema especial. Desde os anos 70, reportagens, livros e artigos sobre corrida espacial ou o Universo, fizeram uso delas, sem maiores preocupações entre distinguir imagens geradas de forma diferenciada (16). Imagens 'reais', imagens interpretadas e imagens simuladas constituem uma massa aparentemente homogênea (17). Essa espetacularização, na falta de um reflexão mais atenta sobre ela, proposta como difusão científica, caracteriza-se pelo uso de comparações 'geocêntricas': a maior montanha, oceanos sem fundo, a maior cratera.... Banalização e irresponsabilidade parecem definir esse espetáculo da ciência (ou ciência espetacular). As informações margeiam o fantástico, o terreno do tudo-provável. Esse procedimentos não contaminariam, no sentido contrário, a própria ciência? As imagens astronômicas, enquanto representações complexas e veiculadas pelos meios de comunicação, submetem-se ao espetáculo. Como interpretá-las é uma questão em aberto. Quais as conseqüências e as formas de recepção por parte do grande público? (18)
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o imaginário - a foto de viagem e a foto de paisagem Antes de mais nada, a discussão proposta trata as imagens astronômicas no contexto das viagens. Esse deslocamento é certamente fruto da principal fonte de imagens estar ligada às explorações espaciais. Ao mesmo tempo, estamos no âmbito da fotografia de paisagem. São as grandes representações do Universo e do planeta Terra. Embora a análise da fotografia (aqui interpretada como imagem fixa produzida por aparelhos) através de categorias como paisagem ou outra qualquer seja uma forma precária de pensamento, é possível traçar algumas considerações valiosas. Um das grandes vertentes contemporâneas da fotografia é a documentação de natureza, a foto de natureza. Com certeza, essa classificação poderia agregar categorias periféricas como o fotojornalismo esportivo, no segmento dos esportes radicais como surfe, alpinismo, ou indo mais além a foto de aventura (viagens), representada por uma grande produção editorial nos anos 80 e 90, no contexto brasileiro e internacional. Antecipando um ponto que será tratado adiante, é possível entender essa produção como fruto de um sentimento de globalidade, de apreensão do planeta Terra, em que manifestações como o movimento ecológico são provavelmente apenas sua face mais conhecida. Essa colocação procura justificar uma aproximação entre a presença constante de imagens astronômicas na mídia com outros gêneros de produção de imagem como a fotografia subaquática. Macro e micro, extremos opostos, paisagens 'silenciosas' numa mesma ambição científica e imaginária de inserção no mundo (19). A paisagem em última instância. Imagens que indicam uma ampliação física do Universo conhecido. Ambas (estrelas e oceanos) parecem mediadas em sua expressão pelo maravilhamento (20).
A terra vista da Lua (as idéias e seus lugares) As questões apontadas exigem no entanto um contraponto. A produção e consumo dessa imagens ocorrem de forma complexa e em contextos diversos. a periferia (processo histórico periférico-processo histórico híbrido) Seria relevante estudar esse tema a partir do panorama brasileiro? Esse ponto é de mais fácil entendimento no quadro contemporâneo, sujeito a meios de comunicação de alcance internacional, de atuação permanente e de grande difusão como a televisão. No entanto, o estudo seria amplamente justificável mesmo numa perspectiva histórica, como os anos 60, apenas pelo fato dessas imagens estarem associadas à questão da exploração espacial cujo discurso ideológico sempre a apresentou como conquista humana: We come in peace for all mankind. .corrida espacial/exploração espacial. Quando teve início a exploração espacial? Com Mélies e o cinema ou através de Von Braun? O que importa de imediato é o papel central dos órgãos governamentais de pesquisa aeroespacial como pólos de difusão de imagens. Com orçamentos gigantescos, sujeitos a contínuos cortes, esses órgãos usam intensamente a difusão de seus projetos como forma de ação. Assim, numa ótica primária, essa atuação contaminaria e subverteria a produção imagética. Para os países "periféricos", a interpretação socio-cultural desse conjunto visual aqui proposta poderia representar um processo de alienação, numa aproximação simplória. No então, considerando o contexto internacional da mídia, o alcance das imagens em si pode ser considerado quase de forma autônoma (21). Ao mesmo tempo, como aponta Ulisses Capozolli (22), jornalista especializado em difusão científica, convivemos com a consolidação da era espacial, cuja matriz foi dada pela expansão militar. Mas o que busca a exploração espacial? Conhecimento científico ou exploração econômica? A melhor resposta pode ser encontrada via internet no site mantido pela NASA, através da página dedicada a MFPE - Mission from Planet Earth, principal projeto da instituição: "What is the Mission From Planet Earth? Mission From Planet Earth (MFPE) is a comprehensive long-term program of robotic and, ultimately, human exploration and development of the solar system. MFPE will encompass a wide range of activities, including scientific exploration of the planets, astronomical observations from the Moon, commercial development of space, and eventually human outposts beyond Earth. (...) In fact, the ultimate goal of MFPE is to bring space fully within the sphere of human activity." (...) "NASA's Mission From Planet Earth Study Office addresses three questions about space exploration and development: " Why should this nation and other nations support these activities? "What are sensible goals for MFPE? "How can we achieve them? "Why? is a question of rationale. It is a question that must be answered by society as a whole, not just by NASA or other space agencies. The MFPE Study Office strives to promote broad discussion and debate on the value of space exploration and development. "What? is a question of objectives. We cannot adopt all the plausible worthy objectives of MFPE. Which will be the most effective? Which will provide the greatest return to Americans and all humanity? Which can be practically achieved? The MFPE Study Office is carefully examining selected objectives to understand how we might structure a program around them. "How? is a question of means. It encompasses things as diverse as spacecraft and space outpost design, mission architecture, and the development of advanced technologies to broaden the range of future possibilities. The MFPE Study Office is focusing on technologies, examining technology development by both NASA and industry to understand which can have the greatest impact on space exploration and development. "Although individual nations or space agencies can undertake elements of MFPE, the scope of the challenges can ultimately only be met through international cooperation. The many international space projects to date have laid the foundation for this cooperation. Most notably, the
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international space station joins the world's most capable spacefaring nations in a joint program of unprecedented scope. (...) "MFPE extends to space development as well as exploration. (grifo nosso) NASA can shape MFPE technology and infrastructure to support future space entrepreneurs. Space-based energy production, manufacturing, and leisure travel are among those activities that eventually may provide commercial returns. A better understanding of Government's role in enabling these kinds of activities is a key part of MFPE. "Budgets for the next several years make beginning human missions to the Moon and Mars impractical. However, extending human presence beyond Earth orbit remains a primary goal of the civil space program. Pursuit of this goal will enhance economic competitiveness, advance scientific knowledge, promote international cooperation, and feed human needs for challenge, adventure, and inspiration. NASA will continue to pursue this goal in service to the Nation and all humankind. (grifo nosso)" A longa citação justifica-se por si. O serviço Internet da NASA fornece dados precisos sobre acessos às páginas com cobertura para cada dez dias, informando acessos por páginas, assuntos, local de origem do acesso e provedores utilizados (23).
Planeta Terra: a terra é azul O importante em frases como a dos astronautas Yuri Gagarin (a Terra é azul) e Neil Armstrong (um grande passo para a humanidade) é a obviedade, a ambigüidade. As questões sobre as imagens astronômicas inserem-se numa matriz complexa entre conquista/exploração espacial e imaginário de massa. A Terra é azul remete diretamente à visão da totalidade, visão exteriorizada. Caetano Veloso argumenta que sua composição Terra foi feita após o contato com fotos do planeta, durante o período de prisão que precede o exílio em Londres nos anos 70. As referências na música popular como Alô Alô Marciano, interpretada por Elis Regina, remetem à necessidade de auto-representação, que curiosamente são endereçadas a um ser externo. A missão Voyager incluiu em suas naves um disco metálico com representações de seres vivos do planeta Terra. Essas manifestações são aqui listadas pelo fato de amplificarem a discussão inicial. Não se trata mais da importância da fotografia astronômica como fonte de conhecimento, mas como mecanismo associado à exploração espacial. Inserida num contexto global, sujeita a indústria de comunicação de massa, seria necessário refletir em extensão e em conjunto sobre o tema da difusão científica. Não apenas como mera divulgação, mas como mecanismo de avaliação e participação sobre o processo científico. A ciência enquanto espetáculo não deveria estar sujeita a uma ética relativa a sua divulgação? O processo de colonização espacial, interpretando com outras palavras o texto fornecido pela NASA, deixando de lados os seus bons propósitos, esquece flagrantemente a existência do Outro. A situação é apresentada apenas como um ocupação do Lebensraum! Complementarmente, falando na imagem do Outro, esse processo de difusão é permeado pelo imaginário de massa e pelo sentimento religioso, em que desejos e ambições ancestrais convivem com formas novas de expressão. Falamos aqui da ficção científica, essa espécie de educação sentimental para a exploração espacial. Embora prestigiada em certos setores como forma de expressão e reflexão, trata-se de um elemento chave para a discussão aqui proposta, que desloca seu foco da imagem astronômica e sua importância socio-cultural para a análise do papel da ciência, seu alcance e limites.
Os Lunáticos Especulações são portas para o bem e para o mal. No universo da ciência, em especial no âmbito das ciências humanas, onde se incluiria a história da fotografia (ou melhor, uma história da visualidade) - especificamente no contexto brasileiro, cuja produção é pequena e desenvolve-se em ritmo vagaroso, especulações requerem métodos precisos e abrangentes para avaliação de situações híbridas. Híbridas, porque o foco de produção de imagens é externo, mas com consumo e impacto imediato no contexto local. Assim, mais uma vez ressaltamos que este ensaio deve ser visto como um relatório preliminar. Algumas especulações cujos desdobramentos só poderão ser avaliados em cinco séculos digamos, mas cujas resultados éticos, de difusão de informação e exclusão de desenvolvimento nos são contemporâneos. "It´s no simple, any more". Frase do Presidente Whitmore, personagem central do filme Independence Day (1996).
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NOTAS: 1. As citações bibliográficas foram incorporadas nas notas de rodapés. Volta! 2. Painel da empresa Telemidia, no edifício localizado na av. Paulista, esquina com av. Brigadeiro Luiz Antonio, lado impar. Volta! 3. Imagens realizadas pela sonda Galileu, registradas em vários artigos na imprensa local, entre outros: Ganimedes se comporta como planeta. OESP, 12.07.96, geral, p.A-13 (artigo) (foto) Volta! 4. O telescópio espacial apresentou defeito no espelho após o lançamento em 1991, com deformações que impediam o ajuste de foco. Apenas em dezembro de 1993 foi possível enviar uma missão para ajustes. Volta! 5. FABRIS, Annateresa. O espetáculo da rua: imagens da cidade no primeiro modernismo. In: ANDRADE, Oswald de. Do Pau-Brasil a antropofagia e as utopias. Rio de Janeiro: [s.e.], 1972, p.8. Volta! 6. Um altímetro, a bordo do satélite europeu ERS-1, emitia ondas de rádio, que se refletiam na superfície terrestre, de maneira a compor os contornos do planeta. Com isso, os continentes aparecem mais destacados que os oceanos, onde as ondas de rádio encontram menor resistência. Uma segunda razão contribui para que a imagem fique com a aparência de uva passa. Ao contrário do que se imagina, as órbitas dos satélites não são perfeitamente elípticas. As oscilações na trajetória dos satélites distorcem as imagens que eles captam.". In: Marte ficou mais perto/A uva passa em que vivemos. VEJA, 28(13/1385): 90-91, 29.03.95 (box) (foto). Volta! 7. Nem azul nem redonda. FSP, 21.03.95, ciência, p.1-12 (nota) (foto); COELHO, Marcelo. A terra envelheceu desde o último retrato. FSP, 24.03.95, ilustrada, p.5-13 (artigo) (foto). Volta! 8. ANGELI. Acredite se quiser. FSP, 02.04.95, opinião, p.1-2 (charge). Volta! 9. Jornal Nacional. TV Globo, 16.01.96; Novo olhar sobre o Universo. OESP, 17.01.96, geral, p.A-16 (nota) (foto) Volta! 10. JABOR, Arnaldo. Somos todos penetras do Primeiro Mundo. FSP, 23.01.96, ilustrada, p.5-8 (artigo). Volta! 11. FRANCIS, Paulo. Diário da corte/Nova York por ai. OESP, 07.07.96, caderno 2, p.D-10 (nota). Volta! 12. Algumas dessas imagens deverão integrar a exposição da coleção a ser aberta em 29.01.97 no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, cuja mantenedora financiou o processamento da coleção organizada pelo imperador D.Pedro II. Volta! 13. DELPIRE, Robert, FRIZOT, Michel. Histoire du voir. Paris: CNP, 1989 (Photo Poche, 41). Uma manifestação comum desse interesse estelar, ao mesmo tempo, refletindo toda a tradição crítica sobre os 'lunáticos', é a presença de periódicos como O Mundo da lua: folha ilustrada, lunática, hyperbólica e satyrica, editado no Rio de Janeiro entre 1827 e 1871. (Catálogo de periódicos brasileiros microfilmados. 19.ed. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1994, p.275.) Volta! 14. Outro exemplo de imagem processada intensamente foi apresentada em palestra de Carlos Fadon Vicente, realizada em 31.10.96, durante o curso em questão, quando apresentou imagem do planeta Terra sem a presença de nuvens, gerada a partir de registros feitos pelo satélite NOA. Imagens simuladas que se aproximam 'visualmente' de documentos convencionais e confundem-se com eles fora do campo científico. Volta! 15. Um estímulo possível para o estudo da imagem científica como modelo, como representação, pode ser encontrado na análise feita por Paul Feyerband, em seu livro Contra o método, ao comentar o uso do telescópio por Galileu e a falta de apresentação de "razões teóricas acerca do por que procederia esperar que o telescópio traçasse dos céus um quadro verdadeiro." (Contra o método. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1977.) Sobre a questão de observação científica e interpretação de dados por instrumentos seria possível apontar as especulações geradas a partir da identificação dos canais do planeta Marte e a associação com a presença de vida inteligente. Volta! 16. Seria interessante acentuar que no campo da astronomia o uso de modelos e representações superaria por longo período as imagens 'reais', uma característica partilhada por outros segmentos científicos ao nível microscópico e atômico. Falamos aqui de modelos moleculares, por exemplo. Campos que progressivamente vêm desenvolvendo formas de registro e investigação visual através de microscópios eletrônicos ou, na área de medicina, mediante o recurso da tomografia, da ressonância magnética.... Quanto à simulação, no âmbito do folclore de massa, é possível recordar comentários correntes no período que precedeu a missão da Apolo 11, quando dizia-se que a NASA possuía um modelo para simular a descida caso fracassasse a missão. Certamente, o imaginário popular misturava o intenso trabalho de propaganda da agência americana com uma interpretação conspiratória, motivada talvez pelo espírito da Guerra Fria. Outro comentário semelhante argumentava que a transmissão era uma farsa realizada em estúdio. Essas lembranças de um adolescente paulistano, o autor, permitem posicionar a discussão da fotografia astronômica no âmbito da indústria cultural. Volta! 17. Embora sem condições de precisar uma fonte, é necessário apontar a difusão de imagens simuladas do planeta Vênus no início da década de 1990. Através de registros gerados por radar, foi elaborado um vôo simulado por computador sobre a superfície do planeta. As inserções dessas imagens na mídia não informavam sobre o processamento existente. A esse respeito seria importante lembrar uma referência feita pelo artista plástico Mario Ramiro, radicado na Alemanha, em palestra no MUBE sobre o tema Paisagens artificiais, em que ressalta como o desenvolvimento da imagem digital ocorreu de forma paralela e integrada com a corrida espacial, citando o ensaio The reconfigured eye, de William Mitchell (Massachusetts: MIT Press, 1992). Volta! 18. Avaliar o problema da ciência veiculada como espetáculo exige discutir o espaço da ciência na sociedade contemporânea. No entanto, seu locus, aparentemente central e sólido, parece apresentar perturbações. É o que indica artigo de Isaias Raw, diretor do Instituto Butantan, que discute a presença do irracionalismo e fala sobre o espaço da ciência: "A caminhada do homem na Lua, as fotos dos planetas distantes, os computadores, a televisão direta dos satélites... (...) E apesar disso, o que colhemos? Uma geração de crédulos sem capacidade crítica.". (Ponto de vista/Em defesa da razão. VEJA, 29(1460/36): 114, 04.09.96 (artigo)) Um exemplo complementar sobre a ambigüidade da ciência na sociedade pode ser visto em entrevista do cantor Danilo Caymmi, na coluna Hipertexto, dedicada à informática e internet, em que declara como seus sites favoritos a página da NASA com imagens do planeta Júpiter pela sonda Galileu (http://www.ccf.arc.nasa.gov/galileo_probe/) e uma página dedicada às profecias de Nostradamus. (BRITO, Manoel Francisco. Hipertexto. VEJA, 29 (1467/43): 27, 23.10.96 (nota)) Volta! 19. Essa procura por integração é recorrente entre os adeptos (produtores e consumidores) de fotografia da natureza. A exposição de Denise Greco 03/10/2018 20:11
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Nem tanto mar, nem tanta terra, realizada no MIS (12.11 a 06.12.96), é um exemplo desse desejo, expresso com clareza nos textos de Marina Pechlivanis. As imagens da África do Sul e ilhas do Oceano Índico são pontuadas por reflexões sobre a possibilidade de contato com o outro, de inserção, num crescendo que se resolve na seqüência final com imagens subaquáticas. Volta! 20. Em termos pessoais, acredito que o par retrato e paisagem ainda permite entender a produção visual como um todo. A busca por visibilidade, por uma reinterpretação dos códigos de representação, parecem constituir um vórtice da ação expressiva. No limite, tomo sempre o exemplo da produção recente de Sebastião Salgado, que dá visibilidade (evitando o chavão, seria melhor falar em termos de inserção) a atritos gerados pelo processo de globalização e transformação econômica. Volta! 21. O uso da imprensa na divulgação de imagens de missões a Júpiter, bem como o anúncio de evidências de vida em Marte (fósseis microscópicos obtidos em rochas marcianas localizadas na Terra) permitiu antecipar o prazo de vôos tripulados para Marte de 2019 para 2011. O orçamento anual da NASA em 1996 atingiu o valor de US$ 80 bilhões e esteve nas últimas décadas sobre pressão de cortes pelo Congresso. Por outro lado, o alcance de notícias sobre exploração espacial, no caso específico de vida em outros planetas, pode ser exemplificado na imprensa diária através da página Espaço Aberto, do jornal O Estado de S.Paulo, no dia 21.08.96, com artigos de Volker Kirchhoff (As minhocas de Marte), Frei Betto (Extraterrestres) e Dom Lucas Moreira Neves (O cosmo e seus habitantes). Volta! 22. Em depoimento ao autor, em 17.09.96. Volta! 23. No período de 01 a 10.10.96, o acesso a home page da NASA contabilizou 11.489 acessos. Na ordem de páginas com maior número de acesso, segue-se após a página de abertura a dedicada a Missions com um total de 3.404 acessos. Esse segmento engloba informações relativas ao conjunto da MFPE, como o Earth remote sensing spacecraft e missões do shuttle. O vigésimo lugar corresponde a página intitulada Life com 222 acessos. Na estatística sobre origem do acesso, medido em hits, os gerados por endereços nos Estados Unidos (gov/com) contabilizam 9.563 para um total de 34.186. Os acessos de origem desconhecida somam 8.437. A América do Sul aparece entre os dez principais pontos de acesso com meros 491 hits. Ainda no âmbito das estatísticas, à título de curiosidade, fotografia astronômica é um dos 50 temas mais pesquisados na Biblioteca Nacional, segundo informação fornecida pelo diretor da Divisão de Iconografia - Joaquim Marçal Ferreira, em 09.96. Volta!
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