Nona Arte | dezembro 2021

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BOLO-REI O nosso Bolo-Rei merece mais. Merece ser feito para além das massas pré-feitas, daquelas sempre fofas, de um amarelo que disfarça a gordura, de sabor sempre igual. Não me incomoda nada as novas versões de Bolo-Rei, o de chocolate, o de ovos, o escangalhado e por aí adiante. Incomoda-me sim

aqueles que vejo de um brilho balofo. De uma decoração berrante, abusiva apenas porque é preciso disfarçar o interior. Enfiado em caixas de plástico com o açúcar em pó a descair e a retirar-lhe a graça toda de fazer parecer neve. Sim, o Bolo-Rei anda pelas ruas da amargura, assim como toda a nossa pastelaria. E nós lá vamos andando fazendo cara estranha, mas não recusando. Falando do preço daqui e d’acolá

comparando o mimetismo de uma receita que tantos ataques tem sofrido. Mas, a verdade é que pouco há para discutir, poucas diferenças existem para uma indústria que oferece todas as soluções necessárias para um baixo custo de produção. Ano após ano, os catálogos vão engrossando pelas fórmulas atualizadas, pelas novidades que fazem lembrar o “tradicional” como se o “tradicional” estivesse à venda e ao desbarato. A verdade é que também já não temos recordação certa do sabor do Bolo-Rei. Nem reclamamos com o que nos vem ter à mão, talvez porque já não nos lembramos do sabor que tinha antes de a sua produção ter sido colonizada por uma indústria ambiciosa e sem princípios. Pois, falta a literacia alimentar de que tanto se fala nos últimos tempos. Falta educar o gosto. Mas, como se vê, a começar pelas cantinas das nossas escolas, talvez dos sítios onde se come pior neste país, o gosto e a qualidade do que comemos não é preocupação. Os mais novos nunca conheceram um Bolo-Rei digno do nome e os mais velhos tendem a esquecer. NONA ARTE | DEZEMBRO 2021 - 8


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