POEMAS DE AMOR A SÃO JOÃO DO CARIRI Autor: Francisco de Paula Almeida
Literatura de Cordel 1ª Edição - Campina Grande - Paraíba - Brasil - Dezembro/2014
XICÃO ALMEIDA por JÚNIOR CORDEIRO Uma fala sereníssima. Um riso largo na cara. Um jeito franciscano (fazendo jus ao nome que lhe deram na pia) de portar-se frente às imposições do consumo. Um estilo de vida inquieta e itinerante, típico dos destemidos ciganos que desbravam o globo em busca de aventuras. Um gosto impressionante pelos animais. Um apurado poder de observação das minúcias da natureza. Uma maneira peculiar e pura de fazer arte (como artista plástico, poeta, fotógrafo da alma dos bichos e das plantas) e, sobretudo, uma resposta certeira, rápida e irônica a tudo e a todos na ponta da língua, típica dos grandes repentistas nordestinos. Estou falando de Xicão Almeida, o Francisco dos rabiscos, dos óleos sobre telas, desenhos e formas surreais, das fotos curiosas e dos versos brincantes e debochados. Todas essas improfícuas definições se juntam num termo mais genérico e palpável que apresenta muito bem essa forma despojada de gente de quem eu falo agora: Xico de Inácio Francisco(esse é o termo mais completo). Xico é carinhosamente chamado de Xicão porque é um aumentativo por excelência, não só pela sua estatura avantajada, mas pela sua grandeza como artista e pessoa. Puxou a Seu Inácio em todos os sentidos, sobretudo no tocante ao gosto intenso pela poesia popular e a insistência encantadora numa vida desapegada às tolices do nosso tempo e concentrada em gracejos, piadas e zombarias sobre as dificuldades humanas de cada dia. A arte de Xicão é inseparável do seu excelente caráter, da sua índole altruísta. Esse incansável cavaleiro das caatingas não pede nada em troca do seu fazer artístico. Faz arte apenas pelo prazer da existência, dando sentido a sua vida e à das pessoas que têm o prazer de desfrutar da sua companhia e do seu rico trabalho. Não perderei tempo aqui tentando dizer o indizível ou definir com clareza esse artista complexo, que se faz assim, paradoxalmente, pela extrema simplicidade do seu ser e da sua obra. Deixo esse difícil ofício para quem pretenda categorizar em vão o trabalho intimista de Xicão, e queira se aventurar em estabelecer conceitos ou limites aonde não há. JÚNIOR CORDEIRO Poeta, cantor e Compositor
O meu peito está sangrando Um temporal de emoção Do ventre de São João Meu Taperoá jorrando Com suas artérias compondo A mais sublime canção As flores rasgando o chão Pra enfeitarem este dia Cariri planta alegria No solo do coração Hoje aqui nesta cidade Foi plantada uma semente No solo da nossa gente A cultura de verdade Com toda cumplicidade Esta bela plantação No roçado de São João Nós ficamos a poesia Cariri planta alegria No solo do coração
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Eu sou semente gestada No solo do Cariri Tive que um dia par Pra percorrer outra estrada Deixei a raiz bem fincada Na carne do meu torrão Se esparramou pelo chão Da minha geografia Cariri planta alegria No solo do coração Não me troco por dinheiro Nem me vendo por tustão Minha moeda é São João Meu hino é caririzeiro A bandeira umbuzeiro Meu cardápio é xerém Do que preciso aqui tem A bombasta nem aí Não troco meu Cariri Por Zoropa de ninguém 02
O meu rio? Taperoá Meu açude Namorado Meu castelo é sobrado meu poço é do pilar Não troco o banho de lá Suas águas me faz tão bem Até caipora lá tem Que vei lá de Parari Não troco meu Cariri Por Zoropa de ninguém Que me chamem de matuto De brocoió, beradeiro Pois eu sou caririzeiro Arretado, bicho bruto Nem dou bola para insulto Não abro nem para o trem Meu cariri, quero bem Meu coração é daqui Não troco meu Cariri Por “Zoropa” de ninguém
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Sou filho do Cariri Onde plantei as raízes Onde pintei as ma zes Das cores que trago aqui Tive que um dia par Pra longe do meu torrão Mais estou preso ao meu chão Daquela geografia Cariri planta alegria No solo do coração Pois cante lá sua cidade Eu cá cantando é a minha Pois é de todas a rainha Seu nome? Simplicidade A mais bela raridade Seu nome? É São João És meu Hino, minha canção A mais bela melodia Cariri planta alegria No solo do coração 04
A minha cidadezinha O meu amor mais profundo Não há cidade no mundo Mais amada que a minha Pode até ser pequeninha Mas, só por comparação Outra igual? Existe não! Isto não é fantasia Cariri planta alegria No solo do coração No frescor da minha infância Meus brinquedos eu fazia Ia lá no lixo e colhia Sem reclamar da distância Trazia com tanta ânsia Tábuas, arames, cordão No meu carrinho de mão Os meus sonhos conduzia Cariri planta alegria No solo do coração
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Eu falo, ninguém me escuta Para implodir o modelo É correr num pesadelo Mais não desisto da luta Minha essência é matuta Teimoso, Caririzeiro Feito raiz de umbuzeiro Com a batata escondida Troco dinheiro por vida Jamais vida por dinheiro Quem nega suas raízes Enterra o seu passado Vive no mundo isolado Pois são pessoas infelizes Não cometo estes deslizes Pois amo o meu São João Tenho toda gra dão De ter sido sua cria Cariri planta alegria No solo do coração 06
Neste solo fui plantado Por seu Inácio e Maria Na semente que nascia Neste Jardim encantado Com sua essência gestado Com as cores do torrão Amo-te velho São João Além do meu úl mo dia Cariri planta alegria No solo do coração Quantas estradas andei Quantas paisagens eu vi Quantos momentos vivi Quando perdido me achei Quantas veredas passei Quantos passos sobre o chão Da minha mãe São João Deste ventre sou sua cria Cariri planta alegria No solo do coração
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Prefiro morrer lutando Do que perder meus valores Ainda que sofra dores Da luta que tô travando Cada vez mais aumentando Sei que não será em vão* O meu amor por São João Este amor que contagia Cariri planta alegria No solo do coração
Nos caminhos carrasquentos Sou poeta viajante Minha mente vai distante Estradas dos pensamentos Nas asas branda dos ventos Das veredas de São João Voa minha imaginação Cariri de fantasia Cariri planta alegria No solo do coração 08
Entre flores e espinhos Vou compondo minha estrada Distante da terra amada Por caminhos, descaminhos Meus dias jazem sozinhos Com esta separação Tão longe do meu torrão Mais retornarei um dia Cariri planta alegria No solo do coração Fui "muntado" num jumento Para o espaço sideral Para melhorar meu astral Pedi a lua em casamento Fiz-lhe logo um juramento Que dava-lhe meu coração Trouxe ela para São João Isto não é fantasia Cariri planta alegria No solo do coração 09
Toca o sino na igreja Homenageando a cidade Através da simplicidade Demonstra toda beleza És rainha, és nobreza Mais bela da região Tenho por gra dão Não me afasto jamais Das ruas coloniais Do Nosso velho São João Ouço um coro vozear Mil anjos no horizonte Os raios beijando a ponte Do lindo Taperoá E Deus a lhe coroar Maria rezando a oração Enche qualquer coração Sen mentos magistrais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João
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O por do sol nos encanta Com seu brilho, belas cores Com seus raios mul colores Sorridente o dia levanta A trombeta o galo canta Despertando os moradores Os anjos cantam louvores Lindas notas musicais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João Cada vez mais tenho orgulho Da minha velha cidade Na sua originalidade Me afogo neste mergulho Nos pensamentos borbulho Recordando o meu passado Meu peito fica apertado Quando cantam os pardais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João 11
Figura linda e simplória Um velho no seu jumento Nesse toc toc lento Pisando sobre a História Resgatando sua glória Desperta grande emoção Que Deus me dê permissão Pra vive cada vez mais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João Sinto bastante saudades Das cadeiras nas calçadas Famílias ali sentadas Neste clima de irmandade Unindo toda a cidade Cons tuindo o padrão Eu sinto no coração A falta dos ancestrais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João
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Lágrimas molham o meu rosto Ao recordar o passado Amigos, família ao lado Hoje sofro este desgosto Amarga na boca o gosto Da triste separação Dos que aqui já não estão Par ndo pra nunca mais Das ruas coloniais Do Nosso velho São João Recordo do meu passado Morava no paraíso Na perfeição de Narciso Felicidade ao meu lado Brincando no solo amado A vida era uma canção As seis tocava oração Jesus mandando os sinais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João 13
Salgar moleque no rio A rar de balinheira Em rolinha, lavandeira Era grande o desafio Comprar na feira pavio Pra botar no lampião Pra matar a escuridão Clareando os esponsais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João Pescava com jereré Piau, piaba, suvela Mais sempre pensando nela Só não te digo quem é Quebrei coco catolé Com uma pedra não mão Mijei na rede e colchão Prometo pra nunca mais Nas ruas coloniais 14
Brincava de mela-mela Rendido, pipa, ioiô Pa nete, pingolô Balanço, quebra-panela Sem sapato, sem chinela Banho de rio, garrafão Toca, pastoril, pião Boi de osso nos currais Das ruas coloniais Do Nosso velho São João
Desperta muitas saudades No setembro a padroeira Do Cariri a primeira Ganha pra todas cidades Trazendo felicidades Quando vejo a procissão Transborda meu coração Quebra todos os cristais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João 15
Logo depois da par da Volto pra perambular Em tudo quanto é lugar Onde cumpri minha lida Onde gozei minha vida Peço a Deus a permissão Pra plantar meu coração Em cima dos carrascais Das ruas coloniais Do Nosso velho São João Na minha úl ma viagem Que seja em forma de pó Me joguem sem dor, sem dó Me integrarei na paisagem Transfigurando a imagem Nesta mistura de chão Pra sempre serei torrão Junto com meus ancestrais Nas ruas coloniais Do Nosso velho São João 16
Projeto ¨Conheça o poeta¨ Projeto que nasce sem nenhum arrojo de grandeza, nem pretensões maiores, apenas buscar imprimir as cores da poesia destes vates anônimos constituintes da Geografia
psico-espacial dos Cariris Velhos, viajando através dos caminhos da Literatura de Cordel. Conhecer o Poeta, busca proporcionar maior dizibilidade e visibilidade a estes artistas que nascem frutos de sementes plantadas no solo popular, com suas raízes fincadas no imaginário coletivo desta Nação Caririzeira. Também não perdendo de vista, o objetivo de possibilitar o contato poético entre o leitor e o autor, através da própria obra, com o intuito de incentivar, promover, publicar, semear, apoiar, divulgar e principalmente, trazer a obra empoeirada lá do fundo do baú, para apreciação do público. A semente foi plantada... Francisco de Paula Almeida Poeta Semeador
PROJETO Conheça o Poeta
Desenhos, Edição e Impressão Francisco de Paula Almeida e-mail: franciscodepaula.almeida@gmail.com Facebook: francisco almeida.almeida