REIVINDICAÇÕES DO PINTO

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REIVINDICAÇÕES DO PINTO Autor: Francisco de Paula Almeida

Literatura de Cordel 1ª Edição - Campina Grande - Paraíba - Brasil - Setembro/2015


XICÃO ALMEIDA por JÚNIOR CORDEIRO Uma fala sereníssima. Um riso largo na cara. Um jeito franciscano (fazendo jus ao nome que lhe deram na pia) de portar-se frente às imposições do consumo. Um estilo de vida inquieta e itinerante, típico dos destemidos ciganos que desbravam o globo em busca de aventuras. Um gosto impressionante pelos animais. Um apurado poder de observação das minúcias da natureza. Uma maneira peculiar e pura de fazer arte (como artista plástico, poeta, fotógrafo da alma dos bichos e das plantas) e, sobretudo, uma resposta certeira, rápida e irônica a tudo e a todos na ponta da língua, típica dos grandes repentistas nordestinos. Estou falando de Xicão Almeida, o Francisco dos rabiscos, dos óleos sobre telas, desenhos e formas surreais, das fotos curiosas e dos versos brincantes e debochados. Todas essas improfícuas definições se juntam num termo mais genérico e palpável que apresenta muito bem essa forma despojada de gente de quem eu falo agora: Xico de Inácio Francisco(esse é o termo mais completo). Xico é carinhosamente chamado de Xicão porque é um aumentativo por excelência, não só pela sua estatura avantajada, mas pela sua grandeza como artista e pessoa. Puxou a Seu Inácio em todos os sentidos, sobretudo no tocante ao gosto intenso pela poesia popular e a insistência encantadora numa vida desapegada às tolices do nosso tempo e concentrada em gracejos, piadas e zombarias sobre as dificuldades humanas de cada dia. A arte de Xicão é inseparável do seu excelente caráter, da sua índole altruísta. Esse incansável cavaleiro das caatingas não pede nada em troca do seu fazer artístico. Faz arte apenas pelo prazer da existência, dando sentido a sua vida e à das pessoas que têm o prazer de desfrutar da sua companhia e do seu rico trabalho. Não perderei tempo aqui tentando dizer o indizível ou definir com clareza esse artista complexo, que se faz assim, paradoxalmente, pela extrema simplicidade do seu ser e da sua obra. Deixo esse difícil ofício para quem pretenda categorizar em vão o trabalho intimista de Xicão, e queira se aventurar em estabelecer conceitos ou limites aonde não há. JÚNIOR CORDEIRO Poeta, cantor e Compositor


REIVINDICAÇÕES DO PINTO Com o momento atual tantas mobilizações a sociedade nas ruas nestas manifestações o pinto também se levanta com um grito na garganta para reivindicações Procurou os seus direitos por sen r-se injus çado fez vários ques onamentos da forma que é tratado procurou a solução pegou a Cons tuição no seu direito embasado Procurou o sindicato falou com seu presidente ele disse para o pinto sua causa é per nente procure o Ministério porque o fato é sério o pinto saiu contente Foi direto para o órgão com sua pauta repleta elencou os seus pedidos fez uma lista completa deu um pinote tremendo levantou e foi correndo ligeiro feito um atleta

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Chegando ao Ministério foi caminhando apressado com a cabeça erguida seu corpo todo molhado procurando um atendente pra reclamar bem urgente tudo que lhe foi negado Enquanto estava na fila ficou prestando atenção grande parte eram mulheres naquela ins tuição ficou meio encabulado bastante desconfiado com aquela situação Quando chegou sua vez foi logo pegando a lista contendo todos os pedidos entregou para analista a mesma olhou paciente analisou calmamente fazendo longa revista Na presença da mulher o pinto ficou encolhido cabisbaixo e calado com vergonha, constrangido pois tudo que reclamava a mulher sempre constava seria bem recebido?

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Feita todas as análises pediu pro pinto falar jus ficando os pedidos que estava a reclamar eu vou dizer em seguida tudo na lista con da passo agora a relatar: O pinto solicitou aumento no seu salário por sen r-se injus çado pois não é nenhum otário venho aqui quebrar meu galho Ministério do Trabalho e fez este comentário: O meu trabalho é gostoso e me dá muito prazer e dá também para os outros tenho que reconhecer tô buscando os meus direitos que por vocês foram feitos precisam por pra valer Vim aqui no Ministério pelas seguintes razões faço muito esforços sicos pra cumprir minhas funções alguém tem que me escutar vim agora registrar as minhas reclamações

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Eu mergulho de cabeça em grandes profundidades numa escuridão tremenda onde só tem umidades meu corpo sempre molhado eu só trabalho melado suprindo necessidades Eu não ganho horas extras durante minhas jornadas trabalho nos feriados noites, tardes, madrugadas pra atender os desejos já comi até sobejos carnes cruas, carnes assadas Meu trabalho me expõe as doenças contagiosas quando ram a camisinha são relações perigosas nu sem ter ves menta dar um frio no pau da venta para atender as fogosas Sem ter final de semana e sem direito a licença convocado a trabalhar na saúde e na doença seja no frio ou calor debaixo do cobertor e registrar a presença

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Ai de mim se a moleza tomar conta do meu ser na hora primordial o meu corpo amolecer me chamam logo de brocha de preconceito me atocha dar vontade de morrer Meus caminhos são incertos solos escuros, rachados também escorregadios buracos bem apertados florestas muito escuras tem de todas as larguras pressões de todos os lados Um trabalho insalubre por esgotos sanitários os caminhos que percorro faço aqui meus comentários transitam fezes e urinas chega doer nas narinas são caminhos solitários Me balançam, me sacodem feito boneca de pano é mão subindo e descendo feito balanço de abano isto não é pau-de-sebo pois tudo isto percebo é sofrimento rano

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Não posso comer de tudo nem tudo que desejar só coma a mesma comida disse o padre ao me casar não como comida alheia é separação ou cadeia assim evita pecar Na medida que eu cresço meu dono escolhe um lado para esquerda ou direita eu fico assim aleijado feito vara de pescar só para um lado entortar eu fico torto, empenado Eu moro em cima do saco é cama, é travesseiro inda tenho que aguentar o cheiro ruim do traseiro exalando flatulência não tenho mais paciência sou pinto, não sou cordeiro Fico sempre pendurado feito morcego no galho me botam cada apelido o mais comum é caralho até mesmo de cipó cada nome que dar dó dar um naipe de baralho

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Me jogam dentro de um saco pensando que sou linguiça uma tá de camisinha se eu ver com preguiça não tem jeito de entrar nem adianta forçar enverga igual dobradiça Eu sempre sou confundido com sorvete ou picolé me lambem de corpo inteiro pra me deixarem em pé cospem na minha cabeça num há quem não endoideça me dão até cafuné Se eu comer fora amigo! tá armada a confusão é briga de todo lado é coisa de assombração caso de morte e cadeia tem nego que leva peia tem até separação Vivo mole e dormindo com a cabeça rachada sem nem um fio de cabelo nesta careca pelada sem olhos e sem nariz vivo triste, infeliz não é mole esta jornada

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Vivo sempre escondido sem poder olhar o mundo se boto a cabeça fora em menos de um segundo se pública aparição meu dono vai pra prisão capa logo este imundo! Em calça de sertanejo se o mesmo for cantor eu me sinto apertado feito pisão de trator me arrocham até gemer é uma dor de morrer só falta morrer de dor Usam o meu nome em vão quando vão xingar alguém e se levam um machucão é o meu nome que vem para tudo que é ruim se lembram logo de mim só me tratam com desdém Se tenho o corpo coberto com a cabeça ves da inventam um tá de fimose esta roupa tá comprida! passam a navalha e corta nem meu dono se importa e minha roupa é par da

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Com relação ao tamanho é grande a complicação não existe uma medida aceita como padrão se muito grande danou-se se pequenina ferrou-se coitado se for anão Até o meu próprio nome é cheio de restrições proibido em vários locais Igrejas, repar ções quem ouse pronunciá-lo e em público divulgá-lo sofrerá condenações Quando vão ao banheiro me jogam dentro do vaso pendurado e balançando é um tremendo atraso é um mau cheiro danado além de ficar mijado deste jeito eu me arraso Quando um donzelo me pega me arrocha o corpo inteiro com cinco dedos bem fortes num movimento ligeiro espumo igual a sabão e me acabo é na mão feito colher de pedreiro 09


A mulher ficou me olhando com vontade de sorrir mais segurou o impulso eu vendo a hora cair encolhido, com vergonha da situação medonha deu vontade de par r Ela esfregou-me a cabeça com um gesto de carinho foi buscar um copo d'água me deixando ali sozinho eu todo encabulado acho que um pouco mijado feito garrafa de vinho Ela voltou com a água eu tomei bem devagar tremendo feito Toyota com medo de me engasgar tomei todo e respirei peguei a pauta e falei aí pude me acalmar Por tudo isto senhora venho agora reclamar todas estas condições que tenho que suportar peço a ajuda da lei que tem força mais que rei e vai este pobre ajudar

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Tendo ouvido com atenção todos reclames do pinto muito bem organizado no seu discurso sucinto foi chamar a redatora veio também a diretora como chefe do recinto A chefe olhou para pinto com atenção e respeito dizendo vou entregar para análise o seu pleito na força da lei que emana retorne em uma semana vamos ver se tens direito O pinto saiu contente pois ali foi bem tratado ouviram suas demandas pensou, que povo arretado disse volto pra semana para esta turma bacana o meu adeus e obrigado O pinto muito feliz foi para a casa contar como foi bem atendido não parava de falar parecia pinto no lixo com seu discurso prolixo noite inteira sem parar

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Seu Brocha, um pinto velho que dormia do seu lado quando ouviu todo o relato cabisbaixo, bem calado dizendo só tem mulheres? Com estes caracteres ficou “mei” desconfiado Dizendo-lhe abra do oi isto não pode dar certo ficar nas mãos de mulheres é melhor ficar esperto pois se tratando de pinto neste escuro labirinto não quero mulher por perto Disse o pinto pra seu Brocha seu velho desaforado são mulheres diferentes nunca encontrei do meu lado damas tão atenciosas educadas e charmosas o senhor tá enganado Seu Brocha ficou calado o pinto foi se deitar com a cabeça inchada de tantas coisas pensar só dormiu de madrugada com a cabeça cansada passou a noite a sonhar

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Passou ligeiro a semana o pinto um pouco sério agora chegou o meu dia sem medo e sem mistério pra saber qual decisão saiu feito um furacão no rumo do Ministério O pinto entrou no órgão procurou pelo setor onde seria atendido a moça disse doutor espera ali sentado pra saber seu resultado espere no corredor Chegou logo a sua vez pois logo foi atendido sente aí meu caro pinto e abra bem seu ouvido a decisão já saiu o que a junta decidiu vai ser aqui proferido Analisamos seu caso com cautela e critério sobre a luz do Direito pois o caso é muito sério e preste bem atenção qual foi mesmo a decisão que tomou o Ministério

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Revisando os seus pedidos tudo quanto elencou todos os seus argumentos um por um se analisou falo a verdade não minto o seu pleito caro pinto este órgão rejeitou Seu pinto quase desmaia ficou muito atordoado com tão cruel rejeição ficou muito decepcionado e quis saber dos mo vos quais os critérios e crivos que o pleito foi rejeitado Foi com base nestes fatos que agora vou descrever temos provas e testemunhas se você quiser saber este é nosso padrão escute e preste atenção no que agora vou dizer Não trabalha as oito horas ininterruptamente e dorme de vez em quanto durante o expediente às vezes faz corpo mole nem levanta, nem se bole frustrando o gozo da gente

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Tem pouca inicia va tem que ser es mulado para poder trabalhar tem que ser pressionado alisamentos, carinhos são tantos atos mesquinhos tem que ter muito ajeitado Muitas vezes abandona o seu posto de trabalho faz um serviço nas coxas nem serve pra quebrar galho visita outros setores em busca de outros amores trilhando por outro atalho antes dos 65 estarás aposentado e não levanta nem falso quando fica embriagado sem poder ficar em pé inda diz pra lá “muié” que hoje eu tô cansado As normas de segurança você sempre abre mão vai direto ao trabalho sem roupa de proteção ponde em risco a companheira dizendo tudo é besteira camisinha? eu uso não

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Quando termina o trabalho dorme vira para o lado sujando todo o recinto com seu infame escarrado chama a mulher de catraia vomita dentro e desmaia deixando tudo melado Como se ainda achasse pouco inda apronta esta despeita entre e sai do seu trabalho por uma porta estreita pendurado no seu taco visto carregando um saco de aparência suspeita Só trabalha quando quer nunca trabalha dobrado tá sempre com mau vontade dizendo que tá cansado lá fora é sempre dispostoe em casa é só desgosto por isso tá rejeitado Seu pinto baixou a cabeça todo mole e arrasado aí lembrou de seu Brocha eu é quem tava enganado acredite quem quiser quem confia em mulher se lasca ou fica atolado FIM

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Projeto ¨Conheça o poeta¨ Projeto que nasce sem nenhum arrojo de grandeza, nem pretensões maiores, apenas buscar imprimir as cores da poesia destes vates anônimos constituintes da Geografia

psico-espacial dos Cariris Velhos, viajando através dos caminhos da Literatura de Cordel. Conhecer o Poeta, busca proporcionar maior dizibilidade e visibilidade a estes artistas que nascem frutos de sementes plantadas no solo popular, com suas raízes fincadas no imaginário coletivo desta Nação Caririzeira. Também não perdendo de vista, o objetivo de possibilitar o contato poético entre o leitor e o autor, através da própria obra, com o intuito de incentivar, promover, publicar, semear, apoiar, divulgar e principalmente, trazer a obra empoeirada lá do fundo do baú, para apreciação do público. A semente foi plantada... Francisco de Paula Almeida Poeta Semeador


PROJETO Conheça o Poeta

Desenhos, Edição e Impressão Francisco de Paula Almeida e-mail: franciscodepaula.almeida@gmail.com Facebook: francisco almeida.almeida


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