Elogio histórico de sua magestade o imperador do brazil, d pedro ii

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SUA MAGESTADE O IMPERADOR DO RRAZIL

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Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Carlos

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10,

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o Senhor D. Carlos I

Sua Mag-estade El-Rei Ri:al Associação

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Diário de Noticias,

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Senhores

s^^g^;^ Mi sjir^

ha assumpto que por egual se imponha ás reflexões da intelligencia e ás emoções do coração, é a !?

vida

do

immaculada memoria hoje me cumpre, no desempenho duma incumben-

;^' ,^L

soberano,

a

cia honrosa, consagrar

cuja

algumas palavras de sym-

pathia e de justiça.

Nem

embora espinhoso, era para mim declinavel. Se, por melindres justificáveis, pode recusar-se o paneg}TÍco a quem se erga na culminação do poder, não deve nunca negar-se a um morto illustre, que cahira em desgraça, a homenagem aos altos o encargo,

que lhe assignalassem o espirito, ás altissimas qualidades ciue lhe ennobrecessem o caracter. Além de que nenhuma fronte ha que se não incline ante o cadáver dum hodotes

.

.

mem, que havendo presidido aos destinos dum dilatado império, como que se extinguiu em vida, morrendo para as luctas da politica e

para os esplendores da realeza, quando ainda tinha sen-

sibilidade e tinha alento para as mais torturantes angustias da existência.

Xão

por emquanto talvez, chegada a opportunidade de

ê,

se formular definitiva,

uma

apreciação despreoccupada, e conseguintemente

acerca do ultimo imperador do Brazil.


6

Ha

anomalias, contradictorias aberrações nos juizos da his-

como

toria,

dalguma maneira, contradictoria a acção consum-

é,

ptiva do tempo, que tende a apagar cicatrizes nas mesmas frontes em que, dia a dia, vinca e aprofunda rugas inapagaveis.

Para o mouarcha

brazileiro, houve,

comtudo,

uma

espécie de

prematura posteridade. E á semelhança do genial exilado que Elba affirmara ter ouvido, como de dentro

em

dum

tumulo, a

voz das gerações futuras que o glorificavam, D. Pedro n, sobrevivendo, por assim dizer, a si mesmo, pôde ainda apreciar, do seu longínquo retiro de França,

num

coro unisono, o veredictnm

universalmente pronunciado sobre a sua larga obra de politico e sobre as suas egrégias virtudes de patriota. E, nesta parte,

poucos reinados reclamam tão legitimamente da

critica o «juizo

do coração» de que falava Pascal, porque em poucos soberanos, tanto como neste, os enthusiasticos dictames do sentimento cálculos frios e quasi

dominaram os

sempre egoístas do

racio-

cínio.

É por demais

sabido que a vida de D. Pedro não teve,

como a dos guerreiros de combates.

dos

sangue,

A

guerra

raça,

a doiral-a de luz o sol ardente

do Paraguay

— baptismo

de fogo e

de que o império surgiu mais vigorosamente tempe-

rado para os certames da paz

apenas como

vam uma

uma

foi

um

facto anormal,

acceito

prova de força que as circumstancias torna-

condição imprescindível de vida.

Durante os cincoenta e

oito

annos decorridos de 1831 a

1889, nunca, a exemplo dos restantes estados da America, apoz a espada incerta

dum

lucta,

aventureiro

prestigioso,

o

donde emei'gem as grandes

Brazil

foi

glorias,

levado á

mas onde

egualmente se apagam as mais refulgentes auréolas. pelo

contrario,

Viu-se,

conduzido, sem esforço e sem sobresaltos, pela

mão prudente dum homem que o estremecia e que personificava, na circumspecção com que lhe dirigia os passos, e no carinhoso aífecto com cj[ue lhe preparava o futuro, o verdadeiro pater 2Mtrice, no mais levantado e completo sentido da expres-


a característica do seu reinado, e é este o defeitos, tanto como das virtudes, que lhe foram

Pois ê esta

são.

dos

porquê

apontadas

árdua missão de gover-

da sua

cumprimento

no

nante.

em

Aventou-se que,

na experiência de D. Pedro n, o caminho mais curto entre dois

politica,

a linha recta não parecia ser

modo, descabida a observação, nem que era egualmente de censurar o procedimento do monarclia pontos.

Não

em

era,

certo

a inspirava.

Um

paiz

sem

além

população,

cuja

tradições

nem

hábitos de autonomia, e

do elemento

ha muito, por quasi uma decima

servil,

entrava,

cm

ainda não

parte, o elemento selvagem

nação rebelde a todas as catecheses, não se governa como uma com fundas raizes no passado, com direitos adquiridos a ter a fazel-a escutar e prevalecer na direcção como a Minerva do velho, dos negócios públicos. E o Brazil levantando-se abruptamente de colónia em império, uiytho opinião

própria,

e

surgiu armado para a existência independente e

assim se diga,

dum

só jacto,

duma impulsão

livre,

porque

única.

por isso mesmo, necessário que as armas que concedidas por lhe entregavam, que a outorga de prerogativas uma constituição vasada nos mais amplos moldes das liberdaTornava-se,

na prides modernas, o não subvertessem nos perigos, que, como meira edade da vida, ameaçam uma nacionalidade, tanto

um

individuo.

decerto o comprehendeu lucidamente; e entenque para reger um paiz que acaba de nascer

O imperador deu,

e

bem,

para a independência, era preciso mais do que uma passividade authomatica escrupulosamente formalista; eram indispensáveis um a acção e a iniciativa dum chefe, que fosse principalmente guia e

um

educador, e que o levasse,

embora contra a von-

fim tade que na infância tantas vezes se transvia, para um de constante progresso material e moral. O que aos olhos de muitos se afigurava portanto o disfar-


8 çado exercício

dum poder que

se cria absoluto uo

pretendida omnipotência que, uo dizer

dum

maudo, essa

illustre publicista

fluminense, convertia de facto o imperador no primeiro ministro

permanente do

duma

tutoria,

além do natural auctoritarismo

demasiado condescendente e benévola para

ella

mais ou menos ostensivamente se insur-

nem mesmo

giam. Ora

ia

aliás

que contra

os

não

Brazil,

os defensores pm-itauos do systema re-

presentativo repudiam a legitimidade, ou, o que é mais, a indispensabilidade, no regimen governativo

dum povo

ainda não

perfeitamente compôs sm, sem a clara consciência dos seus de-

sem a plena posse dos seus

veres e

destinos,

duma

espécie de

despotismo paternal, cuja auctoridade, posto que limitada por preceitos

constitucionaes,

seja

preponderante

de

facto.

Foi-o

realmente a auctoridade exercida pov D. Pedro n; e porque o

seu governo, sem de

nenhum modo

se mostrar intolerante

ou

retrogrado, era essencialmente pessoal, resentiu-se, de principio

a

fim,

das qualidades pessoaes do governante.

Muitas vezes succede, meus senhores, que lavra,

um

racter

como

parallelo

um

uma

simples pa-

apenas esboçado, defina e precise

um

ca-

termo se define e precisa por outro termo de

rigorosa synonymia.

D. Pedro n suscitou ao mais fecundo génio poético da França

a recordação de Marco Aurélio, o doce philosopho, de cujo sereno e compassivo estoicismo, mais alto e mais pm'o que o do I)roprio Séneca, latria

brazileiro foi

um

philosopho e

um

a philosojjhia dominou-lhe a intelligencia,

dominou o coração. O mesmo, pois, austero e um bom. Assim também dois factos, trahindo a acção

christà lhe

um

—a

ido-

da pátria e a idolatria do dever.

O monarcha victo:

sobrelevavam duas paixões absorventes

christào con-

como a moral é dizer que foi d'estas influen-

mostram capitães no transcurso do seu reinado: o desenvolvimento da instrucção geral, acompanhando e cias i)reponderantes, se


auxiliando o da riqueza publica, vel

a

pertinácia qual,

em

acima de tudo, a admirá-

uma

a cabo

levar

e,

generosa reforma, contra

desde começo, se conjuraram os mais inconfessáveis e

intransigentes egoismos.

«É geralmente sabido, escrevera Herculano a propósito dum que o joven imperador dedica todos livi-o de Gonçalves Dias, os

salvar das occupações materiaes de chefe

momentos que pôde

Mancebo, prende-se á mocidade, aos homens do futuro, por laços que decerto as revoluções não hão de quebrar, porque o progi-esso social não virá acommetdo Estado, ao culto das

letras.

inopinadamente nas suas crenças e hábitos.» Enganou-se o lúcido pensador, não quanto ao facto que apontava, mas quanto á prophecia que formulou, e em que não

tel-o

conta o desrespeito e a ingratidão dos homens. Porcomo o fora Marco AureUo de que D. Pedro n foi accusado de se absorver por querer impor a sua philosophia ao povo

em

levava

em

demais no estudo, Possuindo sima, dotado,

uma

prejuízo dos negócios do estado.

assombrosa memoria

como observou Tissandier,

dadeiramente universal,

uma erudição vastísduma intelligencia vere

sábio, litterato e artista

naturalís-

sem duvida, que as suas accentuadas predilecções em muito lhe occupassem o tempo e lhe absorvessem a attensimo

ção.

era,

Nunca, porém, justiça é

confessal-o, o largo saber e a clara

ávida intelligencia de D. Pedro se voltaram em prejuízo do Brazil, que tirando consideração e respeito dos raros dotes por e

meio dos quaes, entre sábios e entre monarchas, se distinguia o seu soberano, na paixão que este votava ao estudo encontrou o foctor que mais efficazmente concorreu para que as escolas,

as bibliothecas

e

os

mais variados estabelecimentos de

ensino rapidamente se multiplicassem no império.

Ao mesmo tempo, por um nitiva

do escravo

— anccava

o

outro ideal

o da alforria defi-

seu coração, como os dos mais

nobres propagandistas brazileiros.


10

o

coEgresso de Paris adoptara

em 1867

a resolução de ap-

para os governantes e para a opinião dos povos, a íim

pellar

de que a escravidão e o trafico fossem immediata e radical-

mente

dum

abolidos.

Não podia

monarcha, que sendo

explicar e legitimar a

sem echo por parte

este appello ficar

um

não buscava comtudo

philosoplio,

escravidão,

como

haviam

aliás

feito

os

mais luminosos génios philosophicos da antiguidade. Porque para Sócrates,

o

o

virtuoso,

era a me^^ma virtude

para o idealismo puro de Platão

foi

— como

o critério

ção fundamental de duas raças, que entre

segundo o pensamento

aristotélico,

a sabedoria

da

distinc-

se distanciavam,

si

por diíferenças equivalentes

ás que se constatam entre o corpo e o espirito, entre a intelligencia e a sensibilidade.

Casavam-se melhor com os sentimentos de D. Pedro as dou-

como S. João de Deus não se

trinas genuinamente christãs dos moralistas, que,

Chrysostomo nas Homilias, pensavam que a

lei

prestava a reconhecer a desegualdade firmada pela

mens

entre a raça livre e a escrava.

duas

leis

que

elle

se esforçou por ir

cendo, visto que tal desidcratum, brazileiro respondia á

E

foi

lei

dos ho-

a harmonia d'estas

pouco a pouco estabele-

como em seu nome

o governo

mensagem da Junta emancipadora

fran-

obtemperava ao que «o espirito do christianismo desde ha

ceza,

muito reclamava do mundo civilisado».

Para a obra da emancipação concorria, porém, o imperador muito antes do congresso lhe chamar a attenção para sumpto, e tanto que datava de 1851. isto nos antes da reunião de Paris, a escravos clarar,

A

lei

é,

tal as-

de dezeseis an-

pruhibitiva da importação de

— providencia sobre a qual chegara terminantemente a de-

num lei

despacho celebre, que collocava, a sua própria coroa.

de 1871, cortando mais fundo, preceituava a condi-

ção li^Te do ventre; como todavia não bastasse a satisfazer as aspirações

de

de D. Pedro, suscitou este

uma nova

em

medida, que o parlamento rejeitou, mas que, a

haver sido adoptada, terminaria de vez, nos,

com

1881: a proposição

o elemento servil.

em

dez ou doze an-


11 Dissolvida

a camará,

abriíi-sc

renhida campanha eleitoral

entre os abolicionistas, que queriam a libertação de facto, e os

emancipadores, que, illudindo as aspirações do imperador, se

mitavam a e

simulacro de emancipação. Coube aos segundos

embora a nominal pertencesse ao partido ada proposta do governo teve de ser novamente addiada

a maioria verso,

um

li-

real,

para melhor opportunidade. Alludindo aos trabalhos precursores da d' Alencar,

lei

de 1871, José

que involuntariamente rendia o mais levantado elogio

á entidade que verberava, dizia indignado: «Não se tracta duuia leij tracta-se duma conjuração do Poder. Desde 18G7 que o Poder conspira, fatigando a reluctancia dos estadistas chamados ao governo, embotando a resistência dos partidos.» Nesta conspiração, assim tão acremente estigmatizada, não

desesperou todavia D. Pedro

um

só instante.

duvida o Brazil o não se ter realisado o

E

a isto deveu sem

tiiste vaticínio

dum

de que a dos mais ardentes evangelizadores do abolicionismo sua pátria havia de celebrar o centenário do descobrimento da crepes, enlutada pela avil-

America com a bandeira coberta de

tante macula da escravidão. Se tal não succedeu, se a bandeira brazileira

pôde trennilar sem mancha nessa commemoração

re-

porque o imperador, depois de mil vicissitudes, de mil constantes esforços, depois de novamente batido por uma votação contraria do parlamento, logi-ou a fmal que a lei de 13 cente,

foi

de maio de 1888, que, embora íirmada pela Princeza regente, era a sua obra sobre todas querida, expungisse immediata e incondicionalmente a escravidão do Brazil.

Quem bem

attentar neste facto,

em

que, por ser culminante

ha de admido rar a perseverança, a tenacidade do soberano na realisação seu intento, fazendo concessões, torneando difíiculdades, vencendo

na

historia do império,

mais detidamente

resistências, suscitando conílictos

insisto,

que lhe punham em

risco a co-

mas, com a obstinação e a força delidora duma corrente que jamais retrocede sobre o seu próprio curso, abrindo sempre, constante e persistentemente, um leito viável para a sua idéa fixa.

roa,


12 (

.

*

Na

evoluçrio social, a relação de determinação entre o pas-

sado e o presente, entre os antecedentes e os subsequentes, é

uma

das reivindicações

losopliica

no

que

em que mais

Brazil

numerosos

creou

com

doutrinas, porque fossem hauridas

em muito

talvez

concorressem

para

uma

insiste

escola plii-

adeptos,

e

cujas

sofíreguidão demasiada,

subversão

prematura

a

das instituições monarcMcas tradicionaes. Mas essa escola, que

para

si

reclama a prioridade de haver

da historia

feito

uma

com leis de filiação definidas, é a mesma que accenpela penna de um dos seus eminentes primazes, o quanto

sciencia túa,

é

difficil

sissimos

aquella determinação,

— uma

em que actuam

elementos diver-

vasta complexidade de condições inherentes á

innumerabilidade dos órgãos, á variedade das influencias, á complicação do machinismo, á infinita sequencia de imprevistas con-

nexões.

Longe me

levaria,

por conseguinte, o desenvolvimento das

causas efficientes dessa revolução, para a qual a força das idéas se

com a

conjugou, e quasi se confundiu,

ambições, e que derrubava o império

força e o ardor das

num anno

de

bom

presagio

para os que, no seu prurido demolidor, queriam que 1889 fosse

para o Brazil o que, precisamente para a França

—a

radiosa aurora

um

século antes,

duma epocha

1789

fora

de redempção

e rejuvenescimento.

Havia, desde muito, entre os brazileiros, identificação

quem

aspirasse á

do regimen politico com o das republicas limitro-

phes. Tal aspiração estimulava, não decerto a necessidade,

a

curiosidade

duma mudança de

instituições,

mas

duma renovação

de scenario constitucional, visto que o império representava, aos olhos

dos americanisadores intransigentes,

uma

anomalia an-

tinomica com o natural modo de ser dos estados circumvisinhos.

Para os revolucionários

idealistas,

para o doutrinarismo es-


13

— peculador —

menos, digamol-o, que para o empirismo esa prosperidade da nação dependia da conformidade governativa com os estados que a cercavam, e a sonhada republica brazileira afigurava-se-lhes, como a Anticbtona da vellia

l^eculativo

nfio

embora ainda não radiasse na constellação politica do novo mundo, já se contava que devesse integrar, mais tarde ou mais cedo, o systema geral dos governos escola itálica,

um

astro que,

americanos. Inevitável,

tar

essa mutação

como

o

conflicto

essencialmente

tlieatral,

pois,

era,

de que de\ia resulrompia em novem-

bro de 1889, provocado pela indisciplina do caudilhismo insofferidos frido, e instigado pelo descontentamento dos fazendeii'OS nos seus interesses pela lei emancipadora de maio de 1888.

Porque cumpre accentuar o facto de que foi a promulgação desta dezenas de lei que abreviou os dias do império, como algumas annos antes fora

— notou-o

atiladamente

também a causa da

um

abolicionista illustre

escravidão que

em não pouco

contri-

ao buirá para o ostracismo de José Bonifácio e para a entrega cadafalso dos nacionalistas pernambucanos.

TJma das theses do partido conservador, em 1837, era que das imperador «imperava, governava e administrava» uma máximas do partido liberal, em 1869, era que o rei «reinava o

;

não governava». a Entre estas duas datas, não se pouparam esforços para ser a pasrealisação dum fim que os liberaes radicaes diziam e

cuja sagem do estado de fetichismo á democracia pura, e para abolição do consecução era indicada, como primeiro passo, a

poder moderador. Sem renegarem abertamente o seu credo monarchico, abalado desde que

em 1868

se publicara o

programma

liberal-ra-

o dilemma os liberaes ofifereciam aos poderes constituídos em fins de reforma ou revolução—, optando os radicaes,

dical,

conforme se exprimiam 1870, pela chamada «revolução moral», no manifesto de dezembro deste anno.


>

14

Xenhum, porém, dos mais avançados partidos

nem

zileií-os,

os liberaes de 1869,

nem

políticos bra-

os republicanos de 1870,

que sem trepidarem ante os perigos duma conflagração proclamavam a urgência das mais profundas reformas,

social

fazia

questão essencial do humanitário principio apostolado pelos abonão a immediata licionistas. Os liberaes promettiam a gradual

— emancipação

dos escravos, a qual confessavam «não ter in-

tima relação com o objecto do programma» c^ue defendiam; e os republicanos, na mesma dúbia espectativa, mantinham uma egual contemporisação com as instigações do interesse e com os philantropicos protestos do abolicionismo, apressando-se com-

tudo a repudiar, logo que lhes tuito de

Xão me a

cto,

um

darem

attribuido, o levantado in-

golpe decisivo no estado servil.

deterei,

frisar

foi

porque só pretendo apontar o estranho

fa-

o contraste entre o que havia de retrogrado, ou,

pelo menos, de nimiamente conservador, neste procedimento que

hsongeava egoísmos, e o que inversamente se alardeava de progressivo nos processos políticos, que, sem excluírem a idéa extrema da revolução, deviam conduzir á acquisição do poder. O que é todavia certo é que, a respeito de muitos dos que no se

.Brazil

pôde

inculcavam reformadores de praticas

como

affirmar-se,

aliás tão

obsoletas, não

justamente de D. Pedro se es-

creveu, que sempre collocassem os princípios acima de

mos,

num

si

mes-

plano sobranceiro ao das suas menos legitimas con-

veniências partidárias.

Numa

memorável, com que as creanças das escolas

festa

celebraram na capital do império a lei de 13 de maio, um notável tribuno, em uma eloquente apostrophe á Princeza regente, dizia-lhe:

«A

bons patriotas

lei .

.

.

que sanccionastes abriu-vos os corações dos É, Senhora, por esta forma, que firmareis o

throno de vossos antepassados.» Entíanou-se o ardente democrata, como o maior dos nossos historiadores se illudíra falando

Pedro.

E

— decepção

^K

formal

!

do então joven imperador D. era

aquella

mesma

generosa


15 jn-ovidencia ({ue mais concorria para a revoluoào, que no anno

seguinte ao da bio

diamantina expatriava o imperante, pelo sá-

lei

escriptor reputado

ao abrigo das tempestades politicas, e

a princeza que aos espirites ingenuamente entliusiastas pare-

com a magnanimidade daquelle

cia ter assentado,

acto,

em mais

seguras bases os degráos do seu tlirono!

E,

sem

em

digno de reparo, meus senhores, que

verdade,

fos-

os melhores dotes pessoaes do imperador, que fossem, não

tanto os defeitos como as virtudes do seu caracter, que mais

poderosa e decisivamente influíssem para accelerar o movimento

que tão bruscamente

revolucionário

lhe pôz termo ao reinado.

Porque se a emancipação do elemento

mente occasional da sua queda,

servil,

causa proxima-

se havia imposto ao seu hu-

manitarismo christão, o desenvolvimento rápido do ensino, por

meio do qual os que officialmente o ministravam, fiados na lerância do

to-

iam incutindo no povo idéas demolidoum dever de consciência, cujo cumprimento

soberano,

ras, afigurava-se-lhe

nem mesmo sacrificaria ao natural empenho de continuar gir uma gloriosa coroa. Além de que a abnegação em

a cinfrente

de todos os interesses, o desprendimento de todas as ambi-

da austeridade da sua philosophia, eram de

ções, consequência

molde a crear-lhe essa funesta lenda, com acerto explicada por

quem Catão,

lhe pôz

na bocca as nobres palavras do

rei

Juba,

df)

de Garrett: ... se o throno ha de custar-me

uma

só violência,

um

só gemido,

abjuro o throno.

Indiôerente ás suggestões da vaidade o

monumento que

c tanto

que trocara

os seus compatriotas lhe haviam oíferecido

pela creação de novas escolas onde se educassem mais alguns filhos

do

i:)ovo

— preferindo

que o apreciassem como sábio a que


16

como imperador, as praxes, as esterioridades e etiquetas da corte prendiam-no pouco, prendiam-no menos do que seria mister para a segurança do sceptro que empunhava; e isto sem duvida concorreu para que tomasse corpo a crença no seu republicanismo, a extravagante convicção de que

o

acatassem

o imperador era o primeiro inimigo de

si

próprio!

«As fórmulas que ajudam a manter a nobreza do porte num conhecido romance da escola naturalista franceza, um

diz,

velho servidor á sua rainha no exílio

são a inflexível arma-

dura que sustenta de pé o soldado, ainda depois de mortalmente ferido.» D. Pedro nunca soube manter, em presença do povo, a cabeça

bem

erguida,

bem

altiva e

bem

hirta.

Não

ad-

mira portanto que a coroa lhe cahisse da fronte, quando esta mais se curvava i)ara attender as queixas e para escutar os

gemidos da classe mais desditosa e opprimida do seu paiz.

Quando ainda imperava de escrevera elle

bre,

os

artigos

facto,

estas palavras,

do seu credo:

perança, porque espero

«A fé

annotando

um

livro cele-

que eram, por assim

religiosa não a separo

da misericórdia

dizer,

da

es-

de Deus que

infinita

todos os homens que houverem cumprido os seus deveres, tanto

quanto o permitte a imperfeição humana, serão recomj)ensa-

não a separo também da caridade, a que repugna a

dos;

tolerancla.y>

Submettido á mais dura das provas,

foi

in-

na desgraça

que crystalisou esse nobre e severo sentimento de esperança numa justiça mais alta que a justiça humana, traduzido na serena indifferença perante o terror da morte, do

mesmo modo

que perante as vicissitudes da vida. «

meu

— Tomae corpo,

meu

o

património,

aqui o tendes ...»

se

dizia

o

quereis; se quereis o

resignadamente o santo

bispo de Milão ao imperador Valentiniano. Semelhantemente tam-

bém, D. Pedro

punha doença,

n,

o corpo a

ao

que deixara os seus bens ao abandono, ex-

uma

morte inevitável quando, alquebrado pela

saber d'essa quasi pena de talião imposta áquelle

que tão audazmente se lhe substituirá no poder, se

oíferecia


17 para voltar ao Brazil, se no Brazil

sem

E

*.

não é

porventura precisas-

delle

se o seu estoicismo culminou nas horas

do infortúnio,

de conceber adversidade mais dolorosa do que a do venerando monarclia que, apenas expulso da pátria, perde fácil

a esposa amantissima, doce e carinhosa companheira dos seus melhores annos, e que, após meio século de existência consagi-ada por inteiro a realisar a divisa

que

uma

revolução trium-

phante veiu a inscrever no mais alto da bandeira que hasteou, ainda tem a desventura de viver o bastante para ver esse lemma

«ordem

de

e progresso»

tornar-se,

nas inevitáveis incertezas

dum regimen novo, de asph-ação generosa para um melhor futuro, em simples memento evocador dum mais feliz passado!

Xo

povo, raro perduram sympathias ou se radicam animad-

versões.

Fmas

e outras oscillam á

como a flammula ondeia ao capricho dos ventos que

incitam,

Mas umas

a fustigam.

permanente base de

mula

mercê das paixões, que lhe

e outras^ reconheçamol-o,

real

ou de apparente

se prende á haste fixa

em que

assentam

numa

como a

flam-

justiça,

tremula.

Pôde,

no fundo, ser

falso

errar nos

seus intuitos,

como tantas vezes

o impulso a

que obedece; pode erra nos seus juí-

mas não é que o espirito publico consciente e propositadamente se mova por mesquinhas influições de rancor, quando

zos;

nem

sequer frequentemente o estimulam as legitimas instiga-

ções do interesse.

Ainda,

i)orém,

quando

que não me

refiro

vidade onde pulsa,

num

claro

i^ratíca

o

máximo

mal, o povo

mas á

ás facções partidárias, paiz, a

alma nacional

— não

ticar

a minima iniquidade. Tendo a inconsciência

como

um

1

still

Pathetic remark

himself, tbough crushed

by domestic

trouble and torraented

at the disposal of his ungrateful peoplé. «If they

when he heard of

(The Daily Graphic.)

the dissatisfaction caused

want me

by Fonseca'3

collecti-

julga pra-

dum

echo apenas repete hoje a palavra de paz, e

«Dom Pedro

held himself

by a

echo,

amanhã

painful illness

I will return»,

coiip cTétat.m

was

hia


18 repercute o grito

de exterminio.

B assim

ê

que quem lance

com arte ás multidões um gérmen de calumnia ha de do mesmo modo que a ondulação é egual na agua em que cae

uma

lasca de granito,

e fecundo,

proliíico

ctificar,

uma

ou

lasca de diamante

como aquelle que

vel-o fru-

lhes incuta

uma

pura semente de verdade.

O

glorioso trágico inglez,

verosimilhança as eternas e

um

traçou

que personificou em typos de eterna dominadoras paixões do homem?

quadro da mais flagrante observação psycologica ao

na scena da oração fúnebre de Marco António sobre a morte de César, as tergiversações, as dubiedades do povo, que pintar,

a o

mão hábil dum guia conduz, com a mesma docilidade, para bem ou para o mal, para a justiça ou para o crime, e bas-

tas vezes até para a vida ou para a morte.

O

Brazil

na deposição do seu ultimo imperante,

oíferece,

a iDrova real daquella incontroversa verdade histórica.

mado de um sentença nem

dia

era

o

expatriado do dia seguinte,

seu amor infindável pela pátria. tir-se tão

em

ao menos se levou

E

O acclaem cuja

conta a attenuante do

o finado imperador, ao sen-

violentamente ferido nos mais ternos sentimentos da

sua alma, havia de duvidar, duvidou decerto, da reaUdade do golpe que lhe vibravam, como na tragedia shakspeareana o san-

gue de César acode ás bordas da ferida para se

mão do amigo, mais do que

fora a

certificar

se

todos querido, que o fizera

romper a jorros do coração.

Não liada

é,

ao

meus

vivo

ardor

como o de Luiz tella;

senhores,

ix

não é só a fortuna nas armas

da crença, que logram

santificar

al-

nomes

de França ou o de Fernando ni de Cas-

não é só a maravilhosa, a incomprehendida missão duma

illuminada, coroada pelo mais brutal dos martyrios, ciência

heróica,

a heróica e viva

na realisação

nem a padum audaz

que recommendam á beatificação da egreja os nomes da martyr que morreu pela França e pelo seu delphim, ou o desse ideal,

descobridor vidente, cujo

nome não ha muito echoou nos

dois


19

mundos, erguido

num

liosanna gloriíicadoí-, universalmente con-

clamado por milhões de boccas.

O

resplendor da santificação dão-no, de facto, os grandes heroísmos, os grandes martyiios, as crenças fundamente enraiza-

mas ha de também cingir a fronte daquelles que respondem com a suprema resignação ás ingratidões supremas. Por-

das;

que a lenda, que já hoje se levanta como um nimbo em volta desse vulto, que morreu hontem, hade pouco a pouco adquirir consistência e forma, illuminando-o da mystica auréola que dá ás incomportáveis desgraças uma estranha feição sobrenatural e

quasi divina.

o

E bem explicável, bem presumível é que tal succeda com homem que tendo, no naufrágio de todas as suas grandezas,

de todas as suas aspirações, perdido também tudo menos a honra, só para o exilio levara a immensa amargura da sua nostalgia

de velho proscripto,

brazileira

que devia

e

aquella mesquinha

cobrir-lhe o cadáver,

pá de

terra

quando a morte para

sempre lhe extinguisse no coração a profunda e irreductivel saudade do seu paiz essa saudade que, por ultimo, se diria ser

o mais resistente, o mais

grande alma de patriota.

forte,

o único e vivo alento da sua


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Cunha, Alfredo da Elogio histรณrico de Sua Magestade o Imperador do Brazil, D. Pedro II


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