Universidade Metodista de São Paulo Faculdade de Comunicação Curso de Jornalismo
OLHARDOUTRO
ANDRÉ AMERICO
AndrĂŠ Americo, 2009
Agradeço a minha famĂlia, ao corpo docente da Universidade Metodista AGRADECIMENTOS
e ao professor Ademilson Leite.
1. 2.
Introdução........................................................................... 9
A fotografia como equipamento ideológico
3.
Segundo Capítulo....................................................... 37
4.
Conclusão........................................................................... 65
Mensagens através de Imagens
ÍNDICE 5..
Uma língua verdadeira
Primeiro Capítulo......................................................... 17
O outro olhar
Bibliografia......................................................................... 69
UMA LÍNGUA INTRODUÇÃO VERDADEIRA
E
ste trabalho se propõe
o filósofo francês Roland Barthes quer
a analisar as imagens
dizer com esta afirmação é que a fotogra-
fotográficas como uma língua verdadeira,
fia se assemelha muito com as formas de
composta de seus próprios signos, que
linguagens ideográficas (como a escrita
devem ser decodificados como se fos-
através de hieróglifos, por exemplo), onde
sem uma escrita e, portanto, não como um
os símbolos podem ser traduzidos através
espelho que apenas reflete a realidade. As
de analogia ou sinais gráficos que pos-
câmeras fotográficas constroem imagens
suem significados próprios. A diferença é
que significam as coisas mais do que as
que na linguagem ideográfica, os símbolos
representam “Graças ao seu código de co-
assumem um papel declarado de signos,
notação, a leitura da fotografia é, portanto,
enquanto que na fotografia o signo é repre-
sempre histórica: ela depende do “saber”
sentado pela “cópia” da realidade que, por-
do seu leitor , exatamente como se tra-
tanto, tende a assumir um caráter, à primei-
tasse de uma língua verdadeira, inteligível
ra vista, denotativo, quando na verdade,
somente se aprendemos os seus signos.
por se tratar de um signo, possui um lado
Em resumo, a “linguagem” fotográfica não
conotativo. A compreensão da linguagem
deixaria de lembrar certas línguas ideográ-
fotográfica passa pela bagagem sociocul-
ficas, nas quais estão misturadas unidades
tural de cada “leitor”, ao vermos a imagem
analógicas e unidades sinaléticas, com a
de algo que não conhecemos, procedemos
diferença de o ideograma ser vivido como
da mesma forma que ao ouvir uma língua
um signo, enquanto que a “cópia” fotográ-
estrangeira da qual nunca ouvimos antes.
fica passa pela denotação pura e simples
O grande problema é que cada leitor pos-
da realidade” (Barthes 1969, p.311). O que
sui sua própria gama de signos e, assim 11
sendo, podem “ler” uma mesma imagem de diferentes formas.
12
1996 p,55)) Cada fotografia tem diversas
A maioria das pessoas olha
histórias a serem contadas, e quem es-
para as fotografias como se fossem jane-
creve essas histórias é o fotógrafo e o
las para a realidade. O que se pretende
“leitor”. Ao empunhar a câmera fotográfica,
demonstrar aqui, é que as imagens devem
o fotógrafo manipula o equipamento, deter-
ser lidas como se fossem textos e não ape-
mina o enquadramento, a profundidade de
nas observadas, uma vez que, assim como
campo e a velocidade do obturador a fim
um texto, elas foram produzidas pela cria-
de criar a imagem que melhor mostre (na
tividade e intelecto de alguém, no caso o
opinião dele) o que se passa em frente às
fotógrafo. “Considerar a imagem com uma
suas lentes. Não é necessário conheci-
linguagem visual composta de diversos
mento técnico para manipular as imagens,
tipos de signos equivale a considerá-la
a escolha do enquadramento já é uma for-
como uma linguagem e, portanto, como uma
ma de modificar a imagem real. Como esse
ferramenta de expressão e de comunica-
procedimento é completamente subjetivo,
ção. Seja ela expressiva ou comunicativa,
o operador do equipamento fotográfico
é possível admitir que uma imagem sempre
manipula o que se pretende por “real” e cria
constitui uma mensagem para o outro, mes-
uma mensagem que muitas vezes não pode
mo quando o outro somos nós mesmos.
ser percebida, em todo o seu significado, à
Por isso, uma das precauções necessárias
primeira vista. “Uma determinada foto não
para compreender da melhor forma pos-
se distingue nunca de seu referente (daqui-
sível uma mensagem visual é buscar para
lo que representa), ou, pelo menos, não se
quem e por quem ela foi produzida.” (Joly
distingue dele imediatamente ou para toda
a gente (...) perceber o significante fotográ-
(que são os signos) para criar sua própria
fico não é impossível, (...) mas requer um
mensagem fotográfica. Não é necessário
segundo ato de saber ou de reflexão”
conhecer todas as técnicas no manuseio
(Barthes 1980. p,18).
de uma câmera fotográfica para construir
Já o “leitor” tem sensações
uma imagem subjetiva. Isso significa que
diferentes ao ver uma determinada foto.
não existe imagem fotográfica objetiva,
Uma mesma imagem pode causar diversas
todas dependem de ações subjetivas por
reações nas pessoas. Todos os observa-
parte do fotógrafo.
dores possuem suas próprias experiên-
Ao longo da história fomos
cias de vida, alegrias e frustrações. Assim
condicionados a ver a imagem fotográfica
sendo, uma imagem pode remeter a coisas
como algo objetivo, como pura verdade,
completamente diferentes para cada tipo
um espelho capaz de aprisionar a imagem
de pessoa, de acordo com a bagagem
que nele é refletida. Isto conferia à foto-
cultural que possuem. Como a gama de
grafia o atestado de “isto foi”, a certeza
“leitores” é muito vasta, uma vez que a mí-
de que o que a fotografia é o perfeito simu-
dia impressa (onde um grande número de
lacro do real, a mais verossímil simulação
fotografias são veiculadas) tem uma pen-
da realidade. “A objetividade da fotogra-
etração muito grande em todas as classes
fia confere-lhe um poder de credibilidade
sociais, e estes “leitores” possuem signifi-
ausente de qualquer obra pictórica. Sejam
cados muito diversos, uma mesma imagem
quais forem às objeções do nosso espírito
pode contar histórias completamente dife-
crítico, somos obrigados a crer na existên-
rentes dependendo de quem as observa.
cia do objeto representado, literalmente
Dessa forma, o leitor possui pré requisitos
re-presentado, quer dizer tornado presente 13
no tempo e espaço” (Ismail Xavier. 1983
diante de uma escada porque há um grupo
p,125/126).
de miúdos a brincar atrás de mim, avistam Mas não precisamos acreditar
que o objeto está representado ao acaso,
sentar nele.” (Barthes 1980 p, 30).
em sua forma mais pura, livre de intenções.
O que será tratado aqui é a
Pelo contrário: se, ao souber que está
fotografia como algo subjetivo, algo pen-
sendo fotografado, o ser humano não per-
sado e construído intencionalmente pelo
manece indiferente à câmera, o fotógrafo
fotógrafo para passar ao observador de-
tampouco fica imune à sua obra. “Ora, a
terminada mensagem, como um texto, onde
partir do momento em que me sinto olhado
o escritor escolhe cuidadosamente as pa-
pela objetiva, tudo muda: preparo-me para
lavras para passar seu ponto de vista.
a pose, fabrico instantaneamente um outro
A câmera fotográfica imortaliza
antecipada-
o instante, congela a fração de segundo,
mente em imagem” (Barthes 1980 p,25). O
mas é ingenuidade pensar que o segundo
fotógrafo procura o melhor ângulo, a mel-
congelado não foi cuidadosamente es-
hor pose para, de acordo com as suas in-
colhido pelo fotógrafo a fim de passar
tenções, dar ao motivo um ar de inteligente,
uma determinada idéia. O político que faz
de agradável, áspero ou ignorante. “Nada
careta ou a atriz que coça o nariz não são
seria mais divertido (...) do que as contor-
mero acaso de uma falta (ou excesso) de
ções dos fotógrafos para “dar vida”. Ridí-
sorte de quem disparou o obturador. Se a
culo! Mandam-me sentar diante dos meus
intenção do veiculo que publicará a foto
pincéis, mandam-me sair (“lá fora” há mais
é ridicularizar um político, com certeza o
vida do que “cá dentro”), mandam-me posar
fotógrafo procurará o momento em que ele
corpo,
14
um banco e logo (que sorte) mandam-me
metamorfoseio-me
se encontra em situação mais constrange-
No primeiro capítulo vamos pr-
dora, se move os lábios de forma estranha
ovar que não é possível fabricar uma ima-
na hora de falar, se esfrega os olhos como
gem isenta de qualquer intencionalidade, e
se estivesse chorando (mesmo que não
demonstrar, assim, a impossibilidade de se
esteja), tudo é munição para o fotógrafo
fazer uma cobertura fotográfica totalmente
criar a imagem mais bizarra possível do
imparcial sobre determinadas questões. O
fotografado.
segundo capítulo mostrará que, indepen-
Nos casos óbvios, como o ex-
dente do conhecimento técnico, todas as
emplo do político, é fácil de se notar a ver-
pessoas constroem imagens subjetiva-
dadeira intenção de quem fabrica a imagem,
mente. Doze pessoas escolhidas de forma
mas, e em casos menos evidentes?
aleatória fotografaram a estação da Luz
Doze pessoas foram escolhi-
a partir de um mesmo ponto. As imagens
das aleatoriamente na Estação da Luz, em
produzidas são todas diferentes, possuem
São Paulo. A cada uma, foi pedido que se
histórias, razões e sentimentos diferentes.
tirasse uma foto da estação. Todas as pessoas foram abordadas em um lugar comum e todas fotografaram a partir de um mesmo ponto. Com isso, se pretende provar que todas as pessoas, independente do conhecimento técnico, são capazes de criar imagens fotográficas de forma subjetiva. Que os motivos escolhidos signifique algo para elas. 15
A FOTOGRAFIA COMO EQUIPAMENTO Primeiro Capítulo TECNOLÓGICO
A
história
da
fotogra-
fia começa no quintal
ção controlada que vinha por trás desses painéis).
da casa de Joseph Nicéphore Niépce, no
A união não foi longa, já que
verão de 1826. O francês pesquisava um
Nicéphore Niépce morreria quatro anos
método prático para copiar desenhos nas
mais tarde, em 1833, deixando toda a sua
pedras de litografia. Recobriu uma placa
obra nas mãos de Daguerre, que aperfeiço-
de prata coberta por betume branco da Ju-
ou o projeto ao substituir o betume da Ju-
déia (uma espécie de asfalto derivado do
déia por prata polida sensibilizada por va-
petróleo, que endurece em contato com a
por de iodo, criando assim uma película de
luz) E a expôs durante oito horas em uma
iodeto de prata sensível à luz que diminui
câmara escura. Como resultado, Niépce
para minutos o tempo necessário de ex-
encontrou uma imagem do quintal de sua
posição à luz para se conseguir uma ima-
casa, bastante contrastada e em preto e
gem.
branco, que não servia para litografia, mas
Daguerre chamou o seu in-
foi considerada a primeira fotografia per-
vento de Daguerreótipo e, em 1839, o apre-
manente do mundo.
sentou para a Academia de Ciências de
Três anos depois, Niépce fir-
Paris, que tornou o aparelho acessível ao
mou uma sociedade com Louis Jacques
público. Em pouco tempo o daguerreótipo
Mande Daguerre (que fazia muito sucesso
se tornou um sucesso nas grandes ci-
em Paris com o espetáculo Diorama, onde
dades. Todo mundo queria aprisionar os
enormes painéis translúcidos, pintados por
reflexos da vida cotidiana naquele espe-
intermédio de uma câmara escura, produzi-
lho que imortalizava momentos com muito
am efeitos visuais através de uma ilumina-
mais precisão que as pinturas.
19
A facilidade em se reproduzir
20
de uma segunda morte, a espiritual.
imagens com absoluta perfeição colo-
Paradoxalmente, a fotografia é
cou em cheque o futuro da pintura. Muitos
um atestado de óbito dos eventos. O que
achavam que o pintor não era mais ne-
ela retrata já morreu, o instante, a fração
cessário, já que agora qualquer um pode-
de segundo que ela aprisionou não existe
ria pintar com a luz momentos e paisagens
mais. Mesmo que se acione o disparador
com muito mais fidelidade ao real.
duas vezes seguidas em um intervalo de
A arte é totalmente ligada à ne-
milésimos de segundo, mesmo que o mo-
cessidade do homem de exorcizar o tempo,
tivo não tenha se movido nem um milímetro,
de tornar-se imortal. Isto acontece desde a
uma foto sempre retratará um instante que
Antiguidade, onde os egípcios acreditavam
não volta jamais, que já se foi. Portanto, ao
que, ao embalsamar o corpo, venceriam
mesmo tempo que a imagem fotográfica
a batalha contra o tempo preservando a
serve para imortalizar o momento, ela tam-
aparência carnal do ser.
bém emite o seu atestado de óbito.
Ao longo da evolução das civi-
Durante o Renascimento (sécu-
lizações se percebeu que não era possível
lo XIV), foi inventado um sistema de repre-
conservar o corpo intacto por muito tempo,
sentação do espaço chamado de perspec-
Ao invés disso, passaram a tentar preser-
tiva artificialis ou unilocular. Este sistema
var o espírito, por meio da imagem.
era baseado na geometria euclidiana (Eu-
Hoje em dia ninguém mais
clides desenvolveu uma teoria contrária
acredita em imortalidade proporcionada
a de Aristóteles, segundo a qual, é o olho
pela imagem, mas ninguém nega que esta
que envia raios que vão até o objeto que
nos ajuda a recordar momentos e salvá-los
vemos e não o inverso) e buscava obter
uma ilusão de profundidade nas representações pictóricas (quadros e desenhos) Por ser baseado em leis matemáticas (científicas) de construção de espaço, a perspectiva artificialis deveria dar a sensação mais parecida com a da visão por meio do olho humano, e criar assim a perspectiva mais próxima da imagem real. O teórico da perspectiva artificialis, Leo Batista Alberti, imaginava o quadro como a secção plana de uma pirâmide (pirâmide visual). Alberti considerava o centro visual como o vértice da pirâmide. Em seguida ligava esse ponto, por meio de linhas retas chamadas de raios
A Santíssima Trindade, Masaccio
visuais, aos contornos de todos os obje-
outro, dando a quem olha, uma sensação
tos do campo visual. As linhas deveriam
de tridimensionalidade. Os raios visuais
determinar a posição relativa dos objetos
pareciam se prolongar de forma invisível
no quadro. A imagem obtida, por intermédio
no espaço, até se encontrar em um ponto
deste sistema, mostrava uma hierarquia
de convergência, conhecido como ponto
de proporções, o que representava a dis-
de fuga. Esta invenção fez com que os pin-
tância em que um objeto se encontrava de
tores da época se mobilizassem para pintar 21
sempre imagens mais próximas possíveis
porção muito próxima ao real. As pinturas
do objeto real. Os artistas passaram a se
ficaram mais ricas de elementos externos
preocupar com a semelhança de suas ob-
ao motivo principal. A criação deste novo,
ras com a realidade. Durante a Idade Média,
porém trabalhoso, jeito de se definir as pro-
os pintores retratavam o motivo (normal-
porções dentro do quadro foi fundamental
mente ligado à religião) sempre de frente
para o advento da fotografia pois, a ma-
ou totalmente de lado, numa perspectiva
quina fotográfica foi criada para automa-
em duas dimensões. As alusões ao extra
tizar o esboço das linhas que compõem a
quadro e o fundo eram evitadas a fim de
perspectiva artificalis. (antes da invenção
facilitar o trabalho dos pintores, que tinham
da câmera fotográfica, Michelangelo já uti-
muitas dificuldades para definir a propor-
lizava uma câmara escura que reproduzia,
ção certa a ser utilizada nos elementos de
na tela, a imagem a ser pintada).
fundo ou de extra quadro na obra sem dar a impressão de uma imagem “chapada” (exemplo é a pintura “São Francisco pregando para os Pássaros” de Giotto di Bondone séc XIV, que apesar de ser um dos introdutores da perspectiva na pintura, ainda apresentava uma arte de aparência bastante chapada em relação às obras renascentistas.
Com a invenção da perspec-
tiva artificialis a visão ¾ do motivo passou a ser possível de ser pintada com a pro22
São Francisco pregando para os pássaros –Giotto di Bondone
Ao inventar o daguerreótipo,
o mesmo tom dos cabelos a mesma estru-
a intenção de Daguerre era poder recriar
tura (...) Mas o que quer dizer ‘ a mesma for-
essa perspectiva de forma automática e
ma do nariz’? O nariz tem três dimensões,
tão perfeita que pudesse reprimir a própria
ao passo que a imagem do nariz tem duas.
representação, fazendo com que a imagem
Visto de perto, o nariz tem poros e protu-
objetivada tivesse tal grau de perfeição
berâncias minúsculas, de modo que a sua
que pudesse se passar pelo real. A partir
superfície não é lisa, mas desigual, dife-
daí, desde as primeiras imagens produzidas
rentemente do nariz do retrato. Finalmente
pelo daguerreótipo, o que se viu foi uma
o nariz tem em sua base dois furos, as nari-
corrida de aperfeiçoamentos tecnológi-
nas, ao passo que o nariz do retrato tem na
cos destinados à criação da imagem mais
sua base duas manchas escuras que não
próxima da realidade. Todo o mecanismo
perfuram a tela” (Eco 1971, p 100).
óptico da câmera fotográfica nasceu para
O que Umberto Eco nos per-
se obter automaticamente a perspectiva
gunta é como podem parecer idênticas
artificialis. Por isso a câmera fotográfica
duas imagens que, apesar de representa-
é um aparelho que reproduz a perspectiva
rem a mesma coisa, não possuem nenhum
renascentista.
elemento material em comum? Este efeito
“O que significa dizer que o
de realidade busca maquiar mecanismos
retrato da Rainha Isabel II da Inglaterra,
ideológicos que nos “incentivam” a absor-
pintado por Annigoni, tem as mesmas pro-
ver certa sensação e expelir certa opinião
priedades da Rainha Isabel? O bom senso
ou padrão de comportamento. Ao pensar-
responde: porque tem a mesma forma dos
mos que algo é real e natural, baixamos a
olhos, do nariz, da boca , o mesmo colorido,
guarda e absorvemos a representação 23
sem nos preocuparmos em decodificá-la.
24
de intencionalidade e formatados pela
A ideologia, a partir da perspec-
estratégia da classe que o criou, que na
tiva de classes de Marx e Engels (idealiza-
maioria das vezes é a classe que detém o
dores do Marxismo, que era um sistema de
poder político e econômico. Os sistemas
idéias filosóficas, econômicas, políticas
de representação criados pelo homem são
e sociais, eles interpretaram a sociedade
ideológicos justamente porque estão sen-
através da disputa entre classes sociais,
do determinados pelas angústias e con-
foram também os criadores, em 1848, do
tradições da vida social.
Manifesto do Partido Comunista) é tida
Portanto os sistemas de rep-
como o sistema das representações que
resentação, conhecidos como ideologias,
utilizam os homens para interagir com os
não são simples espelhos que refletem o
sistemas materiais (naturais, sociais) que
mundo de forma imparcial. Ao construir es-
os circundam. O problema é que as atuais
tes sistemas de representação, o homem
formas ideológicas não são sistemas de
obrigatoriamente interfere, interpreta e al-
representação transparentes. ao invés
tera o objeto representado, porque a ação
disso, são formas de exercício da luta de
humana não pode ser reduzida ao de sim-
classes, e assim sendo, sofrem pressão
ples espectador passivo. A atividade rep-
das forças dominantes e a resistência dos
resentativa e interpretadora e os critérios
dominados. Isso faz com que os sistemas
desta interpretação são dados pela estra-
de representação, que deveriam servir ap-
tégia de ação da classe em que ela está
enas para exprimir os sistemas materiais,
inserida. “É preciso pensar as ideologias
se tornem eles próprios contaminados
como sistemas de representação de inter-
pela luta de classes e, por isso, dotados
esses de classe e de exercício da luta de
classes. O fim das ideologias deixará as-
uma ideologia se passe por dominante, ou
sim de apresentar como um conceito es-
seja, para que se imponha como sistema de
catológico, para se colocar nos mesmos
representação de toda a sociedade e não
termos que a extinção do estado, isto é, em
de uma classe em particular, ela não pode
função da luta de classes”. (Rancière 1971,
se mostrar como ideologia. Por isso a bur-
p.41).
guesia tende a transformar seus conceitos A grande diferença entre a ideo-
particulares em ideais naturais e racio-
logia da classe dominante e a da classe
nais, para assim angariar, mais facilmente,
oprimida é que a primeira esconde o seu
adeptos de seu modo de pensar. Os que
caráter de classe e tenta se fazer passar
arquitetam a ideologia dominante se dizem
como a ideologia da universalidade, como
fora dela: a imprensa se diz objetiva, a re-
se todos pensassem daquela forma. Isto
ligião se diz universal, o sistema político se
faz com que tomemos por natural determi-
diz democrático e assim por diante, pois a
nada linha de pensamento sem questioná-
massa ao perceber que o pensamento que
la como se fosse óbvia. A segunda, ao
lhe parecia natural na verdade é o reflexo
contrário, explicita seu caráter classista e
do interesse de alguns, imediatamente
deixa claro que não concorda em hipótese
abandona aquele pensamento, tendendo a
alguma com o ponto de vista dominante.
evitá-lo.
Isto acontece porque o ponto
Durante o Renascentismo era
de vista contrário à “universalidade” pre-
comum o mecenas (homem rico, membro
cisa ser explicitado para que se possa
da burguesia) financiar a arte, em troca
derrubar a máscara da objetividade ves-
de prestÍgio social e divulgação de sua
tida pela ideologia dominante. Para que
empresa ou instituição. Esta prática foi 25
26
fundamental para o desenvolvimento da
pelo veículo em que a foto é divulgada As
produção intelectual e artística No Renas-
mídias atuais são solos excepcionais para
cimento. Só há desenvolvimento artístico
as formações ideológicas, massas de
e cientÍfico se houver dinheiro e só há in-
telespectadores e leitores sofrem a ação
vestimento se houver retorno. Portanto, a
da ideologia dos donos dos veículos de
ideologia dominante (burguesia) teve uma
mÍdia, disfarçada sob o contorno da obje-
participação vital na criação da perspec-
tividade e universalidade. Isso faz com que
tiva artificialis, (no sentido da busca da
os receptores acabem inconscientemente
perfeição pictórica como forma de arte) e
criando os conceitos que a burguesia at-
conseqüentemente na criação da máquina
ual prefere sobre determinados assuntos
fotográfica.
(signos).
É correto afirmar que a fotogra-
O signo existe para aludir a
fia é um sistema de representação contami-
uma outra coisa que não é ele próprio, se-
nado, a princípio, pela ideologia dominante
gundo Santo Agostinho. “Um signo é uma
(burguesa). E isso se prova, pois a repre-
coisa que, além da espécie ingerida pe-
sentação fotográfica é tida como objetiva,
los sentidos, faz vir ao pensamento, por
real e transparente. A imagem formada apa-
si mesmo, qualquer outra coisa”. (Santo
renta ser a mais pura realidade e isso aca-
Agostinho) Santo Agostinho era um bisbo
ba por dispensar o receptor do trabalho de
católico, nasceu no ano de 354 na Argé-
decodificá-la e decifrá-la, fazendo passar
lia, seus escritos influenciaram filósofos
por natural e universal o que na verdade
como Nietzsche e Schopenhauer. Foi ele
foi construído intencionalmente pelo fotó-
quem criou a teoria que o tempo só existe
grafo ou pelo processo de edição imposto
dentro do universo e que Deus vive em um
tirarmos essa consciência do conteúdo
presente eterno. Nikolaevich
semiótico (todos os significados e signifi-
Volochinov (Jovem marxista ligado ao Cír-
cantes que nela habitam), só restará o ato
culo Bakhtin, criado em 1927, que era for-
fisiológico, sem qualquer razão ou sentido.
mado, além de Volochinov, por Mikhail Bak-
Para ele os signos e a ideologia são indis-
thin e Pavel Medvedev, os três buscavam
sociáveis, pois as relações sígnicas foram
unir a teoria marxista com a ideologia e a
criadas pelos grupos sociais ao longo de
psicologia, para isso eles assumem que o
suas próprias relações.
Para
Valentin
signo deveria ser social e ideológico, isso
Os signos, na visão de Volo-
significa que ele é relacionado com a con-
chinov, refletem e refratam a realidade, ou
sciência individual e a interação pessoal)
seja, o signo interpreta a realidade e re-
os signos são a realidade material da ideo-
flete o que convém ao mundo exterior. Isso
logia, pois são eles que constituem todos
acontece porque o signo não é uma enti-
os sistemas de representação. Ele comple-
dade autônoma e inocente que representa
ta a linha de pensamento de Marx e Engels,
os fenômenos da vida sem qualquer media-
que diz que até as consciências mais pu-
ção. Ele, na verdade, é moldado por instru-
ras “já nascem condenadas à maldição de
mentos, que constroem sinais materiais,
estarem impregnadas de matéria, que aqui
para juntos fazerem o papel de refratores
se manifesta sob a forma de casulos de ar
(interpretadores) da realidade segundo a
em movimento, de sons, em uma palavra,
especificidade de sua realidade material,
sob a forma de linguagem” (Marx e Engels
história, cultura ou posição social.
1958, p. 30). Volochinov acreditava que se
Pensando nisso, Medvedev (do mesmo circulo filosófico de Volochinov) 27
que pertencia ao circulo intelectual de Volochinov) chegou à conclusão de que
Em alguns casos o signo tenta
os sentidos dependem de dois fatores: os
se passar por uma entidade autônoma,
traços particulares do material ideológico
eterna e universal. Isso acontece porque é
organizado como material significante e
do caráter da ideologia dominante mascar-
as formas de intercâmbio social que cada
ar seus aparelhos ideológicos, fazendo-os
sentido se realiza (Medvedev,1978,p.9). Por
parecerem naturais.
isso, o signo já vem contaminado pela ideologia do grupo que o forjou.
28
(classes sociais).
Estruturalmente, o signo é composto pelo significado e o significante. De
“O que determina a refração do
maneira geral, o significado corresponde
ser no signo ideológico é o confronto de
a um conceito, uma idéia, a representação
interesses sociais contraditórios nos lim-
mental do objeto ou a realidade social em
ites de uma mesma comunidade sígnica, ou
que se situa. Esta representação mental
seja, a luta de classes” (Volochinov 1930,
depende da formação sociocultural (ide-
p.27). O que Volochinov quer dizer com
ológica) do interlocutor (ex: para um fotó-
esta frase é que a variabilidade de senti-
grafo, a palavra obturador tem um sentido
dos de um mesmo signo é dada pela força
conhecido, é a estrutura responsável pelo
de contradição entre os interesses das
controle de tempo que a luz irá incidir sobre
classes sociais que o fabricam.
a película do filme, para alguém totalmente
Portanto, ideologia e sistema
leigo em fotografia, a palavra obturador
de signos estão inteiramente ligados. O
pode não ter sentido algum, ou até remeter
signo ideológico provém do consenso en-
a outra coisa totalmente diferente de foto-
tre indivíduos socialmente organizados
grafia, dependendo de sua bagagem socio-
cultural). O significado é a parte física do
grafo).
signo, não o que ele representa, mas, efeti-
Para Barthes, a fotografia é
vamente, o que ele é (o obturador é uma es-
uma mensagem sem código,e paradoxal-
pécie de cortina que protege o filme da luz
mente já codificada. Isso acontece, porque
e se abre quando acionado, independente
quando se direciona uma mensagem
da bagagem sociocultural do interlocutor).
fotográfica a um público, essa mensagem
Portanto, as máquinas fotográ-
é compreendida por um “leitor” que pos-
ficas são muito mais formadoras do que
sui uma reserva de signos, e como todo
meramente reprodutoras. Elas constroem
signo pressupõe um código, a mensagem
suas configurações simbólicas de modo
fotográfica é, portanto, codificada.
muito diverso dos seres humanos. Mais
Já vimos que a câmera fotográ-
especificamente, as câmeras fabricam
fica foi criada para “dar a idéia de real”, para
“simulacros”, que são figuras que signifi-
passar a impressão de que o que se vê na
cam as coisas mais do que as reproduzem.
foto é a própria realidade, dispensando as-
O instante retratado pela foto é trabalhado
sim ao observador o trabalho de decod-
pelo código. Isso significa que ao invés de
ificá-la. Sabemos que as imagens podem
exprimir passivamente a presença do obje-
ser signos e que os signos podem remeter
to fotografado, as câmeras constroem rep-
a qualquer coisa que não necessariamente
resentações, como já vimos, baseadas nas
eles próprios. Cada pessoa tem uma gama
ideologias do fotógrafo misturadas com
própria de signos, portanto uma imagem
os interesses da burguesia (no caso, vei-
tem uma infinidade de significantes pos-
culo na qual a foto será publicada, empresa
síveis, dependendo da bagagem cultural e
que contratou o fotógrafo e o próprio fotó-
ideológica do “leitor”. 29
Então se pode afirmar que a
periência de vida, na ideologia e na inten-
fotografia não impõe uma ideologia única à
ção do Operator induzem o Spectator (ob-
maioria dos observadores, dado que cada
servador) a perceber (ou assimilar) mais
uma teria uma sensação diferente ao ver
facilmente um determinado signo presente
uma mesma imagem, já que os signos vari-
na imagem (Spectrum).
am de pessoa para pessoa? Esta afirmação não pode ser
quais signos possuem significantes co-
verdadeira, uma vez que a fotografia simu-
muns à maioria das pessoas e faz o pos-
la o real dispensando ao “leitor” o trabalho
sível para utilizá-los da maneira que achar
de “ler” a imagem. Ao bater o olho na foto, o
conveniente na construção de uma ima-
observador não distingue todos os signos
gem, induzindo que o Spectator, ao bater o
presentes nela, somente os mais evidentes
olho na imagem, perceba apenas os signos
são percebidos. O observador não “lê” a
que são oportunos ao Operator.
foto, ele a vê.
30
Um fotógrafo experiente sabe
É impossível afirmar com con-
Por essa razão que a fotogra-
vicção qual foi a real intenção do fotógrafo
fia é um importante aparelho ideológico. O
diante de determinada fotografia, uma vez
fotógrafo (que Barthes chama de Opera-
que cada pessoa possui uma reserva mui-
tor) manipula a câmera, determina o tempo
to pessoal de signos e, portanto, cada um
de exposição da película à luz, a profun-
vê a mesma foto de uma forma diversa. O
didade de campo focal, o ângulo de visão,
que é possível afirmar é que os fotógrafos
o foco, escolhe o enquadramento que de-
constroem as imagens de acordo com a
staca o que ele considera mais importante
sua ideologia. Muitas vezes eles utilizam
na imagem. Essas ações, baseadas na ex-
signos comuns a todas as pessoas para
deixar claro o que pensam. Em outras, uti-
apressado, mas sim lido, decodificado pelo
lizam signos com significados mais diver-
Spectator..
sos (e até mesmo com referencias muito
Barthes acredita que os códigos de conotação seriam de caráter cul-
pessoais). Por isso existem imagens que,
tural e que o processo de “leitura” de uma
para quase todas as pessoas, causam
fotografia seria parecido com o de um idi-
sensações parecidas e outras imagens
oma habitual.
que podem causar sensações muito diversas para o mesmo grupo de pessoas.
Para o filósofo existem três tipos de conotação: a perceptiva, que é a
Roland Barthes percebeu que
mais imediata, é o “bater o olho” na imagem;
em cada imagem fotográfica coexistem
a cognitiva, que é ligada à bagagem cultur-
duas mensagens. A primeira seria o anal-
al e à experiência pessoal do observador;
ogon fotográfico, o simples reflexo do real
e a ideológica, que é responsável pela in-
que a imagem pretende copiar, o óbvio (e
trodução na imagem de razões e valores.
o necessário). É devido a ela que a foto-
Com isso Barthes chega à conclusão de
grafia se mostra objetiva, afinal, o que está
que não existe realmente uma mensagem
representado nela não é nada mais do que
puramente denotada na fotografia, pois
a realidade A esta mensagem, Barthes dá
sempre haverá alguma conotatividade
o nome de denotada. A segunda, que é
inerente ao processo de leitura dessa ima-
chamada pelo filósofo francês de cono-
gem. “A Fotografia pertence a essa classe
tada, representa o obtuso, o que está nas
de objetos folheados, onde não é possível
entrelinhas do texto imagético, é aquilo
separar duas folhas sem as destruir (...) du-
que não pode ser percebido por um olhar
alidades que é possível conceber mas não 31
perceber(...)” (Barthes 1980, p.18) Diariamente, os jornais impres-
ao fato da recorrência de dois elementos.
sos bombardeiam os leitores com imagens
O primeiro ele chamou de Studium, que se-
sobre diversos assuntos. Cada uma delas
ria a síntese do interesse sócio-cultural
contém a sua própria ideologia, sua própria
que a foto desperta, são os referentes
“mensagem oculta”, que acaba penetrando
visuais que nos tocam de forma humana,
no subconsciente dos leitores sem que
cultural e moral, mas permanecem no plano
eles se dêem conta.
impessoal. Seriam as fotos que causam
É correto afirmar que essas
um interesse médio, comum. “O primeiro é,
“mensagens ocultas” são compostas por
visivelmente, uma área, tem a extensão de
uma mescla entre a ideologia do veículo
um campo, que eu reconheço facilmente em
que as publica e do fotógrafo que as con-
função o meu saber, da minha cultura (...) é
strói. O processo é altamente ideológico
o Studium, que não significa, pelo menos
e de construção de signos, o fotógrafo,
imediatamente,“o estudo”, mas a aplicação
em campo, seleciona o enquadramento,
a uma coisa, o gosto por alguém, uma espé-
a luz e o momento que mais lhe convém.
cie de investimento geral, empolgado, evi-
Depois, apresenta ao editor da publicação
dentemente, mas sem acuidade particular.”
uma seleção das imagens que foram feitas.
(Barthes 1980 p.46). O segundo elemento,
Este, por sua vez, escolhe a que mais se
chamado de Punctum, é um detalhe inad-
encaixa na ideologia do veículo (ou na sua
vertido que salta da fotografia, que nos
própria).
atinge, nos fere. Normalmente representado Barthes observa que algumas
fotografias chamavam a atenção dele mais 32
do que outras e percebeu que isto se dava
por um signo que remete algo importante na vida do “leitor”.
Uma fotografia que para uma
de certo modo, vivê-
pessoa não representa nada de mais, so-
los
mente um interesse comum, médio (Studi-
segundo o meu que-
um), para outra pode ser uma imagem que
rer de Spectator. É
fere, que cria vida própria, que remete a algo
um pouco como se
além da imagem. “O segundo elemento vem
eu tivesse de ler na
quebrar (ou escandir) o Studium. Desta
Fotografia os mitos
vez, não sou eu que vou procurá-lo (como
do fotógrafo, con-
eu invisto com a minha consciência sober-
fraternizando
ana o campo do Studium), é ele que salta da
eles” (Barthes 1980
cena, como uma seta, vem trespassar-me”
p.48).
(Barthes 1980 p.46).
inversamente,
com
Com isso
“Reconhecer o Studium é, fatal-
percebemos que o
mente descobrir as intenções do fotógrafo,
objeto de estudo aqui
entrar em harmonia com elas, aprová-las,
deverá ser o Studium,
desaprová-las, mas sempre compreendê-
já que o Punctum é
las, discuti-las interiormente, pois a cultura
pessoal e não pode-
(a que se liga ao Studium) é um contrato
ria ter sido fabricado
feito entre os criadores e os consumidores.
intencionalmente
O Studium é uma espécie de educação
pelo fotógrafo.
(saber e delicadeza) que me permite encontrar o Operator, viver os pontos de vista que criam e anima as suas práticas, mas, 33
34
35
O OUTRO Segundo Capítulo OLHAR
Neste capítulo iremos mostrar as imagens criadas por doze pessoas aleatoriamente escolhidas na estação da Luz. A missão dada a cada uma delas foi: dentro de um espaço de dois metros quadrados fotografem o que lhes vier a cabeça. Cada um teve direito a uma única foto. A câmera foi ajustada no modo automático e a lente utilizada foi uma 50mm fixa. Dessa forma, todos fotografaram a partir de um mesmo ponto e com as mesmas condições. 39
Mayra Pellisson, Mayra é uma garota de programa, de 32 anos, que vive nas imediações da estação da Luz. Ela passa seus dias entrando e saindo da estação na procura de clientes. Mayra possui o 1º grau completo e seu sonho é ser modelo. Na imagem, ela mostrou a plataforma cheia de gente. Curiosamente, existem muitos casais na foto.
“Quis juntar as pessoas e o trem. Na foto mostro a pessoas esperando e o corre corre que é a estação. Para mim a Estação da Luz é exatamente isso, um lugar onde todos estão com pressa.”
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Fabiana Marim, Fabiana, de 32 anos, é comerciante e trabalha no Brás. Ela utiliza a estação da Luz diariamente para se deslocar até o trabalho. Formada em marketing, a comerciante diz que sempre repara na arquitetura da estação. Na imagem, além da arquitetura, vemos algumas pessoas tirando fotografias e olhando para Fabiana.
“Tentei mostrar a arquitetura da estação. Acho legal essa integração entre as pessoas e a arquitetura diferenciada. Acho esses arcos, por onde as pessoas entram na passarela, muito bonitos”.
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Daniela Camara, Daniela é advogada, tem 32 anos e usa a estação da Luz apenas para passear. Ela diz que raramente pega a estação lotada, na maioria das vezes consegue lugar para sentar no trem. A imagem de Daniela mostra claramente como ela normalmente encontra a estação.
“Tirei a foto de uma pessoa esperando o trem. Ela está embaixo de uma placa escrito desembarque. Para mim isso representa a estação. Enquanto um está esperando para embarcar, outro está desembarcando”
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Brigida Antunes, Brigida tem 24 anos e mora sozinha em São Paulo. O restante de sua família vive no Rio de Janeiro. Ela é analista de sistemas e fotografou a entrada da rua Mauá. Como sua formação é na área de exatas, ela disse que escolheu esse enquadramento não pela arquitetura, mas pelo número de pessoas que passam pelo local.
“Tirei a foto da entrada da rua Mauá. Milhares de pessoas passam por aqui todos os dias. O legal é que também mostro as pessoas entrando e saindo da Estação da Luz”
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Iracema da Cruz Silva, Essa foi a primeira vez que Iracema esteve na estação da Luz. Ela tem 69 anos e é professora. Veio do Rio de Janeiro passar o feriado em São Paulo. Segundo ela, tentou retratar a estação de forma objetiva. O que vemos na imagem é a plataforma cheia de gente e o trem passando. A intenção de fotografar objetivamente já é uma forma subjetiva de escolher o enquadramento. “Quis mostrar o trem e as pessoas. Sou carioca, estou passando o feriado aqui. Portanto minha visão é menos passional do que as dos paulistas. Para mim a estação se resume a isso, o trem e as pessoas”
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Gilson Maciel, Gilson tem 51 anos, estudou até a 1º série e é pintor de alvenaria. Ele utiliza a estação da Luz todos os dias, procura emprego na região e usa o trem como meio de transporte. Gilson tem vários amigos na estação e passa horas papeando na passarela que dá acesso a rua Mauá.
“Tirei a foto do parapeito da passarela. É um lugar onde todo mundo para para apreciar a movimentação na estação. No fundo da pra ver as pessoas esperando o trem, que está chegando.
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Manoel da Cruz, Desempregado, Manoel da Cruz, de 43 anos, utiliza a estação da Luz para procurar emprego. Nitidamente embriagado, ele disse gostar da arquitetura da estação. Ele estava a algum tempo apoiado no parapeito da passarela antes de ser abordado.
“Tirei uma foto da passarela. Acho bonita a arquitetura. È um lugar onde muita gente passa e para para observar os trens”
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Roberta Correal, Roberta tem 42 anos e é enfermeira. Diariamente ela utiliza a estação da Luz para ir até o trabalho. Na foto, ela mostra as linhas de trem e as pessoas esperando na plataforma. A imagem mostra mais ou menos o que ela enfrenta diariamente.
“Fotografei as quatro linhas de trem e as pessoas esperando no meio. Pra mim é o que representa a estação, essa movimentação trem chegando, trem saindo e as pessoas com pressa”
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Rogério Santos da Silva, Rogério, de 36 anos, tem o primeiro grau completo e é eletricista. Ele usa a estação para se locomover de casa para o trabalho. Religioso, Rogério disse que iria fotografar o cristo de braços abertos em cima da igreja. Mesmo alertado que não iria dar pra ver nitidamente a estatua, o eletricista insistiu e fez a foto.
“Quis mostrar lá no fundo Jesus Cristo com os braços abertos. Acho o telhado da estação bastante bonito. Essa rede caindo da um ar diferente a estação. Peguei também a passarela para mostrar mais a arquitetura.”
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Roque Feliciano da Silva, Roque é pedreiro e tem 48 anos. Estudou até a quarta série e utiliza a estação da luz para ir ao trabalho. Ele diz que é poeta e que escreve sobre a estação, mas não sabia nenhuma poesia de cor. Na foto ele mostrou a passarela, local que utiliza para se inspirar para suas poesias.
”Fotografei as pessoas atravessando a passarela. É um local onde muita gente passa. Mostrei a porta da entrada da rua Mauá. É uma porta bonita”
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Fernando Petralia, Fernando tem 44 anos e é arquiteto. Ele estava na estação da Luz pesquisando referências para seu próximo projeto de arquitetura. Para ele, as pessoas deveriam prestar mais atenção no estilo arquitetônico da estação da Luz.
“Sou arquiteto, por isso fotografei a arquitetura da estação. Muita gente passa por aqui mas não é todo mundo que presta atenção no projeto arquitetônico inglês da estação.”
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Fernando Petralia, Isaac é administrador, tem 40 anos e está prestes a abrir um negócio em São Paulo. Ele utiliza a estação diariamente porque prefere os trens lotado do que enfrentar o trânsito. Sua imagem mostra as pessoas esperando o trem.
“Fotografei a plataforma de trem. Mostrei as pessoas esperando o trem. É a cena mais comum na Estação da Luz, essa foto poderia ter sido tirada a qualquer dia, aqui é sempre assim.”
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Mensagens atravĂŠs de ConclusĂŁo imagens
66
C
om este trabalho foi pos-
rigado a registrar a imagem, a selecioná-la
sível observar que o
em detrimento de outra.
fotógrafo escolhe seus motivos movido a
Essa atitude independe de
interesses próprios e pessoais. A escolha
conhecimentos técnicos em fotografia,
do enquadramento depende da intenção
uma vez que as pessoas escolhidas alega-
(ideologia) de quem fotografa e essa inten-
ram não ter tido qualquer contato anterior
ção é expressa através de signos. Cada
com uma câmera fotográfica profissional.
pessoa possui sua própria gama de signos
Isso prova que toda fotografia é subjetiva
e a partir desses signos é que a mensagem
e comprova a tese de que todos somos ca-
é passada e compreendida.
pazes de produzir mensagens através da
Todas as pessoas escolhi-
imagem.
das para fotografar mostraram como enxergam a estação da Luz. As imagens são todas diferentes, as que são parecidas, possuem justificativas diferentes. Isso mostra que mesmo em um local em comum, mesmo com direito a uma única imagem e utilizando uma lente fixa (que não permite zoom), cada pessoa viu coisas diferentes na estação.
Todos foram feridos por
diferentes punctuns, o esse ferimento foi tão profundo que o observador se viu ob67
Bibliografia: BARTHES, R. A câmara clara. RJ, Nova Fronteira, 1984. BARTHES, R.. A mensagem fotográfica. In: O óbvio e o obtuso. Trad. Lea Novais. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1990. BARTHES, R.. A retórica da imagem. In: O óbvio e o obtuso. Trad. Lea Novais. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1990. BAUDRILLARD, J. Simulacro e simulações. Lisboa: Relógio d’Água. MACHADO, Arlindo. A ilusão especular, introdução à fotografia. São Paulo, Brasiliense, 1984. ECO, Humberto. O olhar discreto: semiologia das mensagens visuais. In: A estrutura ausente. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1976. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. ECO, Humberto. O olhar discreto: semiologia das mensagens visuais. In: A estrutura ausente. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1976. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.