METROPOL.X Mobilidade e Ativismo
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Liberté, Égalité, Fraternité, Mobilité Em Nova Iorque, uma cidade cuja identidade pode ser definida pela diversidade e pelo experimentalismo, as manifestações populares em busca de participação em políticas urbanas e de mobilidade se mostram inspiradoras e conflituosas: um retrato da liberdade e da pluralidade que a democracia nos trouxe. Há 225 anos atrás, o povo francês, influenciado pelas ideias iluministas e insatisfeito com o modelo sociopolítico da época, saiu às ruas para derrubar o então regime absolutista. Muitos historiadores consideram esse o nascimento da democracia contemporânea, que se espalhou logo depois pelo mundo ocidental. Desde então, entre golpes e revoltas, é possível dizer que foi a partir de meados do século passado que essa democracia, nascida há pouco mais de 200 anos, ficou de pé e tem arriscado seus primeiros passos. Agora nós – cidadãos e governantes – exploramos a harmonia entre autoridade, representatividade e participação ao decidirmos os rumos de nossas sociedades. As heranças e desafios deixados para o novo século estão sendo, agora, evidenciadas de maneira mais intensa e concreta. A Terra que vivemos já não é mais a mesma 2
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que foi habitada pelas gerações anteriores: o clima mudou, a população se multiplicou por 4 e a globalização já não é mais novidade alguma. Novos temas tem sidos discutidos na política ao redor do mundo, alguns passos importantes foram dados nas últimas décadas e outros serão dados nas próximas. Considerando que cerca de metade da população mundial vive em cidades, a economia demanda um trânsito de massas eficiente para manter o „sistema“ funcionando e, além de tudo, existe uma clara necessidade de cuidar do meio ambiente, a reinvenção da mobilidade urbana pode ser destacada como um dos mais importantes dentre esses desafios
para o novo século. É evidente que uma sociedade democrática necessita de um sistema de trânsito eficiente para assegurar que direitos como o lazer e deveres como o trabalho sejam garantidos a todos. Por outro lado, os rumos das políticas que garantem sua eficiência devem ser assumidos e decididos de maneira democrática. Nova Iorque, sendo hoje uma das maiores e mais importantes cidades do mundo, se faz um interessante objeto de estudo para que essa relação entre democracia e mobilidade urbana seja um pouco melhor compreendida.
• NOVA IORQUE: UM LABORATÓRIO URBANO Nova Iorque surgiu por volta de 1626 a partir de uma colônia holandesa na atual Manhattan, mas sua história começa a ficar de fato interessante a partir de 1807, quando foi designada uma comissão para planejar a ocupação „final e conclusiva“ da ilha. A proposta apresentada (e implantada) foi um um ato de ousadia: dividia a toda ilha – praticamente inocupada – em um grid retangular que abrigaria uma série de edifícios e atividades desconhecidos. A justificativa para a malha ortogonal que se
impunha sobre a geografia era a simples a facilidade para a compra e venda dos terrenos. O „Manhattan Grid“, ainda visto como um ícone da visão capitalista que busca acima de tudo a viabilidade econômica, ditou um modelo que até hoje segue dando forma à cidade. Não pelos seus valores de cunho comercial, mas por uma „formula criadora de uma crítica terra de ninguém onde o Manhattanismo pode exercer suas ambições“. O grid é a lei e toda e qualquer arquitetura que respeite o limite máximo de uma quadra é aceita. Tal lógica transformou Nova Iorque numa espécie de laboratório do experimentalismo urbano, fazendo da cidade um reflexo dos interesses, conquistas e problemas da civilização contemporânea. Devido a esse caráter de „laboratório“, fenômenos fadados a se manifestar nas cidades mundiais são observados antecipadamente em Nova Iorque. Na década de 1930 seu horizonte já era ocupado por inúmeros arranhacéus e suas ruas por um trânsito caótico de bondes, automóveis e pedestres. Hoje, o que se observa são esforços em busca de uma cidade cujo trânsito de veículos e pessoas se adeque aos moldes do futuro. Que moldes são esses, porém? Nova Iorque pode ainda não ter uma resposta pronta, mas tem obtido sucesso em uma série de experiências que apontam respostas prováveis. O PlaNYC, implementado em 2008 pelo prefeito Michael Bloomberg e pela secretária de transportes Janette Sadik-Khan, é ambicioso ao dar uma nova direção à política de mobilidade nova iorquina. A urgência de um padrão de vida urbana menos agressivo ao meio ambiente e a manutenção de uma rede de
Figura.01: Vista aérea de Mannhattan [Sergey Semenov] 3
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transportes que atenda de maneira eficiente e segura uma população crescente são as justificativas do programa. Suas estratégias traduzem a essência primordial da cidade: o experimentalismo. Desde o início de sua implementação, o plano tem guiado intervenções (a princípio) provisórias nas ruas da cidade, transformando-as para dar mais espaço para ônibus, pessoas e bicicletas. O melhor exemplo dessas intervenções pode ser o projeto piloto de 6 meses que fechou o trânsito de automóveis no trecho da Broadway entre as ruas 42nd St e 47th St – a Times Square –, criando 50 mil metros quadrados de espaço público para pedestres. Sua efemeridade é uma importante variável por dar à intervenção um caráter experimental e por fazer dela algo facilmente reversível, o que potencializa sua aceitação. Outras medidas semelhantes foram feitas: a criação de 50 praças para pedestres, 560km de ciclovias, um programa de bikesharing com 6.000 bicicletas disponíveis para alugel e sistema de BRT (bus rapid transit) com faixas exclusivas. As estatísticas geradas pela nova política de transportes em Nova Iorque tem superado positivamente as expectativas. Contudo, qual é o caráter democrático dessa nova política?
•O POVO TOMA PARTE Em sua história, a democracia representativa mostrou alguns meios de participação popular nas decisões do estado dentre os quais o mais conhecido e praticado é, sem dúvida, o ativismo. O termo engloba diversos tipos de ações movidas por um indivíduo, grupo ou organização em prol de uma intervenção direta ou indireta na sociedade. Protestos, greves, revoltas, petições, intervenções e ocupações no espaço público e privado, projetos de iniciativa popular e lóbi são alguns dos métodos utilizados por atvistas ao redor do mundo. Em Nova Iorque, não é diferente. Bem antes do PlaNYC, a Transportation Alternatives (T.A.), uma organização sem fins lucrativos fundada em 1973, já sustentava o discurso de devolver as ruas da cidade para pedestres e ciclistas. Os mais de 100.000 ativistas e apoiadores do projeto, organizados por um comitê que atua localmente em cada distrito de Nova Iorque, promovem ações que buscam melhoria da infraestrutura para pedestres e ciclistas além de formas de fazer com que o trânsito de automóveis seja menos intenso e mais seguro. A lista de conquistas da organização é longa 4
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Figura.02: PlaNYC - Pedestres na Times Square Figura.03: Prisão de membros da Critical Mass [Jennifer Szymaszek / Associated Press 2004]
e sua influência na nova política de mobilidade implementada por Bloomberg e Sadik-Khan é inegável, mas a meta da T.A. é ambiciosa: reduzir a zero o número de mortes e acidentes graves no trânsito da cidade. Existem vários outros grupos que, ainda sem um objetivo tão audacioso, tem ajudado a mudar os rumos das políticas urbanas na cidade. O Critical Mass („Massa Crítica“) é um evento que ocorreu pela primeira vez em São Francisco no início da década de 90 e hoje acontece em mais de 300 cidades ao redor do mundo, incluindo Nova Iorque. Toda última sexta feira de cada mês, as pessoas se encontram em um local combinado, para andar de bicicleta pela cidade. Os passeios reúnem milhares de ciclistas formando uma grande massa que ocupa todas as pistas das ruas por onde passam. Segundo muitos participantes, o que grupo faz não é um protesto comum, mas trata-se de uma reocupação da cidade
em que o prazer é algo crucial. A ideia é promover uma experiência urbana diferente da que estamos acostumados, substituindo os carros pelo que eles consideram ser os veículos do futuro: as bicicletas. Ao contrário da Transportation Alternatives, a Massa Crítica tem uma estrutura horizontal sem líderes e sem organizadores. Suas ações também não buscam interferir de forma tão direta nas políticas da cidade, mas sua importância se faz evidente ao observarmos o crescente número de adeptos e simpatizantes que traduzem a grande influência do movimento na opinião pública. Os primeiros passeios do Critical Mass em Nova Iorque ocorreram em 1993, mas 11 anos depois começaram a gerar tensões. Em Agosto de 2004, quando estava acontecendo na cidade uma convenção nacional do partido republicano, mais de 400 ciclistas foram presos e tiveram suas bicicletas confiscadas por „interromper o tráfego“. A partir de então, os embates entre a polícia e os participantes ficaram cada vez mais frequentes e violentos: „tornou-se um choque de culturas (...) O controle da lei e da ordem contra a liberdade da Massa Crítica de pedalar sua própria bicicleta“. O caso é documentado no filme „Still We Ride“ (2005) e mostra
como a liberdade conquistada na democracia ainda não é algo completamente dominado, o que acaba gerando conflitos.
Referências Bibliográficas
participação popular nas políticas urbanas para que as cidades se tornem ambientes mais justos e habitáveis. Por último, o processo nos mostra como a liberdade e o respeito devem reger as ações, tanto de ativistas como do Estado, para que a pluralidade da democracia não se transforme apenas em confrontos e violência.
KOOLHAAS, R. (1978). Delirious New York. Rizzoli, New York. NEW YORK CITY, Department of Transportation (2007). Strategic Plan for the New York City, New York 2007. SADIK-KHAN, J. (sep.2013). New York‘s Streets? Not So Mean Any More, TED. (01/02/2014). Transportation Alternatives. https://www.transalt.org LYNN, A., PRESS, E., RYAN, C. (2005). Still We Ride, In Tandem Productions. SEMENOV, S. (2012). Aerial Panorama Photo of NYC. The EPSON International Pano Awards.
•LEGADO PARA O NOVO SÉCULO Ainda hoje, após o governo ter atendido reivindicações dos cidadãos e implementado um programa de sucesso evidente, existem embates de opinião. Mesmo com a oposição de parte da mídia, o índice de aprovação da população para as intervenções feitas pelo PlaNYC é cerca de 70%. Mas é claro: de forma alguma se espera que as ações populares ou do Estado sejam apoiadas por todos, afinal a pluralidade é algo natural e aceitável nesse sistema de governo. Embora de um lado tenhamos as dificuldades e embates de opinião que o modelo democrático carrega consigo, temos, de outro, a certeza de que ele é o melhor que conhecemos para construir uma sociedade justa e capaz de enfrentar nossos futuros desafios. Dessa forma, não devemos desprezar a importância do ativismo na constituição de um governo mais participativa, visto que ele atua como a voz popular em diálogo com o Estado. A nova política de transportes de Nova Iorque e a maneira como ela foi influenciada por movimentos e organizações como a T.A. e o Critical Mass deixaram como legado lições que merecem muita atenção. Primeiramente, faz-se notável a importância e os efeitos concretos da implementação de um novo modelo de mobilidade urbana. Em segundo lugar, cabe evidenciar a necessidade de
Sobre o Autor Frederico Almeida é graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e bolsista pela CAPES (Ministério da Educação, Brasilia – DF, CEP 70.040-020) do programa Ciências sem Fronteiras no Karlsruhe Institute of Technology – KIT.
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