FREDERICO ALMEIDA HENRIQUE DE MELLO orientação SILKE KAPP
FREDERICO ALMEIDA HENRIQUE DE MELLO ORIENTAÇÃO: SILKE KAPP Trabalho de Conclusão de Curso Escola Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal de Minas Gerais Dezembro 2016
Dedicamos este trabalho a: Professores, Arquitetos, funcionários e colegas que contribuíram com o nosso
aprendizado ao longo dos seis anos de curso. Silke, nossa
orientadora, pelas tardes, pela
sensibilidade, pela disponibilidade e pelo carinho. Flor, Leta e Ró, pelo apoio e por servirem de
inspiração de diversas maneiras. Familiares e amigos, pela
confiança e inspiração. Em
especial Márcia e Silvana, mães,
fontes inesgotáveis de motivação
e apoio. Alexandre, pai e arquiteto sempre disposto a ensinar. Aline, Vivi e Ariane, pela ajuda que vem carregada de energia boa.
Ao MOM – Morar de Outras Maneiras, por toda a assistência
técnica e pelo ambiente tranquilo que sediou muitos encontros.
Paula, Mariana, Laura e Julia – Ethos Urbanismo – e Carlos,
Daila, Leo e Zuleika – Vazio S/A –, que compartilharam tempo e
sugestões conosco ao longo de todo o trabalho. Crianças e moradores do Aglomerado da Serra. Alessandro (Gu), pela apoio ao longo das incursões na Serra. Comunidade Roots Ativa e aos participantes do PAACA, pela receptividade e cordialidade.
Alunos da Escola Municipal Prof.
Edson Pisani, pela contato sincero e divertido.
SUMÁRIO
Introdução
O que o leitor vai encontrar neste trabalho
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Histórico
Práticas, espaços e teorias da educação
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Críticas e alternativas O que gostamos e o que não gostamos nas escolas atuais
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Método
De que forma fizemos este trabalho
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Escola Peripatética Primeira Água
O projeto arquitetônico em si
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5.1 Caminhos como estruturadores do espaço 42
4.1 Substrato espacial material
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5.2 Paradas como ativadoras do espaço
4.2 Espaço Social
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Encerramento
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Referências Bibliográficas
Aglomerado da Serra Apresentação da área de estudo
Depois do traço final, o que levamos deste trabalho
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INTRODUÇÃO
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Paulo Freire
A escola, da maneira como funciona hoje, confunde escolarização com aprendizado. Os dois conceitos se misturam, mas um não implica, necessariamente, o outro. O conhecimento obtido fora da esfera escolar é tão legítimo quanto o obtido dentro da escola e pode se dar em qualquer espaço físico que possibilite situações em que o indivíduo se depare com seus interesses, problemas, desafios, medos e paixões. Acreditamos em uma outra forma de organizar a pedagogia no espaço, que considere a utilização didática do entorno em uma educação que ultrapassa os limites da escola e se expande para os espaços urbanos. A exploração do ambiente, a experiência estética da paisagem e a interação com o cotidiano da comunidade são, para nós, tão importantes quanto a educação escolar. Posto isso, entendemos que o “mundo exterior” é um espaço de aprendizado integrado. Ser pensado também como ambiente educador é imprescindível para o que almejamos: a possibilidade de que cada pessoa construa a melhor versão de si no contexto social do qual faz parte. Daí o termo escola peripatética – inspirado em Aristóteles que pensava e ensinava andando e contemplando - onde o movimento de aprender e experimentar são compatíveis com propostas híbridas. A fim de colocar à prova nossa convicção, escolhemos trabalhar sobre uma realidade específica: o Aglomerado da Serra. Formado oficialmente por
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sete vilas – Marçola, Ns. Senhora de Fátima, Ns. Senhora da Aparecida, Ns. Senhora da Conceição, Novo São Lucas, Santana do Cafezal e Fazendinha – a ocupação conta hoje com aproximadamente 38 mil moradores (CENSO 2010). Além da alta densidade populacional, o Aglomerado possui diversas escolas, equipamentos e eventos que dinamizam a lógica local e o tornam um rico espaço de estudo. Sua localização próxima à Serra do Curral e a presença de nascentes o tornam um lugar ambientalmente complexo, com altas declividades e áreas de interesse ambiental e comunitário. Dentro desse contexto, pensamos que uma infraestrutura que possibilite o encontro e a interação pode ampliar, diversificar e criar novas possibilidades de aprendizado. Além de integrar equipamentos educacionais, culturais e ambientais já existentes a espaços cotidianos, criando uma espécie de rede, ela pode promover usos dos vazios gerados por desapropriações e melhorias urbanas em espaços públicos. Considerando o caráter acadêmico deste trabalho, em que prazo e requisitos técnicos são solicitados para que ele seja validado, não é possível realizá -lo da forma como acreditamos ser adequada: com efetivo envolvimento da comunidade. Ainda assim, uma proposição como essa poderia ser utilizada por agentes locais a fim de angariar recursos, junto a órgãos públicos, pessoas internas e externas à comunidade, visando possíveis intervenções e criando ambientes de aprendizagem dentro do Aglomerado da Serra. Além disso, este trabalho de conclusão de curso poderá ter a utilidade concreta de informar e fomentar a discussão entre os agentes locais. O capítulo 1, Perspectivas Históricas, fala de práticas, espaços e teorias já existentes no âmbito da educação. Baseado nas reflexões geradas a partir do estudo histórico, o capítulo , Críticas e Alternativas, apresenta ao leitor o nosso ponto de vista em relação ao sistema escolar e o que pensamos que pode ser feito em relação a isso. O capítulo 3, Método, trata de como todo trabalho foi desenvolvido. Expõe como foram feitas as visitas em campo, quais foram os percursos realizados, quem são as pessoas que se envolveram com o trabalho até então e como mapeamos os locais de estudo. O capítulo 4, Aglomerado da Serra, situa o leitor sobre a área de estudo. Inicialmente há uma apresentação: onde está, há quanto tempo existe, em que partes se divide e outros. Depois disso, é exposto um estudo focado no
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substrato espacial material e outro no espaço social. Por fim, o capítulo 5, Escola Peripatética Primeira Água, apresenta o projeto desenvolvido após os estudos e exercícios de desenho e concepção. Nesse capítulo, detalhamos como os caminhos e as paradas foram constituídos na área e mostramos os resultados práticos dessa especulação. Por valorizar e respeitar as particularidades de cada lugar, temos a convicção de que as proposições devem estar alinhadas com as demandas da população e seus agentes locais. Não nos cabe impor alterações no espaço que contrariem maneiras de pensar e modos de vida dos moradores da comunidade. Acreditamos que um bom trabalho de arquitetura provém de um levantamento e desenvolvimento que leve em conta os pontos de vista das pessoas que se beneficiarão dele. Esperamos, com esse esforço, extrapolar a realidade puramente acadêmica de um projeto de graduação e tornar este trabalho um instrumento de inspiração e auxílio na visualização de novas possibilidades no Aglomerado da Serra e em situações análogas.
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1 HISTÓRICO Para avançar no entendimento do que se pretende com a educação, a observação histórica é imprescindível. Em sociedades e contextos históricos diversos, as intenções e construções de espaços educativos se modificam e diferem de acordo com interesses econômicos, sociais e culturais. A seguir apresentaremos um breve esboço da educação ao longo do tempo e em diferentes contextos, a fim de tecer um panorama que servirá de base para a construção de uma abordagem crítica do tema.
EDUCAÇÃO ANCESTRAL A educação existe muito antes de existir escola, família e infância. A busca de aprendizagem e conhecimento de mundo, ainda que praticada de maneiras distintas, é algo inerente à condição humana. Ainda hoje, algumas sociedades ditas “primitivas” adotam modelos de educação sem escolas. O conhecimento, os valores e os comportamentos, baseados na cultura e nos modos de vida desses grupos, são passados para os mais jovens no dia a dia. É a partir das experiências próprias e dos outros que se adquire conhecimento; aprende-se no trabalho, nas relações sociais, nos rituais, nas brincadeiras, nas histórias contadas pelos mais velhos.
EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE A invenção da escrita, que marcou o início da antiguidade (por volta de 4.000a.C.) revolucionou as sociedades e a transmissão de conhecimento. Nesse período surgiram importantes civilizações e, ainda que de forma incipiente, alguns dos costumes e práticas que preservamos até hoje. Tão importante quanto os conhecimentos adquiridos ao longo desse tempo, é entender como eles foram transmitidos. Na civilização grega da antiguidade, considerada o berço da pedagogia, a educação era vista como algo integral, de corpo e espírito. Inicialmente, o ensino das crianças era de inteira responsabilidade das famílias, somente as mais abastadas entregavam-nas a um tutor que lhes daria lições de cálculo, poesia, filosofia, etc. Nas cidades-estado da Grécia antiga, se desenvolveram as primeiras escolas por volta do século V a.C. (Albuquerque, 2010).
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Crianças, jovens e adultos tribais um momento de
aprendizado cotidiano. Aino Tuominem, 2011.
Fragmento de pintura do século XIX que retrata a escola de Aristóteles. Gustav Adolph Spangenberg, 1880.
É interessante notar que a origem da palavra “escola” vem do grego antigo skholé, que significa lazer, tempo de ócio. Na Grécia antiga, onde a cultura valorizava o ócio como uma oportunidade para a prática do exercício intelectual e da política, surgiram ciclos de discussão, ensino e debates como a Escola Peripatética de Aristóteles. Por não ser cidadão de Atenas, ele não tinha direito a propriedade onde pudesse estabelecer sua “escola”, sendo obrigado a proferir suas lições andando pelos corredores do templo de Liceu (Furley, 2003 p. 1141, tradução dos autores). Daí vem o termo peripatetikós, que significa “dado a caminhar ao redor, especificamente ao ensinar ou debater” (em Liddell, Henry and Scott, Robert. Greek-English lexicon).
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO A escola começou a se consolidar como uma instituição de ensino com pessoas especializadas em transmitir conhecimento apenas na Idade Média. O clero detinha o monopólio do conhecimento teológico, literário, da pala-
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vra e do saber abstrato e ensinava principalmente aos jovens nobres como se comportar e pensar como grandes senhores. Esses ensinamentos eram transmitidos, dado seu caráter, longe das outras práticas do cotidiano. No período da colonização das Américas, diversos grupos missionários da Igreja Católica (sobretudo os jesuítas) chegaram com o objetivo de catequizar a população indígena. Eles construíram escolas que ensinavam línguas, costumes e moral europeus num processo “civilizatório”.
Aldeamento jesuíta no Brasil.
Johann Moritz Rugendas, 1820
ASCENSÃO DA BURGUESIA E INDUSTRIALIZAÇÃO Com surgimento e fortalecimento da burguesia no fim da Idade Média e início da Idade Moderna, a escola da nobreza foi ganhando mais e mais alunos dessa classe que vinha reivindicando cada vez mais espaço e direitos na sociedade. Com o desenvolvimento do capitalismo industrial, suas estruturas rígidas e hierarquizadas foram se tornando anacrônicas, e o caráter das escolas se transformou bastante. Inicialmente, a educação continuava reservada às elites, mas o ensino ganhou um enfoque técnico e científico muito maior visto que essa elite, majoritariamente burguesa, estava estreitamente ligada ao progresso econômico. Com o passar do tempo, “a burguesia dominante começou também a perceber a necessidade de um mínimo de instrução para a massa trabalhadora que se aglomerava nos grandes centros industriais” (IDAC, 1980). Os ‘ignorantes’ deveriam socializar-se, isto é, deveriam ser ‘educados’ para tornar-se bons cidadãos e trabalhadores disciplinados” (IDAC, 1980). Dessa forma a instituição escolar foi se tornando classista, dividida em escola para os ricos e escola para os pobres. Enquanto a primeira garantia acesso ao nível superior e o conhecimento necessário para a manutenção do domínio burguês, a segunda provia o mínimo de cultura necessária para a integração do proletariado na sociedade industrial.
12 Graduandos da escola Carlisle Indian Industrial School, na
Pensilvânia, aprox. 1890. A escola tinha por princípios prover uma imersão das
crianças indígenas na cultura euro-americana por acreditar
que seria a única forma de salvar o que eles acreditavam ser uma raça em extinção. Autor desconhecido.
OS PRIMÓRDIOS DO ENSINO PÚBLICO BRASILEIRO No Brasil, o ensino escolar foi ministrado exclusivamente pelos grupos missionários desde sua colonização até meados do século XVIII. Em 1759, o primeiro ministro de Portugal, Marquês de Pombal, realizou as chamadas “reformas pombalinas”. Dentre outras medidas, foi feita uma reestruturação do sistema educacional e instituído o afastamento da Companhia de Jesus de sua atribuição escolar. Com grande influência iluminista e duras críticas ao método utilizado pelos jesuítas, o decreto marcou o início de um ensino público e laico* no Brasil. Ele ordenava a criação de “aulas régias contendo os estudos compreendendo os estudos menores, ou seja, o ensino de primeiras letras e humanidades, em substituição às classes e escolas dirigidas pelos jesuítas, extintas pelo mesmo ato” (Camargo, 2013). Outras reformas na estrutura da educação pública fizeram parte desse documento, mas sua aplicação na colônia não se consolidou devido à falta de recursos financeiros, baixo salário dos professores e falta de livros. O ensino público foi se estabelecendo de forma muito lenta e gradual, permanecendo praticamente inalterado até o fim do primeiro reinado, na década de 1830. Havia um grande descompasso entre as pretensões do governo e as condições sociais e econômicas do país: a mentalidade conservadora das elites culturais em contraste com a sociedade excludente e escravista não contribuía para as coisas mudassem (Cardoso, 2004). Assim, as aulas régias em pouco alteraram a realidade educacional brasileira, tampouco serviram para uma inclusão social, ficando restrita às elites locais (Azevedo, 1943).
* Princípios da moral cristã e a doutrina religiosa continuaram
sendo ensinados. A laicização se deu apenas em termos administrativos.
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JEREMY BENTHAM – PAN-ÓPTICO O conceito de pan-óptico surgiu em cartas escritas por Jeremy Bentham no século XVIII como uma concepção “para todos e quaisquer estabelecimentos, nos quais, num espaço não demasiadamente grande para que possa ser controlado ou dirigido a partir de edifícios, queira-se manter sob inspeção um certo número de pessoas.” Materializado inicialmente para uma prisão, o conceito foi também aplicado a hospitais, sanatórios, fábricas e escolas. Neste último caso, um ambiente de estudo com repartições entre os alunos serviria para evitar dispersões, brincadeiras, “cola” e outros comportamentos considerados maléficos. Ao falar sobre a extensão deste sistema de vigilância aos espaços de socialização das escolas, Bentham reconhece que existem divergências de opiniões e faz uma longa reflexão acerca do assunto. Segundo ele, o estudo e a disciplina são de suma importância e a “onipresença do mestre” pode ser algo aceitável contanto que a felicidade dos indivíduos se mantenha conservada. À esquerda, planta e corte
do pan-óptico projetado por Bentham, 1787.
À direira, aula sendo
ministrada em escola segundo o modelo pan-óptico. Autor e data desconhecidos.
KARL MARX – PRÁXIS LIBERTADORA Em todas as épocas, a classe detentora do poder material é também detentora do poder espiritual; seu domínio é estendido a todo o conteúdo de uma época histórica. Portanto é evidente que dominem também como pensadores e produtores de ideias, regulando sua produção e distribuição. A escola, nesse contexto, é assumidamente um elemento de manutenção da hierarquia social e de controle.
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Em 1848 Karl Marx propõe um modelo de educação igualitário (apresentado mais detalhadamente em 1869) que teria como fim a socialização e integração dos indivíduos numa sociedade sem classes (comunista)*. Tal modelo era pautado em três pilares: educação intelectual,educação corporal e educação politécnica. O “homem total” constitui-se a partir da articulação ensino-trabalho, que deve desenvolver o maior número possível de aptidões para que ele se torne um cidadão “melhor” e menos alienado. A educação tem uma missão emancipadora e libertadora, por isso deve ser de carater político, laica e pública. Nesse sentido, Marx reconhece o caráter revolucionário da educação, mas também a relação dialética com o social: “por um lado é preciso uma mudança das circunstâncias sociais para criar um adequado sistema de educação; por outro lado, é preciso um sistema de educação adequado para poder mudar as circunstâncias sociais” (Marx, 1869)
GRUPOS ESCOLARES Na virada do século, em um contexto de certo descontentamento e decepção com o projeto republicano – as cidades brasileiras ainda apresentavam níveis consideráveis de desemprego, favelas, criminalidade, etc. – concluise que a educação escolar seria um dos elementos fundamentais para sair da crise. Foram construídos então os grupos escolares, que marcam o início de uma cultura escolar no Brasil e, juntamente com ela, uma discussão específica sobre o conhecimento escolarizado. Em Belo Horizonte, uma cidade planejada e construída segundo ideais republicanos no final do século XIX, a implementação dos grupos evidenciou esse processo. Os edifícios que abrigaram os grupos escolares tinham três grandes marcas: 1. Seguiam os mais modernos preceitos pedagógicos e higiênicos da época, e também os preceitos arquitetônicos dos prédios públicos de Belo Horizonte: construídos para serem vistos e admirados. 2. Tinham uma função modeladora de hábitos, atitudes e sensibilidades, principalmente nas classes mais pobres, cuja cultura não era considerada adequada ao convívio social. 3. Buscavam a socialização dos conhecimentos necessários à “inserção das crianças no mundo urbano, nas relações mercantilizadas e na República.” (Faria Filho, 1998) A arquitetura era um importante pilar da pedagogia. A preocupação com a qualidade dos espaços, tanto interna quanto externamente, era evidente: além da aparência imponente, questões como orientação solar, água potável, ventos e outros elementos físicos eram considerados na construção:
* Karl Marx faz referência a
educação nos documentos Manifesto do Partido
Comunista (1848), Instruções
aos Delegados do Congresso da Asssociação Internacional
dos Trabalhadores (1869) e O Capital (1867 - 1894).
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o muro: separava a rua da escola, instituindo esta como espaço significativo e ao mesmo tempo, aquela como lugar maléfico às crianças. • o pátio: era um espaço de transição entre a o ambiente urbano e o escolar, evitando que os alunos adentrassem às salas de aula no mesmo ritmo que vinham da rua e permitiam que fizessem pausas longe de sua “influência maléfica”. • a biblioteca: era aberta ao público e funcionava mesmo fora do horário escolar, como uma forma de expandir o alcance da educação escolar. • a sala de aula: era concebida de forma a disciplinar ao máximo os movimentos no espaço, através de um mobiliário e formas “autorizadas” de sua apropriação. Tal controle era exercido não só sobre os alunos, mas também sobre os professores, que era instruídos a se manter em movimento como uma maneira de prender a atenção das crianças. Na organização das plantas , busca-se a máxima visibilidade dos espaços e das pessoas, como um claro mecanismo de identificação e controle. Assim, o espaço escolar, materializado nos prédios dos grupos, produziu e foi produto de uma nova cultura de formalização da educação e valorização dos ideais republicanos.
MARIA MONTESSORI Nascida na Itália em 1871, Montessori foi a primeira mulher graduada pela Universidade de Roma no curso de Medicina. Durante anos, lutou pelos direitos das mulheres e fez parte das grandes conquistas desse movimento no século XX. Seu primeiro trabalho relacionado à educação foi como vice-diretora de uma escola orientada a deficientes mentais. Montessori desenvolvia, junto com carpinteiros, objetos que apelassem aos sentidos das crianças para, de alguma forma, mudar a maneira como as elas pensam ou fazer o cérebro funcionar de maneira diferente. Algumas dessas crianças obtiveram melhores notas no exame de Ensino Médio italiano do que crianças consideradas saudáveis. Anos depois, em 1906, Maria Montessori assumiu o projeto “Escola dei Bambini”, que tinha o objetivo de escolarizar crianças de um bairro de Roma que passava por processo de renovação. Até então, via-se as crianças como vasos vazios de conteúdo a serem preenchidos. Montessori propôs, em oposição ao modelo tradicional, que as crianças buscassem o conhecimento de forma espontânea / autônoma. Tamanhos diferenciados de mobiliário, permissão para caminhar livremente pela sala, objetos esteticamente atraentes, senso de comunidade, entre outros são os diferenciais da Escola Montessoriana. Destaca-se, por último, que o educador não recompensava ou punia a criança, mas se empenhava em criar um ambiente em que a criança pudesse buscar espontaneamente o conhecimento.
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Grupo Escolar Barão do Rio Branco, implantado em 1906
na cidade de Belo Horizonte.
Arquivo público mineiro, data desconhecida.
Alunos em formação cívica
em frente à escola (Grupo escola Barão do Rio Branco, Belo Horizonte). Autor desconhecido, 1912.
A escola montessoriana de Delft foi projetada pelo arquiteto holandês Herman Hertzberger e foi concluída em 1966. A escola é um exemplo de como modelo pedagógico e espaço físico podem se relacionar. A Escola Montessori apresenta mobiliário compatível com o tamanho das crianças. Há vários nichos espalhados pela escola, onde é possível expôr trabalhos realizados pelos alunos. A entrada funciona como um espaço que pode ser tanto de permanência como de passagem, o que é possível pela existência de alguns bancos.
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ÉMILE DURKHEIM A sociologia durkheimiana trata das relações de coesão social e ensina o respeito pelas normas coletivas. Seus escritos sobre educação, que só vieram a ser publicados em 1922 (cinco anos após sua morte), são inspirados em sua teoria sociológica geral. Para Durkheim o sistema educacional tem por função perpetuar os valores da coletividade e integrar os indivíduos à sociedade. Esta, por sua vez, determina a estrutura do sistema educacional. A transmissão do saber é um modo de perpetuação da ordem e de reprodução da organização social. Além da inculcação moral, a educação tem também o papel de qualificar os indivíduos de acordo com seu potencial para que possam assumir seu papel na divisão social do trabalho. Assim, o sistema educativo tem um caráter meritocrático, devendo atender de formas diferentes a diferentes indivíduos aos quais se aplica. A eduacação é o “cimento” de uma sociedade, pois une os indivíduos de forma homogênea, mas admite a existência de indivudualidades. Os edifícios escolares nos anos 1950 e 1960 foram marcados pela incorporação dos ideais modernistas à sua arquitetura. Ela acompanha certos ideais pedagógicos progressistas que ganharam força nos anos anteriores, como os de universalização do ensino e autonomia difundidos pelo movimento Escola Nova. A simplicidade, racionalidade e otimização dos espaços pode ser claramente percebida nos edifícios deste período, bem como a presença de espaços mais amplos e abertos. A justificativa era que tal racionalização seria necessária para atender a uma crescente demanda por escolas nas cidades cujas populações não paravam de crescer. Ao lado, a Escola Estadual Milton Campos, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer em Belo Horizonte. Stamo Papadaki, 1956.
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ALTHUSSER Louis Althusser e Pierre Bourdieu foram teóricos que escreveram sobre a educação sob uma perspectiva chamada de reprodutivismo. O filósofo francês Louis Althusser (1918-1990), inspirado na teoria de Marx, afirma que o Estado possui aparelhos ideológicos – mecanismos que promovem dominação no campo ideológico a fim de perpetuar os interesses da burguesia– dos quais a escola é um dos principais. Ela estaria vinculada à reprodução do capital e das ideologias dominantes. Ao inculcar valores, aplicar sanções, avaliações, etc. as escolas moldam os indivíduos segundo as ideologias capitalistas assim como a Igreja os moldava.
BOURDIEU E PARSSERON Pierre Bourdieu (1930-2002) e Jean-Claude Parsseron (1930) definiram a escola como uma instituição de reprodução da cultura dominante e de legitimação das desigualdades. Segundo eles, a posse do “capital cultural” – herança cultural socialmente valorizada por pertencer ao universo das classes dominantes – conferia uma grande vantagem a determinados grupos. Assim, o currículo escolar favoreceria as crianças de posse desse capital (adquirido por transmissão familiar) e limitaria as possibilidades das demais. Esse favorecimento através de um ensino “codificado” e acessível de formas diferentes a cada estudante, resultaria no que os autores denominam “violência simbólica”.
PAULO FREIRE
Paulo Freire foi um educador brasileiro cuja produção (teórica e prática) permeia os campos da pedagogia, sociologia, filosofia, psicologia e política. Ele acredita que não existe educação neutra e se aproxima dos teóricos da reprodução (como Althusser e Bourdieu) ao reconhecer que a escola reproduz princípios da sociedade de classes. Freire, porém, vai além e reconhece que no processo de reprodução também são carregadas as contradições da sociedade e com elas as possibilidades de superação. Ele demonstra, na teoria e na prática, que neste processo dialético e contraditório a educação pode servir para a produção de conhecimento emancipatório.
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“O que se coloca à educadora ou educador democrático, consciente da impossibilidade da neutralidade da educação, é forjar em si um saber especial (...): se a educação nao pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante.(...) O educador e a educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica” (Freire, 1996, p.127). Sendo assim, a práxis de Paulo Freire se distancia das Teorias de Reprodução por entender que uma ação consciente de indivíduos e movimentos sociais e políticos pode transformar, em certa escala, a ordem social.
IVAN ILLICH Em sua obra Sociedade sem Escolas, Ivan Illich defende que as escolas, da maneira como funcionam, geram aversão pelo aprendizado e são uma ferramenta de legitimização da hierarquia social. Para Illich, o direito de aprender é interrompido pela obrigatoriedade da escola e pelo prolongamento artificial do momento escolar. A sociedade distorce a aprendizagem e faz com que alunos, pais e educadores confundam instrução escolar com aprendizagem. A exigência de diplomas para ocupar postos de trabalho não significa, necessariamente, que o profissional tem a competência exigida para determinado cargo. A sociedade entende o diploma como competência, o que legitima a escola. “Para separar competência de currículo, as investigações sobre o histórico da escolaridade de uma pessoa deveriam ser proibidas, frequência à igreja, linhagem, hábitos sexuais ou <<background>> racial. Leis devem ser promulgadas que proíbam a discriminação baseada na escolaridade prévia. Obviamente, as leis podem acabar com os preconceitos contra os não-escolarizados, nem pretendem forçar alguém a casar-se com um autodidata, mas podem desencorajar a discriminação injustificada.” (Illich, 1985, p.27) Illich introduz o conceito de “Teia educacional” como a ideia de que o ser humano aprende em todos os momentos, seja com os amigos, família, comunidade, etc. A educação se dá em todos os lugares e não só no ambiente da escola. A escola, por outro lado, desencoraja iniciativas de educação não escolar.
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2 CRÍTICAS E ALTERNATIVAS Os fracassos da educação escolar nos moldes atuais são evidentes. Existem alunos que vão à escola e fazem as tarefas com prazer, mas não compõem a parcela mais abundante. A maioria cumpre essa ocupação por obrigação. Muitos deles manifestam tal falta de vontade de forma rebelde e às vezes até violenta, outros ficam tão preocupados e distraídos que médicos chegam a caracterizá-los como doentes. Os pais, frente a essa situação, se preocupam, se irritam, brigam, perdem a cabeça. Os professores, às vezes, até tentam agir de alguma forma, alguns com certo êxito, mas os resultados positivos acabam se dissolvendo no grande oceano que é o sistema escolar. A crítica de Ivan Illich vai ainda mais além, ao demonstrar que a educação universal e democrática através da escolarização obrigatória é, inclusive economicamente, impraticável. Ele nos mostra como nenhum país pode ter riquezas suficientes para sustentar uma lógica que “escolariza pais e alunos para o supremo valor de um sistema escolar mais amplo cujo custo aumenta desproporcionalmente quando graus mais elevados estão em demanda e se tornam mais escassos” (Illich, 1985, p.25). A cultura escolar serve como instrumento para legitimar determinados saberes e formas de aprendizado em detrimento de outros. A crescente escolarização e sua massificação em torno de valores e métodos institucionalizados têm ainda outras consequências. Uma delas é o achatamento do sujeito, que muitas vezes deixa de aprender o que lhe interessa ou até mesmo aspectos relacionados com sua cultura e modo de vida em detrimento de um conteúdo pouco flexível. Dessa forma, muitas oportunidades do aluno de fazer descobertas pela exploração do mundo e de si mesmo são restringidas. Os ensinamentos dados pela escola (selecionados de forma limitada, considerando o vasto espectro do conhecimento humano) buscam
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uma educação para o ensino superior e formação profissional em vez de educar para a vida, para o desenvolvimento do sujeito e de sua autonomia. Além disso, a educação escolar voltada para o mercado de trabalho é falha dentro de sua própria lógica por transmitir a 100% dos alunos um conhecimento – majoritariamente científico e intelectual – necessário para uma pequena fração das funções disponíveis. O resultado é a formação de uma maioria de fracassados em potencial, altos índices de evasão (principalmente nas camadas mais populares), males à autoestima de jovens que não obtêm sucesso, dentre outros efeitos. Algo precisa mudar. Como podemos constatar, a educação escolar na forma atual tem efeitos colaterais negativos para os indivíduos e para a coletividade. Sem desconsiderar a relação dialética entre educação e sociedade, reconhecendo suas contradições inerentes e os limites de nossa atuação, começamos a fazer alguns questionamentos: quais mudanças, sobretudo no âmbito espacial, poderiam transformar esse modelo de forma positiva para os alunos, professores, pais e para a sociedade da qual fazem parte? Como seria essa nova “escola”? E a comunidade que a abriga? Nossa crítica focaliza a restrição de certos conhecimentos e métodos, bem como um conteúdo e uma prática distantes da realidade e do interesse dos alunos. Nos cabe, portanto, refletir sobre como a concepção, a construção e o uso do espaço interferem nesses fatores e como seria possível subvertê-los.
*estética no sentido de
aisthesis – palavra grega que significa “faculdade de
sentir” ou compreensão pelos sentidos”.
O espaço escolar, como indicado na primeira parte deste trabalho, foi desenvolvido ao longo da história muito mais sob uma perspectiva de racionalização e transmissão hierárquica do conhecimento do que pela preocupação de enriquecer o aprendizado e despertar o interesse dos alunos. Enquanto isso, inúmeras possibilidades se encontram do outro lado dos muros: praças, parques, jardins, lugares de trabalho, centros de cultura, museus e, sobretudo, uma diversidade de pessoas. Acreditamos na necessidade de se utilizar o entorno para que o aprendizado escolar seja consolidado sob constatações e experiências práticas – como já acontece com a maioria de nosso aprendizado sem vinculação com a escola. Pode-se dizer que, por exigências do universo da criança, tal utilização acontece timidamente na educação infantil. Nos primeiros anos escolares a busca de um ambiente favorável ao aprendizado ainda coincide com um espaço onde é possível manter o controle e a segurança das crianças. Porém, já muito cedo, a demanda da criança por diversidade de conhecimento não coincide com a oferta restrita de um lugar como a escola. Em vez de permitir a continuidade da exploração do ambiente, a escola confina mais e mais os alunos a um espaço onde se estuda o mundo remota e indiretamente. Não nos opomos ao estudo formal e sistematizado para os quais a escola pode ser adequada, mas a estética* aliada à prática intelectual é crucial e isso deveria ser materializado em uma arquitetura escolar e urbana.
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Com sua arquitetura fechada e voltada para o interior, as escolas assumem uma dualidade com o “mundo exterior” de caráter alienante. Durante longos períodos diários, alunos são físicamente separados de tudo que se econtra além dos muros da escola e a comunidade é separada de suas crianças. A educação das próximas gerações como uma responsabilidade social e a integração da infância em um cotidiano urbano podem ser muito positivas. A partir desse olhar crítico, gostaríamos de propor uma concepção alternativa de escola. A Escola Peripatética Primeira Água é uma tentativa de mostrar, em linguagem arquitetônica, como seria um espaço onde se pode aprender andando. Nosso intuito é levantar debates e reflexões sobre esse tema.
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3 MÉTODO Unidos pelo desejo de buscar outros espaços educacionais e outras formas de se ensinar, nos juntamos para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso. Em um primeiro momento, a chamada para projetos da Bienal de Rotterdam de 2016 teve, em seu edital, um tópico que atraiu nossa atenção. A ‘Learning City’ cita o nascimento de organizações de ensino mais diretas e menos físicas e pergunta como seria um projeto capaz de combinar design inovador e conhecimento aberto. Depois, a leitura de Ivan Illich levantou a confusão entre sistema escolar e aprendizado, expondo o conceito de ‘teia educacional’ como uma alternativa às estruturas de escola convencionais. Decidimos, então, fazer uma pesquisa teórica sobre o tema da educação e espaço escolar. Durante os meses de março e abril de 2016, sumarizamos os autores mencionados e sistematizamos a bibliografia lida em uma linha do tempo, que intercala teoria e exemplos de espaço físico.
Miniaturas da linha do tempo entregue como produto parcial.
A partir do mês de abril, passamos a intercalar a pesquisa teórica com visitas de campo para estudo do espaço físico de forma objetiva. A primeira visita aconteceu no dia 07 de abril de 2016 à Escola da Serra, localizada na Rua do Ouro, 1900. Fomos bem recebidos pela professora de espanhol, já que a escola tem tradição em atender pesquisadores, imprensa e curiosos devido ao seu método não convencional de ensino. Com uma história pautada em movimento de pais em busca de uma educação mais significativa para seus filhos e uma recente orientação na Escola da Ponte, em Portugal, a Escola da Serra é diferente dos colégios tradicionais, pois apresenta algumas inovações: • • •
agrupamento de alunos em mesas de quatro pessoas em todos os níveis de ensino; grandes salões para aulas; presença do professor de mais de uma disciplina ao mesmo tempo nos
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• • •
grandes salões; agrupamento de turmas em ciclos de três anos; ausência de aulas expositivas, exceto nas disciplinas de línguas; ausência de uniforme escolar.
No mesmo dia, fomos até a UMEI (Unidade Municipal de Educação Infantil) Timbiras, localizada na Rua dos Timbiras, 1645. A Escola Municipal de administração da Prefeitura de Belo Horizonte é referência pela maneira em que mantém o espaço físico bem conservado. A visita à UMEI foi mais curta e mais difícil, já que não obtivemos licença para percorrer toda a área da escola e nossa visita ficou restrita à secretaria. De maneira geral, foi possível notar que o espaço físico estava bem conservado. Após essas duas primeiras visitas, sentimos falta de pensar um contexto real em que pudéssemos realizar reflexões e proposições espaciais, já que parecia mais difícil lidar com uma situação hipotética. Diante disso, fomos orientados a nos envolver com a pesquisa realizada pelo grupo MOM Morar de Outras Maneiras - que lida com o Aglomerado da Serra e realiza atividades em parceria com a Escola Edson Pisani. Nesse momento conhecemos dois personagens importantes deste trabalho: Margarete Maria de Araújo Silva, a Leta (Professora da UFMG) e Floriscena Estevam, a Flor (Diretora da UMEI Capivari, UMEI São João e E.M. Professor Edson Pisani). No dia 10 de abril fizemos a primeira visita ao Aglomerado da Serra, mais especificamente durante um bazar beneficente que aconteceu na Praça do Cardoso. A caminhada pela Praça do Cardoso se estendeu até o Pomar do Cafezal, uma tentaiva de implementação de uma horta comunitária. Esse foi o primeiro contato e, também, a primeira vez que caminhamos dentro da comunidade. Ao longo da visita, passamos em frente à UMEI Cafezal e à Escola Estadual Laura das Chagas Ferreira (“Laurão”), equipamentos educacionais que abordaremos novamente no capítulo quatro. Dezoito dias depois da primeira visita, nos encontramos com Leta e Flor no “Bar do Zé Pretinho”, localizado na Rua Gravataí, 260. Nesse encontro, discutimos a ideia embrionária que elas tinham de fazer uma Escola Peripatética na área das remoções da Primeira Água que compõe a Bacia do Cardoso. Concordamos, portanto, que nosso trabalho poderia ser um estudo mais aprofundado e o desenvolvimento dessa ideia. No dia 21 de maio, retornamos ao Aglomerado para uma segunda visita com um foco mais definido: conhecer as casas removidas pela Prefeitura de Belo Horizonte ao longo da Primeira Água. A caminhada se deu, principalmente, ao longo da Rua Flor de Maio. Aproveitamos a oportunidade para visitar o Centro Cultural e Educativo da Serra e a comunidade Roots Ativa, ambos equipamentos importantes que serão mapeados e discutidos
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ao longo do capítulo quatro. No dia 4 de junho, retornamos à comunidade para uma visita com o objetivo de conhecer pontos ainda não visitados, especialmente os becos 9 de Junho e Beija Flor, muito afetados pelas remoções. Depois da exploração pelo campo, fomos em companhia da Flor até a UMEI Capivari para participar de uma reunião do PAACA (Programa de apoio às ações comunitárias e autogestionárias). Na reunião, estiveram presentes agentes locais, representantes do Ministério Público e representantes da ONG Arquitetos sem Fronteiras e discutimos possíveis soluções para demandas levantadas na comunidade da Serra. As demandas consistiam em: 1. Falta de vagas nas UMEIS; 2. Falta de equipamentos de Saúde; 3. Nova linha de ônibus entre a Praça do Cardoso e a Estação de Metro do bairro Santa Teresa; 4. Falta de travessia de pedestres e sinalização na Via do Cardoso; 5. Questões relativas à transferência do CRAS da Vila Marçola; 6. Gestão de resíduos dentro da comunidade; 7. Hortas nas escolas e em outros espaços (disputa por território); 8. Destinação das áreas em processo de reocupação. Dentre essas oito demandas, as quatro últimas se destacam pela relevância para este trabalho e poderiam ser atendidas na proposta de intervenção urbana, arquitetônica e paisagística que pretendemos apresentar.
Terceiro encontro do PAACA, onde os participantes
discutiamas pautas sobre um mapa da comunidade.
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No dia 18 de junho, comparecemos a terceira reunião do PAACA. A reunião aconteceu novamente na UMEI Capivari e durou aproximadamente duas horas. Entre os presentes, havia membros do grupo Arquitetos sem Fronteiras, uma representante do Ministério Público e alguns agentes locais. Na reunião, tratamos das demandas locais e dos possíveis encaminhamentos para resolvê-las. Uma das pautas mais importantes foi o processo de reocupação das áreas próximas às nascentes da Primeira Água, que gera contaminação do córrego, aterro de talvegues e atrapalha o curso natural da água. Alguns agentes presentes na reunião sugeriram que seria necessário aguardar uma nova remoção combinada com uma estratégia ou plano de reocupação que previna novas construções irregulares na área e descuidos em relação à gestão de resíduos, ou seja, uma proposta que ocupe aquele espaço preservando os recursos naturais e prevenindo novas invasões e remoções. Depois da reunião, caminhamos pelos becos do Beija-flor, 9 de junho e José Perpétuo. No trajeto, conhecemos Alessandro Silva – conhecido como Gu – que administra uma área removida no beco Beija-flor. Alessandro encontrou a área tomada por entulho e, aos poucos, consolidou um espaço cultural chamado Recanto Beija-flor, onde acontecem reuniões e saraus da comunidade periodicamente. A existência desse espaço preveniu o descarte de entulho no local e, embora ainda esteja com estrutura e equipamenVisitas a campo realizadas entre março e dezembro de 2016.
Visita
Data
Local
Distância Duração Elevação Altitude percorrida Sem registro
Sem registro
Sem registro
Sem registro
Aglomerado da Serra: Bazar do Cardoso e Pomar do Cafezal
2,0 km
Não registr.
45 m
1028 m
Aglomerado da Serra: Bar do Zé Pretinho
Sem registro
Sem registro
Sem registro
Sem registro
Aglomerado da Serra: Rua Flor 21/05/2016 de Maio e Comunidade Roots Ativa
4,5 km
1:09
311 m
1127 m
5
Aglomerado da Serra: UMEI 04/06/2016 Capivari - reunião PAACA e becos 9 de Junho, Beija Flor
3,7 km
2:30
182 m
1106 m
6
Aglomerado da Serra: UMEI 18/06/2016 Capivari - reunião PAACA e becos da Primeira Água
1,6 km
3:00
88 m
1079 m
7
30/08/2016
Aglomerado da Serra: Percurso dentro da primeira água
3,0 km
1:32
118m
1078 m
8
Aglomerado da Serra: Percurso 08/09/2016 com as crianças pela Segunda Água
1,3 km
2:02
Sem registro
Sem registro
1
07/04/2016 Escola da Serra e UMEI
2
10/04/2016
3
28/04/2016
4
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Capturas de tela do aplicativo “Strava”utilizado para mapear os trajetos.
tos improvisados, ganhou um uso coletivo e preveniu novas construções. O Recanto Beija-flor foi, portanto, uma reocupação bem sucedida e de grande potencial comunitário e educacional. Já no mês de agosto, realizamos uma visita para concluir o levantamento, considerando as limitações deste trabalho. Na visita de número 7, percorremos 3,0 km e tentamos mapear as estruturas que haviam restado e que poderiam ser aproveitadas para o projeto. Usamos o aplicativo “Strava” e registros fotográficos para complementar o material que já tínhamos. Nessa visita, caminhamos por locais em que não havia sequer uma trilha. A intenção era percorrer um caminho próximo àquele que depois propusemos no projeto (ver capítulo 5), mas a vegetação, o relevo e o entulho tornaram isso impossível. A última visita aconteceu no mês de setembro e teve como objetivo capturar um pouco a vivência dos alunos da E.M.P.E.Pi. Acompanhamos uma atividade de uma disciplina da UFMG e, junto com os alunos de graduação, acompanhamos os alunos da comunidade em uma visita ao sistema de drenagem existente na comunidade. Ao longo do passeio, foi possível sentir como as crianças captam e entendem o espaço à sua volta. Essa visita foi importante durante a elaboração do projeto para o entendimento dos circuitos possíveis na Primeira água. As visitas a campo aconteceram, portanto, para levantamento de demandas e para tomarmos conhecimento da área da Primeira Água do Aglomerado da Serra. As altas declividades, precariedade de acessos e caminhos e uma lógica espacial à qual não estamos acostumados foram fatores que dificultaram o mapeamento da área. Usamos o aplicativo de celular “Strava” para registrar detalhes de cada percurso, tais como: trajeto em mapa, tempo, distância percorrida, elevação e altitude máxima. Ficou clara a necessidade de formalização de uma proposta para a área em questão, seja
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Biblioteca do Recanto Beija-Flor.
para uso de agentes locais perante ao poder público ou para criar – por meio da visualização, crítica e discussão do projeto – uma nova percepção do local pelos próprios moradores: em vez de uma área de descarte de entulho, pode-se pensar em um equipamento de uso coletivo que contribua para a circulação, gestão de resíduos e educação no Aglomerado da Serra. Passado o período de visitas a campo, iniciamos o processo de projeto. Usamos o Google Maps e a base da Prodabel como referência para a construção do projeto. Do Google, extraímos as plantas e as visualizações em 3D e da Prodabel extraímos a planta com as curvas de nível. Por meio dessas ferramentas, combinadas com os mapas gerados pelo aplicativo “Strava”, foi possível começar a especular sobre a área. Ao longo dos meses de setembro, outubro e novembro, havia um ciclo de desenvolvimento do projeto que obedecia a seguinte ordem: Desenho à mão, Desenho em AutoCad e SketchUp e impressão. A partir das bases mencionadas acima, era possível realizar desenhos à mão sobre as pranchas. Posteriormente, esse desenho era digitalizado e encaixado na curvas de nível e, por fim, era impresso para ser refinado por meio de novos desenhos à mão. Seguindo esse caminho, montamos toda a base técnica presente no capítulo cinco deste trabalho.
29
N
N
Trajeto percorrido no dia 10/04/2016.
Trajeto percorrido no dia 21/05/2016.
30
Trajeto percorrido no dia 04/06/2016.
N
Trajeto percorrido no dia 18/06/2016.
N
31
N
N
Trajeto percorrido no dia 30/08/2016.
Trajeto percorrido no dia 08/09/2016.
32
4 AGLOMERADO DA SERRA O Aglomerado da Serra é um conjunto de Vilas e Favelas localizado na região centro-sul de Belo Horizonte. O complexo faz divisa com a Fundação Benjamin Guimarães (Hospital da Baleia), Parque das Mangabeiras e os bairros Serra, Santa Efigênia, São Lucas e Paraíso. O surgimento das primeiras ocupações do Aglomerado data da década de 1920, quando a Vila Nossa Senhora da Conceição passa a existir na região centro-sul de Belo Horizonte (SILVA, 2013). Como já dito, o Aglomerado é composto por sete vilas: Marçola, Ns. Senhora de Fátima, Ns. Senhora da Aparecida, Ns. Senhora da Conceição, Novo São Lucas, Santana do Cafezal e Fazendinha. De acordo com o Censo de 2010, uma área de 1,9 Km² é dividida entre 38.620 habitantes com densidade populacional de 22.977 hab/km² (para efeitos de comparação, o bairro Serra possui densidade 13.158 hab/km², o Centro conta com 8.612 hab/km² e o bairro Funcionários com 13.187 hab/km²). Esta população compõe uma vida urbana ativa dentro das comunidades, onde existem comércio, escolas, praças, hortas, criação de animais, etc. Muitos moradores, porém, trabalham em outras áreas da cidade, criando um movimento intenso de pessoas que entram e saem da região constantemente.
Vista da Vila N. Sra. de Fátima na Praça do Cardoso.
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Vista aérea do Aglomerado da Serra. Google Earth, 2009 .
Na área do Aglomerado da Serra, as declividades se encontram, predominantemente, na faixa entre 30% e 47% e acima de 47%. A legislação não permite ocupação em áreas com declividade acima de 47%. Para efeitos de comparação, nos bairros Serra e São Lucas, as declividades predominantes estão entre 5% e 30% (PEREIRA, 2005). A combinação de altas declividades e seu posicionamento no sopé da Serra do Curral, garante ao Aglomerado diversos pontos com vistas panorâmicas para a cidade. O lugar concentra, portanto, uma grande quantidade de pessoas dentro de áreas com altas declividades. As ruas tendem a seguir as curvas de nível, como é o caso da Flor de Maio e da Nossa Senhora de Fátima. As construções são, basicamente, autoproduzidas, com exceção dos edifícios construídos durante o programa Vila Viva e dos equipamentos públicos.
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Tabela: Densidade
demográfica das vilas do
Aglomerado da Serra. Censo 2010.
População
Área (Km²)
Densidade (Hab/Km²)
Marçola
6.556
0,25
26.434,40
Nossa Senhora de Fátima
9.640
0,63
15.304,80
Nossa Senhora da Aparecida
4.341
0,14
31.225,40
Nossa Senhora da Conceição
6.225
0,2
31.265,30
Novo São Lucas
3.926
0,28
14.005,80
Santana do Cafezal
4.078
0,17
24.345,80
Fazendinha
3.715
0,22
16.700,50
Total
38.481
1,89
20.360,32
Vila
4.1 SUBSTRATO ESPACIAL MATERIAL ACESSOS, TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO O Aglomerado da Serra é acessado pela Av. Jefferson Coelho da Silva (Via do Cardoso) quando se vem do bairro Serra e pela Av. Mem de Sá (Via do Cardoso) quando se vem do Bairro São Lucas. Outros acessos importantes se dão pela Rua Corinto, Rua Sacramento e Rua Castelo Novo. De maneira geral, o transporte público alcança esses acessos, embora exista uma demanda de criação de uma linha de ônibus entre a Praça do Cardoso e a estação de Metro Santa Tereza. Destacamos a vocação da Via do Cardoso para se tornar uma via arterial em função da conclusão da Via 710 que ligará a Avenida dos Andradas à Avenida Cristiano Machado e, portanto, será um acesso ao vetor norte sem passar pelo centro. Quando se caminha de um ponto ao outro no Aglomoerado da Serra, deve-se levar em conta não apenas a distância horizontal ou aquilo que se constataria no desenho de um mapa. Muitos caminhos são tortuosos, ir-
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regulares, de relevo acidentado, sem pavimentação e sem iluminação. Pequenos deslocamentos podem representar um esforço considerável para vencer desníveis e outros obstáculos. As distâncias são, portanto, relativas.
HIDROGRAFIA, RELEVO E VEGETAÇÃO A bacia do rio Arrudas apresenta maior declividade na sua porção sul, a montante, na direção da Serra do Curral. Enquanto nas áreas da bacia coincidentes com o núcleo planjeado de Belo Horizonte (Funcionários e Santa Efigênia) predominam declidades de até 10%, a parte ocupada pelo aglomerado tem, como já dito, declividades quase sempre acima de 30%. Esse fator contribui para aumento da velocidade da água das chuvas, agravando os problemas de enchentes e desmoronamentos. O bairro Mangabeiras foi implantado em terreno de relevo similar ao do aglomerado, mas por apresentar densidade populacional mais baixa (304 hab/km2 tem mais áreas permeáveis e menos situações de risco (PEREIRA, 2005). Outro fator que influencia na vulnerabilidade das construções é o padrão construtivo. No interior dos talvegues das água do aglomerado, a declividade é ainda mais acentuada, o que dificulta a construção de casas (mas não a impede). A ocupação irresponsável desses vales pode ser arriscada e trazer prejuízos
1a ÁGUA 2a ÁGUA 3a ÁGUA
VIA DO CARDOSO
Talvegues com nascentes do córrego do Cardoso. Alteração sobre base do Google Earth, 2009.
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ambientais, por isso eles já passaram por processos de desapropriação e remoção dos moradores. Devido à sua baixa densidade de ocupação e à presença de água, há árvores de maior porte, arbustos e vegetação ruderal (aquela que se desenvolve sobre o entulho). De forma geral, a vegetação é característica do cerrado, mas existem árvores frutíferas – muitas delas plantadas pelos próprios moradores. Já nas vias e becos, encontramos poucas árvores adjacentes aos caminhos, o que os torna um pouco áridos. Além da vegetação nas áreas dos córregos (primeira, segunda e terceira águas) existem árvores e outras plantas de menor porte dentro dos lotes e em áreas não ocupadas (muitas vezes por serem demasiado íngremes). Nas áreas mais densas, há poucas plantas, sendo mais comum o piso impermeabilizado de asfalto ou concreto. Quando caminhamos pelas ruas e becos, notamos que há de fato poucas áreas para infiltração de água. As ruas e becos, em geral, não contam com canaletas de escoamento de águas pluviais ou qualquer dispositivo de infiltração ou redução da velocidade de escoamento. A adoção de vegetação nas vias públicas que comportem arborização de pequeno e médio porte poderia ser interessante para minimizar a aridez do ambiente.
Principais Becos existentes na Primeira Água.
N
37
PAVIMENTAÇÃO, REDE ELÉTRICA E ILUMINAÇÃO PÚBLICA Em geral, não há calçadas. Nos casos em que há calçadas, essas não ultrapassam um metro de largura e são muito irregulares. Observamos que, por isso, muitos pedestres preferem caminhar pelo asfalto no centro das vias. O espaço das ruas e becos são, portanto, espaços compartilhados entre pedestres, carros, ônibus, motos e bicicletas. A rede elétrica é, em sua totalidade, externa e distribuída por postes. Reparamos que existe um cuidado na colocação dos postes de distribuição de forma que os cabos fiquem afastados em pelo menos um metro da face das construções. Os postes de iluminação coincidem, na maioria das vezes, com os postes da rede elétrica. Vista do Beco Beija-Flor.
Vista da Primeira Água e, ao fundo, residências do Aglomerado da Serra.
38
4.2 ESPAÇO SOCIAL
TRANSFORMAÇÕES DO TERRITÓRIO, CONFLITOS TERRITORIAIS E A QUESTÃO DOS RESÍDUOS
*O Vila Viva é um programa de intervenções urbanísticas em vilas e favelas adotado pela
Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (URBEL).
O Aglomerado da Serra foi contemplado pelo programa Vila Viva*. As obras foram iniciadas em 2005 com a construção de equipamentos públicos, edifícios habitacionais e a Via do Cardoso. Além disso, cinco áreas junto aos afluentes do córrego do Cardoso foram cercadas e denominadas “parques”. Essas áreas, entretanto, não conciliam o tratamento do espaço com a possibilidade de uso cotidiano e isso não assegura “a preservação de sua integridade, pois estarão pressionadas pelas atividades do entorno, ainda que a vigilância consiga impedir sua reocupação formal”. (Silva, 2013. p. 167-171) A área que compõe a Primeira Água passou, nos últimos cinco anos, por processos de remoções realizados pela URBEL. Nas áreas desapropriadas as casas foram demolidas apenas parcialmente, deixando restos de fundação e estrutura. De acordo com relatos de moradores, o entulho das demolições não foi removido, o que contribuiu para a criação da percepção de que a área poderia ser tratada como local para descarte de resíduos sólidos. Os órgãos da Prefeitura negam sua responsabilidade pelo problema: a URBEL acusa a Fundação de Parques e Jardins, que deveria ter feito intervenção na área quando as desapropriações foram concluídas. A Fundação, por sua vez, afirma que não recebeu recursos da Prefeitura para lidar com o parque da Primeira Água e, portanto, não teve como intervir na área. Fato é que, enquanto a disputa sobre a atribuição da responsabilidade da área não se resolve, os moradores jogam entulho e lixo no local e se aproveitam das estruturas parcialmente demolidas para reconstruir casas. “Eles não fazem nada e impedem que os outros façam” disse um agente sobre a postura da Prefeitura em relação ao caso, durante o encontro do PAACA do dia 18 de junho. Enquanto a situação não se resolve, caminhamos na área da Primeira Água e encontramos becos sem iluminação, entulho jogado pelos moradores, restos de fundação e de estrutura das antigas casas, vegetação tomando o espaço entre as casas removidas e, em meio a tudo isso, um pequeno curso d`água.
39
Vista aérea da Primeira Água anterior à construçnao da Via do Cardoso. Google Earth, julho de 2006.
Vista da Primeira Água anterior às remoções. Google Earth, julho de 2009.
Vista atual da Primeira Água. Google Earth, abril de 2009.
40
Vista do estruturas demolidas
parcialmente e, ao fundo, a Via do Cardoso.
Iniciativas como a de Alessandro Silva (Gu), citado no Capítulo 4, tentam combater o problema. Por iniciativa própria, ele limpou uma dessas áreas cheias de entulho e passou a realizar Saraus mensalmente. “No início eles continuaram jogando entulho aqui. Tive que brigar com o pessoal ali de cima para que eles entendessem que aqui não é lixão. Graças a Deus, eles pararam se não iria estar como do outro lado” disse enquanto apontava para o outro lado da encosta, tomada por entulho. A área de que Alessandro toma conta compreende uma pequena porção entre os becos 9 de Julho, Beija-flor e a Rua Flor de Maio, enquanto a área para a qual apontava compreende o entorno do Beco José Perpétuo. Além dos Saraus, o espaço tem uma pequena biblioteca e um local de permanência. Os processos de reocupação são realizados irregularmente e aproveitam restos de demolições anteriores. Em outras áreas livres, moradores começam a descartar entulho e, como em um ciclo vicioso, a área fica completamente tomada pelo descarte de resíduos sólidos. Enquanto essa situação perdura, os órgão municipais se abstêm de responsabilidade, mas também impedem iniciativas de outras organizações que querem reverter o quadro. A situação da Primeira Água é crítica do ponto de vista das reocupações. Exemplos como o da comunidade Rastafari Roots Ativa também atuam no manejo de resíduos, especialmente os orgânicos. A comunidade atua em várias frentes, como permacultura, sustentabilidade e culinária. O projeto envolve crianças, jovens e mulheres do aglomerado que se encontram em vulnerabilidade social e dentre as atividades realizadas, cultivam horta orgânica e produzem adubos e fertilizantes naturais a partir dos próprios rejeitos e dos coletados de outros moradores.
41
EQUIPAMENTOS RELEVANTES No entorno da Primeira Água, existem alguns equipamentos de uso comunitário relevantes que podem ser contemplados dentro de uma proposta de Escola Peripatética. Dentre os equipamentos, destacam-se a UMEI Capivari e a EMPEPI, ambas localizadas às margens da Via do Cardoso. Outros equipamentos mais próximos são a Comunidade Roots Ativa, ACES Serra, a Escola Estadual Laura das Chagas Ferreira (“Laurão”) , o Espaço Criança Esperança e o Recanto Beija-flor.
Principais equipamentos
próximos à Primeira Água.
N
06
02
07 04 01
03 08
05
Nº
Equipamento
Tipo
Endereço
1
UMEI Capivari
Escola
Rua Capivari, 1024
2
E.M. Edson Pisani
Escola
R. Nossa Sra. de Fátima, 1015
3
Roots Ativa
Comunidade
Beco Pinho
4
Escola Integrada
Escola
R. Nossa Sra. de Fátima, 900 ou Beco do José Perpétuo
5
ACES Serra
Centro Cultural
Rua Bandônion, 729
6
E.E. Laura das Chagas Ferreira
Escola
Rua Sacramento, 758
7
Espaço Criança Esperança
Centro comunitário
Rua Des. Mario Matos, 560
8
Recanto Beija-flor
Centro Cultural
Beco Beija-flor
42
5 ESCOLA PERIPATÉTICA PRIMEIRA ÁGUA
Após as pesquisas e discussões realizadas em posse das informações que obtivemos ao longo desse processo, acreditamos ser possível a criação de um plano que integre melhorias espaciais e ambientais a uma proposta pedagógica no Aglomerado da Serra. O projeto, que batizamos de Escola Peripatética Primeira Água (EPPA), consiste em uma série de intervenções espaciais visando fortalecer e estimular uma dinâmica de rede educacional integrada ao cotidiano urbano. São elas: requalificações de caminhos existentes e criação de novos caminhos; construção e reforma de alguns espaços destinados a usos múltiplos; pontes e outras infraestruturas.
*A Escola Integrada é uma política municipal de Belo
Horizonte, que estende o tempo e as oportunidades de aprendizagem para crianças e adolescentes do ensino fundamental nas escolas da Prefeitura. São nove horas diárias de atendimento a
milhares de estudantes, que se apropriam cada dia mais dos equipamentos urbanos disponíveis, extrapolando os limites das salas de aula e do prédio escolar. Estas oportunidades são
implementadas com o apoio e a contribuição de entidades
de ensino superior, empresas, organizações sociais, grupos
comunitários e pessoas físicas
Dedicamo-nos ao exercício de imaginar formas de aprendizado a partir da interação no espaço e com o espaço. Assim, inspirados na escola de Aristóteles, em que se aprendia caminhando, adotamos o termo Escola Peripatética, não apenas em sentido literalmas com a ideia de que, para aprender, é preciso caminhar e movimentar o pensamento, mudar referenciais e alterar pontos de vista. Acreditamos que todo lugar pode ser uma escola quando o vemos como tal e o andar pode expandir o aprendizado ao nos levar a lugares diversificados e ao contato com variadas situações e pessoas. A proposta não foi imaginada como substituto dos espaços escolares existentes, mas como um complemento e uma extensão desses espaços. Ela seria utilizada pelos alunos da Escola Integrada* em suas atividades, mas também por outras crianças em suas horas de lazer, por transeuntes e moradores. É um grande espaço público de travessias, brincadeiras, esportes, atividades culturais, contemplação e descanso, com uma infinidade de possibilidades de interação social, visual, sensorial ou experimental. As intervenções foram projetadas com o intuito de produzir efeitos práticos e simbólicos relevantes, porém pouco impacto físico e visual, em respeito à paisagem e à identidade locais.
0
50
11
100m
12
1 2 3
8
4
9
10
6
7
5
N
11.UMEI Capivari 12.Praça do Cardoso
10.E.M.P.E.Pi.
9. Novo acesso Edson Pisani
6. Ponte Teia 7. Praça da Árvore 8. Quadra N. Sra. de Fátima
4. Recanto Beija Flor 5. Ponte Trepa Trepa
3. Quadra da Mangueira
2. Anfiteatro
1. Pomar da escalada
Peripatética Primeira Água
Planta Geral da Escola
43
44
5.1 CAMINHOS COMO ESTRUTURADORES DO ESPAÇO IMPLANTAÇÃO NA PRIMEIRA ÁGUA Os percursos serão, na EPPA, os elementos estruturantes do espaço. Sem os caminhos é impossível chegar de um lugar ao outro, o que faz deles o elemento de coesão das intervenções. Definidos a partir de trajetos já existentes na área e de aspectos geográficos e morfológicos, eles integrarão uma malha de caminhos cotidianos dos moradores, buscando aprimorá-la. Os percursos criarão uma conexão entre equipamentos culturais e educacionais existentes, com o objetivo de ampliar o acesso a eles e a partir deles. Os dois principais equipamentos que demarcam os limites da EPPA são a UMEI Capivari, a oeste, e a EMPEPI, na extremidade norte.
Trajetos incorporados (em amarelo) e
N
trajetos propostos (em roxo).
04
01 03 02
45
Ainda que o relevo da área seja extremamente íngreme, o que dificulta o trânsito e mais ainda intervenções construtivas, o projeto prevê a implantação de algumas novas rotas: 1. Beco Primeira água: Ao conectar o Beco 21 de abril e o Beco do Coelho, ele criará um novo caminho entre a Praça do Cardoso e a EMPEPI em que a variação de nível é muito mais suave do que a existente (pela Via do Cardoso). Ao longo de uma de suas extremidades serão plantadas árvores frutíferas e construídas superfícies de escalada. Por se tratar de um caminho que corta uma área de inclinação muito alta e por isso muito difícil de ser edificada, apresenta uma bela vista panorâmica ao longo de quase todo o trajeto. 2. Prolongamento do Beco Beija Flor: com início na Rua Flor de Maio, o Beco Beija Flor serve de acesso a algumas casas e ao Recanto Beija Flor. Este marca, atualmente, seu fim. A Escola Peripatética contemplará não apenas a requalificação de seu segmento já consolidado – regularização e pavimentação, drenagem, iluminação, instalação de guarda corpo e lixeiras – mas também a extensão até o Beco José Perpétuo através de uma ponte que irá transpor o talvegue do vale. 3. Prolongamento do Beco 9 de Julho: atualmente, o Beco 9 de Julho também tem o Recanto Beija Flor demarcando uma de suas extremidades. Por cortar as curvas de nível do terreno em de forma mais transversal, é bem mais íngreme que o Beija Flor, sendo marcado por escadarias. Além da requalificação deste beco, também é previsto seu prolongamento até o Beco Primeira Água, que servirá de acesso à Quadra da Mangueira e ao Recanto Beija Flor. 4. Novo acesso à Escola Edson Pisani: o projeto propõe um novo acesso à EMPEPI, na extremidade oposta do atual portão (essa intervenção será abordada com mais detalhes na segunda parte deste capítulo). A partir do novo portão, um caminho no terreno adjacente à escola e uma escadaria existente, que será alargada, levarão até a calçada Rua Nossa Senhora de Fátima. Esta calçada, por sua vez, será alargada a partir do cruzamento com a Rua Joana Darc até o acesso ao Beco do Coelho, para atender ao trânsito intenso de pessoas nesse trecho. Uma estrutura leve possibilitará a adição de um metro de largura à calçada existente, de forma que não haja comprometimento na dimensão da via. Os demais trajetos contemplados pelo projeto serão requalificados seguindo um mesmo padrão construtivo, a fim de explicitar a unidade da intervenção.
46
2
1
Vista isométrica dos caminhos 1. Guarda-corpo
2. Postes de iluminação
3. Contenção em blocos Terrae
4. Degrau com canaleta 4 3
3
PAVIMENTAÇÃO, CONTENÇÕES E ESCADAS As soluções técnicas escolhidas para os caminhos do projeto visam um baixo impacto estético, construtivo e na drenagem das águas pluviais. Além disso, optamos por materiais com baixo custo de produção e com montagem e transporte mais fáceis, uma vez que o terreno é de difícil acesso para pessoas e máquinas. A construção dos caminhos começará pela regularização do terreno. Os cortes e aterros serão contidos por muros feitos de blocos de concreto da marca Terrae. Os blocos poderão ser transportados em pequenas quantidades em um carrinho de mão e apresentam um acabamento bastante satisfatório, podendo receber um recobrimento vegetal na maioria dos casos. A altura das contenções será variável de acordo com a declividade do terreno, chegando, em média, a um metro e meio de altura. Apenas em pequenos trechos mais extremos a contenção se aproximará da altura de dois metros.
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A pavimentação dos caminhos planos e rampados será um ecopavimento composto por uma superfície de brita zero sobre uma grelha plástica que dárá firmeza ao piso e mantérá seu nivelamento, sem impedir a permeabilidade. Abaixo dessa superfície, uma camada mais espessa de brita contida entre os muros de contenção permitirá que uma grande quantidade de água das chuvas se infiltre novamente no solo. O piso de brita, além de ser permeável, possui baixo custo e confere à paisagem um aspecto mais natural, se comparado a um piso sólido como o cimentado ou o asfalto, por exemplo. Além disso, poderá servir como vivência sensorial, já que produz sons e variações táteis ao caminhante. As escadas possuirão, com algumas exceções, inclinação de 30 graus, o que tornará a subida e descida mais confortável e segura. Os degraus serão peças de concreto pré moldado que se encaixam umas sobre as outras, com um piso de 35cm e um espelho de 15cm. A escadaria possuirá 85 cm de largura livre para subida e descida e uma canaleta descentralizada de 50 cm de largura útil para empurrar bicicletas e carrinhos de mão sem que os guarda-corpos sejam um obstáculo. A superfície das canaletas será pintada com tinta acrílica e revestida por um verniz hidrofugante, permitindo que crianças com um pedaço de papelão ou um saco de pano usem-a como um escorregador. Os pisos das escadas serão preenchidos com concreto, utilizando a própria peça pré moldada como forma. Os pisos menores, do outro lado da canaleta, poderão ser preenchidos com concreto e utilizados como assentos ou preenchidos com terra e utilizados como jardineiras.
Perspectiva isométrica dos
35 17
0
15
4 2 3
1
degraus 1. Peça pré-moldada
2. Canaleta 3. Piso moldado in loco 4. Jardineira
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Detalhe de contenção
1. Canaleta em concreto 2. Manta de bidim
3. Brita 4. Bloco Terrae preenchido
5
com terra batida
5. Cinta de concreto
1
4 2
3
6
3
Detalhe da contenção e
detalhe da pavimentação 1. Ecopavimento 2. Manta de bidim 3. Brita 4. Drenagem
1 2
5. Concreto magro 6. Bloco Terrae preenchido com terra batida
3
5
4
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GUARDA CORPOS, ILUMINAÇÃO E LIXEIRAS Os guarda corpos serãoo feitos de barras chatas de aço soldadas, tanto para os montantes, quanto para os elementos horizontais. As bases serão chapas de aço quadradas, chumbadas na cinta de concreto que faz o acabamento na extremidade dos caminhos a uma distância máxima de 1,4 metros entre si. Nelas serão soldadas as barras verticais dos montantes. No caso das peças se encontrarem em segmentos com escadas, os montantes se posicionarão nos degraus e as barras transversais soldadas no sentido diagonal, acompanhando a inclinação da escada. Um corrimão metálico de perfil retangular será soldado no mesmo montante que sustentará o guarda corpo.
Perspectiva isométrica do guarda-corpo 1. Montante
0
. 14
x má
2. Barras horizontais 3.Bases 4. Corrimão
4 2 3 110
1
A iluminação dos caminhos será feita por poste de luz de 3,5 metros de altura, com placas fotovoltaicas acopladas, dispensando grandes infraestruturas de instalações elétricas. Eles se posicionarão com distâncias máximas de 4 metros entre si, respeitando as recomendações de segurança da CEMIG para iluminação de vias públicas. As luzes de LED que iluminarão desde o acesso à EMPEPI até o acesso à UMEI serão, assim como o padrão de pavimentação dos caminhos, uma forma de demarcar a unidade das intervenções propostas pela Escola Peripatética Primeira Água. Além disso, a EPPA será equipada com lixeiras em pontos estratégicos, onde é previsto um grande movimento de pessoas, com distâncias máximas de 50 metros entre si. As lixeiras deverão seguir o padrão já adotado pela Prefeitura de Belo Horizonte.
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5.2 PARADAS COMO ATIVADORAS DO ESPAÇO 1. POMAR DA ESCALADA No Beco Primeira água, propõe-se o Pomar da Escalada: um conjunto de árvores que, além de fornecerem frutas, ajudarão a reter a terra do talude existente, tornarão menos árida a paisagem e sombrearão o caminho. A escolha das espécies exigirá um estudo mais aprofundado, que considere o clima e a harmonia com outras espécies da nativas da área. Além disso, o pomar possuirá duas superfícies amebóides de concreto que acompanham a inclinação do talude. Essas superfícies possuirão semi esferas de concreto de diversos tamanhos que as transformarão em paredes de escalada, pelas quais será possível atingir as árvores nos pontos mais altos ou simplesmente se divertir subindo e descendo.
Planta Pomar da escalada 1. Parede de escalada
N
2. Beco Primeira Água 3.Árvores frutíferas
3
2
3 1
0
10
20m
51
Corte transversal do Pomar da escalada
2 ANFITEATRO Adjacente ao Pomar da Escalada, uma conformação do terreno será ocupada por um anfiteatro. O acesso se dará pela parte superior das arquibancadas, que acompanharão o desenho do Beco Primeira Água. Abaixo dele, nove pisos formarão a arquibancada e um palco de aproximadamente 70 metros quadrados. A plateia, voltada para leste e com uma alta enconsta a oeste, estará protegida do forte sol da tarde. Os pisos e espelhos da arquibancada serão de concreto, limitados por um guarda-corpo. O palco terá um piso de concreto e, abaixo dele, uma contenção de blocos Terrae.
52
N
1 2
0
10m
Planta Anfiteatro 1. Anfiteatro
2. Beco Primeira Água
Planta Pomar da escalada 1. Parede de escalada 2. Beco Primeira Água 3. Árvores frutíferas
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3 QUADRA DA MANGUEIRA Ao lado de uma imponente mangueira existente em um ponto central da área da Escola Peripatética da Primeira Água, uma ruína remanescente das desapropriações do local será transformada na Quadra da Mangueira: uma laje de concreto de pouco mais de 100 metros quadrados e envolvida por um alambrado de tela. O lugar oferecerá muitas possibilidades de uso e apropriação. O alambrado, a iluminação por holofotes e uma pintura no piso com linhas de parte de uma quadra de esportes permitirão que ela seja utilizada para atividades físicas e brincadeiras. Uma trave removível e outros materiais poderão ser armazenados no depósito adjacente. A sombra da mangueira fará da quadra um lugar agradável para um piquenique ou debates ao ar livre e a permanência no espaço será facilitada pelos dois banheiros, um de cada lado do depósito. A laje de cobertura do bloco dedepósito e banheiros será um terraço com acesso por escadas que farão parte da extensão do Beco 9 de Julho (que descerá a partir da Rua Flor de Maio, passando pelo Recanto Beija Flor e pela Quadra da Mangueira até encontrar o Beco Primeira Água). O terraço, em conjunto com o piso da quadra, formarão um ambiente em níveis com contato visual entre si que pode ser aproveitado e a transparência do alambrado marcará a paisagem da Primeira água de forma sutil para os observadores distantes.
Planta Quadra da Mangueira
N
1. Quadra
2. Banheiro Masculino 3. Depósito 4. Banheiro Feminino 5. Beco 9 de Julho
1
5
4 3
2
0
2.5
5m
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Corte transversal da Quadra da Mangueira.
4 RECANTO BEIJA FLOR Subindo o Beco 9 de Julho em uma cota aproximadamente dez metros acima da Quadra da Mangueira, encontra-se o Recanto Beija Flor. Este é um espaço já existente, que comporta uma pequena biblioteca e um quintal onde acontecem saraus e outras atividades culturais. O projeto propõe incorporá-lo à EPPA, com intervenções arquitetônicas para atender ao uso que ele já tem. A encosta que atualmente é usada como apoio para os livros da biblioteca receberá uma contenção de blocos Terrae e uma parede afastada servirá de apoio para estantes de livros e para a estrutura do telhado. Dessa forma, os livros ficarão menos expostos à umidade. Uma cobertura de projeção retangular protegerá a biblioteca e parte da circulação de pedestres, além de criar um sombreamento no terraço. O caráter aberto da estrutura será uma forma de torná-la mais apropriável, funcionando como uma extensão do terraço aberto e também de manter o caráter original do lugar. A conformação do espaço, por meio dos muros de contenção e guarda corpos busca se adaptar ao relevo da forma menos impactante possível.
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Planta Recanto Beija-Flor
N
1. Biblioteca
2. Beco 9 de Julho
3
3. Beco Beija-flor
1 2
3 2
0
10m
Corte Transversal
Recanto Beija-flor
56
5 PONTES Em dois pontos dos trajetos que compõem a EPPA, serão construídas pontes para transpor os desníveis. As duas estruturas propostas encontram-se no mesmo talvegue, uma delas no Beco Beija Flor (Ponte Trepa Trepa) e outra em um ponto mais baixo, no Beco Primeira Água (Ponte Teia). Concebemos as pontes, também, como brinquedos. A ponte Trepa-Trepa será uma estrutura formada por um aglomerado de paralelepípedos de arestas metálicas. Cada paralelepípedo medirá 90 centímetros de largura, 70 de profundidade e 70 de altura e o volume entre as arestas de cada um deles será inteiramente vazado. Algumas das faces horizontais desses paralelepípedos receberão grelhas metálicas, que servirão de piso, e elementos de sombreamento. Andando pelos pisos centrais no mesmo nível do caminho será possível atravessar a ponte em linha reta, mas existirá, também, a possibilidade de se aventurar em escaladas entre pisos de paralelepípedos protuberantes do volume central da estrutura, como em um brinquedo trepa-trepa tradicional. Todas as faces externas dos paralelepípedos que formarão a ponte são protegidas com tela alambrado, para assegurar que ninguém caia para o lado de fora ao se aventurar em seus vãos. Estruturalmente a ponte funcionará como uma viga vierendeel treliçada e apoiada sobre blocos de fundação aflorados. Considerando o paralelepípeVista isométrica da Ponte Trepa-trepa.
57
Corte transversal da Ponte Trepa-Trepa.
do como um módulo estrutural, ela se inscreverá em um espaço de quatro módulos de largura, 13 de profundidade e cinco de altura. Os módulos inferiores serão contraventados como uma treliça espacial formado uma base rígida que receberá todo o peso da ponte. As faces verticais e superiores também contarã com barras diagonais de contraventamento, fazendo da estrutura uma peça rígida capaz de vencer o vão de seis metros de distância entre seus apoios.
Isométrica explodida
mostrando o encaixe dos paralelepípedos.
58
Já no beco Primeira Água haverá a Ponte Teia, sustentada por tirantes presos a um arco treliçado de três metros e meio de flecha. O piso curvado da ponte preso aos tirantes se posicionará abaixo do arco de forma que o eixo deste esteja alinhado com o centro de gravidade daquele, minimizando forças que causem momento no arco. Ao lado do trajeto em curva da ponte haverá um outro arco metálico – este, porém inclinado 30 graus em relação ao plano horizontal e concavidade voltada para o lado oposto da curvatura do trajeto. Suas extremidades serão fixadas na estrutura do piso da ponte e a sua sustentação será, também, garantida por tirantes presos ao arco treliçado. No espaço entre o piso em curva e o arco inclinado, haverá uma teia de cordas onde as crianças poderão enfiar os braços e pernas, se deitar, rolar e engatinhar. A trama das cordas deverá ter espaçamento suficiente para que seja impossível que crianças atravessem a teia caindo da ponte ou mesmo consigam enfiar a cabeça por entre as cordas.
Vista isométrica da Ponte Teia
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Corte Longitudinal da Ponte Teia
Corte Transversal da Ponte Teia
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6 PRAÇA DA ÁRVORE Em nossas incursões pela Primeira Água, identificamos o cruzamento entre o Becos José Perpétuo e o Beco do Coelho como um importante ponto nodal dentre os percursos existentes. Por ser o encontro de dois trajetos muito utilizados por moradores e apresentar uma ambiência agradável, o local é muito propício à implantação de uma praça escalonada. Em seus patamares de concreto, as pessoas poderão se sentar confortavelmente para conversar ou esperar alguém. Devido a sua orientação para oeste, será plantada uma árvore de grande porte logo à frente da arquibancada para garantir que o lugar continue agradável mesmo nos dias de sol forte. A Praça da Árvore será um convite à apropriação por parte dos moradores e uma estratégia para reverter o despejo de entulho que acontece atualmente no local.
Planta Praça da árvore 1. Praça escalonada
N
2. Beco José Perpétuo 3. Beco do Coelho 4. Beco Beija-flor
3
1
2
4
0
10m
61
Corte transversal Praça da árvore.
7 QUADRA N. S. DE FÁTIMA E NOVO ACESSO A EMPEPI O acesso de pedestres e veículos à EMPEPI se dá por um portão no encontro entre as ruas Nossa Senhora de Fátima e São Tomás. Suas dimensões dificultam a passagem de carros e pessoas simultaneamente, além de estar na extremidade da escola mais distante da primeira água. Propõe-se uma nova entrada de pedestres a partir de um terreno lindeiro à Rua N. Sra. de Fátima, onde o muro de alvenaria da escola será substituído por um gradil com maior permeabilidade visual, uma nova guarita e um portão, em uma cota 3 metros abaixo do nível da rua (nível médio entre os dois blocos existentes). O portão será aberto para o caminho de pedestres proposto ao lado da Rua N. Sra. de Fátima, em que serão plantadas árvores. Na terreno em declive entre a Rua Nossa Senhora de Fátima e a via do Cardoso, propomos uma quadra poliesportiva suspensa. Ainda que sua implantação neste local dependa de uma estrutura de grande porte, entendemos que a quadra Nossa Senhora de Fátima atenderia a grande demanda de espaço esportivo para alunos e moradores. A laje nervurada suspensa sobre a encosta orientada para oeste, possibilitará o crescimento de vegetação abaixo da quadra. Assim, seu impacto paisagístico não será grande comparado ao muro de arrimo existente logo abaixo, na Via do Cardoso.
62
N
Planta novo acesso EPEPI e
Rua Nossa Senhora de Fátima 1. EMPEPI
2. Novo acesso à EMPEPI 3
3. Antigo acesso à EMPEPI 4. Via do Cardoso
5. Rua Ns. Senhora de Fátima 6. Quadra suspensa 7. Beco do Coelho
1
4
2
5 5
6
7
0
20m
63
Corte Transversal quadra suspensa
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6 ENCERRAMENTO
Embarcamos neste trabalho inspirados por um desejo de contribuir para a transformação da educação em um sistema de real empoderamento e desenvolvimento pessoal e social. Estudamos a história da escola, de seus espaços e teorias a fim de construir fundamentos críticos necessários para a reflexão e elaboração de novas propostas. Em um segundo momento, iniciamos o levantamento no Aglomerado da Serra para um estudo e uma reflexão aplicados à sua realidade. O terceiro momento compreendeu a elaboração e apresentação de um projeto arquitetônico. O tema e o lugar que escolhemos abordar – espaços educacionais alternativos no aglomerado da serra– são suficientemente vastos e complexos para que surgissem momentos em que quase nos perdemos frente a tantos assuntos encontrados ao longo da nossa investigação. Foi preciso fazer escolhas a todo momento: entre ferramentas gráficas para visualização e representação arquitetônica, bases de levantamento cartográfico e fotográfico, estratégias de ocupação em áreas social e ambientalmente vulneráveis. Com tempo e recursos limitados, seria impossível investigar e experimentar tudo que gostaríamos. Apesar disso, estamos contentes por ter realizado escolhas que resultaram neste trabalho e que foram enriquecedoras para nós. Esperamos que nosso trabalho contribua de alguma forma com os leitores e moradores, assim como nossas pesquisas, incursões na comunidade da Serra e exercício projetual contribuíram para nosso crescimento pessoal, acadêmico e profissional.
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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Valéria. A História da Educação na Antiguidade. Centro de Pesquisas da Antiguidade (cpantiguidade.wordpress.com), 2010. AZEVEDO, Fernando. O sentido da educação colonial. In: A Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1943. p.289-320. CENSO 2010. Densidade demográfica por bairros em Belo Horizonte. Disponível em <<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=estatisticaseindicadores&lang=pt_BR&pg=7742&tax=20040>>. Acesso em 16 de junho de 2016. CAMARGO, Angélica Ricci. “Aulas Régias” em MAPA – Memórias da administração pública brasileira, 2013. Disponível em: <linux.an.gov.br/ mapa>. Acesso em: 29 de nov. de 2016. CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As Aulas Régias no Brasil.In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e Memórias da Educação no Brasil: Vol. I. - Séculos XVI-XVIII. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. p.179-191. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. O espaço escolar como objeto da história da educação: algumas reflexões. Revista da Faculdade de Educação, 24(1), p.141-159, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (coleção Leitura). FURLEY, David (2003), “Peripatetic School”, em Hornblower, Simon; Spawforth, Antony, The Oxford Classical Dictionary (3rd ed.), Oxford University Press. IDAC – Instituto de Ação Cultural. HARPER, B., CECCON, C., OLIVEIRA,
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M. D. de, OLIVEIRA, R. D. de. Cuidado, escola – desigualdade, domesticação e algumas saídas. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1980. ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 1985. LIDDEL, Henry and SCOTT, Robert. Greek-English lexicon, versão online. LOPES, Paula. Educação, sociologia da educação e teorias sociológicas clássicas: Marx, Durkheim e Weber. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação (ISSN: 1646-3137), 2012. MARX, Karl. On General Education. Discurso proferido nas sessões do Conselho Geral da Associação Internacional de Trabalhadores, 1869. MENEZES NETO, Antônio Julio. Para além das teorias de reprodução: a práxis de Paulo Freire. Revista de Educação Popular. v11, n.1, 2012. PEREIRA, R. G. Avaliação ambiental da bacia do córrego da Serra em Belo Horizonte, 2005. 171p. SILVA, Margarete Maria de Araújo. Água em meio urbano, favelas nas cabeceiras, 2013. 273p. URBEL. Vila Viva: Integração das vilas à cidade. Disponível em <http:// portalpbh-hm.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=urbel&tax=8178&lang=pt_BR&pg=5580&taxp=0&>. Acesso em 29 de nov. de 2016. URBEL. Dados gerais sobre o aglomerado da Serra. Disponível em: << http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=urbel&tax=8178&lang=pt_ BR&pg=5580&taxp=0&idConteudo=17341&chPlc=17341>>. Acesso em 15 de junho de 2016.
ESCOLA DE ARQUITETURA TRABALHO DE CONCLUSÃ&#x192;O DE CURSO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
EA - UFMG