Na foto: personagem que integra as produções do Máscara EnCena, grupo de teatro em que o entrevistado Fábio Cuelli atua.
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ESPERANÇA
EQUILIBRISTA Na pandemia, artistas encontram novas formas de continuar
MAIS: A vida de egresso | Plantas: uma conexão com o lado de fora
PÁGINA DOIS
Com tanta gente que partiu Há mais de um ano, cultivamos um sentimento que tem muita garra em sua essência: a esperança. Encontramos novas formas de lidar com a rotina, as emoções e os convívios; transformamos tendências, comportamentos e parte do que somos; compartilhamos medos, angústias e lutos. Foi preciso se reinventar para caber em uma realidade pandêmica que ainda parece muito distante do fim. Com ela, veio a sensação de impotência diante de tantas vidas desprezadas nesse período, seja pelo descaso com as medidas preventivas ou pela falta de vacina para a população. No meio de tanto caos e incerteza, seguimos. Seguimos porque o nosso instinto de sobrevivência não dá trégua, assim como as contas a serem pagas no final do mês e a vida a continuar seu fluxo todos os dias. Seguimos porque temos um traço quase genético como país: a teimosia de acreditar que um amanhã diferente sempre será possível. É ela, a esperança! Nossa maior qualidade, desde sempre, se tornou refúgio para os momentos em que o contexto atual é cruel demais. Com unhas e dentes, agarramos a possibilidade de um futuro repleto de saúde, felicidade e presença, trazendo em nosso âmago a vontade de voltar às ruas para celebrar o fim de tudo isso da melhor forma: com Carnaval. Somos um povo quente, acolhedor, cheio de afeto e empatia. Essa chama pode se tornar mais fraca em momentos como esse que vivemos, mas jamais se apagar. Por isso, nesta publicação você acompanha o combustível que ilumina e motiva diferentes estudantes de Jornalismo a continuar: a informação. Na corda bamba da esperança equilibrista, seguimos resistindo e lutando por dias melhores. Aldir Blanc, o compositor da música que inspira este editorial e também uma das mais de 525 mil vítimas da Covid-19, estaria orgulhoso.
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Reitor Evaldo Kuiava Diretor do CCSO Marcelo Faoro de Abreu Curso de Jornalismo Coordenador do curso Marcell Bocchese Laboratório de Jornalismo Impresso e Online 2021/02 Professores Alessandra Rech - módulo impresso Jacob Raul Hoffmann - módulo online Textos e diagramação Almeri Trucolo Angonese | Greta Camassola de Rossi | Isadora Helena Martins | Juli Marroni Miller Hoff | Paola Ferreira de Castro | Thais Strapazzon Supervisão de layout Thais Strapazzon
EDUCAÇÃO ENSINO SUPERIOR
Vida de egresso não é fácil pra ninguém! Com taxa de desemprego superior a 14%, o empreendedorismo e a mudança de área são encarados como uma alternativa para a atuação de profissionais qualificados
O
dia da formatura é um dos momentos mais aguardados por todos os estudantes de graduação. Poder comemorar uma grande conquista - a obtenção do diploma - com colegas, professores, amigos e familiares é o ponto alto da vida universitária. Mas, e depois disso? É neste momento que se inicia a vida de egresso. Eis que chega o momento de construir a carreira profissional. Alguns encontram oportunidades facilmente ou já começam a trabalhar na área mesmo durante a graduação. Outros compõem o grupo de 4 milhões de brasileiros com Ensino Superior que estão desempregados ou estão trabalhando fora da área de formação, segundo levantamento da consultoria IDados, com base na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD Contínua). Também tem aqueles que optam por abrir o seu próprio negócio, integrando o grupo de cerca de 53,4 milhões de brasileiros que estão à frente de alguma atividade empreendedora, segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) realizada em 2019. Ainda há quem mude totalmente de área. É possível dizer que a maioria das pessoas que optam pelo Ensino Superior almejam vagas melhores no mercado de trabalho, buscando a realização profissional e, consequentemente, pessoal. O fato é que vida de egresso não é fácil pra ninguém, ainda mais em um País com uma estrutura educacional fragilizada e com abismos sociais que “selecionam” quem terá seu lugar ao sol quando o assunto é emprego de qualidade. Os desafios após o dia da formatura. (Ilustração: Fernanda Muniz)
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Diploma não é sinônimo de emprego O diploma, há algum tempo, já não é mais visto como um passaporte direto para o emprego dos sonhos. É, sim, visto como uma importante qualificação e, até mesmo, prérequisito para algumas vagas de trabalho, e concursos públicos ou privados. No Brasil, no entanto, mesmo com o “Ensino Superior Completo” no currículo, milhares de graduados enfrentam dificuldades para conseguir oportunidades na área de formação. Uma análise feita pela consultoria IDados, com base na PNAD Contínua, revelou que, no primeiro trimestre de 2020, 40% dos brasileiros entre 22 e 25 anos com faculdade no
currículo eram considerados sobreeducados. Ou seja, mais de 520 mil jovens estavam em empregos que não exigiam Ensino Superior. Essa é a realidade da jornalista Évelynn Marinho. Graduada em 2018, pela Universidade de Caxias do Sul, ela conta que durante a graduação não teve contato com o mercado de trabalho, entretanto isso não a desanimou. A vontade de aperfeiçoar o inglês incentivou EDUCAÇÃO Évelynn a inscrever-se no Programa de intercâmbio Au pair. Os inscritos são recebidos por uma família com criança e têm direito à acomodação, refeição, bolsa de estudos e remuneração semanal. Em
O potencial é uma vitrine profissional Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Semesp, com apoio da Symplicity, divulgada em dezembro do ano passado, a maioria dos alunos matriculados em um curso presencial de ensino superior privado, trabalha ou realiza estágio (57,2%), seja na área do curso ou em outra área. Esse foi o caso da recém-graduada Nicole Sachet Maso, que encontrou uma oportunidade de crescimento profissional na empresa onde já atuava durante a graduação. Prevista para fevereiro de 2021, a colação de grau em Relações Públicas foi adiada pela Universidade de Caxias do Sul em função do distanciamento social controlado. Durante a graduação, ela passou a atuar no atendimento da Casa da Ovelha e, ao longo do tempo, cresceu dentro da empresa. Hoje ela ocupa o cargo de Coordenadora de Comunicação. “A gente nunca deve fazer só o que nos foi solicitado, se você tem um tempinho a mais é um grande momento para mostrar o seu potencial para a empresa”, explica. Apesar das diversas possibilidades
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de atuação, Nicole conta que iniciou o curso de Relações Públicas porque gostava de organizar eventos desde a escola. O mercado de trabalho, entretanto, redirecionou esse interesse. “Acabei me descobrindo em outra área, que é a comunicação digital e social media”, conta. Para ela, o próximo passo é a especialização com cursos de pósgraduação, mestrado e, quem sabe, um doutorado. “Na faculdade temos
“A gente nunca deve fazer só o que nos foi solicitado, se você tem um tempinho a mais é um grande momento para mostrar o seu potencial” uma base para a carreira profissional, mas ainda há muito para contribuir. O digital muda a todo momento”, afirma Nicole.
contrapartida, a responsabilidade principal da au pair é atender às crianças. Logo após a formatura ela embarcou para os Estados Unidos. “É sempre bom você mudar e sair da zona de conforto para poder enxergar as coisas mais além”, explica. A exemplo, recentemente, a jornalista foi aceita para estudar Atuação para Cinema na Universidade Stanford durante um ano. “Se eu voltar para o Brasil eu quero levar essa cultura, porque eu senti muita falta enquanto eu estava em Caxias do Sul”, conta Évelynn.
A busca pelo emprego após a formatura (Ilustração: Fernanda Muniz)
“Não há vagas” O desemprego, que afeta 14,3 milhões de brasileiros (14,2%), segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atinge também a população que concluiu o Ensino Superior. Uma pesquisa feita pela PNAD Contínua entre 2014 e 2019, ou seja, antes mesmo da crise agravada pela pandemia do novo coronavírus, mostrou que, em todo o período, o número de pessoas que estavam desempregadas há mais de dois anos era maior entre os que possuíam Ensino Superior. Com exceção dos primeiros meses de 2018, os graduados sempre foram maioria nesse índice. Em 2019, o número de formados sem emprego há mais de dois anos chegou a 29%. Os motivos para essa realidade podem ser diversos, desde escassez de vagas até dúvidas ao buscar seu lugar no mercado. Esse é o caso do Gustavo Ascari, que se formou em Publicidade e Propaganda na Universidade de Caxias do Sul,
em 2020, e ainda não conseguiu emprego na área. “A oferta agora está realmente mais difícil, por causa da pandemia, mas também tem uma questão pessoal minha porque eu estou tentando selecionar um pouco mais. Eu acho que não me encontrei 100% e vejo que é uma questão que as pessoas têm bastante. Eu não tenho certeza de onde quero ir,
“Essa realidade não mudou, sempre foi difícil para o jovem que está se formando entrar direto na sua própria profissão. O mercado sempre foi exigente na necessidade de alguém com experiência. Então, o jovem paga a conta por ser jovem”
então, ao invés de procurar um cargo específico, eu vou lendo os que tem e vou selecionando para ver se eu gosto ou não, e, até agora, não encontrei”, afirma. Para o especialista em Recursos Humanos e diretor da RH Mattos, Cássio Mattos, o mercado sempre foi intransigente com os jovens, mesmo os já formados: “Essa realidade não mudou, sempre foi difícil para o jovem que está se formando entrar direto na sua própria profissão. O mercado sempre foi exigente na necessidade de alguém com experiência. Então, o jovem paga a conta por ser jovem”. Para lidar com a competitividade do mundo do trabalho, a principal dica é buscar experiências durante a formação. “A gente sempre incentivou o jovem a fazer estágio, como uma forma de adquirir experiência, para quando estiver formado ser efetivado na empresa onde ele estava ou poder se apresentar no mercado com uma bagagem de experiência”.
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Empreendedorismo: uma escolha ou necessidade? Um dos caminhos almejados por quem conclui a formação no Ensino Superior é o empreendedorismo. Por outro lado, abrir o próprio negócio, em alguns casos, é uma necessidade. Quase 90% dos empreendedores iniciais concordam (total ou parcialmente) que a escassez de emprego constitui uma das razões para desenvolver a iniciativa empreendedora com a qual estão envolvidos, conforme estudo da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) realizado em
“O desafio é se transformar em empreendedor e aprender a lidar com os desafios do dia a dia de ser empresário no Brasil.”
2019. Para Lissandro Stallivieri, diretor da Spaghetti Filmes - que é uma produtora independente que está no mercado desde 2003 - o empreendedorismo sempre foi uma opção: “O meu foco sempre foi produção audiovisual e de alguma maneira eu sempre tinha aquela vontade de empreender, eu pensava em ter uma produtora independente. Desde o início, eu fui buscar a formação pensando nisso, queria ser documentarista”. Antes de abrir a produtora, juntamente com outros sócios, Stallivieri teve experiências profissionais em veículos de comunicação tradicionais, como Jornal Pioneiro e UCS TV. Ele argumenta que nesses ambientes também praticou princípios do empreendedorismo: “Essa questão do empreender é subjetiva, porque a gente tem a possibilidade de empreender coisas durante a vida, sem ser, necessaria-
mente, um negócio específico. Em todos os lugares onde eu trabalhei sempre buscava algo a mais, agregar mesmo, sempre buscava uma alternativa que fizesse o negócio crescer de alguma maneira”. Independentemente das razões que levam ao empreendedorismo, os desafios sempre estão presentes, assim como as alegrias. “O desafio é se transformar em empreendedor e aprender a lidar com as contas, com as questões administrativas e os desafios do dia a dia de ser empresário no Brasil. A parte gratificante é fazer o que a gente gosta todos os dias e, ainda, ter um vislumbre estético para o trabalho que a gente faz. A principal vantagem do próprio negócio é fazer um produto que a gente sabe que vai comunicar alguma coisa pra alguém e vai gerar algum tipo de reação, na maioria das vezes, positiva”, afirma Stallivieri.
Universidade abre portas para egressos Ao concluir a graduação, muitos estudantes perdem o vínculo com a universidade. A realidade, contudo, não precisa ser assim. Pensando em reaproximar ex-alunos e os próprios estudantes, em sinergia com as necessidades dos mesmos, a Universidade de Caxias do Sul criou o programa UCS Oportunidades. O objetivo é atender uma das principais demandas dos graduandos e egressos: estabelecer contato com o mundo do trabalho. “O UCS Oportunidades está atuando em três frentes. No eixo de emprego e estágio, ou seja, aquele emprego mais tradicional e formal em que o aluno está buscando trabalho com carteira assinada ou estágio. Nesse sentido, a UCS aproxima ele do mercado de trabalho através dos contatos com as empresas que a gente tem e das vagas que a gente dispõe. No outro eixo,
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estamos disponíveis para as vagas temporárias, dentro dessa nova dinâmica que o mercado de trabalho está ofertando agora, que é chamada de gig economy, que são os trabalhos por projetos, por temporada; então a gente busca junto ao mundo do trabalho as oportunidades nesse sentido. Da mesma forma, o aluno pode estar interessado em empreender ou precisa de ajuda para o negócio que ele já tem. Então, a gente busca aproximar a estrutura que a universidade tem e que pode apoiá-lo nesse momento”, explica Maria Carolina Gullo, uma das professoras responsáveis pela estruturação do programa UCS Oportunidades. Todo o trabalho orientativo, a consulta prévia e os encaminhamentos são realizados de forma gratuita. Aquelas pessoas que necessitem utilizar laboratórios ou outras estruturas
da universidade, bem como ter acesso a assessorias especializadas, terão um custo a combinar de acordo com a necessidade dos serviços. Para ter acesso ao programa basta acessar ucs.br e no menu serviços clicar em UCS Oportunidades. Então, é só selecionar qual o tipo de orientação almejada (Emprego e Estágio / Renda Temporária e Empreendedorismo / Relacionamento com egresso) e fazer a solicitação de forma on-line. “A gente sentiu necessidade de criar esse canal de aproximação com esse público-alvo e mostrar para ele que a Universidade tem muito mais do que sala de aula, e que pode, sim ajudá-lo, no planejamento de sua carreira profissional”, destaca Gullo. Isadora Martins| ihmartins@ucs.br Paola Castro| pfcastro@ucs.br
CULTURA ADAPTAÇÃO
Os cinco integrantes da banda Venosa. (Foto: Yago Nunes)
Arte sem contato: uma linguagem que reinventa seus palcos em tempos de transformação Shows virtuais tornaram-se um meio de sobrevivência durante a pandemia
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ia dezesseis de março de 2020. Esta é a data que marca a memória dos cidadãos rio-grandenses desde que a nova mutação do coronavírus foi descoberta em solo brasileiro e os decretos entraram em vigor. A Cultura foi uma das primeiras áreas atingidas pelo fechamento das portas, se tornando um dos setores mais prejudicados pelo que viria a se tornar a pandemia da Covid-19. Neste cenário, o setor precisou passar por adaptações e encontrar, nas tecnologias disponíveis, novos meios de continuar trabalhando para garantir seu sustento. Partindo do contexto geral, precisamos entender que cada
segmento artístico foi prejudicado de uma forma diferente. A falta de contato não tem o mesmo efeito nas artes plásticas e no teatro, por exemplo, porque as possibilidades de adaptação são próprias de cada linguagem. Por isso, não existe uma fórmula para seguir quando se trata de reinvenção dos palcos. O artista precisa encontrar maneiras de conter, em uma simples tela virtual, toda a pluralidade única da sua produção e a subjetividade que ela carrega. Isso exige potência criativa, além de muita paixão por seu trabalho. Confira como alguns profissionais lidaram com as mudanças que 2020 trouxe e entenda como tem sido, na
prática, a rotina de quem segue vivendo a arte, mesmo em novos formatos.
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Saudade aguda e generalizada Zica Stockmans, diretora do espaço cultural Tem Gente Teatrando (TGT), afirma que sempre existiu uma ideia de que os artistas não possuem rotina, o que é um grande equívoco daqueles que não conhecem a profissão e suas responsabilidades. Nos últimos 30 anos, ela e sua equipe abriam as portas da Tem Gente Teatrando por volta das 8h e permaneciam o dia todo, diversificando as tarefas entre obrigações burocráticas (como reuniões, formulação de projetos, prestação de contas, entre outros) e produções artísticas (ensaios, aulas, direção de espetáculo, entre outros). Foi em um desses dias diversos e movimentados que Zica percebeu um novo cenário em sua vida e na TGT. “Cheguei em casa e já havia a decisão de não voltar para o trabalho presencial. Foi um choque imenso, precisei de dois a três dias para assimilar como seria, porque não cabia na minha mente como isso iria acontecer sem que fosse o fim das atividades da Tem Gente Teatrando”, explica. Nesse mesmo ano, um grupo vivenciava a metade do Curso Profissionalizante da TGT, iniciativa para a formação de atores com aulas teóricas e práticas. A expectativa de todos era percorrer uma jornada repleta de conhecimentos, apresentações e, é claro, plateia. “Tinha uma responsabilidade muito grande de não parar no meio do caminho porque o processo de construção dos trabalhos deles seria interrompido”, diz.
Apesar da mudança de planos repentina que a pandemia impôs, os conhecimentos, as apresentações e a plateia seguiram sendo uma realidade, mesmo que de uma forma um pouco diferente. No primeiro semestre, um espetáculo coletivo foi o desafio, com cada estudante desenvolvendo as cenas em suas próprias casas, orientados por reuniões e ensaios virtuais. “O trabalho de interpretação foi muito primoroso e interessante, até pela solidão e os medos que todos estavam enfrentando coletivamente, daí surgiu uma forma de união para chegar ao resultado”. Depois do processo de desenvolvimento, faltava um elemento essencial para quem se apaixona pela arte da interpretação. “Existia um luto muito grande, porque todas as pessoas que fazem teatro buscam esse encontro com a plateia” e foi então que surgiu a ideia de projetar toda a mostra nas paredes externas da sede TGT, também transmitindo em formato de live e publicação nas redes sociais. Com o êxito na apresentação adaptada, todos mergulharam no último semestre do curso profissionalizante, em que os estudantes deveriam criar um monólogo autoral. Segundo Zica, os resultados foram profundos e permearam narrativas que carregavam a dor do afastamento, a falta do abraço e as emoções que compartilhamos diariamente desde o início da pandemia. Essa conclusão foi registrada em filmagem e disponibilizada aos novos atores, para que cada um decidisse
quem iria assistir. O motivo? A verdadeira apresentação de teatro, que faz o ator se conectar com a plateia, ainda vai acontecer de maneira presencial, quando for possível retomar os palcos com a segurança da vacinação. “É onde a força do teatro incide, na presença”, completa esperançosa. Por enquanto, resta a saudade dos momentos de troca antes da pandemia. Zica conta que o coração aperta quando recorda do movimento na sede da TGT, dos sorrisos, das conversas no café de intervalo e até de tocar o sininho na hora de retornarem para a aula (uma piada interna entre ela e os estudantes). “Fica um pano de fundo, com uma certa melancolia. É uma saudade aguda e generalizada”, explica.
“Além da saudade pessoal, tem uma vida profissional, que fica carente dessas trocas e, na verdade, está em standby. A gente faz algumas coisas, a gente filma e faz lives, mas de verdade mesmo, o teatro não tem mais acontecido desde março de 2020. Nós não temos vivido ele”.
Paixão de estar em movimento Suculentas foi o grupo de dança e improvisação criado pela bailarina, atriz, educadora e produtora Camila Vergara no início da pandemia. Apaixonada por criar imagens poéticas através do corpo em movimento, Camila uniu sua intenção de compartilhar seus conhecimentos de pesquisa dos últimos dez anos com a falta de uma rotina no isolamento social, cenário ideal para incluir a prática da
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dança em seus dias. De volta a Porto Alegre, após uma breve mudança para São Paulo, a dançarina dedicou seu tempo, nos primeiros momentos de isolamento social, acompanhando aulas e lives para entender os novos formatos disponíveis e como se enquadravam com sua maneira de trabalhar. “Gosto de pensar que eu não ‘tô’ ensinando, no sentido de que existe um cer-
to ou errado, mas sim facilitando as coisas para que as pessoas encontrem sua maneira de fazer essa dança natural e íntima”, relata. O formato permite que alunas de diversas partes do Brasil tenham contato com os ensinamentos transmitidos pela dançarina e, para as que estão no Exterior, também uma reaproximação com o país de origem. “Eu tenho algumas alunas que relatam isso, que
fazer aulas on-line com professores brasileiros, ou colegas brasileiros, tem sido uma maneira de matar um pouco a saudade do Brasil, de se conectar com o país”. A maior dificuldade tem sido encontrar espaço para tantos movimentos nas salas e quartos das casas de suas alunas, mas os problemas logo passam aos primeiros passos dados. Camila conta que seu interesse por enxergar a natureza nos corpos tem um sentido inspirador e libertador para lidar com o momento. Professora e bailarina de dança Oriental e folclore Árabe em sua própria escola, Aline Todeschini levou um susto com a chegada da Covid-19 em Bento Gonçalves e a notícia de que precisaria manter as portas fe-
“Ter essa possibilidade de acessar um banho de mar através da dança, de certa forma, é como se a gente tivesse ido lá e tomado um banho de mar. Claro que não é a mesma coisa, mas acho que pelo menos uns 10% da vontade passa”. chadas por tempo indeterminado. A dançarina conta que a reinvenção se deu logo no dia seguinte ao pronunciamento do prefeito, quando suas aulas já passaram a ser feitas de forma on-line. “A gente nem sabia sobre os aplicativos que existiam. Até hoje não existe algo específico pra aulas de dança”, relata. Assim como Camila, Aline destaca como uma das dificuldades encontradas o espaço nas casas de seus alunos para a prática da dança, mas também aponta preocupações financeiras, inerentes ao momento. De acordo com a dançarina, a possibilidade de assistir aulas do mundo inteiro e, muitas vezes, gratuitamente, proporcionada pelo formato virtual, por vezes dificulta o trabalho de professores que não podem fazer o mes-
Camila encontra liberdade e expressa seu íntimo por meio da dança. (Foto: divulgação @camilakvmc) mo. De qualquer forma, toda preocupação parece passar quando o sentimento aflora ao ser questionada sobre sua maior saudade. Há 10 anos em sala, dando aulas presenciais,
Aline aponta como maior saudade o contato com suas alunas e as relações formadas pela dança. “Saudade de dançar livre de qualquer obstáculo, de encostar nas pessoas. Saudade do palco”.
“A dança não morre, seja onde for, do jeito que for, quem ama dançar, quem ama o que faz, se reinventa e segue. [...] A conexão de quem dança não tem barreira”, relata, esperançosa.
O sorriso de Aline transparece, com sinceridade, a alegria de estar nos palcos. (Foto: divulgação @essenciadanca)
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Lei nº 14.017/2020 - Uma possibilidade de respiro De acordo com dados levantados pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, divulgados em junho do ano passado, 42% dos artistas brasileiros tiveram suas rendas comprometidas de forma integral pela pandemia. No mesmo período, observando as dificuldades enfrentadas pelo setor, foi criada a Lei Aldir Blanc, em homenagem ao músico e compositor que morreu em maio de 2020 em decorrência de complicações causadas pela Covid-19, com o objetivo de criar ações emergenciais para manutenção dos artistas. O projeto, de autoria da deputada federal Benedita da Silva (PT), previa o repasse de R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Cultura para a distribuição entre os estados e municípios. De acordo com Magali Quadros, diretora geral da Secretaria de Cultura de Caxias, a primeira forma de aplicação ficou sob a responsabilidade do governo estadual. “Entendeu-se que os estados teriam mais condições de acompanhar e fiscalizar essa distribuição de renda individual, para que não houvesse sombreamento na aplicação desses recursos, ou seja, que o município e o estado viessem, por ventura, a beneficiar duplamente algum trabalhador da cultura”. Já as duas outras modalidades tiveram aplicação de R$ 2,4 milhões e R$ 1,78
milhão, respectivamente, por parte do município. Segundo Cecília Pozza, ex-presidente do Conselho Municipal de Cultura de Caxias do Sul e atual diretora de Cultura e Educação da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC), o recurso demorou para chegar até os artistas e, por conta disso, deixou de ser uma lei que pode ser considerada emergencial. Em relação aos protestos realizados no final do ano passado pela classe por conta da demora para repasse da
prefeitura aos trabalhos contemplados, Cecília vê o movimento como legítimo diante da falta de respostas claras e de “jogo de cintura” pela se-
cretária da época para se posicionar junto ao chefe do executivo naquele momento e fazer entender a importância do setor para a cidade. “Ficou muito ruim pra classe artística, pra toda cadeia produtiva, aquela demora em receber os recursos justamente pelos mecanismos que foram utilizados na cidade, pela forma que foi feita, de uma falta, sim, de uma coisa importante, que é o diálogo com a comunidade”. Atualmente, a pasta dá prosseguimento ao desenvolvimento do edital do programa Financiarte, de incentivo ao setor, que foi aberto ainda no primeiro semestre do ano. Com recursos ampliados para R$ 330 mil, o edital contemplará projetos culturais da cidade repassando um valor máximo de R$ 15 mil para cada contemplado. “Estamos satisfeitos, porque poderemos aumentar o número de projetos por área”, salienta Magali. Além disso, a pasta divulgou no mês de abril a convocatória SALVE - Artes, Saberes e Fazeres Populares, com o intuito de fomentar as artes e a cultura do município, auxiliando profissionais da área que tiveram sua renda impactada pela pandemia da Covid-19. De acordo com a diretora-geral da pasta, serão contempladas 75 iniciativas, com valores entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil, totalizando um investimento de R$150 mil no setor.
a consciência do ator sobre suas próprias narrativas e questionamentos sociais. Em questão técnica, o teatro com máscara expressiva humanizada conta histórias nas pequenas sutilezas, como na respiração do ator e nos mais leves movimentos. Conforme Fábio, entender essa relação por meio das aulas on-line foi um desafio, mas também trouxe novas descobertas. “Foi uma experiência muito bacana, de descobrir como a máscara também acontece a partir do vídeo. Um momento de insight na construção dessa pedagogia, o que
também foi perceptível pelo retorno positivo dos participantes e pela entrega no curso”, conta. Apesar disso, ele destaca que o encontro traz uma atmosfera que nunca vai ser substituída pelo virtual. “As pessoas são o que mais sinto falta e da dinâmica por trás da possibilidade de encontro, dos colegas e da plateia. Apresentar o espetáculo e poder ver que a minha profissão ainda pode existir. Disso eu sinto falta, porque no momento ela não pode existir em sua essência”, fala, saudoso dos momentos de palco e da troca que o pre-
“Quando ela chegou nos municípios, já veio atrasada. Quase todo mundo já tava afogado. [...] Talvez aquele recurso que chegou atrasado, se tivesse chegado lá no início, teria dado chance de se criar novas oportunidades com o recurso recebido”.
O fôlego de quem vivencia O projeto “Residência Artística Histórias Silenciosas” foi contemplado na Lei Aldir Blanc nº 14.017, na chamada pública 186/2020, da Secretaria Municipal da Cultura de Caxias do Sul. Ele foi desenvolvido por Fábio Cuelli, ator e diretor com especialidade na máscara expressiva, com a intenção de trabalhar essa linguagem e desenvolver princípios da atuação de forma pedagógica, possibilitando autonomia para a criação de novos trabalhos. Sua motivação foi desenvolver o corpo e as relações de cena, estimulando
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sencial permitia. Na elaboração do projeto, Fábio destaca alguns pontos que tornaram o processo dos artistas muito mais cansativo e dificultoso do que poderia ser, especialmente pelo contexto de pandemia. Ele afirma que, como o caráter da lei é emergencial, os artistas deveriam receber o valor e desenvolver um trabalho, pesquisa ou apresentação. Porém, além dessa proposta de criação e desenvolvimento, eles também precisam entregar contrapartidas ao município. “É como se o objeto oferecido já não fosse o suficiente”, explica ele e afirma que essa questão ainda vai ser negociada com a Secretaria. De qualquer forma, até o momento, todos os contemplados têm exigência de contrapartidas. Conforme ele, outro desconforto foi a obrigatoriedade de que todos os artistas fossem presencialmente até a Secretaria da Cultura para entregar um envelope com os documentos de inscrição exigidos pelo edital. Além disso, os artistas tiveram que enfrentar demora na organização do edital para a classe artística. “A
“Esse foi um momento que, sim, gerou aglomeração. Fez a gente sair, sendo que poderia ser tudo digitalizado por meio de um sistema, assim como foi na Secretaria do Estado”, afirma. pandemia começou em março, o edital de fato foi sair em novembro e o pagamento apenas em dezembro. Então, foram longos meses de espera”, afirma, reiterando que os valores eram muito diferentes entre si para cada projeto. Depois desse primeiro projeto, para não devolver a verba que havia sobrado, a secretaria lançou um novo edital. Nele, houve a contemplação de trajetórias artísticas, sem a necessidade de desenvolver uma nova criação para receber o valor. “Em minha
opinião, esse formato deveria ter sido feito desde o primeiro edital, porque estamos falando de um momento em que é difícil propor uma atividade dentro do que a arte necessita, que é o encontro”, afirma. Nesta segunda oportunidade, Vitoria Madalena foi uma das artistas contempladas com uma produção de sua autoria, já realizada anteriormente. Além de atriz, ela também trabalha com maquiagem artística, tendo principal foco na caracterização de personagens para espetáculos. “Eu nunca tinha feito nenhum vídeo das minhas maquiagens, então, resolvi desenvolver algo novo e diferente, já que estava impossibilitada de trabalhar, por causa da pandemia”, explica. E foi no audiovisual que o projeto “Maquiagem na Quarentena” ganhou vida, meses antes que a Lei Aldir Blanc fosse lançada. Ainda em julho de 2020, os vídeos já estavam encantando nas redes sociais, o que fez Vitoria acreditar no potencial de sua criação. “Esse foi o primeiro projeto que inscrevi sozinha e fiquei muito feliz quando fui contemplada. Os últimos tempos estão sendo difíceis para os artistas, com um rendimento muito baixo, então para mim ajudou muito, até para comprar novos materiais de trabalho”, conta. Para participar, Vitoria montou um portfólio resgatando seus últimos dois anos de atuação na área artística. Entre as memórias, ela destacou as fotografias no palco, os personagens que davam vida às maquiagens e os folders que divulgavam espetáculos para o público que, mais tarde, se tornaria plateia. Outro projeto de Caxias do Sul, desenvolvido com recursos advindos da lei, foi a série documental Entardecemos, criada pela jornalista Sara Fontana. Contemplada pelo edital de trabalhos inéditos, estipulado pela Secretaria de Cultura para repasse do subsídio, Sara recebeu a verba da terceira modalidade da lei, com obtenção do valor máximo definido para a categoria, de R$ 6 mil. A série traz em seu conteúdo cinco episódios que retratam o processo de
envelhecimento, buscando um tom que foge ao convencional. A intenção da jornalista foi mostrar ao público idoso, tão afetado pela pandemia da Covid-19, que essa etapa da vida ainda pode contar com lindos momentos. “Eu quis ver essa fase da vida como um momento em que ainda é possível amar, sentir prazer, ser feliz, ser ativo... Uma fase em que também é possível viver a vida e encontrar beleza nisso”, salienta. A autora vê a oportunidade como fundamental para manutenção do setor cultural, um dos mais afetados pela pandemia. Contudo, Sara destaca que, apesar dos pontos positivos, o repasse dos valores deveria ser ainda mais facilitado, tendo em vista o contexto emergencial do projeto e o momento de pandemia que afetou diretamente o setor. “Claro que foi ótimo que existiu este edital, que a verba foi repassada aos artistas, mas cabia às secretarias de cada cidade decidir como essa verba seria utilizada. Caxias optou por fazer esse edital de inéditos e o edital de premiação com a verba que sobrou dos inéditos. O ideal seria que tivesse sido feito tudo no formato de premiação, porque aí não implicaria em ter que fazer novos produtos artísticos, porque isso também acaba tomando tempo, trabalho, enfim, O valor do repasse parece considerável, mas a jornalista frisa que diante do trabalho a ser feito, em um curto espaço de tempo, tendo uma equipe limitada (de apenas três pessoas, exigidas pela modalidade) para conduzir um trabalho audiovisual com, pelo menos, 45 minutos de duração, acaba se tornando baixo.
“ [...] deveria ser uma verba que chegasse de uma forma mais fácil aos artistas”. Juli Hoff| jmmhoff@ucs.br Thais Strapazzon | tstrapazzon1@ucs.br
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COMPORTAMENTO BIOFILIA
Estufa da Floricltura Madre Tierra (Foto: Almeri Angonese)
Terapia verde Em meio ao isolamento social causado pela pandemia, o cultivo de plantas cresceu cerca de 200%
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e a pandemia deixou mais raras as possibilidades de contato com a natureza, que tal trazer um pouquinho dela para dentro de casa? Foi o que fizeram muitas pessoas nos últimos meses. Algumas já cultivavam plantas e passaram a se aprofundar nos cuidados com elas, mas outras mergulharam de cabeça nesse universo pela primeira vez. Plantas ornamentais e flores são presentes práticos e populares, mas durante a pandemia da Covid-19, muitas pessoas passaram a comprar esses itens para consumo próprio,
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seja para decorar a casa ou home office ou para colecionar. Além disso, muitas pessoas passaram a utilizar as plantas como uma reconexão com a natureza durante o isolamento e até mesmo como uma terapia alternativa para alívio da ansiedade e estresse. Consequentemente, as vendas em floriculturas e lojas do ramo aumentaram, de acordo com Alex, Samuel e Ricardo Gusbertti, irmãos e donos da Floricultura Madre Tierra, localizada em Nova Prata e uma das principais lojas no ramo de flores e paisagismo
da região. No estabelecimento, as vendas cresceram cerca de 80% em 2020, quando comparados com 2019. Além disso, a pandemia influenciou no valor das plantas, insumos e acessórios relacionados à jardinagem. Esse aumento tem o lado positivo e negativo, pois as floriculturas acabaram faturando mais à medida que os consumidores passaram a investir mais em seus jardins ou cultivar mais plantas em casa. A influência negativa foi justamente o aumento do valor dos produtos, consequência de um
desabastecimento momentâneo no mercado nas primeiras semanas de pandemia. Esse não foi um caso isolado, representantes de diversas floriculturas da microrregião de Veranópolis, Vila Flores, Cotiporã, Fagundes Varela e Nova Prata também viram seus números serem modificados no decorrer da pandemia. Donos de algumas floriculturas relataram quedas entre 15% e 20% no ano de 2020 em comparação com 2019, já outros relataram aumentos que variam entre 40% e 200% no mesmo período. Essa porcentagem de crescimento é um excelente indicador, uma vez que, por essas floriculturas estarem localizadas em cidades pequenas, a procura consequentemente é menor, mesmo assim, em alguns casos, as vendas superaram as expectativas. As floriculturas da capital gaúcha e região metropolitana, que são cidades
muito mais populosas, tiveram um crescimento nas vendas entre 80% e 100%. Esse ramo de negócio, não é considerado comércio essencial pelas regras do Distanciamento Controlado vigentes no Rio Grande do Sul, portanto, esses estabelecimentos ficaram fechados durante um longo tempo. Para continuar atendendo aos clientes, as floriculturas optaram pelo sistema de tele-entrega, charmosamente conhecido como “tele-plantinha”. De acordo com os representantes das empresas, as vendas on-line e tele-entrega de plantas e artigos relacionados vieram para ficar no mercado, em função da comodidade. “A venda on-line foi o que muitos negócios encontraram para se manter durante a pandemia, e acreditamos que a comodidade e a praticidade que essa modalidade traz ao cliente nos faz acreditar que irá persistir por muito tempo”, afirma Samuel, da Madre Tierra.
Perspectiva de mercado O aumento do interesse pelas plantas, a partir de novas estratégias de aproximação com o público, promete bons números para o setor neste ano. Segundo o Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), a mudança no perfil de vendas, agora voltadas para a ornamentação das casas, e os novos formatos de compra, como o delivery, devem impulsionar o mercado para um crescimento de 5% em 2021. Essa é uma perspectiva de crescimento em nível nacional; em nível estadual a perspectiva é que o mercado cresça cerca de 15%, enquanto na microrregião, a estimativa de crescimento é de aproximadamente 50%.
Redes sociais com conteúdos especializados André Rebello, criador do Instagram @malucodasplantas, e Bianca Castro, criadora do @asplantasdecasa, são criadores de conteúdo e, além das redes sociais pessoais, possuem uma rede com conteúdo especializado em plantas. André afirma que desde criança tem plantas, mas que começou a ter um número maior delas em 2019 e, com a pandemia, passando mais tempo em casa, o número delas cresceu exponencialmente. Assim, o surgimento do Instagram veio no início de 2020, por ter notado que nem todas as pessoas gostavam do conteúdo sobre plantas que ele postava no perfil pessoal. Bianca relata que cultiva plantas desde 2017, quando estava desempregada e morava em uma casa com um jardim abandonado e precisava de alguma atividade para se ocupar. “A criação do Instagram foi bem acidental, porque quando você tem um jardim ou uma coleção bonita você quer fotografar, registrar as mudanças de
como era o jardim ontem e como é hoje. Eu comecei a fotografar e postar no meu Instagram as fotos, e chegou uma hora que eu pensei que as pessoas estavam ‘enchendo o saco’ e pensei em criar uma conta à parte para deixar as coisas separadas”, explica ela. “Meu perfil sempre teve um caráter informativo, talvez pelo meu ‘background’ em jornalismo”, acrescenta. De acordo com ela, com a procura por plantas durante a pandemia, as pessoas passaram a buscar informações também e encontraram essa informação na internet e nas redes sociais. Além de produzir conteúdo gratuito, Bianca realiza consultorias individuais com atendimento personalizado e olhar direcionado para as plantas e necessidades de cada pessoa. Os mesmos têm custo, mas são bem acessíveis e as modalidades, para interessados, estão disponíveis no seu perfil.
Mais hortas em casa Ao mesmo tempo que aumentaram as vendas de plantas ornamentais, cresceu também a procura por mudas e sementes de frutas, verduras, legumes, hortaliças, temperos, plantas comestíveis e artigos relacionados às hortas. Passando mais tempo em casa, as pessoas começaram a se alimentar melhor e muitos começaram a produzir o próprio alimento. Almeri T Angonese | atangonese@ucs.br Greta Camassola | gcrossi@ucs.br
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Benefícios para a saúde física e psicológica trazidos pelas plantas O contato com a terra, natureza e com as plantas se tornou mais frequente durante a pandemia, mas será que essa interação realmente é benéfica para os seres humanos? A psicóloga Ketlyn Camassola explica que sim, as plantas e o cultivo delas fazem bem para a saúde: “o cuidado é uma forma de manter-se ativo e deixar a mente relaxada, o segredo é focar no momento presente, enquanto estiver cuidando de suas plantas, o importante é que você realmente esteja ali, no aqui e agora, aproveitando e realmente focando neste momento, assim o cultivo e cuidado se tornam terapêuticos.” Além desses momentos, os benefícios principais são: melhora na função cognitiva e concentração, estímulo da memória, melhoria no cumprimento de metas, aumento da capacidade de atenção, benefícios à autoestima, redução do estresse, diminuição da ansiedade, melhora na qualidade de vida, aumento do autocontrole, melhora do humor, entre outros. Camassola reforça que “cultivar plantas é um profundo exercício de paz e tranquilidade, porém, o fato de ocupar a mente com essa atividade prazerosa, embora terapêutica, não substitui a psicoterapia.”
“O que você tem na cabeça? Eu tenho plantas, muitas plantas”, André Rebello com algumas de suas plantas (Foto: @malucodasplantas)
Dica da jornalista: como começar Para quem ainda não começou e pretende manter plantas e flores em casa, seguem algumas sugestões de plantas para iniciantes. Iniciei com espécies como cactos e suculentas. Elas podem estar em vasos ou em arranjos plantados. São espécies que precisam de cuidados menos intensos. Você pode também ter filodendros como a jiboia, orquídeas e ir testando lugares da casa, seu tempo para cuidado e se será possível dispor de mais tempo para outras espécies. Antes de comprar, é recomendado pesquisar a espécie pretendida, quais cuidados ela requer, tipo de rega, adubação e qual tipo de claridade a planta prefere. Além disso, é importante o olhar constante nas folhas e caules para ver se existem parasitas.
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E um segredinho pra saber se está na hora de regar é colocar o dedo na terra, se ele sair sem terra, está seca e deve ser regada. As plantas mais indicadas são: Orquídea - Campeã no uso interno, ela pede poucos cuidados. Uma das espécies mais comuns é a phalaenopsis, cujas flores arredondadas variam entre o branco, o rosa, o amarelo e a púrpura. Por ser bastante delicada, é melhor escorar sua haste em um apoio. Deve ser cultivada à meia-sombra, recebendo iluminação indireta. Preste atenção na coloração da folhagem: se estiver escura, mude a orquídea de lugar. Suculentas - São plantas que apresentam raiz, talo ou folhas engrossadas, característica que permite o armaze-
namento de água durante períodos prolongados. Bastante fáceis de cuidar, elas costumam “avisar” do que precisam, basta prestar atenção aos detalhes. Se as folhas começarem a murchar, aumente gradativamente a quantidade de água; se as folhas da base começarem a apodrecer, diminua. Se ela ficar fina e perder muitas folhas, não está recebendo a quantidade necessária de luz. O ideal é proporcionar pelo menos quatro horas diárias de sol para que elas sobrevivam com saúde. Cacto - Ótima opção para quem não tem tempo ou jeito para cuidar de plantas, a espécie gosta de muitas horas de luminosidade direta e pouca água. Quanto mais sol seu cacto receber, mais robusto e bonito ele ficará. Almeri T Angonese | @sweet_home_205
Chapéu de palha
Q
uinta-feira, já passa das 18h. O clima gelado do inverno gaúcho colabora para que sentimentos sejam explorados e degustados pela mente. Após um dia longo de trabalho, preciso voltar para casa de ônibus urbano, que, geralmente, está lotado, mas respeita todos os protocolos de segurança. Na primeira parada lotada de pessoas sedentas para ir para suas casas, senta à minha frente uma jovem e seu marido, que junto ao colo traz uma criança que não chega aos dois anos de idade. Vestidos de xadrez, talvez pela Festa Junina realizada na escola da filha, os pais desabam naqueles bancos frios como se não aguentassem mais o dia. Ao observar a cena, percebo o olhar cansado daquela mulher. Cheia de sacolas de supermercado nas mãos, ela carrega um chapéu de palha na cabeça. E mesmo que seus trajes inspirem o clima de festa, seu olhar se encontra no mais profundo buraco negro. Com o uso da máscara, os olhos entregam sorrisos e tristezas, logo fica fácil perceber o olhar frio daquela jovem que não aparentava ter mais de 23 anos. Algo tão frio quanto o vento que cortava as janelas do veículo. Por alguns momentos, trocamos olhares rápidos e desajeitados. Sem intenção alguma, é claro. Mas fiquei com vontade de lhe dizer que eu também estou cansado. Não pelos mesmos motivos, não por talvez ter um marido que eu não ame mais, ou um filho que, mesmo lhe amando, não gostaria de ter tido. Mas mesmo assim, eu estava cansado, ainda estou e, pelo visto, continuarei por um tempo. Queria ter dito que pelo menos metade daquele ônibus está cansada. A outra metade dorme, procurando eliminar o cansaço por meio dos sonhos. Pelo jeito, somos parecidos, já que sofremos em sonho e acordados.
Foto: Pixabay
Queria ter aconselhado, expressado minha compaixão e falado que os últimos tempos têm nos sugado vida, felicidade, excitação e paixões. Afinal, quem está bem em meio a uma pandemia, certo? Logo, ela e a família descem no ponto de ônibus desejado. Até o fim do meu caminho, fico pensando naquele olhar que tanto me assustou. Penso nela enquanto afundo meu próprio olhar em uma tela que cada vez mais me puxa para o mesmo buraco sem luz e sem esperanças, mas que acalenta. Mesmo tendo aquele tipo de sentimento em mim, eu queria ter dito que tudo ia ficar bem, que, se ela quisesse deixar tudo para trás, era seu direito, seu dever de atender ao chamado da liberdade. Se não quisesse, tudo bem. Não somos obrigados a atingir as expectativas dos outros, porém, eu gostaria que ela atingisse as minhas, fazendo com que aquelas pesadas sacolas de supermercado fossem deixadas em algum canto daquele ônibus frio e lotado. Se aquilo fosse lhe livrar
do cansaço, eu apoiaria. Todos estão cansados, isso não é nem um achismo. É fato que queremos correr por campos verdes, respirar o mais puro ar, porém, estamos presos. Talvez presos uns aos outros, ou a ideologias, casamentos, opiniões ou a chapéus de palha. Queria dizer para ela que é fácil soltar as amarras e escolher por quais campos correr, e correr, e correr, e correr. Eu também gostaria de correr do cansaço, mas tenho minhas próprias sacolas. Espero que ela esteja bem. Ela e todos aqueles que estavam e estão em busca de suas liberdades, mesmo que presos a um ônibus urbano. É clichê
pensar que existe uma luz no fim do túnel, mas mais clichê ainda é deixar que a escuridão domine e sugue aquele último pingo de vida que carregamos no olhar.
Lucas Marques | lsmarques@ucs.br
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Almeri T Angonese
Greta Camassola de Rossi
Isadora Helena Martins
“Jornalismo sempre foi sinônimo de credibilidade e informação. Ele traz perspectiva de futuro, referências do passado e informações sobre o presente, além de desmentir e esclarecer inúmeros fatos, trazendo clareza e alento para a população. Infelizmente, vivemos tempos difíceis e sombrios, mas mesmo assim, o jornalismo continua sendo fonte inesgotável de informação. Mesmo em meio a tantas incertezas, descaso e violência contra os profissionais do jornalismo, os mesmos seguem trazendo informação e esperança de dias melhores. A pandemia forçou o jornalismo a se reinventar e muitos aprendizados vão ficar para o futuro da profissão, entre elas está a certeza de que sem um jornalismo sério o mundo seria ainda mais caótico do que está.”
“O jornalismo é e sempre foi referência de credibilidade. Por meio dele, foi possível desmentir inúmeras notícias falsas e proporcionar à população uma perspectiva de visão sobre o futuro. Durante este período pandêmico, isso tornou-se ainda mais eficaz e o trabalho do jornalista ainda mais valorizado. O jornalismo brasileiro é um exemplo de resistência, de esforço e valor com verdade, o trabalho do jornalista é árduo e desafiador. A incerteza sobre o futuro é algo que vivenciamos diariamente, o futuro do jornalismo também. Mas, apesar disso tudo, as expectativas são as melhores, são elas que nos movem para continuar e nos fazem lembrar todos os dias o porque escolhemos uma profissão tão importante.”
“Na dimensão social é que se cumpre a missão do jornalismo. Quando os repórteres vão ao encontro das pessoas, cobram ações dos governos em prol da qualidade de vida do ecossistema, quando denunciam descasos e violências e quando apontam caminhos em meio às dificuldades, eles estão exercendo o bom jornalismo. Diante de uma crise sanitária que assola a humanidade, o jornalismo precisou se reinventar e, eu acredito que algumas heranças irão ficar deste tempo. Uma delas, e talvez a principal, é o resgate de qual é o papel do jornalismo no atual contexto da humanidade. Assim, contribuir com um mundo mais justo, sustentável e ético deve ser o mantra que guia as ações de todos os profissionais da Comunicação, todos os dias e para além do exercício da profissão.”
Paola Castro
Thais Strapazzon
“Bem mais do que um ofício, o jornalismo está historicamente ligado à construção de regimes democráticos e transformações sociais. Nos últimos meses, a palavra de ordem foi adaptação. Antes de sair de casa, levar a máscara. Ao voltar, lavar as mãos. Entre tantas incertezas e descasos, foi o jornalista quem teceu essas tramas cotidianas com palavras e desenhou, em detalhes, a narrativa pandêmica em que se navega quase às cegas no contexto brasileiro. Esses fios conectores contaram histórias, denunciaram atrocidades governamentais e irrigaram a todos com muita informação. Mas, talvez, um dos aprendizados mais interessantes desse percurso seja algo que já se debate há certo tempo: muito além dos números estatísticos, as pessoas merecem ser pessoas com toda pluralidade e profundidade de ser e existir.
“A pandemia deixará diversos ensinamentos para os que de fato a vivenciaram, enfrentando sentimentos como o medo, a empatia, a saudade e, quando brasileiro minimamente preocupado com seu país, uma indignação com a forma como (não) se enfrentou a Covid-19. O jornalismo se faz com um olhar responsável e respeitoso por tudo que passamos e, como disse, acredito que quem de fato viveu este momento, se deu conta da importância desta profissão. No início de 2020, o jornalista Felipe Boff, professor da Unisinos, foi, injustamente, vaiado por seu discurso de formatura. Hoje, um dia após um dito presidente ter mandado uma colega de profissão calar a boca, repito um trecho daquele belo discurso: ‘Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente’. Que mais pessoas nos acompanhem depois de tanto sofrimento.”
Juli Hoff “Jornalismo é empatia, conexão e resistência. É um elo que permite interpretar o mundo com verdade e também entender que não há nada absoluto, porque tudo é passível de diferentes pontos de vista. É uma forma de ampliar vozes, escutar histórias e mostrar realidades, sempre levando fôlego nos momentos em que a dúvida sufoca. Nos cenários críticos, como a pandemia que enfrentamos, o jornalismo se manifesta como aliado na busca pela informação segura e também na reivindicação de ações a favor do coletivo, custe o que custar. Por isso, jornalismo também é coragem. Coragem de expor governos genocidas, apesar das ameaças, da desvalorização e da violência. Porque nosso estímulo sempre será mostrar o que de fato está acontecendo e, a partir disso, garantir que cada um forme sua opinião particular. O jornalismo é essencial porque nos permite ser livres e isso nunca vai mudar.”
NÃO HÁ 16 DE SER INUTILMENTE