Revista Entrelinha

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Editorial T

odo mundo crê em algo. Pode até ser que não se consiga dar um nome, explicar com todas as letras ou mensurar o tamanho daquilo que se acredita, mas que a fé faz parte da vida de cada um não resta dúvidas. A religião existe para dar sentido à existência, para que o ser humano não se sinta perdido e desesperado entre os tantos encontros e desencontros que acontecem ao longo da jornada que é viver. É confortável saber que um Deus – seja ele qual for – está sempre a postos para ajudar.

Sempre se teve a necessidade de um “ser superior”, seja para explicar fenômenos ditos sobrenaturais ou como um instrumento de controle pelos mais poderosos. Logo, o tema religião é, ao mesmo tempo, antigo e contemporâneo. No auge de uma sociedade capitalista e, portanto, materialista, a necessidade de se “voltar para dentro” é quase palpável. Esta edição da revista Entrelinha traz a fé sob os mais variados aspectos, sem preconceitos e – muito menos – censura. A reportagem

percorreu universos religiosos distintos, que englobam desde um centro de umbanda até os pormenores da maçonaria. A pauta inclui ainda o ateísmo em Caxias do Sul e a nem tão conhecida filosofia Wicca. A matéria especial conta como são os rituais de diversas religiões e crenças. Somos seres feitos de carne, osso e alma. A espiritualidade é tão vital quanto o pão e o vinho. Apesar disso, ainda continua um mistério para boa parte de nós. Desejamos uma boa leitura! Foto: Matheus Magnani

Expediente

Clariana Grando Zanatta Diúlit Bernart Oldoni Franciele Masochi Lorenzett Diretora do Centro de Ciências Ivone Maria Montanari Sociais: Maria Carolina Rosa Gullo Jonathan Zanotto Juliana Girelli Coordenador do Curso de Jornalismo: Kamila Giazzon Mendes Alvaro Benevenutto Junior Lucas Borba Lucas Demeda dos Santos Professora: Ana Laura Paraginski Maria Luiza Grazziotin Brites Mayara Zanella Alunos: Priscilla Breda Panizzon Adroir da Silva Ritieli Nunes Fernandes Alana Michelli Bof Rodrigo de Marco Arthur Monteiro Chiapinotto Schaiane Maria do Sacramento Reitor: Evaldo Antonio Kuiava

Esta revista é o produto final da disciplina de Design de Notícia 2º Semestre de 2014


Sumário Juventude

O envelhecimento da Igreja Católica ......4....................... ........Ao som do coração .....6

A cultura de paz no ensino cristão ....8 O céu é a meta .........12.............................. Castidade ....14

Rituais

Caminhos para o transcedental .......16 Mistério da janela ...... 20 Homens de fé ....22

Comunidade

Umbanda sem medo ..... 24 Em nome de Jesus .......................26......................................... ..........O Budismo na Serra Gaúcha ..... 30

O sagrado que aqui habita .... 32........................................ Povo de Jeová ....34 Gaúcho sem Deus ....36 3


Juventude

O envelhecimento

da Igreja Católica Grupos de Jovens católicos coordenados pela Diocese de Caxias do Sul buscam valorizar a conexão com a comunidade

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ARThuR ChIAPINOTTO amchiapi@ucs.br

uando entrei na igreja do Bairro Santa Catarina para a habitual missa das quatro horas da tarde, vi o que seria a proposta desta matéria. Estaria a Igreja Católica no Brasil envelhecendo? Na sua grande maioria, os fiéis ali presentes eram da terceira idade, idosos, participavam da “Benção daSaúde”. O caso do envelhecimento dos fiéis e a pouca renovação deles já é história contada no continente europeu e norte-americano. O próprio Papa Francisco, em discursos recentes e principalmente na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro no ano passado, disse que pretende trazer os jovens de volta à igreja. O Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, quando empossado de seu novo cargo, afirmou em

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entrevista ao Jornal do Comércio que uma de suas bandeiras era “reaproximar a juventude à Igreja Católica”. Ao ser perguntado sobre a perda de fiéis e como ele pretenderia aproximar os jovens da congregação, Dom Jaime Spengler respondeu: “esta é uma realidade da Igreja hoje, é uma questão que nos preocupa, a ser discutida e estudada. Nós temos uma juventude expressiva, um grande número de jovens que convivem com o que chamamos de uma experiência autêntica de Jesus Cristo. A Jornada Mundial da Juventude deixou um legado para nós, um espírito muito bom no ar, mas precisamos dar continuidade a esse trabalho. Espero encontrar meios para ir ao encontro dessa juventude, de me aproximar mais dos jovens e com eles fazer uma caminhada marcada pela experiência de Jesus Cristo”.

Foto: Paulo Pinto

Mudando a situação

Conversando com o responsável pela área da Juventude na Igreja, o Padre Rudinei Zorzo, foram explicadas as diferentes “frentes”, através das quais a Igreja Católica busca aproximar a juventude. O Padre Rudinei é encarregado da Comissão Jovem, a qual tem como diretriz a integração da juventude da Diocese de Caxias do Sul. A mobilização visa unificar os jovens que atuam nos diversos segmentos da Igreja, bem como trazer ao engajamento juvenil todos os que se sentirem chamados por Jesus para também serem missionários. A atuação do braço jovem da Igreja se dá em visitas às regiões pastorais da diocese e pelo site, Facebook e Youtu-


be. Em outras palavras, essa comunicação visa mostrar ao jovem o que é a Igreja e suas atuações. A mais importante ferramenta da “ComMissão”, segundo o Padre Rudinei, são os Grupos de Jovens que atuam nas principais cidades da diocese. Os grupos estão presentes nas cidades de: Antônio Prado, Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Nova Araçá, Nova Bassano, Nova Prata, Paraí e Veranópolis. Esses grupos possuem subdivisões, pertencentes a bairros das cidades em que se encontram. Essas organizações se definem como “grupo de orações”, nos quais os jovens são convidados a discutir questões da Igreja e a realizar ações comunitárias. De acordo com o Padre Rudinei, os grupos seguem calendários próprios e se formam através de retiros ou por grupos de amigos, situação “supra-paroquial”. “Os grupos de jovens escolhem a adoração e discussão de um aspecto de Cristo e são formados por amigos ou por retiros feitos pela paróquia a qual eles pertencem. Eles servem também, assim como a Comissão Jovem, para mostrar o trabalho da Igreja Católica para a juventude e trazê-la para dentro”, disse o Padre Rudinei. Para o religioso, o envelhecimento e o menor número de fiéis é uma realidade. Anteriormente, a Igreja contava com um grande número de fiéis, mas sem conexão com a Igreja. Para ele, é preferível a realdade atual com número menor e maior participação. Padre Rudinei entende que passou a época do proselitismo onde o discurso era de que todos deveriam ser católicos. “Em uma época de maior liberdade religiosa e presença de múltiplas fés, a Igreja Católica deve aproximar-se e trazer para o convívio uma sociedade participativa de seus dogmas”, afirmou. Essas medidas de 2012, que visam reaproximar a juventude da Igreja Católica, chamadas de “Nova Evangelização”, precisarão de tempo para surtirem efeito. O certo é que a maior pluralidade religiosa forçou a fé católica a uma readequação. Resta, para os interessados nos movimentos históricos, observar com atenção os próximos desdobramentos.

A Igreja e as mudanças socias Padre José Mussoi pensa que ainda é possível acreditar em um mundo melhor

Foto: Adroir Fotógrafo

Padre José Mussoi nasceu em Flores da Cunha e há cinco anos atende comunidades de Farroupilha

Para o padre José Mussoi, que atende dez comunidades no município de Farroupilha, alguns fatores relacionados principalmente às mudanças sociais que aconteceram nos últimos tempos têm influenciado decisivamente para a diminuição da presença dos jovens nas igrejas. Entre as mudanças, Mussoi cita o crescimento do individualismo, do egoísmo, e da indiferença do ser humano diante dos fatos. “A sociedade neoliberal está contribuindo cada vez mais para a destruição do espírito comunitário. O ser humano nunca teve tantos meios e facilidades para se comunicar, porém nunca na história esteve tão isolado e tão triste”, ressaltou. Ainda na opinião do padre, a Igreja precisa passar por uma transformação profunda para atrair os jovens. “Precisamos incentivar a juventude para que busque Deus, pois isso tem um reflexo direto na sociedade. Quando se tem Deus no coração, a tendência é o afastamento dos vícios e das drogas e, por consequência, de todos os males que isso ocasiona. Só assim podemos criar uma sociedade mais humana, unida e menos indiferente com seu irmão”, disse. Mussoi conclui enfatizando que é possível mudar a juventude e as pessoas a partir da valorização do ser: “precisamos lutar mais em todos os sentidos para combater o ter e valorizar o ser. Precisamos de lideranças comprometidas com as pessoas, gente de transformação e de alegria, que vibre pela vida. Quando o ser humano aprender a viver o respeito à humildade e alegria que os animais transmitem teremos uma sociedade mais humana, de paz, fraternidade.”

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Juventude

Foto: Kamila Mendes

Ao som do coração Música religiosa dá novo tom à vida de jovens caxienses e reforça a fé em um mundo melhor, regado por melodias que alegram a alma

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pós a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em 2013, um novo olhar se formou para milhares de jovens católicos. Os conselhos do Papa Francisco, que esteve pela primeira vez no Brasil, serviram de estímulo para a busca de um mundo melhor. Com a fé e a esperança renovadas, era hora de fazer a diferença.

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KAMILA MENDES kgmendes1@ucs.br

Mas antes mesmo da JMJ, esse sentimento de mudança já havia tocado o coração de Lucas Nunes, 19 anos. Ele participa de um grupo de jovens da Diocese de Caxias do Sul e utiliza a música como instrumento de transformação social. “Tem um ditado que diz: quem canta, ora duas vezes. Tocar o coração das pessoas não tem preço que pague. A música religiosa

toca a alma através da emoção”, afirma Lucas. O som que sai do violão do jovem, que aos 12 anos já fazia parte de um coral, é o ritmo da sua própria jornada. Desde que entrou para o grupo de jovens, um universo de boas energias se abriu na sua frente. “Através das palavras, a música religiosa, além de falar sobre Deus e a fé, também diz que é preciso acreditar em si mesmo para


a tua vida valer a pena. Se você souber aproveitar esse conteúdo musical, tudo vai acontecer para o seu bem”, diz Lucas ao explicar o poder transformador dos cantos da igreja. há dois anos, Letícia Espindola, 18, descobriu por acaso que tinha o dom de cantar. Aos poucos, passou a exercitá-lo dentro da sua religião e principalmente dentro do grupo de jovens que frequenta. “Muita coisa mudou desde que passei a me envolver com a música. Criei mais responsabilidade e passei a enxergar a música não apenas como melodia para os ouvidos, mas como uma forma diferente de linguagem para nutrir o coração e a alma”, afirma a jovem, que participou da JMJ 2013 e viu de perto o Papa Francisco. Letícia já sabe que tem a missão de distribuir bons sentimentos através da sua voz. É desta maneira que ela afirma que Deus se faz presente na sua vida. “A música religiosa é e sempre será o modo mais rápido de tocar o coração de um jovem. A partir do momento em que ele se sentir tocado, seja pela letra, pela melodia ou pela Foto: Arquivo Pessoal

Letícia Espindola canta e encanta nas celebrações religiosas

mensagem que a música passa, ele vai saber que é na igreja que as suas dúvidas serão respondidas. As respostas certas podem transformar e dar sentido para a sua vida”, explica Letícia. Além do amor pela igreja e pelo dom em cantar e tocar o coração das pessoas, Lucas e Letícia contam que essa ligação com Deus é capaz de dar um novo sentido aos caminhos dos jovens. “A música é arte, ela eleva a alma e traz um novo significado para a vida”, define Lucas. “A mudança começa por nós mesmos e se valorizamos a música que exalta a vida, talvez os nossos preceitos culturais e morais sejam evidenciados, fazendo a mudança acontecer na vida de cada um”, diz Letícia.

Música na Igreja

Para o Padre Gilmar Marchesini, 46, natural de Nova Prata e pároco da Diocese de Caxias do Sul, a música religiosa tem a função de ser sinal de louvor, de meditação e de reflexão sobre a existência humana. Ela é expressão de gratuidade, alegria, harmonia, Foto: Arquivo Pessoal

Padre Gilmar Marchesini leva a palavra de Deus em forma de música aos fiés da sua paróquia

distensão e êxtase. “O ato de cantar torna célebre a própria experiência humana, desperta para avaliação da realidade e mobiliza para as esperanças e utopias que dinamizam a vida, a libertação e a intersolidariedade humana”, explica Gilmar, que desde pequeno participa dos cantos religiosos. Atualmente, a Igreja Católica busca formas de se aproximar dos jovens, afinal de contas eles são o futuro da sociedade. Com a música cada vez mais presente nos momentos de oração, o laço entre eles torna-se mais forte e prazeroso. “Os jovens são, por excelência, os que fazem a experiência da gratuidade, da festa, do jogo do corpo e têm a necessidade de apresentar os papéis sociais e religiosos. Nesse contexto existencial, a música, na expressão da melodia e da poesia, é capaz de mobilizar os segredos de amor que estão no coração da juventude, as utopias, as expectativas e o projeto de vida”, afirma o Padre Gilmar ao comentar que a música é arte educativa e que exerce uma ação pedagógica no processo de transformação integral dos jovens. Foto: Arquivo Pessoal

Lucas Nunes utiliza os cantos católicos para alegrar os momentos de oração Foto: Catedral Santa Tereza / divulgação

ial da Mund CD e a d a A Jorn nçou novo 14. 0 a tude l mbro de 2 e Juven e d z a e md rnad DVD e os “uma Jo s e estão c o Os dis a” são dupl do país ç s n a j Espera íveis em lo consta a n a o i l disp mater a da JMJ o N . o r plet intei a com neiro, além r u t r e cob de Ja e da no Rio a Via Sacra 2013 sicas d ília. de mú Vig Diocese de Caxias do Sul, onde Lucas e Letícia participam do grupo de jovens, é berço da fé católica da cidade

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Juventude

A cultura de paz no ensino cristão

Colégio de Bento Gonçalves é o típico exemplo de ensino regrado pelo catolicismo. Porém, mais que religião, enxerga no ensino o futuro do bom convívio JONAThAN ZANOTTO jzanott1@ucs.br

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JuLIANA GIRELLI july.girelli@hotmail.com

o começo do século XXI, dentre as religiões professadas pela população brasileira, o Catolicismo continua a ter o maior número de seguidores entre os habitantes do país. Tal predominância é decorrente da presença da Igreja Católica em toda a formação histórica brasileira. “A Igreja tem nos lábios a sílaba fulgurante, o Verbo de Deus, o seu primeiro poder é o magistério”. Essas palavras estão na Carta do Episcopado Brasileiro, escritas em 1890. A Igreja teria uma missão educativa, com a finalidade de construir no povo uma consciência cidadã e resgatar, por meio das escolas, do ensino primário e secundário, a hegemonia. Não é à toa que as escolas católicas estão presentes em todo o território nacional, e são consideradas uma das maiores forças educacionais do Brasil, indo do ensino infantil até o superior. As escolas católicas, em sua grande maioria de ensino privado, caracterizam-se pela forma educacional, muitas vezes rígida. Para a diretora do colégio Scalabriniano Nossa Senhora Medianeira de Bento Gonçalves, Irmã Isaura Paviani, o principal diferencial das escolas católicas é o regime pedagógico. “Os nossos diferenciais pedagógicos, digo das escolas privadas, são a formação de professores, a qualidade do material didático, a humanização da educação no seu todo e,

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por humanização, que é um dos grandes valores, nós entendemos que é dar condições aos alunos, educandos e educadores com linguagem apropriada, que lhes dão autonomia pessoal

coletiva”, ressalta. Segundo a Irmã, a educação científica é provida de palavras e linguagens adequadas, por isso é de entendimento da educação cristã uma formação mais de humanização.


Quebra de paradigmas Isaura lembra que o Colégio Medianeira tem por identidade ser uma escola cristã, que respeita toda a diversidade religiosa e cultural que está presente na sociedade. Apesar disso, a Irmã lembra que a busca é sempre pelo bem, e a característica se mantém em levar a palavra de Jesus para uma sociedade carente de boa justiça e ética. “Precisamos de uma conversão pessoal e coletiva muito rápida, porque se observarmos para onde estão indo nossos jovens hoje, nós até nos assustamos, porque começam cedo demais uma vida social e o que eles encontram, muitas vezes, não é orientado e muito menos pregado numa escola católica. Então, nós temos que ter um referencial muito claro, que para nós é a pessoa de Jesus Cristo com seus valores. Estão claros na palavra de Deus, inclusive, todos os princí-

pios de subsidiariedade, de valor de respeito, e todo o corpo docente, funcionários, direção e até as famílias. Necessitamos muito ser testemunhas daquilo que falamos e daquilo que nós apresentamos a eles”, esclarece Isaura.

A busca do bem coletivo Segundo Isaura, muitas vezes os pais querem se tornar amigos dos filhos e enquanto amigos eles deixam de exercer seu papel de pai e mãe. “Eu diria que falta uma hierarquia, que aqui na escola nós tentamos colocar, através da própria espiritualidade, pois esta espiritualidade é que vai dar sustentação e vai fazer com que eles percebam que a realidade social, familiar e educacional fica obscurecida se a gente não enfrentar com esperança, com fé as adver-

sidades que aparecem”, analisa. A reunião e confraternização de todos é um dos pilares defendidos pelo colégio. A diretora lembra que todos os meses de agosto é realizada a semana da família, com palestras para pais e alunos e com um trabalho inclusive com os avós. “Além disso, quando se percebe alguma coisa, dialoga-se com os pais, porque a educação religiosa não pode ser separada do que a pessoa sente, das emoções, do seu caráter, então ela é trabalhada desde pequena”, explica Isaura. A irmã faz questão de esclarecer sobre educação religiosa e dissociá-la da Igreja. “Quando se fala em educação religiosa, geralmente as pessoas têm em mente que a religião está ligada com a Igreja, mas não é. Educação religiosa é o que há de mais profundo dentro do nosso ser, cuja palavra correta é espiritualidade, que se manifesta nas atitudes, comportamento e valores”, afirma. Fotos: Jonathan Zanotto

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Equilíbrio da fé com o ensino da ciência “O equilíbrio entre fé e ciência só será possível se a instituição tiver bases sólidas, se realmente tiver clareza do que é essencial numa educação. A escola tem como compromisso social o desenvolvimento do conhecimento científico, “tem de ficar claro que integrar a fé e a educação para formar cidadãos cristãos, comprometidos com o senso de humanidade, traduz-se numa urna eletrônica, por exemplo. Isso é compromisso da escola. O documento da Igreja diz que a fé e a razão constituem duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para contemplar a verdade. O nosso fundador, João Batista Scalabrini, dizia que a razão e a fé são filhas do mesmo pai e são duas palavras que partem da mesma luz e da mesma fonte”, acredita a diretora, que ainda cita o cientista Albert Einstein. “Ele diz assim: que a fé sem a religião é morta e a ciência

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A capela do colégio está sempre aberta a disposição de alunos e funcionários

sem a fé é cega. Então, não tem como dissociar a fé, religião e ciência. A fé e a ciência se complementam porque, na verdade, o ser humano só encontra plenitude na sua vida, na existência da própria identidade, que é Deus. Então, é muita ignorância o homem que acha que pode fazer ciência sem fé, sem religião, porque a ciência explora a natureza como tal, mas a fé e a religião exploram algo que não é palpável”, explica. A diretora finaliza falando que, com regras, atitudes e clareza nas ações, outro sentido pode ser dado à vida das famílias. “As famílias estão sem saber como agir, é verdade, de fato hoje os pais correm muito para sobreviver e isso tudo traz prejuízo do pensar, pensar na formação integral de seus filhos, desde o ventre materno, para que eles sejam pessoas sólidas, autônomas, e que sejam real-


mente cidadãos, não de Bento, mas do mundo”, conclui.

Por que optar por um colégio religioso? Para o presidente da Associação de Pais e Mestres do Colégio Medianeira, César Rubechini, os pais enxergam no ensino cristão, principalmente, os valores morais e éticos. Segundo Rubechini, a religiosidade traz consigo um convívio social educado e de bem-estar. Porém, afirma que não vê muita diferença se comparado ao ensino público. “hoje em dia, vejo que todas as escolas têm essa preocupação em proporcionar aos seus alunos esses valores éticos e morais que a gente busca pra ensinar as nossas crianças. A diferença de um colégio particular pra um colégio público, digamos assim, eu acho que é a possibilidade de a gente ter uma intimidade maior com a escola e com os gestores da esA história da Instituição pode ser vista pendurada nas paredes da escola. Antigos quadros (imagem abaixo) de formaturas estão expostos

O ano de 2014 foi muito especial para o Colégio Medianeira que completou um século de funcionamento, sendo a Instituição de ensino mais antiga de Bento Gonçalves

cola”, alega. Apesar de todas as interferências que a escola faz na educação das crianças e jovens, para Rubechini as duas instituições, escola e família, devem ter uma relação bastante estrita. “A escola, na verdade, ajuda as famílias a educarem seus filhos. Quem tem a principal meta de educar seus filhos são os próprios pais. Não se pode esperar que a escola faça todo o trabalho. A escola tem que ter meios de poder corrigir eventuais desvios de crianças e adolescentes que não tenham uma conduta adequada ao convívio escola, ao convívio em comunidade”, conclui.

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Juventude

O céu é a meta

Foto: Divulgação Comunidade Católica Oásis

Jovens católicos integram projetos para a evangelização de outros jovens: do adolescente ao universitário

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FRANCIELE LORENZETT fmlorenzett@ucs.br

juventude é o período em que a necessidade de assumir uma postura e tomar decisões se manifesta com mais veemência. A Igreja Católica, através das palavras de diversos Papas, demonstra a confiança que deposita no jovem quando lhe pede que “não se contente com nada menos do que os mais altos ideais”, como declarou São João Paulo II durante o seu pontificado. No prefácio do Youcat (Catecismo Jovem da Igreja Católica), o Papa Emérito Bento XVI enfatiza a confiança que tem na busca da juventude pela Doutrina da Igreja e pelo próprio catecismo. “Muitas pessoas me dizem: os jovens de hoje não se interessam por isso. Duvido de que isto seja verdade e estou certo do que digo”, declarou. Para o jovem que anseia os mais altos ideais, é preciso tomar decisões eternas no curto tempo em que caminha na Terra. São João Bosco, o santo da juventude, deixa isso claro quando diz que é preciso caminhar com os pés na Terra, mas estar com o coração no céu.

Jornada que impulsionou os números A praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, contou com cerca de 3,7 milhões de pessoas em 2013, que participaram da missa de envio da Jornada

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Retiro “Up: Rumo ao Céu!” na Comunidade Católica Oásis com jovens a partir de 14 anos

Mundial da Juventude (JMJ), segundo a Arquidiocese do Rio de Janeiro. O evento surgiu durante o pontificado de São João Paulo II, na década de 80, e prevê a cada dois ou três anos um encontro internacional dos jovens com o Papa, que dura aproximadamente uma semana. João Paulo II esclarece o intuito da JMJ em uma carta remetida ao Cardeal Eduardo Francisco Pironio, na ocasião do Seminário sobre as Jornadas Mundiais da Juventude, organizado na Polônia. “O principal objetivo das Jornadas é fazer da pessoa de Jesus o centro da fé e da vida de cada jovem, para que Ele possa ser seu ponto de referência constante e também a inspiração para cada iniciativa e compromisso para a educação das novas gerações”, explica. Jovens que integram o GOU Servos por Amor, a Comunidade Oásis e o Projeto Crescer Fotos: Franciele Lorenzett e Pablo Müller


“Será que sou amado?” Essa é uma dúvida de grande importância na vida do jovem, segundo Pablo Müller da Silva, 27 anos, integrante da Comunidade Católica Oásis. Através de um contato direto com a juventude que participa das atividades no local, Pablo se lembra da época em que, gradualmente, foi conhecendo mais sobre a Igreja e o que é, de fato, ser católico. “Nesse processo, quanto mais eu conhecia, mais eu me sentia atraído”, destaca. A estudante de Direito Karen Rodrigues Dorneles, 22 anos, conta que em certas ocasiões as pessoas são muito resistentes a conhecer Cristo e têm vergonha daquilo que os outros podem pensar. Karen é coordenadora do Grupo de Oração universitário (GOu) Servos por Amor, que se reúne no bloco E da universidade de Caxias do Sul (uCS), toda terça-feira, às 18h45. Os encontros duram cerca de meia hora e ela destaca que o principal objetivo é formar profissionais cristãos à luz do Evangelho, para que não fiquem fechados em si mesmos. O GOu faz parte do Ministério universidades Renovadas e o seu foco é o público que circula no ambiente acadêmico, como alunos, professores e funcionários. No Brasil, são mais de 500 GOus, além de estarem presentes em outros países. Já a Comunidade Oásis conta com ações como a Experiência Missionária, onde o jovem reside no local por um período determinado e vivencia as dimensões de convivência, oração e trabalho missionário. O jovem também recebe formação específica durante o período, conforme Pablo. Na Comu-

nidade, existem ainda outras opções voltadas para a juventude, como o Youcat School, que são encontros semanais sobre o Catecismo Jovem da Igreja Católica, e os retiros, que consistem em cerca de três dias de atividades, oração, dinâmicas e partilha. Segundo Müller, cada retiro recebe cerca de 80 jovens. Pela necessidade de criar atividades saudáveis para quem termina o período da catequese, surgiu o Projeto Crescer, em Garibaldi - RS. De acordo com um dos integrantes do projeto, Damian Paulo Chiesa, 31 anos, os jovens participam de um encontro no final da catequese e depois podem ingressar em um dos grupos de jovens da cidade, que são acompanhados pelo Crescer. Após, outros encontros são realizados unindo os grupos que fazem parte da iniciativa, com o objetivo de caminharem juntos e amadurecerem na fé. O núcleo do projeto é formado por 15 pessoas e a sede se desenvolve no sítio Crer Ser, localizado no bairro Borghetto. “O Crescer recebe cerca de 100 jovens por ano, que vêm da Paróquia de Garibaldi”, estima Chiesa.

Fotos: Franciele Lorenzett e Pablo Müller

Jovem católico na prática

Coordenadora do GOU Servos por Amor e estudante de Direito, Karen Dorneles. Acima, membros da Comunidade Oásis, do GOU e do Projeto Crescer

Para conhecer mais: Grupo de Oração universitário Servos por Amor Bloco E da uCS, terças-feiras, às 18h45 www.facebook.com/goucaxias

Projeto Crescer Para jovens entre 13 e 17 anos www.grupo-crescer.blogspot.com.br

Comunidade Católica Oásis Experiência Missionária: a partir de 18 anos Youcat School: aos sábados às 20h www.comunidadeoasis.com Foto: Franciele Lorenzett

Sítio do Projeto Crescer em Garibaldi - RS

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Juventude

Castidade

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Jovens que resolveram esperar

RITIELI FERNANDES rnfernandes@ucs.br

castidade antes do casamento é vista por muitas religiões como uma forma de virtude moral. Para a Igreja Católica, a castidade é promessa de imortalidade. É a forma de mostrar ao discípulo como seguir e imitar aquele que nos escolheu como seus próprios amigos. Os católicos acreditam que a castidade antes do casamento é uma forma de conhecer o outro em sua plenitude. Para o budismo, a castidade é vista como a maneira de alcançar a libertação dos sofrimentos e das decepções humanas. A jovem católica praticante Ana

Claúdia Muterlle, 21 anos, explica porque optou pela castidade até o casamento: “é muito complexo de falar, pois são muitos motivos. O principal é para conhecer melhor o outro e a mim mesma, e não somente o prazer que cada um pode oferecer ao outro A castidade ajuda a proporcionar conhecimento integral do outro”. “Tudo começa na amizade. A gente coloca em primeiro lugar o ato de se conhecer, ver se a gente se dá bem. Coloca em primeiro lugar eu saber o que a Ana gosta, como eu posso fazer ela feliz através do que ela é, do que ela gosta, do que a gente gosta, dos nossos planos, nossos sonhos. Então, parte-se do princípio de que, antes

das intimidades, a gente procura viver a amizade”, diz o namorado de Ana, Damian Chiesa, 31 anos. Ana e Damian namoram há 3 anos e 8 meses e também contabilizam 6 meses de amizade. Eles se conheceram em um grupo de jovens. “Eu tenho 21 anos, participo do grupo de jovens desde os meus 11 anos. A gente se conheceu quando eu tinha 17, e ele 27, ele tem 10 anos de diferença. Eu estava organizando um retiro de jovens, ele é de Garibaldi e eu convidei o grupo de jovens dele pra vir. A gente ficou se falando por um mês para organizar, sem se conhecer, eu chamava ele de Damião, o nome dele é Damian, (risos). E aí, quando a genFoto: Arquivo Pessoal

Ana e Damian casaram em abril de 2015. Desejamos que sejam muito felizes!

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te se conheceu, eu senti algo especial. Depois, a gente ficou conversando uns 6 meses, e a gente não ficou antes de namorar, a gente já decidiu namorar. Muito por essa ideia, de que não é o prazer que eu ofereço pra ele, mas é o que eu sou. É a ideia da gente construir algo”, conta Ana. Jovens que escolhem a castidade optam por este modelo para serem vistos pelo outro como é o seu ser. Muitas vezes, as mulheres são vistas pelos homens como um objeto descartável, que eles utilizam e depois quando cansam, trocam por outra e assim fazem a vida toda. Muitos homens e mulheres casam todos os dias, mas também é grande o número de casais que se separam todos os dias. Frequentemente, a separação acontece por não haver esse amor e conhecimento pelo ser, há um amor somente carnal, que não dura muito tempo. Quando um dos parceiros não pode mais oferecer esse prazer, o amor acaba. Foi ouvindo e conhecendo os ensinamentos da Igreja que a jovem optou pela castidade até o casamento. Eles optaram por uma forma de namoro mais sadio, como eles mesmos definem. “Eu me sinto amada por completo, porque ele conhece meu íntimo, meu ser e me ama assim. Ele já decidiu por mim. É um namoro muito criativo, muito rico nesse sentido de demonstrar carinho”, conta ela. Muitos jovens católicos estão optando por essa tradição, considerada antiga. “Primeiro, por não se contentar com os relacionamentos que a gente vê. A Ana teve outro relacionamento mais curto e eu tive um outro namoro mais longo. Normalmente, eu me voltava para mim mesmo, eu buscava na outra pessoa algo pra me saciar, também pra fazê-la feliz, mas não em primeiro lugar. Por ter vivido essa experiência, eu queria viver algo mais profundo, algo com sentido diferente, com sentido maior. A gente optou por esperar, por não achar um sentido profundo para o que a gente está acostumado a ver. Desde o começo do namoro, a gente conversou assim, que a gente buscaria viver um namoro de acordo com esses princípios, com esses valores em primeiro lugar”, ressalta Damian. Os dois jovens ansiavam por alguém que pudesse compreender os ensinamentos da Igreja e querer verdadeiramente viver isso. Viver a castidade por entender seus benefícios

sempre foi a vontade de Ana. “Eu quero ter um relacionamento assim, eu quero ser respeitada, não quero que o homem me veja como um beijo ou que me veja como um prazer. Meu ex-namorado, ele parecia não querer viver muito isso, e a gente terminou logo, foi um namoro super curto, porque tu via que ele não tinha esse olhar mesmo. Eu entendia muito assim, que esses conselhos da Igreja são iguais regra de trânsito, tu podes passar no sinal vermelho, tu podes estacionar em lugar proibido, só que quem vai sofrer as consequências é tu. Deus não deixa de amar se a gente erra, Deus nos ama sempre. Eu sempre entendi que a Igreja não impõe isso, que a Igreja deixa uma escolha livre, tu aderes se tu queres ou não”, salienta a jovem.

paixões e obtém a paz, ou se deixa subjugar por elas e se torna infeliz. “Para muitas pessoas, a castidade é um momento de encontrar o sentido da vida. É um momento de conhecimento do ser, momento que pode ser vivido em casal, um conhecendo o outro sem o uso de relação sexual. Será que é isso mesmo? Eu me questionava qual era o relacionamento verdadeiro, no que está pautado. Então, eu fiquei algum tempo sem namorada, me conhecendo melhor para poder estar de bem comigo mesmo, pra poder fazer alguém feliz. Eu vejo que é uma virtude, porque para tudo na vida a gente precisa ter um autodomínio. A castidade é a virtude que traz esse domínio sobre mim mesmo. Não que a gente não tenha vontade de ter o ato sexual, a gente tem, tem muita vontade, mas a gente busca refletir, busca conversar sobre isso, busca entender que por mais que a gente tenha vontade, mesmo no casamento vão ter momentos que a mulher não vai poder ter o ato sexual ou o homem não vai poder ter o ato sexual, então cabe a compreensão do casal de saber se respeitar. Se a gente não treina isso no namoro, depois no casamento fica mais difícil”, enfatiza Damian.

“Tudo começa na amizade”

Castidade x Virgindade Não podemos confundir castidade com virgindade. Ser casto é uma opção, uma escolha de vida. Mesmo não sendo mais virgem, uma pessoa pode ser casta. Segundo o glossário do site Catecismo na Igreja Católica, a castidade comporta uma aprendizagem do domínio de si que é uma pedagogia da liberdade humana. A alternativa é clara: ou o homem comanda suas

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Sem possessão, sem ciúmes

castidade também é uma forma de obter o controle de si, é uma forma de preservar o relacionamento, é também um instrumento de preservar a fidelidade do casal. É bom para os filhos, pois qual filho não quer ter um pai e uma mãe que sejam fiéis? Às vezes têm mitos, não se tem a compreensão, mas é uma coisa muito normal, muito sadia, muito bela, “ explica Damian. “A gente não tem ciúme. Claro que queremos cuidar um do outro, mas assim como a gente é tão fiel ao que a gente se colocou, a nossa meta, tão fiel a nós, a gente se controla, se acontecer uma situação que eu sei que ele vai ter o domínio de si pra não me trair. Então é um namoro bem leve, sem ciúmes, sem possessão. Eu deixo ele sair com os amigos, eu também saio com as minhas amigas. Não tem essa coisa de, ‘Onde é que tu tava? Que horas tu voltou? Por que que tu saiu?’ É um noivado bem fecundo, a gente dedica muito tempo aos outros, ao grupo de jovens, aos amigos, à família, à igreja, ao trabalho, aos retiros, a gente dedica o nosso tempo também para os outros”, declara Ana. Ana e Damian contam que surgem comentários, brincadeirinhas sobre a escolha desse modelo de namoro. Mas como eles convivem bastante com o grupo de jovens, com amigos que também frequentam a Igreja, eles têm apoio e admiração dos amigos. O casal fala sobre o assunto em retiros e na própria faculdade, onde Ana cursa Jornalismo. * Eles se casaram em abril de 2015. Que sejam felizes para sempre!

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Rituais

Caminhos para o transcedental Com papel central na prática religiosa, rituais perpassam todas as crenças e ajudam a entender a natureza do ser humano

Fotos: Lucas Demeda

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Aliança com o divino celebrada pela eucaristia é o ponto alto das celebrações católicas


O muçulmano Yunus, 17 anos, realiza uma de suas cinco orações diárias na mesquita de Caxias do Sul

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LuCAS DEMEDA ldsantos2@ucs.br

m grupo de pessoas se reúne para uma celebração. Ordenadamente, pão e vinho são repartidos entre os presentes. Os alimentos, considerados sagrados, são então consumidos de forma respeitosa. Essa cena descreve, de forma genérica, a prática católica da eucaristia, mas palavras parecidas já foram usadas para relatar homenagens ao deus grego Dionísio, entre outras divindades do mundo antigo. Mais abrangente ainda é o ato da comunhão. “Comer junto” em memória a um antepassado morto é um costume que pode ser detectado até em tribos indígenas brasileiras. Rituais como esse estão presentes nos vários aspectos da vida humana e se confundem com a invenção da própria linguagem. Como explica o antropólogo Rafael José dos Santos, “a linguagem funda a cultura, é nessa hora que o ser humano entra na ordem do simbólico”. Mas é na religião que os ritos se tornam protagonistas. De acordo com Rafael, isso ocorre por causa da própria natureza dos mitos religiosos. “O ritual é uma performance na qual as pessoas que participam

dramatizam de alguma maneira uma história que se repete. É a afirmação simbólica da crença”, define. A eucaristia, por exemplo, reconta o mito da Última Ceia, no qual Jesus, considerado o filho de Deus, oferece seu corpo e sangue aos apóstolos por meio dos alimentos citados, celebrando uma aliança com eles antes de sua morte. Em cada missa, o relato é repetido simbolicamente: o sacerdote abençoa uma hóstia – pão ázimo, assado sem fermento – e um cálice de vinho, para então distribuir o alimento entre os fiéis. “A eucaristia é o ponto alto da vida cristã”, pontua o bispo da Diocese de Caxias do Sul, Dom Alessandro Ruffinoni. Sua importância é tanta que se faz presente durante cada marco religioso da existência dos adeptos, numa permanente renovação da aliança milenar com o divino, e pressupõe a realização de rituais anteriores para ocorrer. “Para chegar ali (na eucaristia), é necessário preparação, para entender melhor o sacramento. É o recebimento da graça de Deus”, reforça o bispo.

Troca com o divino

Entender é fundamental para que o ritual ultrapasse a mera representação abstrata e comunique algo aos

envolvidos em cada prática. E isso é especialmente importante no candomblé. Os adeptos da religião afro-brasileira mantêm uma forma mais literal do ofício sagrado entre seus ritos: o sacrifício animal. A manutenção dessa prática na sociedade contemporânea soa deslocada, ao menos até nos aprofundarmos um pouco nos preceitos da crença. Conforme o babalorixá (sacerdote) Roberto de Almeida, o candomblé é um culto à natureza. “Respeitamos desde o mineral, os animais, as plantas. Mas existem alguns rituais da tradição iorubana (etnia africana) que devem ser respeitados”. Nas celebrações privadas do candomblé, cada orixá – divindade relacionada a um aspecto da natureza – tem seu próprio rito e deve ser homenageado com oferendas. É aí que, em alguns casos, entra o sacrifício. O sangue vermelho é considerado sagrado, assim como a seiva de plantas ou o sangue branco de um determinado caracol, entre outras substâncias. São fontes de “axé”, energia vital que precisa ser transferida para que o rito tenha sucesso. Em seguida, o alimento preparado para os orixás é consumido pelos participantes da cerimônia. “E no meu caso, eu condiciono e dou em

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um lugar onde as pessoas tenham necessidade. No candomblé, nada é jogado fora”, acrescenta Roberto. O animal escolhido também não pode sofrer durante o processo, para que a oferenda seja aceita. Para o babalorixá, que esclarece ser vegetariano, a prática não está tão distante de outras religiões. Os judeus, por exemplo, só consomem a carne bovina de animais cujo abate obedece à lei religiosa. A preparação de carne também é preocupação dos muçulmanos, que só a consomem mediante uma ritualística de purificação no preparo. “Nós estamos fazendo isso dentro da nossa fé. A galinha que você compra no supermercado também passou por um sacrifício, num aviário dá pra ver o que ela passa”, compara o babalorixá. Dentro da prática do candomblé, também ocorre a incorporação dos orixás, quando participantes do rito atuam como veículos para a manifestação das entidades. “Esse orixá é saudado e as pessoas têm a possibilidade de chegar perto do seu deus. Mas o fundamental é a fé. Não existe

ritual que te faz melhor, o que te faz melhor é a crença”, conclui. Chegar perto do transcendental é objetivo comum nos rituais religiosos. Para alcançá-lo, os participantes da sanga (grupo budista) de Caxias do Sul se utilizam de práticas de meditação que trabalham a respiração, visualização de deidades e recitação de mantras. Carliza Vettorato Timm ministra oficinas semanais para participantes do grupo, que seguem o budismo tibetano vajraiana. Ela define os exercícios executados como um caminho para a iluminação. “Cada aspecto tem um simbolismo, um significado. Isso quem ensina são os lamas (professores)”. É como se cada elemento servisse para lembrar o praticante do caminho a percorrer. “Nessa realidade, a gente precisa de simbolismo, métodos, cores. São todas representações para lembrar do que se quer alcançar”, afirma. Lembretes desse tipo são frequentes em outra religião com forte presença no oriente: o islamismo. O

Para os muçulmanos, oração é o momento de conversar diretamente com Deus

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Lembrete diário

Meditação, cores e símbolos ajudam os budistas a alcançarem seus objetivos

estudante Jonathan da Silva Ferrari, 17 anos resume a visão dos fiéis: “o islã é uma religião completa”. Em uma sala no centro de Caxias, onde se vê apenas uma estante, alguns livros e um carpete com linhas indicando a direção de Meca, o jovem – batizado pelos companheiros de crença de Yunus – se prepara para uma de suas cinco orações diárias. “A oração é essencial para o muçulmano. É o momento de estar se comunicando diretamente com Deus, sem intercessor, sem ninguém”, conta. A pequena mesquita logo enche com a chegada de outros fiéis, entre os quais estão vários imigrantes senegaleses recém-chegados à cidade. Todos se purificam, fazem suas orações voltados para a cidade que consideram sagrada e se preparam para um debate dos ensinamentos do islã. Após a prática, Fernando Augusto Bender, professor de Engenharia Elétrica de 37 anos, reflete sobre o papel dos rituais na religião. “Em resumo, a prática é externa, a crença é interna. um precisa do outro. A prática é uma lembrança para ti mesmo daquilo que tu é”, salienta Bender.


Foto: Acervo pessoal

Diferenças que aproximam O nono mês do calendário lunar islâmico é especial para os muçulmanos. Denominado Ramadã, consiste num período de reflexão, renúncia e esforço nas práticas sagradas. É nessa época que os adeptos da religião praticam o jejum ritual durante o dia. Os adeptos de outra religião, comumente associados a uma posição antagônica ao islã e a um longo conflito político-ideológico no Oriente Médio, curiosamente protagonizam uma celebração parecida. O Shabat (sábado) representa o sétimo dia da criação do mundo para os judeus. “É um dia para descansar, refletir sobre os nossos atos e fortalecer a conexão com o Sagrado”, explica o Rosh (líder) Elazar ben Elisha, da Congregação Israelita da Nova Aliança de Caxias. Na data, os judeus se abstêm das atividades costumeiras e se dedicam a orações e ao estudo da Torá, livro sagrado da religião. Perguntado sobre a sensação de participar do Ramadã, o jovem muçulmano Yunus abre um sorriso. “Depois de passar o dia inteiro sem comer, chega a hora de quebrar o jejum, a gente fica quase jubilante, pensando: ‘eu fiz isso por Deus, me esforcei para Deus’”. A resposta se confunde com a descrição de Elazar sobre o Shabat: “Toda semana o celebramos e ansiamos por sua chegada”, diz. “Nossos sábios costumam falar que ‘o Shabat é uma ilha no tempo’. É como se um

Judeus caxienses se reúnem para a tevilah, ritual para a expiação dos pecados

“Embora tenham aspectos muito diferentes, as religiões apresentam lógicas parecidas”

dia a cada sete nos transportássemos para uma ilha e ali nos afastássemos totalmente do nosso cotidiano”. um padrão fica claro. Embora tenham aspectos muito diferentes, as religiões apresentam lógicas pa-

Fiel recebe auxílio dos espíritos durante celebração umbandista na cidade

recidas. E nenhuma representa o conceito de diversidade melhor do que a umbanda. Segundo Saul de Medeiros, presidente da Associação umbanda Caxias, a crença brasileira nasceu sincrética, com elementos do catolicismo, hinduísmo, africanismo e espiritismo. “Ela (a umbanda) se considera cristã, acredita nos orixás e na reencarnação, e trabalha na dialética entre o plano físico e astral”, declara. Nas celebrações públicas da religião, é realizado o passe, em que espíritos são consultados pelos presentes, com o auxílio de elementos como velas, incensos, cânticos e o toque dos atabaques - instrumentos de percussão africanos. A umbanda também cultua a imagem de santos católicos como orixás, mas tenta trazer a tradicional figura de um deus celestial para mais perto das pessoas. “As religiões afro-brasileiras percebem que há elementos divinos dentro de cada ser humano. O objetivo desses rituais é fazer com que possamos aflorar essa condição. É um processo de autoconhecimento e crescimento”, pondera Saul. Involuntariamente, o estudo dos rituais religiosos acaba cumprindo papel semelhante para a sociedade. No fim, a compreensão de cada prática, por mais diversa que seja, não ressalta nossas diferenças. Na verdade, revela que somos todos muito parecidos. E esse é um passo fundamental para a consolidação da tolerância religiosa.

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Rituais

Mistério da Janela As diversas versões sobre a possessão de uma moradora das redondezas do Santuário de Caravaggio, em Farroupilha, ainda são um mistério para todos

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MARIA LuIZA GRAZZIOTIN BRITES mlgbrites@ucs.br

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quebrou o braço”, conta Piasa.

Da igreja para os livros O evento ocorreu no sexto ano do paroquiato de Portolan, fazendo com que o povo visse nele um homem de Deus, um religioso forte na fé. As diferentes versões que rodeiam o Santuário são várias, sem muitas testemunhas vivas para esclarecer os fatos. No ano passado, o escritor farroupilhense Guálter Pasa lançou o livro “Padre Theodoro Portolon: Santuário de Caravaggio”, com o intuito de apresentar mais sobre a história do padre e do Santuário. Foto: Maria Luiza Brites

a Igreja Católica, no ritual do exorcismo, os padres não devem, em princípio, acreditar que uma pessoa encontra-se sobre possessão demoníaca. Apenas os bispos podem autorizar um sacerdote a fazer exorcismos. uma das histórias mais inusitadas sobre o tema aconteceu na Serra Gaúcha, mais precisamente em Farroupilha, Rio Grande do Sul. O cenário foi o Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio. Moradores da localidade afirmam que a história pertence a uma mulher que foi amaldiçoada por seu ex-marido. A jovem casou-se com outro homem e a partir daí começou a ter comportamentos fora do comum, ou seja, estaria possuída. Para trazer a tranquilidade de volta para a jovem, o padre Teodoro Portolan, ex-reitor do Santuário, procurou o bispo Dom José Barea para traçar um plano de exorcismo. O ato aconteceu não propriamente na igreja, mas sim em uma capela do Santuário. A lenda conta que, quando o padre concluiu o exorcismo, o diabo saiu por uma janela lateral entortando os ferros e mesmo anos depois trocando as grades, elas voltaram a entortar. De acordo com o padre Fábio Piasa, que diz que o próprio padre que fez o exorcismo foi quem contou a história a ele, Teodoro Portolan havia recebido a mensagem do diabo de que seria amaldiçoado. A partir daí, muitas ameaças aconteceram na vida do padre. “O padre Teodoro estava mexendo em um pequeno motorzinho, quando enroscou a batina no aparelho, o que o deixou em um estado bastante lamentável, pois assim

SChAIANE SACRAMENTO smsacramento@ucs.br

Segundo o livro, o depoimento mais preciso sobre a história foi detalhado pela irmã Leonor Pasinatto, que participou do exorcismo junto com o padre Theodoro e mais três irmãos da escola Nossa Senhora de Caravaggio. Leonor comentou que a personagem principal era uma mulher que foi amaldiçoada por um ex-namorado. A maldição jogada pelo homem foi: “Você vai se casar, mas não vai ser feliz”. No final da década de 30, quando seria realizada cerimônia de casamento da mulher, ela começou a apresentar sintomas estranhos, como desmaios, medo constante e falar muitas blasfêmias. “Após esses sintomas, levamos a mulher até o padre Theodoro e ele percebeu que ela estava possuída,. Dessa forma, praticou o exorcismo deixando-a livre de todo mal. Depois desse dia, nenhum outro sinal estranho foi percebido nela, seguiu sua vida feliz e tranquila” (Relato da irmã Leonor no livro, pág. 52). Mas essa versão não foi confirmada pelo padre Fábio. Segundo ele, no dia do ocorrido todos os presentes assinaram em um livro que nunca relatariam o fato com os nomes dos presentes, por isso diz não poder falar claramente. há mais de seis décadas como paroquo, o padre Fábio afirma que acredita no ato exorcista e ele próprio já realizou um. Outros não possuem a mesma opinião. Gilnei Fronza, padre reitor de Caravaggio, pensa de forma contrária. “Pelo exorcismo é a Igreja que age, em nome de Jesus, para libertar uma pessoa ou um objeto que está sob a influência do Maligno. É o


Cristo que tem autoridade sobre os demônios; é, portanto, em seu nome que a Igreja ordena esses espíritos maus a abandonarem aqueles que eles possuem. O exorcismo só pode ser praticado por um padre e com a permissão do bispo”. há dois anos como reitor do Santuário, Gilnei acredita que há forças maiores, mas do bem. Para ele, o Diabo não existe.

“Para mim, o diabo não existe, apenas forças maiores e, do bem, só Deus existe, ele é o poder superior” “um mal obscuro está presente na existência e na história humana desde as suas origens. O Ritual dos Exorcis-

mos previne contra a imaginação de alguns, que podem ser levados a crer que são presas do demônio. Em todos os casos, é preciso verificar que aquele que se diz possuído pelo demônio realmente o esteja. O texto recomenda distinguir entre uma verdadeira intervenção diabólica e a credulidade de alguns fiéis, que pensam ser o objeto de malefícios ou de maldições. Não se deve recusar uma ajuda espiritual, mas não se deve praticar um exorcismo a qualquer preço”. Com um pensamento menos descrente, Gilnei não vê o exorcismo de Caravaggio como um fato real e sim como uma crença que é passada de geração em geração. ‘’A Igreja tomou uma postura de prudência e de discernimento, ter presente que a força do mal está presente e atua na existência humana e na historia. Rejeitar toda banalização. Não fazer dele um espetáculo. O

exorcismo deve realizar-se de modo que se manifeste a fé da Igreja e não possa ser considerado por ninguém como ação mágica ou supersticiosa’’, destaca. A história que é contada por mais de 80 anos deixa muitas perguntas sem resposta. As poucas testemunhas que ainda estão vivas preferem não comentar sobre o assunto, apenas ressaltam que o padre Theodoro foi um grande homem de fé que participou de boa parte da evolução do Santuário. Nascido em 1908, padre Theodoro Portolan obteve grandes feitos em sua vida. Após o exorcismo, ele foi afastado do Santuário em 26 de maio de 1968. Segundo comentam, o padre estava tendo alucinações devido ao exorcismo e permaneceu recluso para um descanso. Aos 72 anos, ele faleceu no município de Farroupilha, levando consigo a verdadeira história sobre o exorcismo em Caravaggio.

E você, acredita em exorcismo?

Fotos: Maria Luiza Brites

“A Igreja Católica perdeu muita credibilidade com o passar dos anos, dessa forma muitos não acreditam tão intensamente como antes. Não acredito em exorcismo e nem em possessão, creio que vai de pessoa pra pessoa”. Cleiton Venturini, 23 anos.

“Quando me perguntam se acredito no exorcismo em Caravaggio eu digo que não, pois para mim as grades entortadas foram latrocínio. Muitas vezes, aquele local foi alvo de bandidos ou arruaceiros. Forças maiores podem sim possuir alguém, mas não fazer daquela forma”. Zélia Galafassi, 52 anos.

“Penso que vai da cabeça de cada um, pois há pessoas mais fracas na fé que podem atrair energias negativas e até serem possuídas. Temos que acreditar em algo maior, acreditar em Deus para mim é fundamental”. Luís Strapazzon, 56 anos.

“Acredito no bem e mal e que existem forças malignas que podem levar ao exorcismo, mas não sou tão crente. Vivo a vida sem pensar nessas hipóteses”. Patrícia Müller, 26 anos.

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Rituais

Homens de fé

A prática da expulsão de forças malignas é realizada desde a Idade Média

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MARIA LuIZA GRAZZIOTIN BRITES mlgbrites@ucs.br

ara muitos, a fé e a religião não passam apenas de uma crença que já não é seguida há muito tempo. Mas esse fato não é levado em consideração por outros. Muitas pessoas acreditam no poder de Deus e que é por meio da fé que se deve seguir para almejar coisas boas para a vida de cada um. Para o pastor Alcemir herthis, de 43 anos, a religião sempre foi algo muito presente em sua família. Ele lembra que na juventude não dava muita importância, mas que hoje seu pensamento mudou. “Quando somos jovens não somos ligados em religião ou fé, mas esse pensamento mudou depois que me casei e começamos a seguir a palavra de Jesus, o que nos trouxe paz e alegria para o nosso lar”. há 17 anos na religião evangélica, Alcemir é o pastor responsável pela Assembleia de Deus do bairro Primeiro de Maio, em Farroupilha. Além de cuidar da igreja, ele e a esposa Raquel estão sempre auxiliando aos irmãos que necessitam, seja com roupas, alimentos ou orações. Em todos esses anos, o pastor conta que já presenciou muitos casos de possessão dentro e fora da igreja.

Foto: Schaiane Sacramento

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SChAIANE SACRAMENTO smsacramento@ucs.br

Os evangélicos não utilizam o termo “exorcismo” e sim expulsão de demônios. O pastor comenta que não há um ritual específico para ser realizado. O pastor que irá realizar deve ser alguém devoto e livre de pecados para que a expulsão seja completa. O jejum, a oração, a fé e a palavra de Jesus são os primeiros passos para ser um servo do Senhor. Dessa forma, mal algum resiste.

“A expulsão é realizada por meio do poder concebido por Jesus” “É preciso estar puro e firme na palavra, como é dito na passagem de Lucas 10-20: quando chegar o momento Deus dará a vocês o que devem falar. Porque as palavras que disserem não serão de vocês mesmos, mas virão do Espírito do Pai de vocês, que fala por meio de vocês”, destaca Alcemir. Além de ter presenciado algumas expulsões, o pastor já realizou um “exorcismo”. Ele relembra que foi chamado por um senhor que foi até sua casa dizendo que sua filha estava possuída. Após o relato, Alcemir dirigiu-se até a casa do homem, constando que a menina estava agindo de forma estranha. “A menina gritava e estava com os olhos arregalados, além de estar espumando e gritando blasfêmias assim que notou que eu estava com a bíblia nas mãos. Fiz a leitura do Salmo 91 e a garota começou a andar e se debater feito uma cobra. Foi preciso realizar mais uma leitura e dizer com toda minha força: em nome de Jesus eu te repreendo. Ela se contorceu mais uma vez, mas acabou sendo liberta”. Ele comenta que, uma vez a pessoa possuída, se ela não seguir o caminho do bem e a palavra de Cristo pode novamente ser tomada por espíritos

malígnos. Ele também comenta que cada vez mais, a população está descrente e sem fé nas coisas, mas que é preciso se agarrar a Deus não importando a religião, pois o verdadeiro caminho é o que está escrito na bíblia e não o que algumas pessoas pregam. “Como está no evangelho de Mateus 24: porque aparecerão falsos profetas e falsos messias, que farão milagres e maravilhas para enganar, se possível, até o povo escolhido de Deus.” Para Alcemir, a distinção de bem e mal é bem clara. Ele ressalta que o caminho que ele escolheu lhe rendeu bons frutos com uma família, trabalho e satisfação por auxiliar o próximo de alguma maneira e levar a palavra de Deus para aqueles que ainda não encontraram o caminho. “Mas temos que lembrar o que Jesus disse: Eu sou o caminho, a verdade e a via, ninguém vai ao Pai a não ser por mim. Sejam meus seguidores e aprendam comigo porque sou bondoso e tenho um coração humilde, e vocês encontrarão o descanso. Os deveres que eu exijo de vocês são fáceis, e a carga que eu ponho sobre vocês é leve”, Mateus 11-29:30.

“O bem é Deus nossa força maior e o mal é o demônio que está sempre vagando pela terra” Assim como Alcemir, o pastor Elton Pereira, de 45 anos sempre teve a fé presente em sua vida e da família. há seis anos no comando da igreja Templos de Semear, Elton também já presenciou casos de possessão demoníaca. “Temos que fazer o que Jesus ordenou ide por todo mundo curai os enfermos e expulsai os demônios.


A bíblia diz que desde o começo satanás quis roubar a adoração que pertence somente a Deus e ele tem feito de tudo para tirar a atenção, levando o ser humano a se distanciar cada vez mais de Deus”, destaca. Ele também comenta que o caminho para a salvação é por meio dos passos de Jesus e que mesmo com tantas notícias envolvendo a religião ainda há adoradores e fieis na fé. “A Igreja Evangélica tem provado e

comprovado que a existência de demônios em determinadas pessoas é real. Algumas das possessões ocorrem em pessoas que nos visitam pela primeira vez, mas também já ocorreu em nossos fiéis mais antigos” Para ele, é uma enorme benção os visitantes, pois os que estão perdidos no caminho irão poder encontrar a paz e amor de Cristo. “João 10:10, neste capítulo e versículo diz que satanás vem para roubar matar e destruir. Tem roubado sonhos, matado os projetos e destruído a confiança do homem. Mas no mesmo versículo está escrito que Jesus veio para dar vida e vida em abundância“.

“Sou uma pessoa abençoada por ter uma família que segue os caminhos de Jesus, além de poder auxiliar o próximo de alguma forma. É dessa maneira que sigo cada dia com todas as tentações que nos rodeiam, por meio da fé”

Foto: Arquivo Pessoal

Da igreja para as telas de cinema

Foto: Divulgação

há cerca de 40 anos, ía às telas de cinema dos Estados unidos o longa-metragem que ficou marcado como um dos maiores filmes de terror de todos os tempos: O Exorcista, filme dirigido por William Friedkin que aborda a possessão de uma adolescente de 12 anos pelo demônio. O roteiro foi baseado em livro de sua própria autoria, inspirado no exorcismo de um garoto de 14 anos, em Mount Rainier, no estado de Maryland (EuA), documentado em 1949. O exorcismo ainda é considerado um tema atual, tanto que ganhou novamente destaque nas telas. Dessa vez no Brasil, em São Paulo, do cineasta e roteirista Renato Siqueira. Ele desejava explorar esse tema pouco visto na mídia. Foi então que, depois de anos de pesquisas, ele descobriu as histórias de padre Lucas Vidal, um dos maiores exorcistas da América Latina. Dessa forma, iniciou o roteiro de Diário de um exorcista.

Foto: Schaiane Sacramento

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Comunidades

Umbanda sem medo A religião que traz a caridade como principal característica

Fotos: Clariana Zanatta/Ervanária Central

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CLARIANA ZANATTA cgzanatta@gmail.com

ara muitas pessoas, o assunto ainda é tabu. Para os praticantes, uma fonte de energia, limpeza e conhecimento profundo da alma. O fato é que a umbanda sempre foi tema de curiosidade entre as pessoas que desconhecem a religião.

o local para que espíritos de negros e índios pudessem praticar a caridade através da incorporação.

Conheça a origem

De acordo com o médium JSN, do Centro de umbanda Pai José de Aruanda, o objetivo da Linha Branca é libertar as pessoas de obsessões, curar sofrimentos de origem ou ligação espiritual, desmanchar trabalhos de Magia Negra e preparar um ambiente favorável aos adeptos. “Muitas pessoas procuram o Centro em busca de entendimento pessoal, harmonização do lar, ajuda no ramo profissional e afetivo, afastamento de males como a bebida, drogas, inveja e outros problemas que afetam o corpo físico e espiritual”. Ele acrescenta que algumas pessoas, mesmo conhecendo a reputação do local procuram o mesmo para a feita de, trabalhos, como amarração, feitiçaria e outros males. Neste caso, a pessoa é orientada à prática do bem e do perdão, evitando que dê seguimento a má conduta. Ele ressalta a importância da verdadeira caridade. “Desde criança, frequento o Centro Pai José de Aruanda e há seis

historiadores contam que a crença foi trazida ao Brasil em meados do século XVI, quando negros originários de diversas regiões da África chegavam ao Brasil. Após chegados ao território, foram misturados entre eles, sem importar a cultura ou etnia e levados para as senzalas da Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e pelo sul do país. Eles, mesmo afastados de suas origens, cultivaram a crença em um Deus único (Oludumare), de seus deuses (Orixás) e da divisão do plano material e espiritual. Em meados de 1908, Zélio de Moraes, um jovem de 17 anos, enfrentava sérios problemas de saúde. Ele foi encaminhado há um centro kardecista onde, pela primeira vez, incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Foi neste momento que a umbanda foi criada e anunciada no Brasil. Este seria

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Umbanda de Linha Branca

anos trabalho como médium na casa que foi fundada há 54 anos pelo Sr. Ataíde Silva, hoje com 89 anos. Tenho orgulho de dizer que todo o atendimento é prestado em forma de caridade, sem visar lucro. Recebemos doações espontâneas em forma de dinheiro ou materiais utilizados, como velas, defumadores, produtos de limpeza e outros. É sempre importante lembrar que qualquer lugar que se dispõe a fazer o mal ou receber valor pelas consultas ou trabalhos não está praticando a essência da umbanda Branca”, ressalta JSN. Pesquisadores falam que os sofrimentos e dificuldades da vida são provações que devemos passar e os filhos de umbanda, em seu exercício, devem auxiliar as pessoas, e, principalmente, evitar que o mal o desvie do caminho designado.

Entidades As entidades têm como função trazer as mensagens, a vontade e a força dos Orixás e, assim, de Deus. São espíritos chamados de guias e protetores. Na página ao lado, conheça alguns deles:


Os Pretos Velhos: em grande parte (mas não totalidade), são espíritos de negros escravos, que após anos de sofrimento, retornam para a evolução espiritual, auxiliando com humildade e sabedoria daqueles que buscam ajuda. Os caboclos: representam a força e a coragem do negro adulto, do guerreiro e do índio. habitantes das matas, vêm com a força da natureza e vasto conhecimento das ervas medicinais, que podem curar as doenças físicas e espirituais. Em seus conselhos ensinam o respeito com o próximo. As crianças (ibejis): são a alegria contagiante da umbanda. São espíritos que, na última vida, desencarnaram muito novos. Eles brincam, aprontam, gostam que lhe contem histórias infantis e adoram doces e guloseimas. Muito respeitadas, elas representam a pureza e a inocência da criança, porém não são tolas, e identificam muito bem as falhas humanas, orientando principalmente em casos familiares e de gravidez. Espírito Kiumba: são espíritos de baixo astral, conhecidos também como obsessores, que se aproveitam da fragilidade humana para satisfazerem seus vícios, ou até mesmo são procurados por pessoas que queiram prejudicar alguém. Eles acompanham e influenciam os encarnados por pura vontade de cometer o mal, induzindo ao consumo do álcool, cigarro, drogas ou sexo.

Guias e cores Branca de Oxalá – Jesus Cristo Amarela de Oxum – Nossas Senhoras Azul – Iemanjá Verde – Caboclos – São Sebastião Verde Vermelha e Branca – Ogum – São Jorge Marrom – Xango – São Jeronimo Branca e Preta – Pretos Velhos Laranja – Iansã – Santa Barbara Vermelha – Bara – Santo Antônio

Experiência da repórter Quinta-feira, 09 de outubro de 2014, dispus-me a ir conhecer um Centro de umbanda. Assunto desconhecido para mim até então, que fui batizada e crismada na religião católica. Ao subir a escada daquela casa desconhecida, um certo anseio pelo que iria encontrar, mas logo fui surpreendida pelo corriqueiro: crianças, jovens de várias idades, avós, pessoas sorridentes e algumas mais sérias, mas não vi ou senti nenhuma energia ruim. Logo no início do encontro uma palestra e as palavras daquela jovem senhora entraram suave em meus ouvidos e a sensação de calma foi anulando meu nervosismo. Ao fim da palestra todos aqueles vestidos de branco (médiuns) se encaminharam para a sala ao lado, pedindo silêncio e bons pensamentos. Ao som de batuques, palmas e passos pesados eles cantavam diversas músicas, depois entendi que aquele ritual era para que as entidades pudessem chegar. Pouco a pouco, os auxiliares, chamavam as pessoas por grupos para a hora do passe coletivo. Neste momento, entrei na sala com mais quatro ou cinco pessoas e preferi ficar com os olhos fechados. Não resisti por muito tempo, claro, a curiosidade me fez espiar três ou quatro vezes o que acontecia. Eram palavras mais parecidas com orações, estalar de dedos e gestos rápidos, como se estivessem limpando qualquer coisa de ruim que pudesse ter em meu corpo. Após o passe, resolvi fazer a consulta com as entidades. Sempre imaginei que uma pessoa quando incorporada, ficava com feições torcidas, feia, voz assustadora, algo relacionado com o “capeta”, você que conhece a religião pode rir, mas quem desconhece imagina diversas coisas estranhas e de dar medo. Nada disso aconteceu, fui atendida por um Preto Velho, que com a voz baixa e palavras difíceis de entender falou dos meus bons e maus pensamentos e o que isso atraía para minha vida, de meus trejeitos e da minha família. um senhor que falou “não precisa tê medo fiá (filha) o que o Pai vai falar é prô seu bem”. Com tantos conselhos e palavras de conforto, minha vontade era de abraçar aquele senhor que nunca tinha visto! Me contive! A consulta acabou e no caminho de volta para casa, era como se meu coração não batesse dentro do peito, fui tomada por uma sensação de leveza e de paz , e eu, que escolhi a umbanda como tema de meu trabalho, tenho a certeza também de que encontrei uma religião paralela à católica para seguir.

Experiência no Centro de umbanda Maria Conga

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Foto: Maria Rezende

Todos os dias, centenas de pessoas participam dos cultos realizados na Igreja Universal do Reino de Deus

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Comunidades

Em nome de Jesus Uma rifa em promoção, de R$ 50 por R$ 10, dá boas-vindas a quem adentra o grande salão da Igreja Universal do Reino de Deus de Caxias do Sul MAYARA ZANELLA mzrosa@ucs.br

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PRISCILLA PANIZZON pbpanizzon@ucs.br

o ano de 1977, em um coreto na cidade do Rio de Janeiro, os bispos Edir Macedo e Romildo Ribeiro Soares iniciaram as primeiras reuniões da sua recém-fundada igreja. hoje, quase 40 anos depois, a Igreja universal do Reino de Deus é o maior grupo evangélico do país. Conta com 1,8 milhões de seguidores e possui mais de seis mil templos em todo o Brasil. Em Caxias do Sul, a catedral (templo principal) é um prédio enorme, com capacidade para cerca de três mil pessoas, localizado na área central da cidade. Com cultos todos os dias da semana, em horários variados e com uma finalidade definida, os membros - fiéis batizados que participam de todas as reuniões - comparecem em massa. De jovens a idosos, todos se reúnem para ouvir o pastor dar voz as suas angústias. Os fiéis enxergam a igreja como um lugar para descargo de seus problemas. Todos que a procuram estão buscando ajuda para livrar-se de algo, seja isso um vício, uma doença ou simplesmente um sentimento ruim. Para que isso aconteça, há uma estrutura montada, composta por obreiros

e pastores, responsáveis pelo atendimento espiritual. A estudante de marketing Jéssica Giacometti Borges, 21 anos, frequenta a igreja desde criança por influência de sua mãe. há sete anos, Jéssica é um dos 220 obreiros atuantes na cidade. “Nossa função é servir a Deus. Durante os cultos, podemos auxiliar na retirada do mal, somos ungidos para isso”, afirma.

“Nossa função é servir a Deus” Apesar do auxílio dos obreiros, os únicos com autonomia pra conduzir o rito são os pastores e bispos, que são a autoridade maior dentro da igreja. Jéssica explica que o trabalho realizado por eles é totalmente voluntário. “Todos recebem o suficiente para se manter”, aponta. Também há uma rotatividade entre os quase 10 mil pastores atuantes no país, que tendem a mudar de cidade frequentemente. Sem aviso prévio, o pastor escolhido para realizar o culto inicia sua oração. Impostando sua voz, com música ao fundo, faz com que todos os fiéis virem-se para o altar e o acompanhem durante a reza. Com essa introdução, começa a primeira parte do encontro, a da libertação.

Livrai-nos do mal Terminada a primeira oração, o pastor convida aqueles que se sentem incomodados por algo para se aproximarem dele. Os primeiros a serem chamados são os que são afetados por qualquer tipo de vício. Quando todos se encontram em frente ao altar, o pastor e os obreiros iniciam a oração pela libertação das almas dos viciados. Aos gritos de “sai desgraçado do inferno, em nome de Jesus”, os “encostos” são mandados embora, um por um. O ritual se repete com aqueles que já praticaram magia negra, que têm ódio no coração e que estão sofrendo com alguma doença. A psicóloga Solange Pieri, 32 anos, afirma que a igreja e o pastor, muitas vezes, substituem o papel da família na constituição do sujeito, principalmente a figura paterna.

A universal trata os males com placebo, de uma maneira quase psicológica. De acordo com Solange, os seguidores têm uma falha em sua constituição. “Numa linguagem arquitetônica, é como se fosse a falta de um pilar em um prédio, e a igreja torna-se este pilar”, explica. O ambiente para a “cura” é preparado com rigor, fazendo com que os fiéis entrem em transe durante a oração. Com os olhos cerrados e as mãos para o céu, em coro uníssono, a igreja expurga todos os distúrbios e sofrimentos, mas não sem cobrar algo em troca.

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Tributo Divino Finalizados os descarregos, todos voltam aos seus lugares e o culto se encaminha para a parte final. A universitária Prislana Bianchi, 23 anos, é uma entre os muitos fiéis que participam dos ritos. há seis meses Prislana frequenta a universal e conta que procurou a igreja por problemas com más companhias e drogas. “Sinto-me muito bem vinda à igreja, sinto realmente que aqui me encontrei”, relata. Ela frequenta as reuniões quase todos os dias. Em questão de segundos, os obreiros colocam um grande baú em cima de uma mesa que está em frente ao altar. O pastor começa, então, a discursar orientações para que cada um escreva a sua maior angústia e coloque dentro de um envelope, que será entregue depois. Os envelopes e todas as dores dos fiéis, reitera o orador, serão lançados ao abismo nos cânions do Itaimbezinho, em Cambará do Sul. Dito isso, centenas de envelopes são distribuídos

ao redor do baú, enquanto a voz que sai do alto falante avisa que uma nota de R$ 100 deve vir junto das aflições. Valores menores, como R$ 20, são menosprezados. Fica claro que quanto maior a fé, maior a oferta a Deus. um, dois, três... Dezenas de fiéis se levantam e vão até à mesa retirar o envelope que, conforme o pastor, trará a solução para o problema ali depositado. Passam-se minutos e a maioria já está com ele em mãos.

“Quanto maior a fé, maior a oferta a Deus” Para Prislana, é normal a contribuição em dinheiro à igreja, uma vez que a crença evangélica não é a única que

pede apoio financeiro. “Acho normal contribuir com 10% do meu salário para o dízimo”, destaca. Entre tantos, um fiel vestindo uma camiseta com uma imagem do Templo de Salomão volta ao seu lugar.

O baú sai de cena e entram obreiros segurando grandes sacos vermelhos. O pastor faz questão de ressaltar que os céus também aceitam cartão de crédito. Dessa vez, até moedas de R$ 1 são bem-vindas. Novamente o alvoroço, novamente centenas de fiéis se levantam e se direcionam aos operários da fé que recolhem os presentes. Para aqueles que doam, o pastor é categórico em afirmar que não vai faltar mais nada em suas vidas. Benção final, dica para candidatos às eleições deste ano e os fiéis voltam às suas casas. Para aqueles que ficam, é hora de varrer o chão e organizar o salão. Amanhã cedo tem culto de novo. Afinal, a fé não pode parar. Foto: Mayara Zanella

Após o culto, o pastor fica à disposição dos fiés que precisam de atendimento espiritual particular

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As Fases da Fé Foto: ebiuniversal.com.br

EBI O espaço da Educação Bíblica Infanto-juvenil (EBI) está presente em todos os templos da Igreja universal. O serviço é oferecido a meninos e meninas entre zero e 10 anos de idade, nos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Cerca de 40 mil educadores utilizam vídeos, leituras, brincadeiras didáticas e outras atividades para atrair a atenção e educar os pequenos para a palavra de Deus. Fazem parte do projeto a Revista do Educador e a Folhinha universal. Mais informações no site ebiuniversal.com.br.

Turminha da Fé – TF Teen Turminha da Fé é um grupo formado dentro da universal desde 2002 que se dedica aos pré-adolescentes com idade entre 11 e 14 anos. Mais de seis mil conselheiros voluntários orientam, ao redor do Brasil, os mais de 170 mil integrantes do grupo. Desenvolvem projetos como Conexão Teen, EsporTEEN, high Church Musical, Juntos Contra o Bullying, TF Teen News, TransFormados e Tribos. São realizadas atividades como dinâmicas, acampamento, partidas de vídeo game e aula de maquiagem para meninas. Os encontros acontecem duas vezes por semana. Mais informações no site tfteen.com.br.

Força Jovem Universal

Foto: Maria Rezende

O Força Jovem universal (FJu) existe desde a fundação da universal e conta com milhões de jovens em todo o Brasil. A faixa etária é dos 15 aos 30 anos. O grupo desenvolve trabalhos de prevenção às drogas e ao vazio interior, a partir dos ensinamentos de Jesus Cristo. Para isso, são desenvolvidas atividades culturais, sociais, esportivas e espirituais, tais como Projeto Arcanjo, VPR (Visão, Planejamento e Realização), uniforça e Força Jovem universitários (FJuni). Mais informações em conexaocaxias.com.br.

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Comunidades

O Budismo na

Como uma tradição oriental de 15 mil anos, criada por um príncipe hindu, ALANA BOF ambof@ucs.br

“Assim eu ouvi”... É dessa forma que começam os sutras – escrituras de ensinamentos budistas. Isso porque as mesmas palavras podem ser interpretadas de maneira diversa por pessoas diferentes. Para além das múltiplas interpretações, o fato é que, apesar de pouco conhecido no ocidente comparado a outras religiões, o budismo tem 15 mil anos de tradição. Os cerca de 84 mil ensinamentos de Buda histórico, Sidarta Gautama, já passaram pela vida de milhões de pessoas, que adotaram o budismo seja como religião, filosofia, ou mesmo estilo de vida. Nascido na Índia do século VI, o budismo encanta pela sua trajetória, que passa por palácios, riqueza, miséria, luz, escuridão e busca pela sabedoria. A paz de espírito e os exemplos de solidariedade transmitidos pelos mestres budistas atravessaram os séculos e chegaram a uma região do sul do Brasil, onde o guru Rinpoche decidiu construir um templo, no alto de uma montanha da cidade de Três Coroas. E foi também nessa região que o budismo chegou à vida de Vera Lúcia Damian e Kalinka Susin.

Nova visão de mundo

A administradora Vera Lucia Damin passou por diversas religiões antes de chegar ao budismo. Em 1996, conheceu Lama Samten, o responsável pela vinda do guru Shagdud Rinpoche para o Rio Grande do Sul. Já no primeiro contato com o budismo, ela descobriu que tinha encontrado o que passou tantos anos buscando. Nessa época, o templo de Três Coroas começou a ser construído. Mesmo morando em Caxias, Vera passou a praticar o budismo no templo, com viagens frequentes a Três Coroas. Com o passar do tempo, ajudou a fundar um grupo de práticas budistas em Caxias, nomeado Yeshe

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Melong, que hoje realiza suas reuniões quatro vezes por semana, no edifício Alvorada. “Minha vida é muito mais leve, mais feliz, hoje em dia”, comenta Vera sobre o efeito do budismo. Ela diz que aprendeu a desenvolver o amor, a bondade e a compaixão. Entre os ensinamentos, cita a importância de fazer coisas pelos outros, e não só por si mesmo. Como disse o mestre budista Shantideva, “a fonte de toda a felicidade está em querer a felicidade do outro.” Fotos: Alana Bof

Viagens e aprendizados “Quando encontro pessoas em diferentes partes do mundo, lembro-me sempre de que somos basicamente parecidos: somos todos seres humanos”. Foram essas palavras, proferidas pelo Nobel da Paz Dalai Lama, que despertaram a professora de Ioga e tradutora Kalinka Susin para o budismo. Segundo ela, essa frase é capaz de derrubar qualquer argumento que possa estimular o preconceito. Nascida em Caxias do Sul, Kalinka teve seu primeiro contato com o budismo por meio da literatura. Criada

na religião católica, ela passou a se identificar com o budismo por entender que ele promove um diálogo entre fés. O interesse cresceu, e Kalinka foi visitar o templo de Três Coroas. “Sempre senti aquele lugar como especial, uma sensação de respeito, um lugar sagrado”, relata. Coincidência ou destino, Kalinka precisou passar um mês na Índia, para concluir seu mestrado em Estudos Globais. Teve a oportunidade de conhecer Dalai Lama, foi visitar a cidade de Dharansala, sede do governo do Tibet em exílio, e lá ficou por três meses. Durante esse tempo, aprendeu tibetano e passou a receber ensinamentos budistas de um monge. Mais tarde, para desenvolver seu trabalho de mestrado, a professora foi fazer um estágio no governo do Butão, pequeno país no sul da Ásia que, ao invés de medir o desenvolvimento por índices econômicos, utiliza como parâmetro o nível de felicidade de seus habitantes. “Passei seis meses no Butão, que é um país budista. Nesse período, visitei muitos lugares sagrados, o que fortaleceu o meu laço com essa prática”, explica. Kalinka voltou ao Brasil no início de 2014. Desde então, frequenta o centro de práticas budistas de Caxias e o templo de Três Coroas. “É uma fortuna ter tão próximo daqui um lugar de práticas de uma linha de sabedoria tão antiga e genuína”. Sua meta, no entanto, é voltar a morar no Butão.

Outras escolas

Cerca de 100 anos após a morte de Sidarta Gautama, o budismo começou a se dividir em correntes. As mais conhecidas são a Vajrayana, da qual faz parte o templo de Três Coroas, a Theravada e a Mahayana. A empresária Silvia Pereira segue os ensinamentos do buda Nichiren Daishonin, da corrente Mahayana. Assim como Vera Lucia, Silvia passou por


Serra Gaúcha

chegou ao Rio Grande do Sul e transformou a vida de três mulheres caxienses diversas religiões até ser apresentada ao budismo, em 2002, por meio de um colega de trabalho. “O que mais me identifica é o ideal do Budismo de levar felicidade a todas as pessoas no momento presente e não em um futuro distante ou em qualquer céu”, justifica. Silvia frequenta as reuniões que consistem na leitura e debate do Sutra de Lotus, escritura dos ensinamentos dos últimos anos de vida do buda histórico. Além disso, ela leva os ensinamentos do budismo para o seu dia a dia.

“Somos pessoas comuns com o objetivo de alcançar a paz mundial”, ressalta. Esse sentimento altruísta parece ser o que move os budistas. Pois seja qual for a escola, no Butão ou no Brasil, nas cerimônias ou no cotidiano, a busca do budismo pela paz, sabedoria e felicidade para todos, sem exclusão, aparenta ser o que gera identificação em tantas pessoas. É isso que faz com que os ensinamentos sejam repassados por séculos. É essa postura solidária que Vera, Kalinka e Silvia transmitem. “Assim eu ouvi”.

O Templo de Três Coroas O Khadro Ling, localizado no topo da montanha da cidade de Três Coroas, é a sede do Chagdud Gonpa Brasil, organização sem fins lucrativos dedicada à prática do budismo tibetano. Lá fica o templo budista La Kang, aberto à visitação pública gratuita. Segundo o site <chagdu.org>, o Khadro Ling também abriga uma comunidade de praticantes de budismo, que lá vivem e constituem família. O local, fundado por Shagdud Rinpoche, tem hoje como diretora espiritual a viúva do guru, Chagdud Khadro.

Imagem do Buda Sidarta Gautama localizada no Templo de Três Coroas

A origem do budismo O Buda histórico nasceu na Índia no século VI a.C e recebeu o nome de Sidarta Gautama. Seu pai, Sudodana, governava o reinado dos Shakias. Sidarta foi cercado por uma vida de riquezas, dentro dos muros do palácio. Com o passar dos anos, ele pediu ao pai para sair e conhecer o mundo exterior. Apesar dos esforços do rei, nesse passeio, Sidarta se deparou pela primeira vez com a miséria humana. Nos passeios seguintes, deparou-se com um doente, um idoso e um cadáver. Determinado a encontrar o caminho da liberdade do sofrimento humano, ele abandonou a vida de príncipe aos 29 anos e passou os próximos seis seguindo mestres indianos. Sem encontrar respostas completas, partiu para um vilarejo chamado Gaia, onde passou 49 dias e noites meditando embaixo de uma árvore, até alcançar o estado iluminado e tornar-se Buda.

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Comunidades

Fotos: Diúlit Oldoni

O sagrado que aqui habita POR DIÚLIT OLDONI dboldoni@ucs.br

Você já deve ter visto um pentagrama ou ter ouvido algo sobre Wicca. Mas você sabe o que eles são e o que representam? Sabe quão forte é a conexão entre a humanidade e a natureza?

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m um dos episódios do seriado Os Simpsons, a personagem Lisa, membro mais cético da família Simpson, encontra um trio de garotas Wiccanianas em uma floresta. Interessada nesta religião, ela vai para casa e realiza uma busca na internet. Então, depara-se com o “WiccapediA”. Seu irmão, Bart, logo entra no quarto e entende o que está acontecendo, apesar de deduzir que “há algo errado” quando avista um pentagrama na página do site. No decorrer da história, vários fatos circundam a Wicca, como o vizinho Ned Flanders que flagra Lisa com uma espécie de capa e faz um comentário preconceituoso, ou como a comunidade de Springfield, que culpa o trio de wiccanianas por uma série de casos de cegueira, que na verdade era apenas um problema com água. Ficção à parte, é fato que a Wicca é um tanto desconhecida pelo público. Basta fazer o teste: pergunte a qualquer pessoa sobre a religião. A resposta é, na maioria das vezes, uma reação de estranhamento, ou algo vago relacionado à bruxaria – em tom de desaprovação ou espanto. Entretanto, assim como todas as demais religiões – porém de uma maneira singular – a Wicca tem suas divindades e cultos, e até mesmo a explicação para as questões que não podem ser respondidas.

brenatural, como costuma-se deduzir, mas sim como uma intenção de entrar em contato com o Sagrado que cada adepto tem dentro de si, e de associar-se às forças externas da natureza. Os Wiccanos costumam dividir-se em covens, que são grupos ou congregações de adeptos que praticam a Wicca a partir de dinâmicas próprias, ou de acordo com a Tradição seguida. Cada coven pode cultuar diferentes deuses – chamados de Panteões -, como os já conhecidos deuses gregos ou nórticos, por exemplo. A alteração do nome de seus praticantes é outro ponto interessante acerca da religião. A bruxa Wakanda Layuth Mahtab não é Wiccaniana, mas entende de suas práticas. Ela explica que a troca simboliza um passo fundamental para o autoconhecimento e é relacionado à energia necessária para que seu portador complete sua jornada. As celebrações da Wicca, segundo Wakanda, baseiam-se na Roda do Ano e no Calendário Lunar, que contêm oito Sabbats e 13 Esbats. Os Sabbats são festivais sazonais solares realizados ao longo do ano, enquanto os Esbats são rituais feitos em cada lua cheia e lua nova. Além destas, cada coven tem a liberdade de promover outras reuniões para honrar seus Panteões.

“Sem prejudicar ninguém, realize a sua vontade” Este é o lema da Wicca. Nela, os adeptos são livres para fazer o que desejam, desde que isso não seja prejudicial a ninguém. A Wicca é uma religião que, basicamente, honra o Planeta e à Gaia, na busca por uma conexão com a natureza. A magia se faz presente nela não de forma so-

Cinco pontas e muitas dúvidas um dos símbolos utilizados pela Wicca é o pentagrama. Todos o conhecem e grande parte das pessoas o tem como “algo do mal”, assim como no comentário de Bart Simpson à sua irmã. Entretanto, este preconceito – assim como todos os outros – provém do medo ou insegurança com o que é desconhecido. O pentagrama é uma associação ao planeta Vênus, que significa que o homem é o complemento simétrico da natureza. Suas cinco pontas representam o ar, o fogo, a terra, a água e o espírito. É por este motivo que os adeptos da religião devem levá-lo sempre consigo, já que ele representa sua relação com o reino visível e invisível dos quatro elementos da natureza. Qualquer pessoa que tenha interesse em conhecer a Wicca, certamente irá se deparar com algumas questões que não podem ser respondidas com tanta facilidade. Wakanda afirma que esta opção por omitir – temporariamente – as informações aos não-adeptos não significa que a religião possua segredos. “Penso que tanto na religião Wicca quanto na Bruxaria, existem ligações que não podem ser explicadas, não por serem segredo, mas por não ser possível descrever no mundo real e mundano o Sagrado ali existente”, esclarece a Bruxa. A Wicca é natureza e sabedoria. Espera-se que, assim como no final do episódio de Os Simpsons, a comunidade entenda que os princípios desta religião em nada se relacionam com os preconceitos existentes. Como poderia, afinal, a pureza da natureza estar ligada a um mundo de maldades?

O CAMINhO DOS DEUSES Primeiramente, para aderir à Wicca, o iniciado deve estar disposto a promover o bem e honrar a natureza. Após isso, é fundamental que ele estude e trace um caminho até os deuses. A filosofia, teologia e a liturgia são alguns dos assuntos que deverão ser explorados pelos novos wiccanos, até que eles alcancem um alto grau de conhecimento. O neó-

fito – como é chamado o iniciante – pode seguir uma carreira solitária, levando adiante seus estudos e praticando os princípios da religião, ou unir-se a um coven. De qualquer forma, é fundamental que ele não esqueça de que é parte do universo, e que isso significa, ao mesmo tempo, liberdade e amor ao próximo.

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Comunidades

Povo de Jeová

Pregando de porta em porta, testemunhas de Jeová espalham sua crença na Bíblia. No caso da proibição do livro sagrado à transfusão sanguínea, buscam-se alternativas Fotos: Ivone Montanari

Em 2014, congresso reuniu cerca de 3,5 mil pessoas em Caxias do Sul

IVONE MARIA MONTANARI serra.sulina@hotmail.com

Esse povo é uma Sociedade Cristã mundial de pessoas que dão ativamente testemunho sobre Jeová, Deus e seus propósitos para com a humanidade. Baseia suas Crenças unicamente na Bíblia. Acredita que a Bíblia inteira é inspirada pela Palavra de Deus e, em vez de aderir a uma crença baseada na tradição humana, apega-se à Bíblia como fonte para todas as suas crenças. Acredita que Jesus Cristo não é parte de uma Trindade, mas que, conforme diz a Bíblia, é o Filho de Deus, o primeiro das criações de Deus, e que sua vida humana perfeita oferecida em sacrifício torna possível a salvação com perspectiva de vida eterna para aqueles que exercem fé. Para esse povo, Cristo atua na qualidade de Rei sobre toda terra, desde 1914, detendo autoridade divinamente concedida.

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Pregando de porta em porta

As Testemunhas de Jeová seguem a Bíblia e o método ensinado por Jesus Cristo aos seus doze apóstolos, que eram designados em duplas para levar a mensagem de porta em porta e a todo lugar habitado. Esse modelo segue até os dias de hoje, os pregadores se reúnem no salão do Reino e após considerações Bíblicas saem em dupla para levar a mensagem às pessoas visitadas. Ao chegarem nas casas, levam a esperança de que o Reino de Deus é a única solução para a humanidade, que em breve destruirá o atual sistema iníquo de coisas, incluindo todos os governos humanos, e produzirá um novo sistema em que prevalecerá a justiça. Para isso, também levam as revistas, já conhecidas por muitas pessoas, Sentinela e Des-

pertais, as quais trazem temas atuais sob a ótica da Bíblia. O povo prega que o propósito original de Deus para com a terra será cumprido, e que a terra será completamente povoada por adoradores de Jeová, que poderão usufruir vida eterna em perfeição humana, além da grandiosa esperança de que os mortos serão ressuscitados para ter a oportunidade de compartilhar essas bênçãos.

Experiência nos dias atuais A irmã Ivanir Camargo nasceu numa família cristã. Aos cinco anos, viu seus pais serem batizados em 1960. Ela é batizada há 46 anos e diz não se ver de outra forma, pois seu modo de vida está dentro dos propósitos de Jeová. Para a irmã, Jeová é a criatura mais presente que tem diariamente, servir a


A presença no mundo 239 Países

7.965.954 Testemunhas de Jeová

113.823 Congregações Jeová é o melhor caminho para ela, e sua alegria foi ter criado os filhos dentro da organização. Já o irmão Gaudino Ribeiro, 82 anos, fala que em Caxias do Sul havia uma congregação, com média de 44 pessoas, que ficava em frente ao quartel militar. Segundo ele, era uma época difícil de pregar, e levavam em média três anos para completar o território designado. Ele e sua esposa se batizaram na cidade de Canela há 51 anos, e falam da alegria de servir a Jeová por todo esse tempo. Caxias do Sul atualmente tem 39 salões do Reino. Além do português, utilizam a língua de sinais, Francês, Espanhol e italiano.

Salão do Reino O Salão do Reino é a casa de adoração que as Testemunhas de Jeová usam para suas reuniões religiosas. há dezenas de milhares de Salões do Reino no mundo inteiro. Toda semana, mais de 105 mil congregações das Testemunhas de Jeová se reúnem nesses salões. O Salão do Reino possui um auditório, onde são realizados programas de estudo da Bíblia e se fazem discursos. Na maioria dos auditórios, há uma plataforma com uma tribuna, da qual as reuniões são dirigidas. O salão normalmente acomoda de 100 a 300 pessoas. Esses espaços de reunião também podem ter uma ou mais salas adicionais para instrução bíblica, um escritório e uma pequena biblioteca com publicações baseadas na Bíblia e obras de referência, que podem ser usadas por qualquer pessoa da congregação que deseja fazer alguma pesquisa. Assim, o nome Salão do Reino, que foi adotado na década de 30, descreve apropriadamente o objetivo desses edifícios: promover a verda-

Resumo do Congresso Durante os três dias de congresso, tiveram 51 discursos, preparados por 50 pessoas. uma peça teatral bíblica na sexta e outra no domingo, esta última intitulada “Não falhou nem uma única palavra”. Além disso, foram distribuídas cinco literaturas: um DVD, um folheto, duas brochuras e um livro. No final de cada dia, cada um dos presentes puderam levar um exemplar de cada para sua casa.

Experiência do irmão Oséias Ribeiro Nasceu numa família de Testemunhas de Jeová. Segundo ele, os valores morais que fora da organização são normais, resguardam muitos deira adoração e servir como centro de atividades relacionadas à pregação das “boas novas do reino”.

Não à transfusão de sangue A Bíblia proíbe a recepção sanguínea por qualquer via. Assim, esta religião defende que não se deve aceitar sangue total ou seus componentes primários, ou como alimento ou em uma transfusão. Isso é mais uma questão religiosa do que médica. Tanto o Velho como o Novo Testamento claramente ordenam a abstenção de sangue. No passado, a comunidade médica costumava encarar as opções terapêuticas a transfusões de sangue como extremistas, ou até mesmo suicidas. Mas isso tem mudado nos úl-

desapontamentos dentro do Salão do Reino, e quem adere à religião, acima de tudo, se torna uma pessoa melhor. Oséias é servo ministerial da congregação Madureira. Ele concilia seu trabalho com o serviço de Jeová, por fazer arranjos realistas, nos quais sempre coloca em primeiro lugar os interesses do Criador - Jeová. No final da tarde de domingo, o irmão Fabiano Fernandes, representante de Betel (sede das Testemunhas de Jeová no Brasil), encerrou com o discurso “Nunca fique ansioso, continue a buscar primeiro o Reino de Deus”. Comunicou a todos os presentes a aquisição de uma rotativa moderna e para transportá-la serão necessários 40 containers. Segundo Fabiano, os operadores dessa rotativa foram fazer curso no exterior para poder operá-la. timos anos. Por exemplo, em 2004, um artigo publicado em uma revista médica declarou que “muitas técnicas desenvolvidas para pacientes Testemunhas de Jeová em breve se tornarão procedimentos-padrão”. um artigo na revista heart, Lung and Circulation disse em 2010 que “a cirurgia sem sangue não deveria se limitar apenas às Testemunhas de Jeová, mas fazer parte integral da prática cirúrgica básica”. Milhares de médicos em todo o mundo usam técnicas de conservação de sangue para realizar cirurgias complexas sem transfusão. Essas opções terapêuticas são usadas até mesmo em países em desenvolvimento e são solicitadas por muitos pacientes que não são adeptos dessa religião. Saiba mais: jw.org

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Comunidades

Gaúcho sem Deus Depoimentos de não religiosos que nasceram e cresceram no contexto católico de Caxias do Sul e região, e que ecoam vozes crescentes em respeito à toda crença ou à descrença

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egundo uma pesquisa publicada na revista Mundo Estranho no começo do ano, o Brasil é o quarto no ranking dos países com maiores índices de crença religiosa, com 137 milhões de fiéis (73% da população) só ficando atrás do México, com 96 milhões (76%); das Filipinas, 80 milhões (75%) e da Itália, 53 milhões (90%). Ainda assim, a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) conta mais de 13 mil associados. Já em 2011, em entrevista ao site Sul21, o então presidente da ATEA, Daniel Sottomaior, afirmou que, dadas as proporções, o Rio Grande do Sul tinha quase o dobro de associados se equivalesse no tamanho populacional ao estado com maior número de membros: São Paulo. Os números continuam crescendo. Dada a predominante tradição católica no Rio Grande do Sul, como explicar o aumento da não religiosidade mesmo nessa região?

Estrada longínqua Para o redator publicitário Rafael Rodrigues, caxiense formado em Filosofia e ateísta assumido, o crescimento e a visibilidade da descrença é extensão de um fenômeno global.

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LuCAS BORBA lborba1618@hotmail.com

Rodrigues aponta que, ao seu ver, sempre houve um número considerável de ateus, mas o cenário social, segundo ele, não permitia a declaração desse posicionamento: “acho que um dos fatores para o crescente surgimento do ateu é a possibilidade que ele tem de sair do armário”, explica o redator. Rodrigues também observa a presença de outros fatores, como o impacto cultural de um mundo globalizado, a democratização do conhecimento científico e o acesso a outros universos de significação: acredito ser importante comentar que antes do mundo globalizado não existia a tendência de se questionar bases religiosas dadas como absolutas, mas com o impacto cultural da globalização temos outras crenças religiosas sendo jogadas na nossa cara o tempo inteiro”, diz ele. Em termos de criação, o redator conta que sua família sempre foi bastante variada no que diz respeito à religião, de evangélico a espírita, passando por religiões de matriz africana, além de apresentar sincretismos como astrologia e numerologia. Apesar do cenário familiar, Rodrigues acredita que nunca foi um real crente em Deus: “Quando você é criança, dá como certo aquilo que seus pais são e fazem. Ou seja, pra mim Deus existia

porque meus pais diziam que existia, mas em minha adolescência passei a questionar muita coisa sobre minhas tradições, e isso incluiu também a questão religiosa”. O filósofo afirma ter se declarado ateu com o advento das redes sociais virtuais: “percebi que as pessoas religiosas, que são a esmagadora maioria, costumavam ser bastante injustas com ateus, inclusive Foto Arquivo pessoal

Rafael Rodrigues


os que poderiam ser considerados religiosos moderados”, relata o redator, que, nos poucos lugares pelo Brasil que diz ter visitado, viu essa realidade como uma constante. “As pessoas reagem diferente quando sabem que você é ateu”, declara ele. Quanto à visão de sua cidade natal acerca do ateísmo, Rodrigues sustenta que só poderá dizer que Caxias está mais aberta a esse posicionamento, bem como aos agnósticos, quando houver um político ou um grande formador de opinião da mídia declaradamente adepto desse meio: “essa é uma estrada que o país inteiro ainda está um tanto longe de trilhar”, complementa.

A convivência Casos de discriminação na região a quem não tem uma crença religiosa também não passam despercebidos ao ateu Vagner Barreto, estudante de Jornalismo da uCS, natural de Cachoeira do Sul. Embora o preconceito ao ateísmo não seja algo recorrente em sua vida, Barreto afirma conhecer histórias de pessoas recriminadas no trabalho, na universidade ou na escola. O estudante recorda um caso recente, de um menino que proces-

sou certa escola por sofrer represália de professores devido à sua recusa em rezar o Pai Nosso antes das aulas: “o incidente veio à tona numa escola pública, que, em tese, deveria ser laica”, observa Barreto. Residente em Caxias, ele reflete que a cidade possui diversas escolas que pertencem a ordens religiosas: “acredito que ser ateu em uma instituição assim deve ser bem complexo”, comenta. Em caráter pessoal, Barreto lembra de casos como jantares familiares de Natal ou Ano Novo, quando, com uma maior junção de pessoas, surgiram situações constrangedoras: “eu não rezo. Respeito. Fico em silêncio. Mas não rezo. Já senti alguns olhares recriminatórios de primos, religiosos fervorosos. Mas não vou fazer algo que me agride para que eles se sintam bem”, declara. O estudante explica que convive com pessoas que pensam de forma semelhante, que são ateus ou que não discutem ou se preocupem com isso. Segundo Barreto, sua família não é do tipo que frequenta igrejas: “nossa mãe nos batizou na Igreja Católica, por ser algo bem comum entre as famílias. E fiz comunhão”, resgata.

O jovem acrescenta que alguns dos seus irmãos são espíritas, e que ele, como acredita ser o caso de muitos outros, foi levado a benzedeiras e “coisas parecidas” durante a infância: “somos um país com bastante sincretismo religioso”, observa. Segundo o estudante, sua família respeita muito as mais diversas práticas religiosas e nunca houve manifestações de preconceito em sua casa. “Tenho uma tia que é católica, vai em missas, participa de novenas e almoços na igreja, enfim, vive a religião de forma muito intensa. Do lado da casa dela, tem um terreiro. Ela convive e se relaciona de um modo muito amigável com os vizinhos. Isso resume bastante a forma como encaramos a religião na minha casa”, exemplifica Barreto. Quanto a assumir sua posição ateísta, o jovem diz que o fez na pré-adolescência. O estudante depõe que, após fazer a primeira comunhão, começou a questionar o catolicismo até abandoná-lo de vez ao constatar que a religião, para ele, não fazia sentido. “Respeito muito a religiosidade, que me parece algo bem importante para algumas pessoas, mas nunca foi essencial na minha formação”, esclarece. Foto Franciele Lorezentt

Professora de Filosofia Fátima Martinato diz que, em nível local, ainda existe certo preconceito com relação ao ateísmo

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Choque cultural Barreto já era ateísta assumido antes de se mudar para Caxias aos dezessete anos, após prestar o vestibular. hoje com vinte e três anos, percebe uma grande diferença na receptividade de Caxias ao ateísmo em relação à sua cidade natal. Em Cachoeira, segundo ele, a religião não era algo muito importante no seu ponto de vista, salvo alguns casos. A maioria dos seus amigos, afirma o estudante, mesmo que não se considerassem ateus não tinham envolvimento direto com nenhuma religião: “alguns iam em missas, cultos e etc. esporadicamente, mas no geral não era algo presente no dia-a-dia”, explica. Em Caxias, entretanto, o jovem aponta que quase todos os eventos envolvem religião em algum nível: “ainda me surpreendo como Deus é citado em eventos ligados ao poder público”, repara Barreto. O estudante também declara que, na universidade, chama a sua atenção algumas discussões pontuadas pela religiosidade ou crenças, algo que o ateu diz nunca ter presenciado antes de vir para a cidade: “de vez em quando ocorrem conflitos, já me retirei de uma aula na universidade onde a professora falava sobre Deus, pois não creio que seja apropriado e comentei com essa professora como me sinto incomodado quando o tema é levantado”, protesta

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o jovem. Outro exemplo apresentado por Barreto diz respeito a almoços de colônia, nos quais observa que as pessoas rezam antes de comer: “Não lembro de ter rezado antes de almoçar em nenhum evento comemorativo antes de morar em Caxias”, relata. O estudante ainda lembra que, logo ao chegar na cidade, foi a uma apresentação da Orquestra Sinfônica da PuC, na Igreja dos Capuchinhos, e viu uma lista enorme de futuros casamentos. Visão que, para ele, foi assustadora, um choque cultural: “depois comentei com algumas pessoas daqui e me falaram que era algo comum”, acrescenta o ateu. Também para a ateia e professora de Filosofia da uCS por mais de vinte anos, Fátima Martinato, em nível local ainda existe um certo preconceito em relação ao ateísmo. “É verdade que o preconceito ao ateu diminuiu, embora não de todo, e o número de ateístas vem crescendo segundo as pesquisas, mas alguns religiosos ainda desconfiam do caráter de alguém que se declare ateu”, argumenta Fátima. No que tange ao contínuo aumento do número de ateístas aos olhos do público, a filósofa atribui o fenômeno à redução do preconceito, ao ritmo cada vez mais corrido da realidade contemporânea. “Com a vida tão apressada, as pessoas têm menos tempo para se deter em questões existenciais”, defende a docente.

No que tange ao contínuo aumento do número de ateístas aos olhos do público, a filósofa Fátima Martinato atribui o fenômeno, à redução do preconceito, ao ritmo cada vez mais corrido da realidade contemporânea. “Com a vida tão apressada, as pessoas têm menos tempo para se deter em questões existenciais”, comenta.


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