Reintegracionismo lingüístico: üí üístico: identidade e futuro para o galego
Há quanto que o movimento em def defesa dos direitos colectivos galegos reivindica um único espaço lingüístico galegoportuguês, de maneira semelhante a como funciona toda a diversidade das falas hispánicas, francófonas ou anglófonas? É o caso da Galiza e o seu conflito normativo único ou será que há mais casos na Europa e no mundo em que se confrontem visons isolacionistas face às reintegracionistas? É compatível a defesa da unidade da língua com a construçom de umha Naçom Galega soberana ou implica simplesmente adoptarmos a maneira como falam em Lisboa? Como poderiam as ideias reintegracionistas influir numha reorientaçom das políticas lingüísticas efectiva para a normalizaçom plena do nosso idioma? Qual é e qual deveria ser o papel da intelectualidade galega no conflito lingüístico? As páginas que se seguem querem contribuir para a formaçom dos leitores e leitoras da Voz Própria num aspecto de importáncia estratégica na consolidaçom de um sistema cultural e lingüístico que consolide a identidade e garanta o futuro da Galiza.
Nelas, dá-se resposta às perguntas anteriores e a outras muitas, combatese a desinformaçom e contestam-se os mitos difundidos polo oficialismo em relaçom à velha reivindicaçom galega de recuperarmos o idioma com o olhar posto no seu ámbito próprio: o dos países que em quatro continentes dérom ao galego carácter verdadeiramente oficial, convertendo-o num dos mais falados da Europa e do mundo. Começamos por oferecer umha visom histórica da presença das ideias reintegracionistas na história, que remonta, nas primeiras expressons conservadas, ao século XVIII, e acompanha o madurecimento das ideias da emancipaçom nacional galega até os nossos dias. A seguir, Valentim Rodrigues Fagim, autor do diferentes ensaios sociolingüísticos, explica diferentes contextos de conflito lingüístico no mundo, em que se tem verificado um debate como o que representa o do reintegracionismo e o isolacionismo na Galiza actual. Um artigo muito esclarecedor para percebermos que o conflito normativo nom é a nossa patologia exclusiva e tem soluçom. Além da definiçom das suas razons e
objectivos, o projecto normalizador precisa de fazer frente aos ataques feitos a partir de concepçons institucionais reducionistas quanto às aspiraçons da nossa naçom no ámbito cultural e lingüístico. É isso que se fai no texto que explica ‘o que nom é o reintegracionismo’. O artigo assinado por Maurício Castro apresenta algumhas propostas que, rompendo “a curta visom dos políticos e os normalizadores oficiais”, serviriam para reorientar de maneira significativa a política lingüística numha perspectiva ampla que abrisse novas perspectivas em lugar de continuarmos a teimar nas mesmas estratégias que já mostrárom o seu fracasso nas últimas décadas. Umha ampla entrevista com o escritor e director da revista Agália, Carlos Quiroga, completa este dossier, analisando aspectos de fundo referentes ao papel da intelectualidade na Galiza actual, a funçom do ensino em relaçom à normalizaçom lingüística e as alternativas para um campo literário galego que deve olhar para o espaço lusófono e contribuir para madurecer um sistema cultural independente do hoje promovido e subsidiado polas instituiçons espanholas e autonómicas.
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
anáre-
1726-2007: Quase 300 anos de pensamento –e acçom– reintegracionista Vendo a posiçom actual das instituiçons lingüísticas e até políticas na Galiza, podia dar para pensar que o reintegracionismo seja umha ocorrência recente do independentismo por contraste à proposta oficial, visto que é a esquerda independentista a mais firme defensora da unidade da língua no ámbito político. A realidade é que, até a década de 70 do passado século, a visom unitarista do galego-português como grande sistema lingüístico era hegemónica entre o que costuma chamar-se “galeguismo” ou nacionalismo galego, e assim tinha sido já desde os seus primórdios.
mos como movimento normalizador e de emancipaçom nacional.
remos aqui brevemente a causa mais verosímil desta identidade…”
Pré-história da defesa da língua: século XVIII
O reintegracionismo no século XIX
Os primeiros vultos intelectuais galegos preocupados com o estado de prostraçom do galego detectam e formulam já a identidade galego-portuguesa. É o caso dos padres Bento Jerónimo Feijó (Ourense, 1676-1764) e Martinho Sarmento (Vila Franca, 1695-1772), de umha perspectiva ilustrada contrária à assimilaçom lingüística já em curso na altura.
O que hoje alguns chamam despectivamente “lusismo”, e que na verdade representa a defesa da unidade lingüística galego-portuguesa e de umha orientaçom cultural da Galiza mais virada para sul do que para leste, é umha constante ininterrupta desde os primeiros referentes documentais que conservamos, pertencentes aos fins dos chamados Séculos Obscuros, como vamos mostrar nas próximas páginas.
No caso de Sarmento, reconhecido pola sua grande formaçom enciclopédica, detectamos umha firme defesa da dignidade lingüística da Galiza, reclamando a sua introduçom no ensino e o recurso aos livros portugueses para preencher as carências da variante galega, reduzida a fala popular ágrafa naqueles anos.
Na segunda metade do século XIX e primeiros anos do século XX, a ideia expressa da unidade ou, no mínimo, a vontade de recuperar a escrita histórico-etimológica está presente em grandes autores como o prosista Joám Manuel Pintos (Ponte Vedra, 1811-1876); o historiador Manuel Murguia, primeiro presidente da Real Academia Galega (RAG); o poeta Eduardo Pondal (Pontecesso, 1.8351.917); o ensaísta e também poeta Francisco Tettamancy (Corunha, 1854-1921); o cronista e presidente da RAG Martins Salazar (Astorga, 1846-1923), o poeta e gramático estradense Marcial Valadares (18251903) ou o polígrafo António de la Iglésia (Compostela, 1822-1892), primeiro a divulgar a literatura medieval galega com as nossas verdadeiras grafias patrimoniais (El idioma gallego, su antigüedad y vida, 1886). Todos eles defendem a identidade lingüística galego-portuguesa, tal como acontece em ambientes intelectuais da outra margem do rio Minho, onde os mais sobranceiros vultos da época, como Teófilo Braga, Alexandre Herculano ou José Leite de Vasconcelos, som entusiastas estudiosos e defensores do património cultural e lingüístico comum.
A nossa intençom é passar em revista as principais etapas e vultos do nacionalismo galego que remonta, nas suas primeiras expressons culturais, à publicaçom, em 1726, de umha afirmaçom da unidade lingüística galego-portuguesa por parte do padre Feijó, e que dam conta da presença do pensamento reintegracionista como elemento substancial das reivindicaçons lingüísticas na Galiza dos últimos séculos. Nom tanto porque dependamos da legitimidade histórica ou das auctoritas da nossa tradiçom, como porque achamos importante esclarecer as origens e a trajectória de aquilo que so-
Quanto a Feijó, seguidor do erudito berziano, chega a afirmar, como nos lembra Castelao no Sempre em Galiza, que “a língua galega nom é distinta da portuguesa, por serem pouquíssimas as vozes em que discrepam”. Lembremos o corolário desse argumentário, incluído no Discurso XV do Tomo I do Teatro Crítico Universal (1726) do padre Feijó: “Que a língua lusitana ou galega deve-se ter como dialecto separado da latina e nom como subdialecto ou corrupçom da castelhana, prova-se claramente com o maior parentesco que guarda aquela, que esta, com a latina (...) havendo dito que o idioma português e o galego som um mesmo, para confirmaçom da nossa proposiçom, e para satsifazer a curiosidade dos que se interessem na verdade dela, expo-
DOSSIER CENTRAL
As correntes federalista e ‘regionalista’ galegas, nomeadamente o grupo liberal progressista da Corunha, protagonizam os incipientes relacionamentos galego-portugueses ao longo dessa etapa, enfrentando a oposiçom de alguns sectores intelectuais espa-
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nholistas, entre os quais destacou Emilia Pardo Bazán, que consideram umha ameaça o despertar da consciência nacional galega; mas também as tendências particularistas e foneticistas, desconhecedoras primeiro e contrárias depois à recuperaçom da escrita tradicional ((Aureliano Ribalta, Lamas Carvajal ou Pérez Ballesteros, entre outros).
Ma
Esp Mur púb que que de P Mur com língu polo nos dize sob pro
Comparem-se as ideias do primeiro presidente que integra a mesma instituiçom. O que se seg pola RAG O cancioneiro popular da Galiza, guar
“O galego e o português, dixem para mim, s portuguesa? Se nos foi comum noutros tempo
Apenas um total esquecimento, entre nós, da l que escrevêrom e escrevem o galego; atenden e enfim mermando os restantes sem siso incon por fim as bases de umha ortografia com a qu naquela parte a que pode sem perigo ser assim
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
Identidade lingüística no nacionalismo anterior a 1936 É necessário começarmos por lembrar que sectores sociais tivérom um compromisso mais claro com a língua da Galiza durante o primeiro terço do século passado. Se na segunda metade do século XIX tinham sido sobretodo círculos ilustrados das classes médias, maioritariamente progressistas ou liberal-progressistas, no novo século mantém-se essa composiçom, com duas tendências ideológicas: a neotradicionalista ou conservadora, e a republicana democrática e progressista, incluindo todo o espectro da esquerda do momento, mas com reduzida introduçom nas organizaçons operárias.
De facto, chega com darmos umha vista de olhos às publicaçons da imprensa obreira da Galiza até 1936 (escritas em espanhol na sua prática totalidade) para comprovarmos as posiçons refractárias de todas elas com a causa nacional galega. Existem, sim, pequenos sectores ou individualidades relevantes em partidos como o PCE ou o PSOE, defensores do idioma e dos direitos nacionais galegos. No entanto, o peso das reivindicaçons e as iniciativas de construçom nacional correspondem a organismos como as Irmandades da Fala ou, depois, o Partido Galeguista, de carácter abertamente nacionalista e interclassista, o que também pode ajudar a explicar as suas limitaçons quanto a objectivos estratégicos soberanistas. Se o próprio PG inclui no seu programa inicial umha novidosa atençom à classe operária, nom faltam, no seu seio e nas redondezas, correntes nacionalistas e abertamente socialistas e/ou de extracçom operária, com dirigentes como Joám Jesus Gonçales (Cúntis, 1895-1936), Ramom Soares Picalho (Sada, 1894-1964), Joám Vicente Biqueira (Madrid, 1886-1924) ou
anuel Murguia (Arteijo, 1833-1923)
pecial valor simbólico atinge o facto de o primeiro presidente da Academia Galega, Manuel rguia, reivindicar claramente a identidade lingüística. Assim, no acto de apresentaçom blica do entom novo organismo académico, Murguia leu um discurso em que reivindicava e “o primeiro a nossa língua” (…) “língua que falou este povo durante mais de dez séculos, e é a que falam e entendem cerca de três milhons de galegos, dezoito milhons de habitantes Portugal e dos seus domínios, doze do Brasil”. Nom era umha novidade no caso de rguia, que anos antes, nos Jogos Florais de Tui, em 1891, já tinha definido o nosso idioma mo “o formoso, o nobre idioma que do outro lado desse rio [em referência ao Minho] é ua oficial que serve a mais de vinte mihons de homens e tem umha literatura representada os nomes gloriosos de Camões e Vieira, de Garrett e de Herculano; o galego, enfim, que dá direito à inteira posse da terra em que fomos nados”, e acrescentava que “podemos er com verdade que nunca, nunca, nunca pagaremos aos nossos irmaos de Portugal (…) bretodo que tenham feito do nossso galego um idioma nacional. Mais afortunado que o ovençal –encerrado na sua comarca própria– nom morrerá”.
e da Academia Galega, já no século XIX, com as que hoje conformam o grupo isolacionista gue é um fragmento do prólogo escrito por Murguia para a obra nunca editada até hoje rdado nos arquivos da Academia:
som um mesmo na origem, gramática e vocabulário. Porque nom aceitar a ortografia os, porque nom pode vir a ser novamente?
língua irmá, pudo fazer com que se atingissem e prevalecessem a especial confusom com ndo uns, como é justo, à origem das vozes, atendendo outros ao que dá de si a fonética, nsciente ambos sistemas. Para evitar tam grave inconveniente, e sobretodo para colocar ual podamos e devamos conformar-nos, resolvim para já seguir a portuguesa, modificada milada com a que usamos”.
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Ricardo Carvalho Calero (Ferrol, 1910-1990), entre outros. Nom podemos deixar de referir exemplos como o do ex-presidente da Cámara de Ferrol polo PSOE, Jaime Quintanilha (Corunha, 1898-1936), grande animador da vida cultural em galego nessa cidade, companheiro do núcleo galeguista na comarca e finalmente assassinado e desaparecido polos fascistas. Tampouco o de Benigno Álvares (Maceda, 19001937), dirigente do PCE galego comprometido com o idioma ao ponto de exigir um intérprete no IV Congresso desse partido, decorrido em 1932 em Sevilha, conseguindo que um camarada do Partido Comunista Português exerça a interpretaçom das suas alocuçons ao Congresso. Nom se esqueça, enfim, que foi a partir de exmilitantes comunistas do PCE como Luís Souto (Bola, 1902-1982) que se formou a primeira organizaçom política marxista galega na etapa final da ditadura: a UPG. Mas, voltando aos inícios do movimento organizado em torno da reivindicaçom lingüística nos primeiros anos do século XX, as Irmandades da Fala, organismos unitários em defesa da língua, surgem progressivamente a partir de 1916 em diferentes cidades e vilas da Galiza. Suponhem a primeira organizaçom com vocaçom nacional e progressivamente politizada, que considera os direitos lingüísticos como centrais na actividade e no programa galeguista e que fomentam umha prática coerentemente monolíngüe para todos os ámbitos da escrita e a oralidade social. De facto, o célebre Manifesto de Lugo apareceu publicado exclusivamente em galego, em 1918, afirmando a identidade nacionalista dos seus promotores e a cooficialidade lingüística face à história marginalizaçom sofrida polo galego. Com diferentes graus, a importáncia da identificaçom galego-portuguesa está presente como referência gramatical e ideológica nessa geraçom, embora existam também visons mais viradas para o particularismo e o enxebrismo na necessária padronizaçom pendente. Destacados activistas como o fundador Antom Vilar Ponte, o pedagogo Joám Vicente Biqueira ou o próprio Afonso Daniel Rodrigues Castelao representam essa maioritária tendência que defende a unidade lingüística, se bem a opçom gráfica continua a ser adiada pola falta de condiçons para
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a unificaçom ortográfica efectiva, incluindo as dificuldades colocadas pola falta de fixaçom da ortografia utilizada a sul do Minho nessa altura e pola inexistência de um ensino galego digno de tal nome. O Partido Galeguista inclui desde o início, na sua chamada “Declaraçom de Princípios” de 1932, o idioma como um dos traços essenciais da nacionalidade, reafirmado em textos posteriores como o enviado ao Congresso das Nacionalidades Europeias de Berna, em 1933, em que se risca abertamente o espanhol de “idioma imposto na Galiza”. Também no “Programa de Acçom para os Grupos Galeguistas”, aprovado na II Assambleia do PG, em 1933, há um forte apelo ao uso “inexorável” do galego na actuaçom colectiva. Teóricos como Ramom Vilar Ponte (Viveiro, 1890-1953), autodefinido como “singelamente e francamente arredista”, nom duvidam na hora de reivindicar o cultivo “premeditado e político” do idioma do País. No entanto, boa parte da dirigência nacionalista naquela altura nom mantinha, no uso particular, umha coerência monolíngüe, com excepçom de teóricos e intelectuais como o já referido Ramom Vilar Ponte e outros como Ramom Outeiro Pedralho (Ourense, 1888-1976) ou o jovem Francisco Fernández del Riego (Vila Nova de Lourençá, 1913).
A Nosa Terra e Nós A Nosa Terra, publicaçom periódica editada polas Irmandades da Fala desde 1916, tem no idioma a principal preocupaçom, nomeadamente nos seus primeiros três anos. Dentre os diferentes aspectos objecto de preocupaçom e análise, encontra-se de maneira recorrente a importáncia de Portugal e do português para umha reorientaçom do galego falado a norte do Minho. É significativo neste senso o artigo publicado no número 5 (1916), sob o título, aparentemente inócuo de “Galicia tivo unha semana de ‘pasion’. Como cando nenos, xoguemos coa neve”, em que o autor brinca com as conseqüências diferentes, em funçom das fronteiras físicas existentes com a primeira e nom com a segunda, de umha nevarada, para a comunicaçom com Espanha e com Portugal. fai-se um jogo narrativo sobre a dependência em relaçom a Espanha e a falta de
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consideraçom para os que denomina “os irmaos vizinhos de língua, como som os portugueses”: “Levamos nove jornadas, absolutamente incomunicados com toda Espanha os galegos. Em troca, a comunicaçom com Portugal estivo franca, livre. De facto, pois, mais de umha semana ––valente moinhada!– por obra dos governos do centralismo, a Galiza foi independente, relacionandose só com a República portuguesa, como se, por um milagre, as teorias nacionalistas do Dr. Horta, se tivessem imposto.” É verdade também que já no primeiro número (1916) podemos ler um
tais críticas, já que todos eles fam parte de qualquer dos padrons em uso na Galiza actual. Frente ao recurso ao português, o autor do referido artigo defende abertamente a incorporaçom de formas espanholas e reclama, face às veleidades reintegracionistas, que “amemos as outras regions espanholas, para que nos amem”. Em muitos números da publicaçom galeguista há referências à comunidade internacional de falantes do nosso idioma (literalmente “30 milhons de almas”), junto aos apelos à necessária colaboraçom apertada com Portugal. Autores cataláns participam das mesmas convicçons. O nacionalista de esquerda Gabriel Alomar escreve no número 18 (1917) um artigo intitulado “Verbas dos mestres” em que reivindica umha confederaçom ibérica com base nas três grandes “psicologias colectivas”: a catalá, a castelhana e a
identificando o português de aqueles anos como um galego “modernizado e purificado”. Joám Vicente Biqueira assina outros artigos de orientaçom reintegracionista nesse mesmo ano. O primeiro deles reivindica já o exemplo flamengo, e narra como essa naçom sem Estado da Bélgica unificou a sua escrita com a do irmao gémeo holandês, recomendando também no nosso caso o estudo dos clássicos portugueses. Reclama explicitamente a ortografia “hoje válida em Portugal, somente com aquelas modificaçons (bem pequenas por certo!) que exigem as diferenças da língua. Este caminho já foi seguido polos flamigantes na Bélgica, que houvérom de tomar a ortografia holandesa, o que lhes aumentou de maneira considerável os leitores. Fagamo-lo pois!”. Som numerosos os exemplos semelhantes de Biqueira na publicaçom das Irmandades, sempre com grande clareza e firmeza na defesa da unidade ortográfica.
se páginas editoriais (sem assinar, portanto) a criticar o desprezo existente em muitos galegos em relaçom a Portugal, mostrando “a imbecilidade, a nojenta parveiria de sem-fim de galegos valeiros de espírito, nados para escravos, que nem sequer se decatárom da argola vergonhosa com que umha raça estranha apreixa os seus pescoços”, concluindo a contundente reflexom com a afirmaçom de que “vos rides de vós mesmos” (ANT nº 51, 1918). Também a como é desprezado o conhecimento do português, definido como “galego nacionalizado” em concursos públicos face ao conhecimento de outras línguas como o francês, o inglês e o alemám (ANT nº 56, 1918). Em anos posteriores, alguns dos autores referidos e outros como Vicente Risco, Antom Vilar Ponte, Evaristo Correa Calderón ou Florêncio Vaamonde defendem as teses histórico-etimológicas face à tendência foneticista de outros como Aurélio Ribalta e Xosé Palazios, ou
Seminário de Estudos Galegos
artigo crítico com o recurso ao português para preencher lacunas do galego, “como fam muitos” (um artigo intitulado “Orientaciós” e assinado por Jose Iglesias Roura). Mas chega com darmos umha vista de olhos aos vocábulos que rejeita, por serem portugueses (‘século’, ‘dúvida’, ‘vontade’ e ‘empregar’) para detectarmos o pequeno alcance de
galego-portuguesa, “cada um com a sua língua característica”, o que dá ideia da estendida concepçom unitarista em relaçom ao português, em termos semelhantes a identidade entre catalám e valenciano. Ribera i Rovira, no número 54, publica um fragmento do seu livro Iberíssima sobre o mesmo tema,
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O economista Bartolomé Calderón defende também a identidade lingüística como base para estreitar ligaçons entre a Galiza e Portugal, com a arela iberista como pano de fundo, ou reivindica o idioma como instrumento de progresso económico da Galiza (ANT nº 30 e 35, 1917). Em números posteriores dedicam-
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frente aos defensores de um certo “liberalismo ortográfico”, como A. Santos Vila. Outras iniciativas mostram o especial interesse que Portugal tinha para esta geraçom e o relacionamento fluido existente com a intelectualidade portuguesa. Podemos referir como exemplo a proposta de realizaçom
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego Irmás”, dedicada a divulgar a literatura portuguesa, com obras de Teixeira de Pascoaes e Alberto Correa Oliveira, entre outros.
conjunta de uns Jogos Florais galego-portugueses no Porto e em Lisboa, por iniciativa de “um grupo de intelectuais portugueses”, segundo informa Alfredo Pedro Guisado no número 140 de A Nosa Terra (1921). O mesmo debate reproduz-se na revista Nós, a partir do seu nascimento, em 1920, junto a textos da autoria da maior parte dos vultos anteriores, escritos com maior ou menor tendência etimologistareintegracionista. Podemos acrescentar outros nomes célebres que assinam artigos dessa tendência ortográfica em Nós: Fernando Branco Torres, Luís Cortón do Arroyo, Jaime Quintanilha, etc.
Terra Também a efémera revista publicada pola Irmandade Nacionalista Galega, chamada Terra e dirigida por Ramiro Ilha Couto (com cinco números publicados em 1923 em Buenos Aires) inclui textos de orientaçom histórico-etimológica (assinados por autores como Vitoriano Taibo) e umha secçom denominada “Letras
A Fouce Mas é a corrente arredista ou independentista que assume as mais firmes posiçons teóricas em prol da unidade da língua, como se comprova na leitura de A Fouce, órgao de expressom da Sociedade Nacionalista Pondal, de Buenos Aires, publicado entre 1926 e 1936. Em Junho de 26, as suas páginas recolhem os novos princípios ideológicos da ING de Buenos Aires, baseados no programa da Assembleia de Lugo de 1918, avançando em direcçom a reivindicaçons como a “independência” em lugar da “autonomia” e a “oficialidade” do galego em lugar da “cooficialidade”. Decorrêrom cinco anos desde o surgimento do primeiro núcleo explicitamente arredista na capital de Cuba (o Comité Revolucionário Arredista Galego de Fuco Gomes, em 1921), iniciativa superada amplamente em capacidade e actividade pola da capital argentina. Relacionado com grupos nacionalistas bascos ((Acçom Nacionalista Basca, ANB), cataláns (Comité Llibertat), croatas e ucranianos em Buenos Aires, a Sociedade Nacionalista Pondal promoverá, além dos grandes
princípios, reivindicaçons tam actuais como “inçar as nossas bibliotecas públicas e privadas de livros escritos na língua de Camões e do rei Dinis, e nom cair na ridiculeza de comprar livros de autores lusitanos em espanhol” (Bieito Fernandes, A Fouce nº 74, 1934), como forma de ir independizando o nosso povo “do bárbaro e desumano espírito espanhol, que todo galego que nom seja um desleigado ou um miserável deve odiar e combater” (ibidem), convertem a publicaçom em pioneira da consciência independentista mais explícita, incluindo textos editoriais e de autor na ortografia patrimonial. Críticas a supostas traduçons de clássicos portugueses para galego, “que se nom fosse cousa de tomar a sério, fariam-nos rir à gargalhada, polo que em si representam” ((A Fouce nº 87, 1936), e a difusom da literatura medieval com a nossa ortografia histórica ((A Fouce nº 23, 1930; nº 37, 1931) eram conteúdos bem explícitos da linha da publicaçom galega editada na Argentina. Porém, se ainda ficar algumha dúvida, Moisés da Presa assina no número 48 da mesma publicaçom independentista (1932) um artigo intitulado “Os idiomas galego e castelan” em que se combate a suposta superioridade demográfica do espanhol face à também suposta “falta de universalidade do galego”. O artigo contrapom os dous espaços lingüísticos somando o número de
falantes dos países hispanófonos e dos lusófonos, incluindo a Galiza nestes últimos junto ao Brasil, Portugal, Ilhas Açores, Madeira, Colónias de África, da Ásia e a Oceánia (sic). O artigo conclui afirmando a universalidade do nosso idioma, porque “o galego, ou galaico-português, que vem sendo a mesma cousa, é um dos idiomas mais falados hoje no mundo e de maior porvir”. No mesmo argumento insiste umha “Nota da Redacçom” no número 54, também de 1932 (“60 milhons de pessoas falam o idioma português”), como argumento para combater a ideia de que “a Galiza nom pode valerse sem o idioma que nos impugérom os nossos opressores”, demonstrando assim que “o nosso, o galego, é tanto ou mais importante em extensom que o castelhano”. Nem sequer faltam, na publicaçom da SNP, temas tam de actualidade como a integridade territorial da Galiza. É o caso do artigo, escrito em ortofrafia reintegrada, “Justa anexion” ((A Fouce nº 37, 1931), assinado por Antón Carvajal A. de Toledo, sobre o que considera a necessária reincorporaçom do Berzo à Galiza. Autores como Antom Vidal e, sobretodo, Ricardo Flores, defendem nas suas páginas a unidade lingüística e criticam a pouca audácia do sector maioritário do nacionalismo da época. Som também reproduzidos artigos de Joám Vicente Biqueira na nossa ortografia.
Antom Vilar Ponte (Viveiro, 1881-1936) Principal promotor das Irmandades da Fala, o viveirense Antom Vilar Ponte é um firme defensor da unidade lingüística galego-portuguesa, chegando a perguntar literalmente: “Ou é que ainda há quem, possuindo algumha cultura, pense que o nosso idioma vernáculo e o idioma de Portugal nom som todo um e o mesmo, com indêntica sintaxe e idêntico léxico, salvo pequenas diferenças de morfologia, ortográficas e prosódicas, tam fáceis de superar (se nom ser quigerem unificar à custa de um pequeno esforço), e salvo galicismos e americanismos que abundam na fala dos irmaos do além Minho?”. Vilar Ponte via no português a melhor “bússola orientadora” para superar os “séculos de desvalorizaçom” fruto da imposiçom do espanhol, segundo deixou escrito, sendo consciente de que ligava assim com o pensamento de outros precursores, entre os que cita Vitoriano Taibo e Joám Vicente Biqueira. Chegou mesmo a propor a organizaçom de um congresso sobre língua em que representantes da Galiza, Portugal e o
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Brasil sentassem as bases para a criaçom de umha Academia comum que unificasse os critérios para a escrita e garantisse a unidade lingüística. Afirmou, sem deixar lugar a dúvidas ou complexos, que “entre o galego e o português de hoje nom há mais diferenças que as existentes entre o castelhano de Castela e o da Andaluzia e América; e a sua unificaçom é tam fácil, se nom mais, que a realizada por flamengos e holandeses com o idioma comum, que somente se diferenciava na ortografia e nalguns giros prosódicos”. Daí que perguntasse, explicitamente, “quando se vam dar as normas precisas para o tentar pouco a pouco?”, acrescentando que “esse é o caminho recto –o nosso Biqueira propugnava-o resolutamente— nom para localizar e capitidiminuir o nosso génio, mas para o universalizarmos”. (Pensamento e sementeira. Colectánea de artigos publicada em Buenos Aires em 1971).
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Reintegracionissmo ling stico: identidade e futuro para o galego Reintegracioni
A tendência arredista ou independentista foi, com efeito, exemplo naqueles anos de coerência monolíngüe nos usos lingüísticos, reclamando a criaçom de umha escola nacional em galego, exercendo a crítica pola inconseqüência de alguns dirigentes nacionalistas de prática bilingüista e levando ao papel a assunçom prática do reintegracionismo, 60 anos antes da proposta padronizadora da AGAL. A tiragem da publicaçom independentista mais importante da época chegou a atingir os 2.000 exemplares, sendo metade distribuídos na Galiza. Contodo, e apesar dos avanços desta geraçom em relaçom ao uso praticamente exclusivo do nosso idioma na sua produçom escrita e oral, o reintegracionismo continua a ser sobretodo um objectivo sem concreçom prática na maioria dos casos, fora da reproduçom de textos de autoria portuguesa nas publicaçons galeguistas ou da introduçom de traços ortográficos mais ou menos etimologistas, em autores como Joám Vicente Biqueira, Vicente Risco ou Evaristo Correa Calderón, entre outros. Era umha evidência, no entanto, o avanço que estava a verificar-se em direcçom à reintegraçom prática, da qual temos testemunhos tam significativos como Algunhas normas pra a unificazón do idioma galego, publicadas polo Seminário de Estudos Galegos em 1933, de vocaçom filoreintegracionista, propondo um “achegamento ao português nos valdeiros que há que encher no nosso idioma”. O Partido Galeguista assumiu o espírito e as prescriçons dessas normas do SEG, instituiçom relacionada desde os seus inícios, em 1923, com a intelectualidade portuguesa, incluído o filólogo e firme defensor da nossa unidade lingüística Manuel Rodrigues Lapa (1897-1989). Por outra parte, o reconhecimento atingido pola Geraçom NÓS galega no mundo intelectual português da época fica patente na nomeaçom da Castelao e Risco como membros da Academia Nacional de Belas Artes de Lisboa em 1933. Castelao deu
diferentes conferências no Porto e Lisboa, mantendo estreitas ligaçons com intelectuais lusos como Teixeira de Pascoaes e o já referido Manuel Rodrigues Lapa. Este, junto a Mário Saa e Mário Cardozo, percorrêrom também diferentes pontos da Galiza em viagem de estudos e com a intelectualidade e o mundo político galeguista a exercerem de anfitrions. A troca de experiências, a publicaçom em revistas de ambas margens do Minho, as viagens… eram constantes entre galegos e portugueses, materializando a vontade confederal explicitada desde polo menos a publicaçom do manifesto-programa de Lugo, em 1918, e reflectindo a intençom de constituir um campo cultural comum à faixa atlántica da Península, alheio ao hegemonismo espanhol. De resto, as ideias científicas existentes nos estudos romanísticos afirmavam já nessa altura a identidade lingüística galego-portuguesa, incluídas as mais reconhecidas figuras filológicas portuguesa (Carolinha Michaelis de Vasconcelos, 1851-1925) e galegoespanhola (Ramón Menéndez Pidal, 1869-1968). Inclusive foi reconhecida a identidade lingüística em posiçons políticas nom propriamente nacionalistas galegas, como aconteceu no caso do político ponte-vedrês Manuel Portela Valadares, que chegou a presidir durante uns meses a II República espanhola e mantivo boa relaçom com políticos nacionalistas como Castelao. Favorável a certo reconhecimento para a Galiza e o seu idioma, no número 20 da revista Nós, de 1925, publica um artigo escrito com traços gráficos reintegracionistas como a substituiçom do enhe polo ene agá ou o uso de gês e jotas consoante critérios etimológicos. Poderíamos referir textos com grafias histórico-etimológicas e/ou atitudes semelhantes às apontadas em figuras como Vitoriano Taibo (Compostela, 1885-1966), membro da RAG, colaborador de A Nosa Terra, A Fouce, O Tio Marcos d’a Portela e Nós; o antropólogo e escritor Florentino Lopes Cuevilhas (Ourense, 18861958); o jornalista e poeta Roberto Branco Torres (Cúntis, 1891-1936), fusilado polos fascistas a seguir ao golpe; Luís Pena Novo (Vilalva, 1893-
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Joám Vicente Biqueira (Madrid, 1886-1924) Filósofo, psicólogo e partidário das ideias socialistas; inspirador das Irmandades da Fala, pedagogo e defensor da galeguizaçom do ensino, Joám Vicente Biqueira foi um dos mais decididos partidários da unificaçom ortográfica galego-portuguesa. Apesar da sua morte sendo ainda novo, deixou reflectidos os seus pensamentos avançados em relaçom à galeguizaçom do ensino com critério claramente reintegracionista.
1967), impulsionador da Irmandade da Fala da Corunha, político e economista; Jaime Quintanilha (Ferrol, 19891936), político e escritor assassinado e desaparecido em 1936 polos golpistas às ordens de Franco; Fermim Bouça Vrei (1901-1973), polígrafo ponteareám represaliado polo franquismo devido ao seu compromisso nacionalista, membro fundador do Seminário de Estudos Galegos em 1923 e da Real Academia Galega a partir de 1941; o poeta, jornalista e político viguês Joám Carvalheira (1902-1937) fusilado polos golpistas espanhóis; o poeta, romancista e dramaturgo ferrolano Nicolau Garcia Pereira (1900-1934); o prosista rianjeiro Rafael Dieste (Rianjo, 18991981), o político e reconhecido erudito Ramom Outeiro Pedraio (Trasalva, 1888-1976), que chegou a dizer que o nosso nacionalismo histórico “nada fijo pola Galiza que nom fosse pensando em Portugal”; ou o prosista e poeta de Baralha Evaristo Correa Calderom (1899-1986), um dos poucos que aplicárom a nossa ortografia antes da Guerra Civil.
Afonso Daniel Ro
(Rianjo, 18
No seu livro Ensaios e Poesias, afirma que “O português é um filho do galego, e entre os dous nom há mais, capitalmente, que diferenças fonéticas que nom som tam grandes quiçá como as que existem entre o andaluz e o castelhano. Se nós empregarmos a ortografia histórica galaico-portuguesa, teremos salvo a dificuldade que separa as duas línguas e daremos ao galego um carácter mais universal, fazendo-o acessível ao maior número de homens”. Opina ainda que “foi um mal da literatura galega isolar-se mediante a sua ortografia”, pois considera o galego “umha forma do português (como o andaluz do castelhano)”, e portanto “tem que se escrever pois como o português”. Enfaticamente, acrescenta que “Viver no seu seio é viver no mundo; é viver sendo nós mesmos!”.
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As abundantes referências de Castelao, um dos principais teóricos do nosso nacionalismo, à necessária unidade lingüística galego-portuguesa, espelham a importáncia das ideias reintegracionistas no movimento nucleado polo Partido Galeguista, Galeguista do qual era principal dirigente. Alude para argumentar a sua defesa da unidade à citaçom de autoridade, referindo como já no século XVIII o Padre Feijó “demonstrou que a língua galega nom é distinta da portuguesa, por serem pouquíssimas as vozes em que discrepam”. A contundência da afirmaçom reintegracionista, presente sobretodo no Sempre em Galiza,, sintetiza-se quando afirma que “o galego é um idioma extenso e útil, porque –com pequenas variantes– fala-se no Brasil, em Portugal e nas colónias portuguesas”. Reconhece também, numha carta ao historiador Sánchez Albornoz, que o seu desejo é “que o galego se achegue e confunda com o português, de
Reintegracionism junto a representantes de outras tendências do nosso nacionalismo, como José Abraira ou Higino Martins Esteves, com a língua como preocupaçom principal.
A continuidade da tradiçom reintegracionista durante e após a ditadura franquista O exílio americano é o espaço principal de desenvolvimento do movimento patriótico galego após a Guerra Civil. É também onde mais claramente se mantém a unidade da língua como traço que fazia já parte da tradiçom anterior, e que chegou até os nossos dias com entidades como a Associaçom de Amigos do Idioma Galego de Buenos Aires, agrupando militantes arredistas como Ricardo Flores,
odrigues Castelao
886-1950)
modo que tivéssemos assim dous idiomas extensos e úteis” (em referência ao espanhol e o galego-português). Vejamos outras claras referências de Castelao à questom que nos ocupa: “Galiza, como grupo étnico, tem dirieto a dignificar a língua que o seu próprio génio criou (…), porque lhe serve para se comunicar com os povos de fala portuguesa”. “A nossa língua está viva e floresce em Portugal, falam-na e cultivamna mais de setenta milhons de seres.” “Nengum galego culto deve consentir que a fala do seu povo – umha fala de príncipes que ainda é senhora em Portugal e Brasil– seja escrava no pátrio lar, sem direito a ir à escola, nem a se apresentar como igual do castelhano”. castelhano”
Os discursos mais abertamente reintegracionistas em políticos e intelectuais como Afonso Daniel Rodrigues Castelao som precisamente escritos no exílio americano dos anos 40, recolhidos em obras da importáncia de Sempre em Galiza (1944). No interior do País, o galeguismo mantém-se à margem de qualquer compromisso político, reduzido a um culturalismo criticado polo nacionalismo exilado. Contodo, a editora Galaxia, criada em 1950 em Vigo, recomeça o labor de publicaçom em galego, chegando a admitir obras escritas consoante a ortografia histórico-etimológica. É o caso de dous poemários de Ernesto Guerra da Cal, Lua de Além Mar (1959) e Rio de Sonho e Tempo (1963). Salientam, nesse longo período de recuperaçom durante e depois da ditadura, as figuras de quatro representantes que dam continuidade às ideias tradicionais do nacionalismo no que di respeito à unidade lingüística, tanto no exílio como no interior do País. Referimo-nos a Ernesto Guerra da Cal, Ricardo Flores Peres, Ricardo Carvalho Calero e Jenaro Marinhas del Valle, que graças à sua fidelidade e compromisso permitírom ligar a geraçom da sua juventude, anterior a 1936, com o actual reintegracionismo lingüístico. É umha evidência que, para todas as línguas, os períodos de codificaçom escrita costumam trazer polémicas mais ou menos acesas. Porém, essa verdade é ainda mais clara em situaçons de minorizaçom como a que vivia a nossa nos anos 70 e 80 –e que se prolonga até a actualidade. A estratégia espanhola no nosso país foi semelhante à que tentou aplicar no País Valenciano em relaçom à Catalunha norte: separaçom forçada como via para limitar as potencialidades das respectivas comunidades lingüísticas, aproveitando dinámicas históricas de isolamento forçado. Confirma este juízo a atitude do
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stico: identidade identidade e futuro para o galego Ernesto Guerra da Cal (Ferrol, 1911-1994) Integrante das Milícias Populares Galegas que combatêrom do lado republicano durante a Guerra Civil, quando a guerra concluiu estava em Nova Iorque a desenvolver labores de informaçom ao serviço do Ministério da Guerra do governo republicano. Um dos mais firmes pioneiros do reintegracionismo actual, este
poeta ferrolano, nacionalista galego morto no exílio lisboeta, publicou já em 1959 e 1963, na editora Galaxia, dous livros de poemas escritos com ortografia reintegrada. Durante toda a sua vida, renegou explicitamente da condiçom imposta de espanhol, o que, segundo afirmava, ele nom era nem “espiritual, nem juridicamente”. Finda a ditadura, recusou-se a voltar a umha Galiza que definia como “semiconquistada”, afirmando que “se fosse à Galiza teria de estar a ouvir os galegos a preferirem, muitos deles, ser espanhóis de quarta classe em lugar de galegos de primeira”. O seu reconhecimento internacional em ámbitos científicos e literários nom corresponde com o escasso conhecimento da sua trajectória e da sua obra no interior da Galiza. Comprometido com os direitos nacionais e lingüísticos desde a sua juventude, defendeu e praticou o reintegracionismo desde muito cedo e até o fim dos seus dias, constituindo um dos casos sobranceiros de dignidade e compromisso patriótico do século XX galego.
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mais prestigioso filólogo catalám vivo na altura, Joan Coromines, que expressou logo o seu apoio às posiçons reintegracionistas face à nova estratégia isoladora do espanholismo. No número 53 da revista GRIAL, correspondente ao ano 1976, o reconhecido erudito catalám excrevia que “Aos meus amigos galegos e portugueses dixem sempre o mesmo, e é precisamente o que se di nesse artigo: o principal adianto a fazer na direcçom da unificaçom lingüística galego-portugugesa é no campo da unidade ortográfica. Dixem sempre isto aos amigos R. Pinheiro, Rodrigues Lapa, Martínez López, Costa Clavell, Xosé L. Pensado, e outros, que podem prestar testemunho. E este adianto é nom só eminentemente desejável, mas livre de toda objecçom séria; nom só possível mas ainda fácil se existir boa vontade, habilidade e perícia na conduçom do problema”.
reportagem análise
Num primeiro momento, em 1979, a UCD pede a colaboraçom de Carvalho Calero, como indiscutida máxima autoridade na matéria na altura, dando como resultado as famosas Normas de 80, de orientaçom reintegracionista, embora ainda com ortografia espanhola de maneira transitória. Porém, a cooptaçom polo poder de significados galeguistas históricos da miserável condiçom de Filgueira Valverde (ex-membro da Direita Galeguista e aderente ao golpe franquista) permitirá ao novo poder autonómico dar um golpe de leme e entregar ao isolacionismo do Instituto da Língua Galega (organismo universitário compostelano) a autoridade em matéria padronizadora. Assim, em 1982 é imposto o Decreto de Normativizaçom, também conhecido como Decreto Filgueira, que consagra a orientaçom isolacionista e marca o início de um conflito que se prolonga até a actualidade. Eis o que opinava de tal orientaçom em 1985 Ernesto Guerra da Cal, um dos nacionalistas dignos que, como Carvalho Calero e Marinhas del Valle, rejeitou a proposta do espanholismo autonomista: “A ‘Xunta de Galicia’ (sic) de colaboraçom com algumhas entidades isolacionistas, esclerosadas, engenhou e oficializou de maneira maleficamente subreptícia umhas aberrantes Normas, cujo evidente propósito é condenar
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego do nosso idioma, cada vez mais desnaturalizado pola pressom do espanhol e a falta de afirmaçom inerente à norma isolacionista.
o galego ao languidescimento como dialecto do espanhol. Confundindo acientificamente língua falada com língua escrita, pretendeu arvorar e perpetuar como instrumento de cultura e criaçom as formas mais cruas e rústicas do patois híbrido das vilas com o maquiavélico desígnio de perpetrar o seu funeral com liturgia autonómica, como objecto folclórico”.
O oficialismo pró-espanhol nom estava à espera, com certeza, de que 25 anos depois da aprovaçom do letal Decreto Filgueira e 17 anos
depois da morte de Carvalho Calero o reintegracionismo continuasse vivo. No entanto, a tradiçom de resistência do nosso povo é grande e a linha de continuidade em defesa dos direitos lingüísticos e da dignidade do nosso idioma nom podem ser tam facilmente apagadas.
Hoje há mais reintegracionistas e mais reintegracionismo do que nunca, e a esquerda independentista ocupa, como nom podia ser de outra maneira, lugar de destaque no avanço da prática conseqüente do padrom reintegrado, desde que Galiza Ceive (OLN) aprovou a utilizaçom da nossa ortografia no seu VIII Plenário Nacional de 1985. A esquerda independentista actual, de que NÓS-Unidade Popular se orgulha em fazer parte, continua essa tradiçom que une Murguia com Biqueira, Vilar Ponte, Castelao, Ricardo Flores e Carvalho Calero. Por isso, com a mesma força que combatemos o bilingüismo social que favorece a imposiçom do espanhol, continuamos a defender a unidade lingüística galegoluso-brasileira como melhor via de restauraçom da plenitude e dignidade lingüística do nosso povo.
Entretanto, representantes políticos e académicos da oficialidade fundiam nas leis e nas aulas as filosofias isolacionista e bilingüista. No mesmo ano 85, o conselheiro da Educaçom polo PP afirmava contra qualquer dúvida que “o Decreto [Filgueira] parte do bilingüismo como umha das grandes riquezas e procura um conhecimento das duas línguas que nom empobreza nengumha”. Antes, em 1981, o ‘intelectual’ oficialista e um de tantos reintegracionistas arrependidos, Ramón Lourenço, escrevia que “eu penso que partindo da dupla realidade ‘castelhano-galego’ podemos chegar ao uso das duas línguas em condiçons semelhantes”. Com esse alegado objectivo, foi aprovada toda umha bateria de textos legais, com destaque para o Decreto de Bilingüismo (1979) e a Lei de Normalizaçom Lingüística (1983), cujos resultados estám hoje à vista, em forma de queda brutal nos usos sociais
Conclusom
Achamos ter dado suficientes mostras de que reivindicar o galego como parte do ámbito internacionalmente conhecido como lusofonia nom é nengumha novidade do actual independentismo. Desde que o galego recomeçou a ser escrito a norte do Minho, desde que o seu futuro recomeçou a ser pensado, tenhem existido teóricos e práticos do reintegracionismo. Também nas últimas décadas temos contado com importantes intelectuais que, com diferente nível de compromisso e grau de contradiçom, nom se vendêrom à ideologia dominante que promove o espanholismo, reconhecendo as virtudes do reintegracionismo lingüísico, alguns já desaparecidos como Celso Emílio Ferreiro, Blanco Amor ou Manuel Maria.
Gravura patriótica. A Fouce
Jenaro Marinhas del Valle (Corunha, 1908-1999) Nacionalista e libertário desde a juventude, Jenaro Marinhas foi um destacado autor sobretodo teatral, mas também narrativo, poético e ensaísta, além de comprometido defensor da unidade lingüística. Representante da geraçom mais nova em tempos da II República, a sua fidelidade à construçom nacional da Galiza mantivo-se inabalável durante a sua longa vida. Foi em funçom das suas convicçons reintegracionistas que renunciou ao seu posto como membro numerário da Real Academia Galega (RAG), apoaindo assim as posiçons do seu companheiro Carvalho Calero após o desvio dessa instituiçom em relaçom ao seu rumo
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histórico, quando nos primórdios da autonomia a Academia passou a defender posiçons isolacionistas. Desde a sua militáncia juvenil nas Irmandades da Fala até a sua condiçom de Membro de Honra da Associaçom Galega da Língua, Jenaro Marinhas constitui mais um exemplo da continuidade entre o nacionalismo histórico e o contemporáneo, no que di respeito às ideias tradicionais de defesa da unidade da nossa língua.
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
Outros ainda vivos e vivas, como os filólogos José-Martinho Monteiro Santalha, José Luís Rodrigues
ou José Souto Cabo; literatos e literatas como Carlos Quiroga, Raquel Miragaia ou Séchu Sende; ensaístas cultivadores das mais variadas áreas do conhecimento, como Ramom Lopes-Suevos, Carlos Velasco, Carlos Taibo, Noa Rios Bergantinhos… activistas e organizaçons sociais, culturais, políticas,
iniciativas artísticas e musicais, etc, configuram um panorama como nunca houvo na Galiza. O reintegracionismo, com fundas raízes na história da nossa luita de libertaçom nacional, é levado à prática por cada vez mais galegos e galegas, apesar de que as instituiçons continuem a evitar assumi-lo como ingrediente substancial de qualquer projecto normalizador realista. Da nossa capacidade para socializar
Ricardo Flores
caso do artigo “Reflexons encol da língua”, publicado no número 85, correspondente a 1936, em que reivindica o que abertamente denomina “unificaçom ortográfica”, argumentando que “proporcionaria ao nosso idioma formas mais científicas, robusteceria as asas da nossa cultura e amplificaria as nossas fronteiras literárias”.
(Sada, 1903-2002) Trabalhador do campo na sua Sada natal, emigrou para a América de mui novo, chegando a Buenos Aires em 1929, onde trabalha como operário metalúrgico e se integra logo na Sociedade Nacionalista Pondal, organismo patriótico e cultural de carácter independentista ou ‘arredista’, como se autodenominavam na altura os partidários da plena soberania nacional galega.
Coincide no activismo galego em Buenos Aires com Luís Seoane, Soares Picalho, Blanco Amor, José Bieito Abraira, Higino Martins Esteves... e mais recentemente, a partir dos anos 80, na Associaçom Civil de Amigos do Idioma Galego da capital argentina, que durante as últimas décadas organizou cursos de galego reintegrado no seio da comunidade emigrada e exilada no país latino-americano. Nas suas viagens periódicas à Galiza durante os últimos anos da sua vida reafirmou sempre as suas convicçons reintegracionistas e independentistas, sendo sócio de honra da AGAL.
Sendo as ideias reintegracionistas umha constante desde as primeiras manifestaçons do movimento nacional galego, Ricardo Flores foi um dos primeiros, junto ao também independentista Antom Vidal, a levar plena e conscientemente à prática escrita essa convicçom teórica, nas páginas da publicaçom arredista A Fouce, já na década de vinte e trinta do passado século. É o
Ricardo Carvalho Calero Grande activista estudantil, político e cultural na Compostela dos anos vinte e trinta, fijo parte do Seminário de Estudos Galegos e da Comissom encarregada de redigir o Estatuto de Autonomia da Galiza aprovado em 1936. Militante do Partido Galeguista desde o momento da sua fundaçom, em 1931, é o membro mais novo do seu Conselho Nacional. Defensor da República nas milícias que defendem a capital espanhola, é julgado no fim da guerra e passa três anos em prisom. Incorpora-se à docência com dificuldades polo seu passado republicano, mantendo sempre a sua integridade à margem dos círculos e favores do regime. Finalmente, em 1972, ganha por concurso a primeira cátedra universitária de Língua e Literatura Galegas. A sua defesa da unidade lingüística mantem-no no ostracismo até o fim da sua vida, ao bater com a filosofia isolacionista que imporá a oficialidade a partir dos anos 70 graças à colaboraçom de antigos nacionalistas arrependidos.
as suas potencialidades dependerám em boa medida as possibilidades de sucesso na recuperaçom do idioma nacional da Galiza. O conhecimento do caminho trilhado antes de nós por outros muitos e muitas compatriotas é imprescindível para continuarmos o seu exemplo, tornando realidade os objectivos históricos do movimento nacionalista galego.
(Ferrol, 1910-1990)
integridade pessoal e dignidade política convertem-no grande referente do reintegracionismo nos últimos 30 anos. A sua obra, nomeadamente a da madurez vital, é o melhor aval em defesa da unidade e dos direitos lingüísticos da Galiza, explicitando e praticando a substancial unificaçom ortográfica em linha com o pensamento dos grandes vultos do nacionalismo histórico. Daí que, 17 anos depois da sua morte, o oficialismo continue empenhado em ocultar o ideário e o exemplo de Ricardo Carvalho Calero, evitando a actual RAG qualquer reconhecimento à sua figura. Dentre a multitude de referências à defesa da unidade lingüística presentes na sua obra, colocamos apenas umha suficientemente representativa:
Filólogo, sociolingüista, poeta, dramaturgo, romancista, contista, autor da primeira grande História da Literatura Galega, Carvalho representa o mais importante elo de uniom entre a geraçom nacionalista e progressista dos anos 20 e 30 e a que se seguiu à ditadura franquista. A sua autoridade intelectual,
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“As fronteiras políticas nom podem impor estranjaria a formas dialectis, ou simples falas, do mesmo idioma. O labordano é basco, o roselhonês é catalám, o aranês é gascom, o valom é francês, o flamengo é neerlandês, como o mexicano e o argentino som espanhol. Nestas condiçons, o galego nom pode viver de costas ao português, pois o Minho nom é umha fronteira lingüística…”
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Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
Quantas somos? Valentim R. Fagim
reportagem análise Eis umha pergunta que se pode fazer a falante de umha língua qualquer. Qual a nossa demografia? Onde podo encontrar utentes da língua que eu falo? Quais os meus? Quais os outros? E as perguntas costumam serem respondidas. Tomemos, por exemplo, o espanhol. Houvo um programa de TV de título íítulo tam significativo como “300 millones”, temos mapas onde determinados territórios aparecem coloridos, existe umha Academia que tem sucursais em mais de vinte países, inclusive nas Filipinas apesar de se ter perdido a transmissom familiar da língua, podemos encontrar até prospecçons estatísticas que nos dizem que será a segunda língua em número de falantes no ano X. A esta dinámica grandiloqüente nom som alheias outras línguas. Por debaixo palpita é umha constante, a língua como um produto comercial à venda, um de cujos valores mais cotados é o numérico, se possível, íível, em centenas de milhons. Do que vos quero informar é, no entanto, da excepçom. Existem lugares onde a constante nom é somar mas dividir. Comportamento estranho? Se indagarmos no porquê, nom. Ora, acho que é preciso fazer umha classificaçom destes contextos em funçom da natureza do “muro” divisor.
• Muros Levadiços A Índia actual é menor do que o era a Índia colonial británica. Nesse imenso território falavam-se muitas línguas e a maioritária era o hindustani, falada por pessoas de religiom mussulmana e hindu. Em 1947 o Império Británico transfere a soberania para dous novos estados independentes, a Índia, de maioria hindu e o Paquistám, de maioria mussulmana. A língua vai detrás: duas comunidades, duas
que espero seja do vosso interesse. Anos 30, Uniom Soviética, morreu Lenine e em Moscovo segue-se umha política íítica de russificaçom e de unidade nacional à glória da Madre Rússia. A tarefa é no entanto ciclópica, já que som numerosíssimas e variegadas as etnias que povoam a URSS e muitas delas detenhem laços seculares com estados limítrofes. íítrofes. Imunes ao desalento, a táctica seguida no terreno lingüístico passa polo uso da ortografia cirílica (eslava portanto) bem como a russificaçom lexical sobretodo nos neologismos. E isto cria histórias bem curiosas, esquizofrénicas até, mas muito esclarecedoras desde que se queira aprender delas: línguas, o urdu e o hindi. A primeira escrita em caracteres árabes, a segunda em devanagari, a primeira enriquecendo o léxico no persa e no árabe, a segunda no sánscrito, as duas, enfim, distanciando-se paulatinamente na mesma medida que o fam os seus governos. Outro muro levadiço de certeza mais célebre é o balcánico. Na República Socialista Federal de Jugoslávia áávia circulava um lema que era: "Seis repúblicas, cinco etnias, quatro línguas, três religions, dous alfabetos e um Partido” Umha das línguas era o sérvio-croata. Morto Tito, em 1980, começam a se gerar movimentos desagregadores que afectam (podia ser de outro modo?) a língua. Os sérvios som ortodoxos, como o som os russos e usam o alfabeto cirílico. Por sua parte, os croatas som católicos e usam o alfabeto latino como o fai Ocidente de quem se querem sentir perto. E a questom nom fica por aqui. Hoje está a germinar umha língua bosníaca cujo traço mais específico é a maior presença de léxico... turco (podia ser de outra forma?). Três comunidades, três muros, três línguas.
A língua azeri, nacional em Azerbaijám, é muito próxima do turco. Até 1929 usava o alfabeto árabe (afinal som mussulmanos, nom som?). Entre
1929 e 1938 usam o latino (como fazia o movimento secularizador na Turquia). Entre 1938 e 1991 usam o cirílico (ordens do Politburó!). Em 1991 alcança a independência e nom por acaso volta a usar o alfabeto latino. Para complicar mais o puzzle, no Irám, onde há milhons de falantes de azeri, estes ainda usam o alfabeto árabe (afinal estám no Irám, nom estám?)
Vamos com umha última história
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• Muros que nom se querem derrubar Se pegamos num mapa de línguas desenhado por cima de um mapa de estados, nom demoraremos a perceber que nom existe umha correspondência entre ambos os “puzzles”. Se apanhamos um atlas histórico podemos pesquisar que lances históricos conduzírom a esta IN-correspondência. Sucede assim que umha unidade lingüística original pode sofrer umha ou mais facturas do ponto de vista político, íítico, portanto social, portanto... lingüístico. Facturas criam muros, muros criam distáncia, distáncia cria desconhecimento, desconhecimento cria desidentificaçom. Vamos com algumas histórias para ilustrar isto. Na República Moldava e na Roménia
falam umha língua latina que está rodeada por toda a parte de línguas eslavas. Esta realidade étnica nunca tivo correspondência estatal até finais da Grande Guerra em 1917 em que se cria a Grande Roménia. Ora, um pequeno território de língua romena tinha ficado na parte soviética, é a República Autónoma Soviética Socialista da Moldávia áávia onde se concentra 1/3 dos moldavos e moldavas
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego russa, ffôrom fechadas escolas onde se ensinava “moldavo” com ortografia latina e professores ffôrom presos.
e que é criada para servir de espelho revolucionário à Roménia capitalista e aristocrática. á ática. Com a sua criaçom inicia-se logo a Moldavizaçom que tivo um percurso muito acidentado: • Anos 20: Planifica-se a criaçom da língua moldava com o objectivo de a desidentificar da romena. Para tal usa-se o alfabeto cirílico que, de resto, era o único que conhecia a populaçom. • Anos 30: De Moscovo ataca-se o “chauvinismo Moldavo” e som purgadas as suas elites (as mesmas que criara Moscovo). Agora usase o alfabeto latino para assim acelerar a influência soviética na Roménia. • Ano 38: Regressa-se ao alfabeto cirílico porque “a transiçom para o alfabeto russo é um grande golpe contra o Trosquista-Bukarinistaburguês-nacionalista-inimigos-dopovo-agentes-do-fascismo”1 Acabada a segunda Guerra Mundial, nasce a República Socialista da Moldávia áávia tal como hoje e que só sai, oficialmente, da órbita russa em 1989, ano que alcança a independência e (será acaso?), o alfabeto latino torna a vigorar e a língua a se chamar de Romeno. Definitivamente? Nom, em 2001 o Partido Comunista ganha as eleiçons e aprovam como nome oficial da língua... moldavo. Nom só, na Transnístria, regiom de maioria
Vamos com outra história decerto mais conhecida. O catalám nasceu na Catalunha, o que nom admira, e migrou para o sul e para leste com as pessoas que o falavam, facto este também vulgar. No século XVI aconteceu um evento importante no sul, Valência. Umha guerra que se
saldou com a entronizaçom de umha casa real castelhana e a construçom do alicerce do muro. Nos séculos seguintes o muro foi crescendo porque os interesses económicos das elites valencianas e cataláns eram diferentes e assim até hoje. Nos últimos anos muitas tenhem sido as acçons destinadas a manter o muro operativo: A literatura valenciana que se ensina na escola nom inclui autores cataláns, proíbe-se o canal público catalám TV3 de emitir em Valência, lista de palavras interditas na TV pública (por serem “catalás”), castigos administrativos por chamar o “valenciano” de catalám e um longuíssimo etc. Quem está atrás da manutençom técnica do muro? Talvez valencianistas “bons e generosos”? Algum pode haver mas carecem da capacidade, por si próprios, de tapar o sol. Para isso fai
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falta capital financeiro, mediático áático e político... íítico... e este está onde está.
• Muros que caírom Em 1815 nasce o Reino Unido dos Países Baixos, a incluir a actual Holanda e Bélgica, e morre em 1830 momento em que nasce a Bélgica actual. Som apenas 15 anos que, no entanto, deixam umha semente cujos frutos vigoram hoje. Se lermos a constituiçom belga actual leremos que som três as suas línguas oficiais, sendo as mais importantes o francês e o holandês. Que se passava em 1815? Em 1815 o holandês era umha língua estrangeira. A arraia miúda da Flandres falava umha variedade germánica de uso exclusivamente oral enquanto a classe média e alta falava francês, de resto a língua de poder, aliás, a LÍNGUA. Nos 15 anos que durou essa uniom, o holandês acompanhou o francês nos usos escritos. Quando a Bélgica nasce em 1830 já nada voltará a ser o mesmo; umha pequena elite tinha descoberto que o holandês lhes pertencia e que podia ser umha ferramenta nacional de enorme valor. Na segunda metade do s. XIX surge no interior da burguesia flamenga um movimento pola igualdade legal
unidade lingüística com o holandês. A vitoria destes últimos foi de grande importáncia entre outras cousas porque mostrava que se a língua dos flamengos gozava de um estatuto nacional na Holanda... por que o nom podia ter na Flandres? Em 1970 a constituiçom belga reconhece um país federal, formado por três comunidades (a flamenga, a francesa e a alemá) áá) e três regions (a valona, a flamenga e Bruxelas). Na actualidade, na Bélgica vigora um regime de uniling unilingüismo territorial na regiom flamenga e na valona. Isto quer dizer que em ambos os territórios há umha única língua nacional presente em todas as esferas públicas.
•Epílogo Acabemos com estas histórias de muros tirando no mínimo um ensinamento: as línguas nom som entes desligados das sociedades que as falam e dos contextos sócio-políticos ííticos onde estám inseridas, nom som essências a morar no mundo da abstracçom, nom é a sua identidade imutável. áável. Diria, até, que som como umha pastilha elástica que se estica, se molda, se preme, se corta, se une... segundo convinher. A questom é a quem. A questom é para quê. Outro ponto que é preciso esclarecer é que fica longe da minha exposiçom afirmar que o integracionismo é bom e o isolacionismo é mau. Seria simples, de certeza, mas irreal. O meu convite é que observemos as línguas como um artefacto manipulável, áável, de muitos pontos de vista, entre eles o identitário.
do flamengo que se conheceu como Vlaamse Beweging, o Movimento Flamengo. Em 1860 começa a se ouvir a seguinte proclama: «A Bélgica com direitos para todos ou os nossos direitos sem a Bélgica» Umha das primeiras questons que tenhem que resolver é a identidade da língua. Os debates som entre particularistas, defensores de um flamengo desligado do holandês e os integracionistas, defensores da
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Tendo isto claro, o ponto seguinte é: aonde queremos chegar com este artefacto. Que queremos fazer com ele? Sabemos umha cousa ao respeito da realidade galega, os detentores do Statu Quo nacional espanhol querem que fique sendo o que é hoje em dia e o que leva sendo vários séculos: um dialecto do espanhol. Ora, que é o que queremos fazer os nacionais galegos? Confio que as histórias que aparecem neste artigo podam deitar algumha luz para responder a esta questom.
Nota 1
Editorial de Moldova Socialistå
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
O que nom é o reintegracionismo Os ataques isolacionistas às ideias tradicionais do nosso movimento lingüístico tenhem incluído nas últimas décadas nom poucos mitos lançados polo oficialismo contra as posiçons reintegracionistas. Mitos fomentados polo ‘poder normativo’ com dinheiro público fornecido polos sucessivos governos autonómicos, interessados em manter o galego reduzido a “língua autonómica”… É verdade que a própria prática social das forças reintegracionistas é o melhor antídoto contra essa “guerra suja”, mas nom virá mal darmos umha vista de olhos a alguns desses mitos para, mais umha vez, combatê-los aberta e claramente.
1. “Elitismo intelectual” Eis umha das acusaçons mais habituais, por parte de, esses sim, alguns intelectuais mais ou menos elitistas, a soldo da autonomia, que consideram impossível que o nosso povo poda formar-se num idioma totalmente à margem de qualquer dependência formal ou funcional do espanhol. É verdade que, no debate normativo e sobre a orientaçom cultural da Galiza, sempre tivérom especial protagonismo sectores intelectuais, mas essa característica afecta por igual às tendências isolacionista e reintegracionista.
Foi um instituto universitário, o ILG, que teorizou nos anos 70 a dependência ortográfica e padronizadora que orientou os passos do galego “autonómico”, e som alguns literatos “oficiais”, bem untados polos royalties das principais editoras, que defendem a suposta “autonomia” do galego, cujos resultados nas últimas décadas para a sua normalizaçom nom podiam ser mais negativos. Som, nalguns casos, os mesmos intelectuais que nom duvidam em passar para o espanhol se isso lhes permitir publicar as suas sisudas análises nas páginas da ediçom ‘galega’ do El País. Se num início a proposta reintegracionista partiu de círculos intelectuais, a realidade é que hoje está estendida na populaçom galegofalante consciente de maneira transversal às classes sociais da Galiza. No nosso caso, a esquerda independentista, integrada na sua imensa maioria por militáncia objectivamente adscrita classe trabalhadora, é um bom exemplo de como qualquer trabalhador médio galego, com um nível cultural também médio, pode ler e escrever a ortografia galega sem mais problemas que os colocados por séculos de colonizaçom cultural. Na militáncia de NÓS-Unidade Popular, trabalhadoras e trabalhadores metalúrgicos, de artes gráficas, carpinteiros, canalizadores, autónomos, etc, escrevem com a nossa ortografia, apesar de ela estar fora dos centros de ensino, graças ao labor do cada vez mais forte movimento
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reintegracionista. O mito do elitismo intelectual reintegracionista cai logo que qualquer compatriota entra em contacto com um militante ou umha militante independentista. 2. “Trocar o galego polo português” Há também quem diga que adoptar os princípios e a prática reintegracionistas supom renunciar ao galego mais enxebre, aos traços mais característicos da fala dos nossos avós. A realidade é que o galego oral das cidades da Galiza é cada vez mais umha versom empobrecida desse que nos foi transmitido de geraçom para geraçom, e nom é a simples adopçom de umhas ou outras vestes gráficas que mudará essa tendência. Vinte e cinco anos depois da imposiçom por decreto da norma isolacionista, continua sem existir um padrom oral claro que sirva para marcar a diferença com o espanhol e reforçar a autenticidade do galego. Tal como os padrons orais português e brasileiro tenhem importantes diferenças, o nosso deverá tê-las também. Porém, e por óbvio que seja, haverá que insistir em que o galego falado na actualidade está cada vez mais ameaçado pola influência espanhola, e nom pola portuguesa. 3. “Primeiro normalizar, depois normativizar” Um dos grandes tópicos para justificar o padrom escrito à espanhola é a suposta prioridade de ganhar usos sociais e nom discutir sobre a forma do galego. A verdade é que se trata de um processo dialéctico em que os avanços devem ser correlativos. É
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necessário ter um modelo de língua estável, válido e que reforce a identidade e a autoestima da comunidade lingüística. E é necessário fugir de imposiçons como as que até agora véu protagonizando a Junta da Galiza, marginalizando o reintegracionismo e dedicando à ditadura ortográfica desproporcionados esforços económicos e repressivos, se comparado com o lamentável grau de cumprimento da legislaçom sobre usos em ámbitos como o ensino. 4. “Só umha teima ortográfica” A verdade é que a teima corresponde a quem persegue e marginaliza autores e autoras que escrevem no padrom reintegrado. O movimento reintegracionista leva décadas a exigir muito mais do que
umha simples revisom ortográfica: reclama umha reorientaçom global dos grandes referentes socioculturais. Reclama que Madrid deixe de ser o centro e adiramos ao policentrismo cultural lusófono, com a incorporaçom da Galiza à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), com o incremento de relaçons entre Compostela, Vigo e a Corunha com o Porto, Lisboa, o Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador da Bahía; com Angola, Moçambique e Timor. Tal como a hispanofonia, a francofonia e outros grandes espaços lingüísticos intercontinentais alimentam o mútuo conhecimento e inter-relacionamento, a Galiza deve abrir-se à grande comunidade de falantes de galego no mundo. A partir da nossa própria identidade, da nossa própria actividade social, cultural e criadora, temos todo um mundo por descobrir, que nos ajudará a enfrentar os grandes desafios de umha naçom em construçom como a nossa.
Além do mais, é precisa umha nova política lingüística, orientada a partir das instituiçons, mas impulsionada pola consciência lingüística do nosso povo, hoje mui debilitada. Umha política de base territorial, que dê ao galego na Galiza as mesmas atribuiçons com que conta o espanhol em qualquer regiom de fala espanhola. É preciso suprimir de vez as ilusons bilingüistas que alimentam as três forças políticas com presença na instituiçom autonómica. Enquanto isso nom acontecer, a presença abafante do espanhol continuará a deteriorar a autenticidade do nosso idioma até o converter num dialecto do espanhol. A opçom gráfica, a orientaçom cultural lusófona, é um reforço fundamental nessa linha, mas sem que se adopte umha nova estratégia normalizadora, as tendências lingüicidas nom se deterám. Muitas e muitos reintegracionistas somos conscientes disso e por isso nom nos limitamos a promover umha simples dissidência ortográfica.
5. “Sermos portugueses?” Mas, quando o isolacionismo quer realmente “assustar” a audiência, levanta o fantasmal ouro de Lisboa e acusa o ‘lusismo’ de estar confabulado para converter a Galiza em regiom portuguesa. A realidade é que se pode ser reintegracionista a partir de qualquer ponto de vista político, e de facto tem havido filólogos, políticos e intelectuais de todas as orientaçons, a reconhecer a unidade lingüística galego-portuguesa, pois esse é um facto objectivo para qualquer observador ou observadora imparcial. Nós, como independentistas de esquerda, só podemos dizer que o projecto político de NÓS-Unidade Popular nom passa pola unidade política com Portugal. O nosso projecto estratégico para a construçom nacional da Galiza é a constituiçom de um Estado galego independente, sob parámetros socialistas e nom patriarcais.
comum: enfraquecer a nefasta hegemonia de Espanha e estabelecer um novo relacionamento igualitário entre a Galiza e os restantes povos peninsulares. Nessa perspectiva, é claro que Portugal constitui um caso especial para nós, pola sua proximidade em tantas esferas, e porque juntas, a Galiza e Portugal constituem um potencial contrapeso atlántico ao imperialismo centralizado em Madrid. Mas só o respeito pola soberania de cada naçom e a renúnica a qualquer pretenso hegemonismo poderá levarnos, num futuro, a estabelecer um sistema ibérico de relaçons baseado no direito de autodeterminaçom e no socialismo. 6. “Umha naçom, umha língua?” Este tópico parte da monumental falsidade de considerar que umha naçom só será tal se contar com um idioma exclusivo. Segundo essa concepçom, Cuba, a naçom emancipada de Espanha na passagem do século XIX para XX, nom poderia ser considerada como tal, pois só conta com um idioma próprio, e ele coincide com o da metrópole derrotada pola corajosa luita independentista inspirada por Marti. Tampouco Porto Rico, na actualidade, mereceria a soberania, pois nom conta com um idioma privativo, partilhando-o com numerosos estados independentes, e estendido polo planeta polo imperialismo espanhol. No caso da Galiza, estamos a falar do berço de um idioma hoje falado por 200 milhons de pessoas na Europa, África, Ásia e América, sendo a terceira língua europeia mais falada no mundo, oficial nos principais organismos internacionais e oitava entre as mais utilizadas na rede de redes, Internet. Além do mais, é o idioma oficial de um Estado vizinho, a República portuguesa, com todo o que isso pode representar para umha planificaçom adequada que dê ao galego o protagonismo que merece na nossa sociedade e na nossa construçom como naçom independente.
Já em relaçom à Península Ibérica, é evidente que todas as naçons que a formamos, excepto talvez a espanhola, temos um interesse
Filgueira Valverde, ex-galeguista e colaborador do franquismo, deu nome ao decreto de normativizaçom, em 1982.
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Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
Quem teme o reintegracionismo? Maurício Castro
A recente filtraçom de dados do Mapa Sociolingüístico da Galiza parece confirmar o que outros estudos tenhem reflectido nos últimos anos: a comunidade lingüística galega sofre um retrocesso mais do que evidente, ao ponto de estarmos a um passo de que o galego se converta, se ainda nom o fijo, em língua minoritária, além de minorizada, no seu território originário. Umha situaçom que, ao contrário da anterior (língua maioritária e minorizada) nom é estável, acelerando o processo substitutivo em curso no nosso país e abrindo expectativas reais para a extensom absoluta do espanhol como principal língua de identidade na Galiza.
ameaça para o galego provém do sul do Minho, após quase três décadas de imposiçom oficial de um modelo isolador cujos resultados estám bem à vista, produz, no mínimo, algumha perplexidade… Poderíamos agora apelar a casos concretos em que a existência de amplos espaços lingüísticos de dimensom internacional nom contradi a substancial unidade. O caso flamengo é paradigmático da prodigiosa recuperaçom durante o último século e meio, culminado em 1980 com a assinatura do Tratado da Uniom Lingüística Neerlandesa, entre os governos flamengo e holandês. O reintegracionismo foi aí umha ferramenta normalizadora que, ao
Tímida aproximaçom É verdade que a última revisom do padrom galego da RAG supujo umha tímida aproximaçom de posiçons reintegracionistas. É verdade que a recuperaçom do nosso idioma exige outras medidas para além das padronizadoras, entre as quais umha também ensaiada com êxito na Flandres: o reconhecimento jurídico da territorialidade lingüística, nos mesmos termos que o espanhol a goza no conjunto do território administrativamente espanhol. Contodo, um processo que realmente queira conduzir para a plena recuperaçom dos direitos lingüísticos colectivos galegos poderia incluir desde já algumhas medidas efectivas, com a única condiçom de que a mentalidade estreita e isoladora seja substituída por umha outra mais aberta, que nos situe no mundo como parte do amplo espaço internacionalmente conhecido como lusofonia. Ponhamos alguns exemplos: Que essência do nosso idioma se veria ameaçada pola difusom gratuita e generalizada dos meios de comunicaçom (televisons e rádios) portugueses no conjunto do território galego?
Perante um panorama como este, instituiçons como a Real Academia Galiza ficam em evidência quando o seu presidente, X. R. Barreiro Fernandes, num documentário divulgado pola TVG no passado dia 25 de Julho, considerava umha ameaça para o galego a possibilidade de ser “succionada” (sic) polo português. Em termos bem mais prudentes se expressava o também académico Francisco Fernandes Rei, chegando a reconhecer a “inegável” identidade lingüística entre galego e português. Continuar a sustentar hoje que a
contrário do que temem alguns isoladores do galego, nom implicou qualquer unidade política entre a Flandres e a Holanda. Que impede, entom, a assinatura de um Tratado da Uniom Lingüística Galego-Portuguesa entre os governos da Galiza e Portugal? Só a curta visom dos políticos e os normalizadores oficiais que guiam os passos do nosso país em matéria de língua.
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Porque a Administraçom autonómica nom segue os passos da estremenha, situando a Galiza à frente no ensino do português em escolas oficiais de idiomas e como segunda língua estrangeira no ensino secundário galego? Que impede inclusive incorporar o estudo do português como parte dos programas oficiais de Língua Galega nos diferentes níveis educativos, garantindo assim, em poucos anos, umha competência generalizada por parte de toda a populaçom galega?
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Seria tam difícil estabelecer acordos com administraçons e empresas informáticas, editoriais e audiovisuais para que a Galiza fique incluída na distribuiçom de materiais em português, que nos evitem pagar a portagem do espanhol para aceder a produtos culturais e tecnológicos de todo o tipo, já existentes na nossa língua? Administraçom democrática Essas e outras iniciativas semelhantes, longe de ameaçarem ou “succionarem” o galego, só o enriqueceriam e o afirmariam face à abafante imposiçom do espanhol, permitindo novos passos em matéria de padronizaçom que nos conduzissem à assinatura desse necessário Tratado da Uniom Lingüística Galego-Portuguesa a que antes aludim. Qualquer administraçom democrática em qualquer país do mundo, quando comprova o fracasso de umha política concreta, deve revê-la, corrigi-la e garantir mudanças reais. Em lugar disso, na Galiza levamos quase três décadas de fracassos em matéria de política lingüística, agora confirmada nos novos dados da segunda ediçom do Mapa Sociolingüístico da Galiza, que a RAG e a Junta nom acabam de publicar, apesar de estar pronto desde 2004. O que sucede no nosso país dá para pensar que, realmente, as instituiçons públicas querem deixar esmorecer o galego entre a propaganda, o sentimentalismo e os subsídios milionários. Ou entom, como explicarmos que o Plano Geral de Normalizaçom da Língua Galega, roteiro de consenso com que as principais forças políticas enfrentarám os próximos anos, continue a teimar nos mesmos tiques bilingüistas e isoladores que nas últimas décadas mostrárom o seu inapelável fracasso? Artigo publicado em Vieiros e no Portal Galego da Língua a 13 de Outubro de 2007
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
Carlos Quiroga “A intelligentia galega que detém o poder, globalmente considerada, tem um comportamento patético e dietético a respeito do idioma” Autor poético e narrativo, docente de Literatura Portuguesa na Universidade de Compostela, ganhador por duas vezes do Prémio Carvalho Calero de Criaçom Lingüística e Literária,, Carlos Quiroga é já um dos ‘históricos’ da etapa mais activa do reintegracionismo, marcada pola fundaçom da Associaçom Galega da Língua, em 1981. Entre as suas obras, destacam títulos como o poemário Gong (1999) e as narrativas Periferias (1999) e Inxalá (2006), ou A espera crepuscular (2002), O regresso a arder (2005), que incluem poesia, narrativa e fotografia. Firme defensor da unidade da língua, insubornável militante da causa reintegracionista e escritor de reconhecido prestígio no ámbito internacional lusófono, na actualidade dirige a revista de ciências sociais e humanidades AGÁLIA. Achamos de interesse contar com as suas reflexons sobre o reintegracionismo hoje e, para tal, mantivemos umha entrevista com ele, que agora vos oferecemos nestas páginas.
A tua é já umha longa trajectória no reintegracionismo mais activo e coerente, que começou na década de oitenta. Com a perspectiva que dam estes anos, qual é a tua análise da evoluçom do movimento reintegracionista desde aqueles anos? – Carlos Quiroga: O reintegracionismo seguiu um percurso natural em dependência das circunstáncias sociais e políticas em que se moveu, tanto no seu activismo dentro da
Galiza como no seu referente externo. Dentro da Galiza o movimento passou do foro áulico às ruas, e o referente externo ampliou-se do Portugal geograficamente próximo a toda a Lusofonia, aproximada agora pola música e os novos meios de comunicaçom, ainda que este horizonte ultrapasse o movimento reintegracionista, e ainda bem. Nesta caminhada, e com independência dos referentes, talvez se reconheçam 3 fases. Na inicial e mais dilatada, praticamente durante todo o último quartel do século passado, o movimento gastou toda a pólvora e concentrou todos os esforços em evitar a operaçom institucional de
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estabilizar o código secessionista para o galego. Parecia possível e aplicou-se ao necessário. Agrupou-se, dotou-se de instrumentos teóricos e científicos, e tentou intervir no campo académico, onde era suposto jogar-se a consolidaçom da norma. Essa fase deixou-no preparado mas pouco visível. E, o que é pior, afastado da intervençom social mais por esmagamento político do que académico, pois neste terreno os argumentos sempre foram tam ignorados como inbatíveis por parte do oficialismo. Tornada via estéril para o sucesso, abandonada polo galeguismo medroso de algumhas personalidades, o movimento desbordou nos colectivos reintegracionistas, que se tinham formado durante a primeira fase. Esta segunda, a criaçom de
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um riquíssimo tecido associativo, a maior novidade na história recente da Galiza, procede do trabalho das pessoas que fundamentaram o discurso reintegracionista e que intervinhérom no debate da primeira fase, pessoas com algum tipo de vinculaçom com o mundo do Ensino. O debate sobre a normativa chegou às aulas e a semente frutificou numha militáncia reintegracionista de jovens escolarizados em galego, num quadro legal substancialmente diferente do que impunha a ditadura. Hoje alguns desses jovens entrárom também no ensino e estám, de qualquer modo, ampliando o movimento, que abre um terceiro momento, a fase madura dos chamados grupos reintegracionistas de base, cuja finalidade essencial se coloca na defesa e normalizaçom da
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
cultura e língua galego-portuguesa no território espanhol da Galiza. E deve acrescentarse ainda o reintegracionismo que começa a existir fora da AGAL e dos grupos organizados, o melhor indício de que o único galeguismo que cabe é reintegracionista. Percurso natural, em dependência das circunstáncias sociais e políticas em que se moveu, portanto. O reintegracionismo outra cousa nom é que a aposta de um sector do movimento normalizador num outro modelo, que abaliza claramente um campo cultural soberano para a Galiza. Até que ponto achas que podem deverse os problemas de viabilidade do sistema cultural galego à sua orientaçom isolacionista por parte dos meios oficiais e oficialistas em todos estes anos? –A orientaçom isolacionista, propondo viver em galego como um lugar de sacrifício, nom pode resultar atractiva num século XXI de tendências globalizantes também no campo cultural. Para além disso, um modelo inseguro, errático, que nom se distancia até visualmente do seu concorrente e contaminador, é impossível que tenha utilidade normalizadora, antes ao contrário. No fundo, verifica-se aquela apreciaçom de Carvalho Calero: o galego nom pode sobreviver entre dous gigantes, o isolamento nem se sustenta nem é real. A orientaçom
“O reintegracionismo sempre dirá que é insensato ignorar o português quando se trata de ordenar o galego, que a sociedade galega tem direito a conhecer e testar as possibilidades de cultura universal do seu idioma, e que os poderes oficiais e oficialistas levam ocultando, censurando e evitando essa possibilidade durante muitos anos”
isolacionista pode ser chamada legitimamente de espanholista, pois nom só mantém no visual e no simbólico a órbita do espanhol mas evita claramente a chegada de produtos culturais de reforço identitário, como som os da lusofonia, evita um crescimento do campo cultural soberano dentro da Galiza. Os meios oficialistas agírom em todos estes anos em resposta a umha ideia de Estado espanhol anteposta a umha preocupaçom identitária galega. Aos meios oficialistas sempre preocupou mais deixar de ser espanhol do que começar a ser galego. Timidamente, acompanhando as mudanças políticas recentes, começam a consentir-se e promover-se mais contactos com a Lusofonia, mas temo que dentro do Bloco seja mais forte já o poder desse nacionalismo que às vezes no seu radicalismo só revela um razoável castelhanismo. Porque em matéria lingüística o nacionalismo –e creio que também Carvalho Calero afirmara algo assim-, o nacionalismo que propugna o isolamento do galego nom é mais do que umha inconsciente manifestaçom da vassalagem ao ponto de vista castelhanista. Os dados apresentados polos estudos de campo indicam umha tendência mui negativa quanto aos usos sociais do nosso idioma. Que tem a dizer o reintegracionismo face a tais evidências? – O reintegracionismo sempre dirá que é insensato ignorar o português quando se trata de ordenar o galego, que a sociedade galega tem direito a conhecer e testar as possibilidades de cultura universal do seu idioma, e que os poderes oficiais e oficialistas levam ocultando, censurando e evitando essa possibilidade durante muitos anos. Se querem fazê-lo eles, controlá-lo eles, mesmo sem o reintegracionismo que já tem experiência e contactos, como nalguns tímidos movimentos recentes já apontárom nesse sentido, todo bem, mas que nom se demorem mais porque a tendência geral aponta ao desastre. És um escritor cada vez mais reconhecido e premiado, sem por isso teres renunciado à afirmaçom da unidade lingüística e o que isso implica na tua escrita e na difusom da tua obra. Qual é a tua opiniom sobre o que poderíamos chamar
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intelectualidade ou intelligentia galega no que di respeito ao idioma? –Nem tanto… Quanto à pergunta, haveria que matizar, mas se te conformas com umha generalidade, creio que a intelligentia galega que detém o poder, globalmente considerada, tem um comportamento patético e dietético a respeito do idioma. Patético porque tomando café pode reconhecer a lógica e a evidência do pensamento reintegracionista, sem que por isso aprenda dele quando trabalha, o aplique ou polo menos o tolere nos seus prémios, subsídios ou festivais; e dietético porque, independentemente do que reconheça ou saiba a este respeito, preocupa-se com o seu regime de alimentaçom à custa do idioma. ‘Escrevo na norma que me pague’, respondeu-me em certa ocasiom um intelectual. ‘Nom estou disposto a perder o meu lugar na história da literatura galega por umha questom de norma’, afirmou outro. Umha intelectualidade destas é inapresentável. Umha intelectualidade que se limita a “cortar o bacalhau” e ignora o seu passado lingüístico e nom tem em conta as possibilidades do reintegracionismo para construir o futuro é, como mínimo, irresponsável, e nem creio que mereça ser chamada
Primer número da Revista Agália do ano 1985
de intelectualidade. A língua é umha estrutura mental e social, a via principal de comunicaçom de indivíduo a indivíduo e ao tempo factor de coesom do conjunto, e umha sociedade desagrega-se quando abandona a sua língua, ou quando esta se descompom; a intelectualidade real preocupa-se e procura conservar a sua língua como penhor da identidade, dando umha oportunidade a todas as ideias. Ao reintegracionismo fôrom dadas
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“um modelo inseguro, errático, que nom se distancia até visualmente do seu concorrente e contaminador, é impossível que tenha utilidade normalizadora”
poucas oportunidades, apenas as que vamos ganhando com honestidade. Por isso, creio que temos trabalho dobrado, fazer reintegracionismo e fazer pedagogia com os mercadores da língua e da cultura. E afirmo isto sem retirar a minha agenda e o meu trabalho do serviço de iniciativas de orientaçom reintegracionista que, mesmo procedentes dos poderes oficiais ou da suposta intelligentia galega, se proponham nestes tempos de descomposiçom. E volto a insistir no anterior: se querem fazê-lo eles, mesmo sem o reintegracionismo que tem experiência e contactos, todo bem, mas que nom se demorem. E que deveria ser mudado nas políticas institucionais em relaçom à língua e à cultura? – Ocupados ainda em bater-nos por minifúndios importantes como ver a televisom portuguesa, entre outros assuntos, falar de mudar as políticas institucionais, que implica mudanças estruturais completas, resulta ingénuo. Deveriam ser mudadas imensas cousas no sentido macro para que todos os detalhes micro, como o mencionado, se sucedessem sem demora. O intercámbio cultural na lusofonia devia ser um objetivo estratégico prioritário de todas as políticas institucionais para a Galiza nom sumir sumir. Porque o imperialismo cultural é um fenómeno muito mais subtil do que o imperialismo económico, apesar de este último ser já mais impalpável áável do que o imperialismo político íítico e militar, em que os excessos som patentes.
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
Em 1919, o presidente dos Estados Unidos conseguiu que o Tratado de Versalles, entre a Alemanha e os Aliados, se redigisse em inglês e francês. A partir daí, o inglês avançou na diplomacia, depois na economia, meios de comunicaçom, etc, e na actualidade esta língua parece orientar-se para um monopólio da comunicaçom de ámbito planetário. Até na Galiza começa a sentir-se, ainda que o mais próximo monopólio castelhano continue a ser bem mais maciço e antigo para nós, de maneira que a nossa identidade e modo de vida cultural, de qualquer modo, se acha no mais alto risco agora mesmo. Talvez alguns habitantes da Galiza tenham já preferência por aprender inclusive inglês antes do que galego – lembre-se aquele dirigente municipal corunhês e as suas proclamas. Para estes nada haveria que mudar, e nem devem temer polo progresso do galego porque realmente o galego vai no rumo actual para o desastre. Para os que queremos continuar sendo nós, falando o que falamos, cantando, escrevendo, vivendo nesta língua, sim haveria muito que mudar. Como fazêlo...? Só com mudanças estruturais completas e ffazendo precisamente isso, falando, escrevendo, cantando, vivendo, mas fazendo juntos, com o resto das pessoas do mesmo sistema lingüístico, provando que serve para comunicar com eles e comunicando. Festivais de cinema lusófono, oferta turística com ênfase na língua, circulaçom das nossas músicas, troca de gastronomias, bolsas para estudantes da comunidade lusófona, prémios literários conjuntos, convívio í ívio de escritores, encontros de software e programaçom, enfim, lusofonia efectiva como objetivo estratégico prioritário dos estados que devem colocar dinheiros para isso, e a Galiza com um comportamento mais entusiasta e soberano neste sentido porque é quem está mais em risco. O Brasil, apesar do seu tamanho ou precisamente por ele, é agora mesmo o parceiro perfeito: a nós falta-nos futuro, a eles faltalhes passado, deslumbra-os achar em nós a sua raiz. E se nas políticas
institucionais galegas nom querem falar de norma ortográfica, ainda, que consintam polo menos liberdade na criaçom, que eliminem a censura obscena dos prémios, que emprestem apoio à ediçom para todos ou para ninguém. Como docente, tés trabalhado já em diferentes níveis do ensino (secundário, EOI’s e universitário). A partir da tua experiência profissional, dirias que um outro ensino é possível? – Evidentemente, ainda que se trate de um assunto complexo e haveria que referir-se por separado aos diferentes níveis e ao ensino em galego e do galego, que é o tema que aqui mais interessa. Mas, em sentido genérico, é possível formar melhores professores, porque todos temos ainda muito que aprender nos terrenos didáctico e pedagógico, e é possível aliviar conteúdos, e é possível ensinar em galego, e é possível fazer do ensino um instrumento ilusionante de umha sociedade ilusionada. Ainda que para isso aconteça teriam que dar-se outras mudanças prévias, como aquelas a que nos referíamos na questom anterior. Porque o ensino na Galiza, ao igual que outras muitas áreas, como o mundo editorial, etc, continua em maos bastardas, no sentido literal de ‘bastardo’ (“gerado fora do matrimónio / adulterino / qualquer degenerado da espécie a que pertence / híbrido”). O ensino na Galiza, para além das necessidades genéricas de dar maior formaçom e apoio aos professores, nom é um instrumento vertebrador e ilusionador, nom é um potenciador identitário, nom tem um referente universal que transforme a língua e a cultura galega num bem, numha ferramenta útil, numha porta da felicidade. Antes ao contrário, e até pode esforçar-se precisamente em apagar identidade, até estorva ao ponto de causar movimentos sociais recentes contra o galego –como se o castelhano fosse língua em risco na Galiza. Ainda que os motivos destes últimos problemas estejam no conjunto da sociedade mais do que no ensino, porque, infelizmente, umha maioria da sociedade galega vai estando a cada vez menos interessada em conservar as suas características identitárias acima das características de pertença ao Estado espanhol. O ensino em galego e do galego tem
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que lidar com essa situaçom, que seguramente leva umha velocidade de deterioraçom maior do que o ensino pode educar, depois de educar-se a si próprio. Para umha Galiza que se sinta cada vez mais espanhola, é umha desgraça que exista Portugal e o Brasil e todo isso a recordar-nos que somos nós e que a nossa língua tem valor; para umha Galiza que queira autocentrar-se na sua identidade, mesmo sem desaparecer do actual esquema europeu e até espanhol, essa existência é umha sorte. O ensino na Galiza tem aí um reforço ilusionante inestimável que nom tem qualquer outra língua peninsular das chamadas periféricas, e ainda nom o está a usar como podia. Também o reintegracionismo deve merecer umha crítica após quase três décadas desde a criaçom da AGAL. Qual lhe farias tu, como histórico associado e actual director da revista Agália? – Em situaçom de resistência e censura os estados carencias dos seres humanos som mais frequentes e talvez por isso o desgaste dentro do reintegracionismo, o ataque virulento a pessoas mais do que a variantes das mesmas ideias, tem sido umha prática freqüente que me parece abominável. E as imensas horas discutindo se a norma-agal ou o português padrão ou o Acordo de Rio seriam a melhor escolha, e chegar ao insulto grave, às denúncias como as que praticavam os poderes da chamada norma-oficial, e todo isto quando há tanto trabalho por fazer aí fora, onde os monopólios antes citados tendem a eliminar toda hipótese de sobrevivência, é algo que infelizmente sucedeu e que tenho visto e que me parece abominável. No reintegracionismo também há doentes, egos melindrados, intelectuais incapazes de fazer literalmente nada efectivo, maus camaradas e piores pessoas nesta viagem. O autoritarismo, o protagonismo, as tendências hegemonistas nomeadamente da AGAL quando começárom a aparecer os chamados grupos de base, fôrom outros factores criticáveis. Por outro lado, o reintegracionismo, apesar da tentativa inicial de levar o seu discurso ao grande público (o Prontuário, o Guia de verbos, o Método prático, o Estudo Crítico, etc), numha estratégia complementar à da procura do apoio das elites intelectuais, foi incapaz durante muitos anos de sair do seu casulo de iluminados, de
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“O ensino na Galiza, para além das necessidades genéricas de dar maior formaçom e apoio aos professores, nom é um instrumento vertebrador e ilusionador, nom é um potenciador identitário, nom tem um referente universal que transforme a língua e a cultura galega num bem, numha ferramenta útil, numha porta da felicidade”
chegar realmente à sociedade e de conquistar poderes –seguramente devido a lastres como o das pessoas mencionadas ou ser um movimento nascido quase em exclusiva entre docentes. Mas também pola situaçom em que se desenvolvem os primeiros anos de introduçom da língua galega no ensino, extraordinariamente dificultosa. As divergências em matéria normativa coincidiam com os empecilhos que colocava o Decreto de bilingüismo, e foi precisamente nesse contexto que nasceu a Associaçom Galega da Língua (1981), para agruparse contra a deriva “golpista” que arrancara com a Comissom Mista e a sua proposta normativa (suplantando a da Comissom de Lingüística presidida por Carvalho Calero; proposta que culmina com as Normas conjuntas da RAG e do ILG, que constituem o cánone isolacionista), para conseguir umha substancial reintegraçom idiomática e cultural da língua galega na área lingüística e cultural que lhe é própria. Houvo muitos acertos no seguimento deste rumo, muitos bons marinheiros, mas disputas desnecessárias no barco e algum que outro malandro a bordo.
Reintegracionismo lingüístico: lingüí üístico: identidade e futuro para o galego
Em todo o caso, tenho bem claro que o movimento reintegracionista tem mais méritos que defeitos. Como escritor e bom conhecedor das realidades culturais portuguesa e brasileira, lembra-nos quais as vantagens de um outro modelo de relacionamento cultural para a Galiza, mais virado para o ámbito do chamado mundo lusófono. –A música brasileira é impressionante, por quantidade e variedade. A Literatura em português, de Portugal, Brasil, dos países africanos com a nossa língua, é umha das maiores da
“Temos um capital cultural na língua galega que nom foi posto em valor. Hoje existem os instrumentos teóricos, existe o tecido associativo, existem novos líderes bem formados, ao lado de alguns velhos activistas ainda vivos, de maneira que nos próximos anos ainda deveria ser possível provar isso aos galegos e galegas“
história da humanidade se globalmente considerada. As geografias por onde se recreia o nosso idioma sem deixar de ser ainda o nosso tem todos os climas e todas as cores. Em geral, a grande vantagem de virar este minúsculo território e os seus habitantes para estas realidades é a maior felicidade e qualidade de vida para quem queira seguir sendo realmente galego, falando galego, escrevendo e ouvindo música em galego dentro da Galiza, pois o manancial revigorante da nossa língua está no mundo lusófono. Virados para ele, admitindo as suas variedades e inserindo a nossa no mesmo conjunto sistémico, poderemos continuar a existir fazendo parte dessa sétima parte do globo que tem
por língua oficial a nossa. É a única hipótese de sobrevivência. E ainda devemos desfazer um par de equívocos: o de que isto significa substituir a nossa variedade pola lisboeta ou a brasileira, quando o que realmente significa é que dentro do mesmo sistema se ampara e limpa a nossa fala, e se nos abrem enormes possibilidades de troca; e outro equívoco, o de que a língua espanhola seria varrida neste território com tal viragem, quando seria bem diferente e até ao contrário, pois os reintegracionistas gostariam mais de castelhano, umha vez que este retirasse a perna que tem sobre a nossa desde há séculos. Cada vez aprendem-se mais línguas, por isso nom temos porque desaproveitar nem o castelhano, mas muito menos a nossa própria, que por si nos abre mais do que nos cabe nos olhos. Porque crês que é tam difícil umha mudança desse género?; porque essa insistência do nosso mundo intelectual e institucional em reduzir-nos ao espaço das quatro províncias que olham para Madrid? – Sempre serám motivos políticos que estám por cima, e o mapa actual está claramente pintado por interesses de Estado espanhol, nom da Galiza. A sociedade galega e as suas elites comportam-se dentro da lógica de umha castraçom identitária que vem praticando-se desde há séculos e que tivo o seu último capítulo no tardofranquismo. As forças do tardofranquismo acomodárom-se na nova estrutura democrática e deixárom algo de corda solta, inclusive na questom da normativa, a suficiente para parecer politicamente correctos, mas nom estavam dispostos a consentir que o movimento reintegracionista descobrisse à Galiza que tinha asas. Assim se foi educando essa maioria social galega para estar a cada vez menos interessada em conservar as suas características identitárias acima das de pertença ao Estado espanhol. Assim se foi educando para que Madrid seja a sua capital, para que Babélia continue referente dos escritores, para que o acontecido na Costa do Sol seja o que interesse. Nesse mapa, ver a televisom portuguesa continua a ser perigoso. Nom sei se pesa o fantasma da guerra civil e dos separatismos, nom sei se a entrada de todos na Uniom Europeia
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nom lhes parece garantia de que vam conservar o poder da jangada, mas essa persistência tem quase conseguido arrasar-nos.
“Se nas políticas institucionais galegas nom querem falar de norma ortográfica, ainda, que consintam polo menos liberdade na criaçom, que eliminem a censura obscena dos prémios, que emprestem apoio à ediçom para todos ou para ninguém” Em definitivo, és optimista? Vês possível que nos próximos anos se assuma umha reorientaçom das políticas culturais na Galiza? – Invejo profundamente os optimistas, mas tendo para o pessimismo por natureza, e por levar vendo durante demasiado tempo o tratamento infame, o lado desfavorável, o injusto e nefasto das políticas culturais, vendo a censura, a entronizaçom do medíocre, o tempo perdido que causa um mal irremediavel. Contodo, vejo possível que nos próximos anos se assuma umha reorientaçom das políticas culturais desde que exista umha reorientaçom política a secas. Só cabe tal reorientaçom, e no sentido reintegracionista, se a terceira fase de que falava no princípio, a dos frutos maduros e formados do reintegracionismo associativo, consegue transmitir a esta sociedade a mensagem cordial de que podemos viver melhor na nossa língua. Muita gente ainda nom acredita nisto, talvez até a alguns reintegracionistas custe acreditar, mas realmente temos um capital cultural na língua galega que nom foi posto em valor. Hoje existem os instrumentos teóricos, existe o tecido associativo, existem novos líderes bem formados, ao lado de alguns velhos activistas ainda vivos, de maneira que nos próximos anos ainda deveria ser possível provar isso aos galegos e galegas.
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“Devemos desfazer um par de equívocos: o de que isto significa substituir a nossa variedade pola lisboeta ou a brasileira, quando o que realmente significa é que dentro do mesmo sistema se ampara e limpa a nossa fala, e se nos abrem enormes possibilidades de troca”