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NICARÁGUA
GOLPE DE ORTEGA PÕE A IGREJA À PROVA
Desde as manifestações pacíficas de 2018, violentamente reprimidas pelo Governo de Ortega, aperta-se o cerco à volta da população, nomeadamente da Igreja Católica.
A 19 de Agosto de 2022, D. Rolando Álvarez, Bispo de Matagalpa é preso pela polícia juntamente com mais oito pessoas, três das quais sacerdotes. Acusado de crime de conspiração “por atentar contra a integridade nacional” fica em regime de prisão domiciliária, até nova ordem.
A 2 de Julho de 2022, o Ministério do Interior da Nicarágua anunciava o encerramento de 101 organizações não-governamentais, entre as quais a Associação das Missionárias da Caridade, fundada pela Santa Madre Teresa de Calcutá. Estas 18 religiosas que se dedicavam aos cuidados dos mais pobres, dispunham de uma casa de repouso, uma creche para os filhos de mães sem recursos e uma casa para os jovens abandonados. A priori, não é possível derrubar o actual Governo sandinista. E, contudo, esta ONG vem juntar-se às outras 758 ONG declaradas ilegais sob a presidência de Ortega.
Alguns dias antes, a 28 de Junho, a emissora de televisão Telecable retirou da sua rede os canais TV Merced e Canal San José, operados respectivamente pelas Dioceses de Matagalpa e Estelí. O canal 51, da Conferência Episcopal, e que de alguma forma representava a Igreja ao nível da televisão, já tinha sido silenciado no dia 21 de Maio. A 12 de Março de 2022, a Nicarágua expulsava, sem aviso prévio, o Núncio Apostólico D. Waldemar Stanislaw Sommertag. Sinal também do conflito entre Igreja e Governo, foi a decisão, inédita, do Bispo de Matagalpa, D. Rolando Álvarez – que é também administrador apostólico de Estelí –, de iniciar, a 19 de Maio, uma greve de fome em protesto contra o assédio policial de que dizia estar a ser vítima a Igreja na Nicarágua e pedia respeito pela liberdade de culto.
Álvarez Lagos, Bispo de Matagalpa, nas ruínas das instalações da Cáritas incendiadas pelos apoiantes de Daniel Ortega.
Prisões, expulsões, profanações de igrejas, torturas… A lista aumenta todos os dias, desde que o guerrilheiro Daniel Ortega concorreu ao seu 4º mandato, em Novembro de 2021. O homem de 75 anos, que já tinha governado o país entre 1985 e 1990, foi reeleito depois de ter reduzido ao silêncio toda a oposição. Em conjunto com a sua mulher, Rosario Murillo, vice-presidente desde 2017, não hesita em eliminar todos aqueles que se colocam no seu caminho, a Igreja Católica incluída.
Esta hostilidade contra a Igreja aumentou de maneira considerável desde as manifestações pacíficas dos Nicaraguenses contra a corrupção, em Abril de 2018. Para além das acções directas de repressão contra membros individuais do clero, há também a proibição de procissões nas ruas, a interrupção de celebrações religiosas, a intimidação dos fiéis por destacamentos policiais nas imediações das igrejas e a ameaça a proprietários de meios de transporte da perda do seu veículo se estes colaborarem no transporte de fiéis em actividades religiosas.
Oração
Pelo Bispo de Matagalpa, D. Rolando Álvarez, e pela sua libertação, e a de todos os presos políticos na Nicarágua, nós Te pedimos Senhor.
BISPOS “GOLPISTAS”
Na altura das violentas repressões, que causaram mais de 355 mortos, centenas de desaparecidos e 150.000 refugiados, as igrejas tinham aberto as portas para cuidar dos feridos e consolar os entes queridos dos cidadãos assassinados ou raptados. Em consequência, Ortega chamou “golpistas” aos bispos. Como é óbvio, testemunha um padre que prefere manter o anonimato: “Não se pode ficar de braços cruzados quando as pessoas irrompem pela igreja porque as querem matar!” E acrescenta: “As nossas igrejas tornaram-se abrigos e não centros de planeamento de oposição, como o Governo quer fazer querer.”
Após estes acontecimentos, as hostilidades contra a Igreja, que eram apenas esporádicas, tornaram-se recorrentes. Todos estes casos vêm reforçar os dados do relatório ‘Nicarágua: Igreja perseguida?’, de Martha Patrícia Molina Montenegro, membro do Observatório para a transparência e a luta contra a corrupção. O documento reporta o período compreendido entre 2018 e 2022 e permite perceber que a Igreja Católica sofreu 396 ataques, profanações e perseguições ao clero neste país. Entre os incidentes mais graves está o incêndio criminoso na Catedral de Manágua, em 31 de Julho de 2020, Os números apresentados neste relatório mostram que 37% da hostilidade reportada tem como alvo específico padres, bispos, membros de congregações religiosas, seminaristas e leigos. Cerca de 19% dos incidentes são profanações de locais de culto. Houve também um elevado número, cerca de 17%, de agressões, destruição, fogo posto, bloqueio de serviços básicos e, entre outros, invasão de propriedade privada.
O trabalho de Martha Molina permite fazer um retrato pormenorizado do estado a que chegou a Nicarágua face ao abuso sistemático de direitos humanos. “Hoje, estudantes, camponeses, médicos, professores, padres, religiosas, seminaristas, jornalistas, advogados, leigos da Igreja Católica e defensores dos direitos humanos são criminalizados pelo sistema de justiça do país e, como consequência, à data da publicação deste estudo, há 2194 prisioneiros políticos e milhares de cidadãos forçados ao exílio.”
Oração
Por todo o clero da Nicarágua, para que se mantenham fiéis e ao lado do povo da Nicarágua, nós Te pedimos Senhor, nós Te pedimos Senhor.
Ataque Igreja
No dia 10 de Janeiro de 2023, houve uma audiência preliminar e a principal conclusão foi que D. Rolando Álvarez iria mesmo ser julgado. O Bispo teria de responder pela acusação de “conspiração” contra a integridade nacional e de “propagação de falsas notícias”, através das tecnologias de informação e comunicação “em detrimento do Estado e da sociedade nicaraguense”.
Momento de oração durante as manifestações pacíficas de Abril de 2018 violentamente reprimidas pelo Governo.
A 12 de Fevereiro, o Papa Francisco manifestou-se triste e preocupado com a condenação a 26 anos de prisão do Bispo de Matagalpa, na Nicarágua, sentença que foi conhecida na sexta-feira, 10 de Fevereiro. No dia anterior, D. Rolando Álvarez recusou ser exilado, como o regime de Daniel Ortega pretendia. E por isso ficará na prisão até 2049.
A condenação do Bispo de Matagalpa foi conhecida no dia 10 de Fevereiro, apenas um dia depois de mais de duas centenas de presos, entre os quais vários sacerdotes e seminaristas, acusados de “conspiração”, terem sido deportados para os Estados Unidos. O Bispo de Matagalpa fazia parte dessa lista de pessoas a exilar, mas terá recusado abandonar o país e foi julgado logo no dia seguinte, apesar de o seu julgamento estar agendado apenas para dia 15 de Fevereiro. Foi antecipado o julgamento e a condenação.
Ao todo, foram expulsos do país 222 presos que o regime de Manágua considerou também como “traidores da pátria”, e que estariam a “minar a independência, soberania e autodeterminação do povo”, incitando “à violência, ao terrorismo e à desestabilização económica”.
Duas semanas após D. Rolando Álvarez ter sido condenado a 26 anos de prisão, o regime de Manágua voltou a atacar a Igreja Católica, desta vez proibindo procissões na rua e apenas as permitindo dentro do espaço das igrejas durante a Quaresma e Semana Santa.
Este clima de forte hostilidade não fica por aqui. Segundo informações obtidas pela Fundação AIS, o Governo tem estado a advertir e a prender os padres que mencionam o Bispo de Matagalpa nas suas celebrações.
No passado dia 3 de Março, no relatório apresentado ao Conselho dos Direitos Humanos, em Genebra, pela secretária-geral adjunta da ONU, Ilze Brands Kehris, é denunciada a degradação “dos direitos humanos na Nicarágua” desde Dezembro de 2022, havendo uma referência explícita à situação do Bispo de Matagalpa e administrador apostólico da Diocese de Estelí, D. Rolando Álvarez. O prelado, afirmou Brands Kehris, foi “acusado de traição à pátria, destituído da sua nacionalidade nicaraguense e privado de direitos políticos para toda a vida”. A responsável das Nações Unidas diz ainda que a sentença contra o Bispo foi proferida “sem julgamento prévio”, e refere diversas outras situações de arbitrariedade, como a deportação, a 9 de Fevereiro, de 222 pessoas; a condenação, à revelia, a 15 de Fevereiro, de mais 94 indivíduos também por “traição à pátria”; e, entre muitos outros casos, um que inclui também “um padre nicaraguense proibido de regressar ao seu país”.”
Oração
Pela Igreja na Nicarágua e para que a comunidade cristã se sinta fortalecida na sua fé apesar de todas as dificuldades actuais, nós Te pedimos Senhor.
Continuam As Medidas Repressivas
Desde então, as medidas repressivas contra a Igreja têm continuado. A mais recente é o encerramento forçado de duas universidades católicas, a de São João Paulo II e a Autónoma Cristã da Nicarágua. Além disso, o Governo de Manágua decidiu fechar a Fundação Mariana de combate ao Cancro e dois escritórios da Cáritas, a da Nicarágua e a diocesana de Jinotega.
Mal se soube de mais esta atitude contra a comunidade católica, D. Silvio José Báez, Bispo Auxiliar de Manágua e que vive exilado nos Estados Unidos desde 2019, escreveu nas redes sociais que “a ditadura da Nicarágua proibiu as estações da Via Sacra nas ruas”, mas “o que não poderão impedir é que o Crucificado revele a Sua vitória em cada acto de solidariedade, em cada luta pela verdade e pela justiça e em cada esforço para defender a dignidade das pessoas”.
Entretanto alguns fiéis contactados pela Fundação AIS – mas que não podem ser identificados por questões de segurança – dizem que há padres cujos sermões nas Missas “estão a ser gravados”, que “ninguém pode pedir publicamente a libertação do Bispo Álvarez”, e que “os Católicos têm medo que os seus padres e bispos possam ser presos e deportados”.
Este clima de perseguição tem afectado também as congregações religiosas. O caso mais recente é o das Trapistas e de um grupo de religiosas de Porto Rico, que decidiram também deixar o país devido à pressão das autoridades. As religiosas da Congregação das Irmãs Trapistas da Nicarágua informaram no dia 1 de Março, na sua página oficial no Facebook, que deixavam “voluntariamente o país”, rumo ao Panamá, mas que permanecerão “sempre unidas na oração, na amizade e no amor que o Senhor nos deu nestes 22 anos”. Estas religiosas entraram assim na longa lista das vítimas das medidas repressivas tomadas pelo Governo de Daniel Ortega contra a Igreja Católica.
No passado dia 17 de Março, o Mons. Marcel Diouf, encarregado de negócios da Nunciatura em Manágua, deixou a Nicarágua, e mudou-se para a Costa Rica. O encerramento da Sede Diplomática do Vaticano fora pedido pelo Governo nicaraguense sete dias antes, a 10 de Março, na sequência de declarações do Papa Francisco a um ‘site’ argentino. Nessa entrevista, o Santo Padre fala do “desequilíbrio da pessoa que lidera” a Nicarágua, referindo-se a Daniel Ortega e descreve o país como sendo uma “ditadura grosseira”, comparando-a à tirania soviética de 1917 e à de Hitler, em 1935
O Centro Nicaraguense dos Direitos Humanos (CENIDH) denunciou também a repressão do Governo de Daniel Ortega e disse que, este ano, sem as procissões, a Semana Santa ficou “incompleta, mutilada…” e que tudo isto representa uma “flagrante violação da liberdade de consciência, religião e expressão”. E acrescenta ainda: “O regime de Daniel Ortega quer destruir o mais sagrado e solene do povo: a sua fé cristã e as suas tradições”.
A dia 3 de Abril, a ONU aprovou por mais dois anos a extensão do mandato dos peritos internacionais que estão a investigar a situação de direitos humanos na Nicarágua. Este mandato chegava agora ao fim e era necessária a votação de uma resolução para prolongar esse trabalho.
O futuro é, portanto, sombrio para este pequeno país da América Central. Todavia, a Igreja sabe que é vencedora: “Para além das ameaças dos que odeiam a Igreja, há uma mão poderosa que a guia e a protege”, lembra D. Silvio José Báez, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Manágua. “A mão de Jesus que sustém a Igreja é mais forte do que as calúnias e as perseguições de que esta é alvo. Não tenhamos medo. Estamos em boas mãos.”
Oração
Pelos dirigentes na Nicarágua, para que saibam respeitar os direitos da liberdade de consciência, religião e expressão dos Nicaraguenses, nós Te pedimos Senhor.