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SENHOR SANTO CRISTO DOS MILAGRES

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NICARÁGUA

NICARÁGUA

Santo Cristo Dos Milagres

“Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.” Com estas palavras que escutamos no Evangelho deste Domingo, e que em cada Eucaristia nós repetimos, Jesus transmite aos discípulos o que tem para lhes dar. Parece uma coisa só, mas trata-se, na verdade, de duas coisas distintas: “deixo-vos a paz” e “dou-vos a minha paz”. Jesus deixa-nos a paz, isto é, mobiliza-nos para a paz, investe-nos a todos como artífices da paz. A paz que o nosso mundo tanto precisa nesta hora, depois da dura tempestade que a pandemia representou, e em parte ainda representa, e diante do cruel e inaceitável espectáculo da guerra. Durante a pandemia repetiu-se tantas vezes que o mundo tinha de sair melhor depois desta experiência e, afinal, o pesadelo não só continua mas parece que ainda se agrava. Jesus deixa-nos a paz, mas não nos deixa uma paz instantânea, pronta a servir. Deixa-nos a paz como projecto, a paz como tarefa confiada às nossas mãos. Por exemplo, em relação à crise pandémica, deixa-nos com a responsabilidade de perguntar: “Como é que esta dor nos pode ser útil? Como é que a crise se pode tornar uma oportunidade para redescobrir coisas e valores de que precisamos?” De facto, é necessário tirar lições profundas, em vez de enxotar depressa demais esta experiência para debaixo do tapete. Mais do que escapismo, precisamos de resiliência e de audácia profética para relançar a vida comum, a partir de alicerces justos, a partir da ideia de fraternidade, construindo um mundo onde o homem não seja lobo dos outros homens. (…)

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O que significa, hoje, receber a paz como tarefa? É fundamental, queridos irmãs e irmãos, que cada um acolha esta pergunta no seu coração.(…)

Rezamos hoje pelas vítimas da guerra. Confiamos ao Senhor Santo Cristo dos Milagres o que está a acontecer na martirizada Ucrânia. Que Ele nos ajude, como sociedade e como indivíduos, a sentir que a paz depende de nós e começa nas nossas mãos. Ele deixou-nos a paz como caminho, um caminho feito de pequenos passos, de gestos quotidianos, de escolhas concretas. A paz é, de facto, como se diz na Encíclica Fratelli tutti, um artesanato, um trabalho humilde, humano, escondido, que avança pacientemente, ponto por ponto, mas só esse artesanato devolve ao mundo a esperança.

Ao mesmo tempo que Jesus nos apresenta a paz como tarefa, Ele também afirma, “dou-vos a minha paz”. Que paz é esta?

É uma paz que, naturalmente, não se opõe à primeira mas que a leva mais longe. De facto, a primeira paz nasce do respeito pelo outro, brota da concertação, progride no diálogo e na tolerância, cimenta-se nos acordos de interajuda, instaura-se na gestação de pequenos e grandes equilíbrios. Isso é já extraordinário, e todos podemos dizer que pelo menos em parte isso já é a nossa tarefa, isso já nos ocupa. Mas hoje, queridos irmãs e irmãos, Jesus segreda ao nosso coração, “Tu podes ainda ir mais longe. Tu podes ainda ir mais longe.”

O Senhor Santo Cristo é o Ecce Homo, isto é, é o Homem Filho de Deus que Se apresenta como critério para uma humanidade renovada. É verdade, já fazemos alguma coisa, mas não sempre. Já damos muito de nós próprios, mas ainda não nos damos por inteiro e sem reserva. Já vivemos algumas dimensões do Evangelho, mas continuamos ainda longe de outras. Carregamos Jesus num trono, e isso é belo, mas Ele ainda não reina completamente nos nossos corações. Por isso, Jesus diz-nos “tu podes ainda ir mais longe” e acrescenta “a minha paz não vo-la dou como a dá o mundo”. A paz de Jesus é uma paz que nasce do amor, que nasce dessa oferta radical de si, dessa entrega oblativa, dessa forma de santidade, que é, no concreto, deixarmo-nos contagiar, moldar, encharcar, configurar e inspirar pelo amor. Podemos ser pessoas correctas, e isso é bom. Podemos ser pessoas de bem, e isso já é tanto. Mas, aos olhos de Jesus, ainda é insuficiente. Ele espera de cada um de nós ainda mais.

Coloquemos os olhos na Sua imagem sagrada que veneramos e perguntemos, “Que trazes ao Teu pescoço, Senhor?” E Ele responde-me, “Não sabes? Estas cordas são o sinal daquelas e daqueles que assumem que são eles que têm de ser, não os outros, que por amor aceitam a condenação à volta do próprio pescoço, em vez de a colocar no pescoço de outros, daquelas e daqueles que aceitam sofrer por aquilo que amam.” E continuemos, “Que trazes à cabeça, Senhor Santo Cristo?” E Ele responde-nos, “Não te equivoques com o ouro e as pedras preciosas. A minha e a tua são coroas de espinhos, que é a coroa daqueles que renunciam a toda a lógica do poder pelo poder e querem para si o papel de servos, de servidores, e ambicionam, não o primeiro, mas o último lugar, aquele que jamais lhe será tirado.” E perguntemos ainda, “Senhor, porque Te cobriram com um manto?” E Ele responde-nos, “Não repares no manto com que, primeiro ironicamente e agora devotamente, Me cobriram. Repara antes na minha nudez posta a descoberto. A nudez de quem se faz pobre pequeno, a nudez de quem descobre a felicidade no despojamento e no serviço, e a própria glória no esvaziamento de si. Não te escandalizes comigo, mas também não te iludas. Não há outra maneira de amar se não através da nudez.” E, por fim, “Senhor, que feridas são essas que transportas?” E Ele responde-nos, “Aproxima de Mim o teu ouvido e eu te explicarei. A vida não é o que tu pensas. A vida não se mede pelo triunfo e pela força. A vida é como a Eucaristia: só quando se estilhaça por amor, só quando se estilhaça por amor se torna fonte de paz e pão para muitas fomes. As feridas são, por isso, a minha e a tua vida dada, a minha e a tua vida entregue por amor. Estás disposto a fazer o mesmo da tua vida?”

“Dou-vos a minha paz” diz-nos hoje Jesus. Queridos irmãos e irmãs, que significa para nós amar esta imagem de Cristo? Queremos nós a paz que Ele nos dá? Na Exortação

Apostólica Gaudete et Exsultate, sobre a chamada à santidade no mundo actual, o Papa Francisco escrevia, “O Senhor pede tudo. O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos a uma vida medíocre, superficial e indecisa.” “Para um cristão,” diz o Papa “não é possível imaginar a própria missão na terra, sem a conceber como um caminho de santidade”. Mas ao falar de santidade, o Papa não pensa apenas nas vidas heróicas que aos nossos olhos tantas vezes nos parecem inalcançáveis. Fala dos santos da porta ao lado, de uma santidade do quotidiano, feita da configuração com Cristo, na família, na profissão, entre os amigos, no nosso mundo mais próximo, na contemplação e no silêncio da nossa interioridade. O segredo é sempre seguir Jesus e Ele não Se cansa de repetir a cada um de nós, “Tu podes. Tu podes receber a minha paz e viver à minha maneira. O teu coração pode encher-se da minha paz. Tu podes aprender a ver-Me em todas as coisas.”

Caminhemos juntos na unidade, caminhemos juntos na comunhão, tornemo-nos uma Igreja mais próxima do Evangelho, uma Igreja que se faz serviço incondicional de amor, uma Igreja inclusiva, uma Igreja que espera por todos, uma Igreja em saída da auto-referencialidade e que vai ao encontro não só daqueles que já acreditam, daqueles que já fazem parte do rebanho, mas anuncia Cristo nas periferias existenciais, sociais e culturais, aceitando ser hoje esse hospital de campanha que ajuda a reconstruir, ajuda a refazer a

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