SOU FUJIMOTO CCB - IPSILON

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Exposições

ID: 50688607

08-11-2013 | Ípsilon

Regresso ao futuro, primitivo Uma exposição em Lisboa ajuda a perceber o fenómeno global de reconhecimento de Sou Fujimoto. Ricardo Carvalho Futurospective Architecture — Arquitectura como Floresta De Sou Fujimoto. Lisboa. Centro Cultural de Belém — Garagem Sul. Pç. Império. Tel.: 213612400. 3ª a 6ª das 10h30 às 17h30. Até 17/11.

Arquitectura.

mmmmm No espaço de uma antiga garagem do Centro Cultural de Belém (CCB), a arquitectura encontrou um lugar para se mostrar e, espera-se, abrir em Lisboa um diálogo sobre a sua condição de disciplina de pensamento da cultura contemporânea. Sou Fujimoto é um arquitecto japonês e o segundo a utilizar este espaço do CCB. A sua obra encontra-se entre as mais divulgadas nos circuitos internacionais das publicações de arquitectura, das mais massificadas às mais alternativas, e a exposição Futurospective Architecture ajuda a perceber (e reflecte) o fenómeno de reconhecimento do arquitecto que utiliza metáforas primitivistas para construir arquitectura. A obra construida de Sou Fujimoto é variada em programas e até agora concentrada no Japão (há obras efémeras na Alemanha e em Inglaterra). Construiu casas urbanas e rurais, um centro de reabilitação para crianças com problemas psiquiátricos e uma biblioteca. Construiu também o pavilhão da Serpentine para o Hyde Park de Londres no Verão passado, sendo um dos mais jovens arquitectos convidados para este tipo de intervenção. Todos estes trabalhos se afastam daquilo que o cidadão comum percebe habitualmente como casa, centro de reabilitação ou

ENRIC VIVES-RUBIO

Futurospective Architecture — Arquitectura como Floresta, de Sou Fujimoto, no CCB

Tiragem: 38650

Pág: 38

País: Portugal

Cores: Cor

Period.: Semanal

Área: 26,53 x 31,33 cm²

Âmbito: Informação Geral

Corte: 1 de 3

biblioteca. São projectos-tese, de absoluta afirmação pessoal, que tiram partido da tradição japonesa de fragilidade e rigor (e de espaços mínimos para o habitar) e a lançam numa posição de manifesto sobre viver no território não confinado da transparência ou da tensão entre espaços. A exposição utiliza uma eficaz estratégia de dispersão que permite deambular entre projectos e estabelecer pontos de contacto casuísticos entre estes. Eventualmente o encontro casual entre projectos proposto pelo dispositivo museográfico assume-se como um instrumento de trabalho para o arquitecto. Os trabalhos estão expostos em plintos com maquetas ou livros, e os vídeos complementam os conteúdos com um registo da suposta realidade da sua utilização. Nos plintos mostrase parte do processo em maquetas com anotações à mão, nos vídeos a confirmação de que é possível construir e habitar estas obras. Existem várias famílias ou filões de investigação que o visitante pode coleccionar. A sobreposição (de lajes, vigas, toros, volumes, árvores ou mesmo de pequenas casas, como é o caso do edifício de quatro apartamentos em Tóquio), a aparente aleatoriedade de peças (a residência em Hokkaido para pessoas dependentes) e a sucessão de interiores e exteriores são temas dominantes de Fujimoto (a Casa N ilustra este tema). Os projectos disparam nas várias direcções enunciadas, radicalizando os seus postuladosbase. Apesar desta posição, a obra pública parece construir-se com uma amabilidade que as casas não autorizam. Enquanto nos edifícios públicos a dimensão da utilização colectiva afasta o desejo da singularidade absoluta, nas casas a arquitectura parece querer monotorizar a vida e não o contrário — veja-se o lado performativo no modo como são fotografadas. A exposição confirma esta posição com a constatação da distância mínima entre maqueta e obra construída. As suas casas possuem vários dentros e vários foras e as janelas abrem tanto para dentro como para fora — até agora, foram o veículo prioritário de investigação do arquitecto. As árvores existem também dentro e fora dos espaços sem qualquer distinção. Este é o modo de o arquitecto falar do “futuro primitivo” que propõe para a metrópole contemporânea — mas os temas de fundo da cidade do presente não são aqui abordados, eventualmente porque não está interessado em sistemas, redes ou respostas genéricas. Curiosamente, o trabalho escrito de Sou Fujimoto, que publicou o livro Primitive Future em 2008, revela-se quase ausente da exposição, relegando para a representação — a maqueta, as legendas e o diagrama — a tarefa de construção do manifesto. O pavilhão da Serpentine lança

nova equação sobre o desejo de virar do avesso as noções de interior e exterior, aberto ou fechado, alto e baixo, largo ou estreito. Liberto do constrangimento do uso, o tema desta arquitectura parece ser desafiar a noção de limite, muro ou parede. Este futuro proposto por Fujimoto é feito de transparência e quase imaterialidade. Pelo menos num parque de Londres. Em confronto com o contexto português, o Futuro Primitivo parece desvanecer-se.

Provocar a experiência Sentido em Deriva. Obras da Coleção da CGD De Alberto Carneiro, Lourdes Castro, Pedro Diniz Reis, entre outros. LISBOA. Culturgest. R. do Arco do Cego, 50. Tel.: 217905155. 2ª a 6ª, das 11h às 19h; Sáb. e Dom. das 14h às 20h. Até 12/01.

Pintura, Escultura, Outros.

mmmmm Sentido em Deriva, inaugurada em Lisboa (e também no Porto) nos espaços da Culturgest, e que marca o 20º aniversário da sua actividade, começa da melhor maneira: nas salas de entrada, há obras inesperadas, associações pouco comuns, e uma riqueza de sentidos que se estabelecem a partir dos trabalhos de Pedro Diniz Reis, Suzanne Themlitz e Armanda Duarte. Trata-se de instalações de formato considerável que estabelecem afinidades conceptuais com artistas de outras gerações que lhes sucedem neste espaço. João e Jorge Queirós, Pedro Sousa Vieira, Alberto Carneiro e Lourdes Castro e António Ole têm em comum com os três primeiros a capacidade de, nas palavras de Bruno Marchand, curador, suscitar no espectador “um regime de experiência baseado nas noções de passagem e de transição.” O que é novo, aqui, não são as obras em si (afinal de contas, quantas vezes não vimos já o Canavial de Carneiro, ou as caixas pintadas de uma única cor de Castro?), embora algumas delas sejam insólitas e menos conhecidas, mas a abertura de sentidos que a sua conjunção provocará. Ou seja, embora esta exposição de alguma forma se enuncie como representativa da colecção da Caixa Geral de Depósitos (CGD), ela é bem mais do que isso, pretendendo, como Marchand o afirma, a provocação, a surpresa, a reflexão, a consciência do corpo, enfim, do próprio visitante. Esta exposição só adquire sentido quando é vista, e nas modalidades da experiência feita pelo espectador. No texto que a acompanha, Marchand relata a história desta colecção institucional e das peripécias por que passou desde a sua constituição, em 1983 — dez anos antes da fundação da Culturgest. Ficamos a saber que tem cerca de 2000 obras, das quais

Obra de Susanne Themlitz na Culturgest

a mais antiga data do século XIX. Entre heranças, aquisições desinformadas ou não, directores artísticos com gostos diversos e outras vicissitudes, nem esta exposição é representativa do todo, nem ela se pretende como tal: obedece apenas ao gosto do seu curador, especificamente convidado para o efeito. De qualquer modo, percorrendo os restantes quatro núcleos que estão nos espaços de Lisboa, ficamos com uma sensação de maior conformidade ao esperado do que aquilo que sucedia nas salas iniciais. Na instituição que perfaz 20 anos, encontramos os principais nomes da arte contemporânea portuguesa que se salientaram durante esse período. Sarmento, Molder, Cabrita, Chafes, entre outros, não poderiam, em determinado momento, ter deixado de ser objecto da política de aquisições da CGD. A genialidade de Marchand consiste em associá-los a outros artistas, outras obras que não nos deixam perder esse fio condutor que escolheu para nós, público: o da experiência estética, pois afinal é disso que se trata. Álvaro Lapa, Escada, Ana Vieira, por exemplo, imiscuem-se na montagem que salienta aqueles artistas, criando disrupções nos sentidos esperados, e impedindo aquela sensação de déjà vu que tantas vezes é o resultado das grandes exposições deste tipo. Das muitas obras que poderíamos destacar nesta montagem, para além das dos artistas já mencionados, citaremos as de Noronha da Costa, de José Pedro Croft e de Bruno Pacheco, entre muitas outras que se distribuem também por núcleos que tratam a auto-representação, as modalidades de intervenção da escultura no espaço, e finalmente da pintura. Em certas salas, percebe-se que os acasos que nortearam a constituição da colecção terão determinado certas aquisições em detrimento de outras dos mesmos artistas. Ou, até, que certas ausências se devem ao facto de as compras terem parado há sete anos. De então para cá, a colecção aumenta graças a doações dos próprios artistas, com tudo o que isso implica de desequilíbrios de qualidade. De salientar, por fim, que a exposição se continua nos espaços da Culturgest do Porto, onde todas as semanas serão expostos trabalhos de um artista de cada vez. A lista de nomes a incluir vai de Leonor Antunes e Luísa Cunha até Julião Sarmento e Waltercio Caldas. Luísa Soares de Oliveira


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08-11-2013 | Ípsilon internacionais, e também à egotrip dos governantes internacionais. Howard S. Becker perguntava-se recentemente — a propósito das mortes por grandes ondas de frio de 1995 em Chicago e de 2003 em Paris, em que morreram milhares de pessoas de hipotermia e solidão — “how much is enough?” (quanto será necessário?) para que se tomem procedimentos que evitem este tipo de desastres humanos. Ora, nós há muito que vivemos nisto que os ocupantes do interior e do exterior abusivamente definiram como “crise”, há muito que vivemos no interior da catástrofe, sendo que a pergunta de Baker não tem qualquer relevância para os governantes. A catástrofe não é só a delapidação dos recursos comuns e da propriedade dos portugueses — a água, a luz, os CTT, os transportes públicos —, é também a condenação à expulsão dos milhares que emigram por desespero, as pessoas com fome, os desempregados, o extermínio e a degradação das escolas e das universidades, dos teatros e dos centros de investigação, dos museus e até das cidades. Até quando será necessário? não é pergunta que se lhes faça porque a catástrofe tem hoje uma dimensão social e uma dimensão espectacular que é já a “saída da modernidade”, na expressão de T.

Há um presente que se desmorona e um futuro que nos é interdito. Os responsáveis são a partidocracia doente e um Governo em que a incompetência está aliada ao ressentimento e aos interesses de expropriadores nacionais e internacionais, e também à egotrip dos governantes internacionais

Tiragem: 38650

Pág: 39

País: Portugal

Cores: Cor

Period.: Semanal

Área: 10,87 x 30,90 cm²

Âmbito: Informação Geral

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J. Clark. Ou seja, saímos da ordem social construída sobre a ideia de uma partilha equitativa de bens e de recursos, fundamentada na liberdade e na autoridade da argumentação sobre o domínio, sobre a tecnocracia e a irracionalidade da pobreza, para uma catástrofe de vidas pequeninas (conforme o imaginário destes governantes) e de tentativa de sobrevivência no meio dos escombros. Tudo o que construímos nestas décadas de democracia e de Estado social, expressão da modernidade na herança directa dos Iluminismos traduzida nessas manifestações com que chegámos ao presente, está a ser aniquilado em cada dia que passa. Recordemo-nos das técnicas estalinistas do apagamento das pessoas nas fotografias para que a memória destas desaparecesse. Através de técnicas de propaganda e de dissimulação, este Governo faz a mesma coisa: o serviço público deixará de existir passando a ser um fantasma de uma utopia rebelde, a solidariedade intergeracional nunca terá existido, a alegria será apagada das fotos colectivas e — também por vontade do Governo e por irresponsabilidade da partidocracia — essa ideia de Política que distingue os humanos dos animais (na medida em que trata do governo justo das cidades e do bem dos cidadãos) não será se não uma linha residual, uma vaga lembrança do que foi a Política. A partidocracia não tem guiões de confiança para o presente comum, nem sobre como renascer da catástrofe. Por isso há que encontrar outros guiões por entre os contributos de quem pensa para lá da sobrevivência. Insisto em primeiro lugar na exigência comum de não utilizar a linguagem do ocupador: é uma linguagem que condiciona e parasita todo o pensar e o agir. E tomemos como um entre esses guiões de alerta a obra For a Left with no Future (2012) deste mesmo T. J. Clark, o historiador de arte moderna, para considerar a importância que tem abandonar radicalmente o acantonamento em que a esquerda se coloca a partir de teorias do passado (incapaz de assumir as derrotas que teve, em particular a que se associa à crise iniciada em 2008). Crítico em relação a um optimismo em relação ao futuro que só passa pela possibilidade de consumo, T. J. Clark é radical. Céptico por causa do ressentimento que é a pressão exercida pelo Tea Party e seus derivados governantes europeus, avança para a única solução possível no imediato: a do confronto, a do conflito aberto entre aqueles que têm um compromisso com a modernidade e aqueles que são os detonadores da catástrofe. Haverá outra solução?


ID: 50688607

08-11-2013 | Ípsilon

Tiragem: 38650

Pág: 31

País: Portugal

Cores: Cor

Period.: Semanal

Área: 5,09 x 11,72 cm²

Âmbito: Informação Geral

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ENRIC VIVES-RUBIO

Exposições Uma mostra no CCB ajuda a perceber o fenómeno Sou Fujimoto

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