Cemitério de arquitecturas

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02-08-2013 | Ípsilon

Pág: 26

País: Portugal

Cores: Cor

Period.: Semanal

Área: 26,24 x 31,24 cm²

Âmbito: Informação Geral

Corte: 1 de 1 FG+SG FOTOGRAFIA DE ARQUITECTURA

Exposições

ID: 49054029

Tiragem: 45640

Cemitério de arquitecturas Uma muito impressionante exposição conta a história dos últimos 25 anos de uma certa arquitectura, a dos irmãos Nuno e José Mateus: auto-suficiente, autónoma, disciplinar. Jorge Figueira ARX arquivo/archive Lisboa. Centro Cultural de Belém — Garagem Sul. Pç. Império. Tel.: 213612400. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Até 15/08.

Arquitectura.

mmmmm Até 15 de Agosto está patente na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém (CCB) a exposição ARX arquivo/archive, uma retrospectiva livre do trabalho do atelier ARX Portugal, protagonizado pelos arquitectos e irmãos, Nuno Mateus e José Mateus. Tem lugar 20 anos depois de Realidade-Real, uma pequena mostra do atelier que inaugurou um conjunto de exposições que marcaram a abertura do CCB, nos anos 1990, a temáticas da arquitectura. Esta é a primeira iniciativa pensada propositadamente para este espaço onde o CCB pretende relançar actividades na área da arquitectura. É comissariada por Luís Santiago Baptista, que é director da revista arqa, e se tem destacado na promoção e crítica da arquitectura portuguesa, mas também internacional. O que faz todo o sentido porque talvez se possa começar por dizer que o trabalho da ARX Portugal convoca um certo estrangeirismo que decorre da experiência de trabalho de Nuno Mateus com Peter Eisenman, em Nova Iorque, no final dos anos 1980. Note-se que a arquitectura em Portugal teve sempre a sua quota-parte de estrangeirados, que não deixam de o ser por mais portugueses que sejam fundamentalmente: Raúl Hestnes Ferreira e Manuel Vicente, recentemente desaparecido, serão os mais notórios. É portanto uma coisa boa, mas cria problemas de tradução. Se há, na arquitectura portuguesa, uma matriz dominante, a Norte, e problemas de orfandade, a Sul — veja-se, a propósito, Lisbon Ground, a representação portuguesa na Bienal de Veneza de 2012 —, a ARX Portugal e Santiago Baptista movem-se noutro quadro. Um quadro onde a performatividade da arquitectura está acima da sua adequação, raiz, ou previsibilidade. O que encontramos no CCB é essa performatividade quase a um modo pornográfico: centenas de dispositivos fixados em caixas nos seus mais ínfimos gestos e detalhes. Maquetas de trabalho ou finais, refinadas ou toscas,

A performatividade dos irmãos Mateus quase a um nível pornográfico: centenas de dispositivos fixados em caixas

captadas na sua glória episódica, na sua “pequena morte”. Estão permanentemente a caminho da arquitectura, mas nunca sabemos qual, exactamente, mesmo quando levitam sinalizando algumas obras construídas. É-nos dito na exposição que a lógica arquivística se sobrepõe à respiração que alguns projectos lograram alcançar, construindo-se. Mesmo esses projectos construídos estão arquivados, isto é, mortos. Dá-se então o paradoxo que define ARX arquivo/archive: essencialmente motivadas por uma expressão de movimento, de fractura, de intervalo, estas arquitecturas estão embalsamadas como borboletas em pleno voo. Tradicionalmente, os arquitectos fazem maquetas para testar as melhores viabilidades formais, corrigir incongruências, no sentido de encontrar a solução “perfeita”. (O recurso recorrente a estes dispositivos é relativamente recente e acompanha ironicamente a evolução nas representações virtuais; quanto

melhor é o software, mais os arquitectos fazem maquetas.) A ARX Portugal não tem esse propósito; as maquetas não evoluem no sentido da solução “adequada”, mas servem para simular os vários momentos em que a arquitectura pode existir, sendo que um deles, não necessariamente o melhor, é convocado para ser realidade. Afinal o que é o “melhor” quando se procura a estranheza e a deriva? Dividida em três partes, um Atlas ARX (na parede), um Gabinete de Curiosidades ARX (as maquetas), e Cinema ARX (com cinco filmes de Carlos Gomes), esta muito impressionante exposição conta a história dos últimos 25 anos de uma certa arquitectura: auto-suficiente, autónoma, disciplinar. Em que na rotação, na inflexão, na contrariedade, na diatribe das formas encontra a sua razão de ser. E que assim formula um discurso “crítico” porque abala — literalmente — as instituições e as concepções adquiridas. Na

prática, o destinatário é essencialmente a arquitectura como instituição. De algum modo, como quase tudo o que vemos hoje, refere-se ao passado. A processualidade da forma que a motiva está hoje a ser trocada pela processualidade da vivência, por vezes próxima de um discurso anti-arquitectura. Esta exposição é deliberada, pornográfica, kama sutricamente, arquitectónica. Este excesso de arquitectura é obviamente insuportável para quem tem, muito legitimamente, uma visão reguladora, mediadora, e culturalista da arquitectura. Não é para todos os gostos, portanto. Mas para voyeuristas, pornógrafos, culturistas, arquivistas, lepidopterologistas, libertinos, trainspotters, necrófilos, é obrigatória. Está num intervalo apertado e em vias de extinção: não é higienista e moderna ou orgânica, nem é antiarquitectura (veja-se a propósito o programa da Trienal de Arquitectura de Lisboa de que José Mateus é, ironicamente, o grande mentor). Encontra-se e define-se num espaço temporal curto — entre 1989-Berlim e 2001-Nova Iorque — em que se acreditava que a arquitectura podia aspirar a um último grau de beleza: o de criar problemas. Neste sentido é irónico que as caixas dos arquivos pareçam caixões do soldado desconhecido; é porque estamos de facto num cemitério de arquitecturas.


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