ID: 49652565
10-09-2013
Tiragem: 45304
Pág: 26
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,28 x 30,61 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
As casas precisam de paredes? É um dos arquitectos de quem se fala este Verão e está em Lisboa. Sou Fujimoto reinventa paredes, chãos e telhados. Pelo meio, tenta reinventar a maneira como vivemos Exposição Isabel Salema Sou Fujimoto gosta de paredes. “Eu gosto de tudo. Gosto de paredes, de relva, de telhados. Gosto de saber que uma parede não é só uma parede numa situação específica. Este tipo de estudo é muito excitante.” A pergunta que fizemos ao arquitecto japonês no final da visita para a imprensa da exposição que é inaugurada hoje, às 19h, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, tinha a ver com a maneira como o trabalho de Fujimoto interroga os elementos essenciais da linguagem da disciplina. Ele, que é um dos mais interessantes arquitectos japoneses do momento e que fez este Verão o pavilhão temporário da Serpentine Gallery, em Londres, tinha afirmado, sem espaço para dúvidas, que gostava de paredes (mesmo que às vezes as faça quase desaparecer) e que a expressão que têm nos seus projectos “depende” do significado que lhes atribuímos. “Se é no meio de Tóquio e se o cenário é muito pequeno, então a parede pode ser uma coisa demasiado forte. Se for no meio da natureza, como no pavilhão do jardim em Colónia, é só uma parede que faz uma fronteira mas não tem telhado. O significado aí é diferente de uma parede numa casa privada. Os significados dependem das situações.” Estávamos de volta à Casa NA (2011), em Tóquio, uma das casas mais famosas de Fujimoto, em que as paredes são de vidro e onde uma moradia que teria normalmente quatro pisos é organizada numa casa com 18 níveis diferentes de chão. Queríamos saber quão experimental é que um arquitecto consegue ser com estes elementos essenciais como o chão ou a parede. “Eu acredito que podemos reinventá-los. Mas todas as coisas experimentais devem ter uma relação profunda com a nossa vida. Se é só uma coisa experimental para experimentar, não tem utilidade. Por isso eu estou sempre a voltar atrás, ao estilo de vida, à forma como nos comportamos,
como percebemos a parede. E, trocando ideias, às vezes conseguimos mesmo chegar a uma coisa nova.” No caso da Casa NA, Sou Fujimoto questionou os diferentes significados de chão ou dos andares normais de uma casa. “Não é só uma experiência. Eu acho que essa inovação essencial é possível. Abre a porta a um futuro estilo de vida.” Com a Casa NA, Fujimoto, de 42 anos, diz que teve muita sorte com os clientes, um casal. “Encontrámo-nos no início e falámos do seu estilo de vida e como viviam na altura. Eu mostrei os modelos e eles naturalmente escolheram aquele e disseram que aquilo lhes parecia muito natural para eles. Depois, na discussão com o cliente, fizemos umas áreas maiores, outras mais altas. Claro que parece uma espécie de casa louca, mas na realidade é mesmo confortável. Nas fotografias parece demasiado radical. Mas, se se estiver lá, rodeado pelas coisas que temos... A casa tem alguma inspiração universal sobre como as pessoas podem viver.”
Nuvem em Londres O pavilhão para a Serpentine Gallery, uma encomenda que pretende todos os verões questionar os limites da arquitectura, é uma espécie de filho da Casa NA e da Casa de Madeira (2008). “O projecto da Serpentine foi muito importante, por isso nós pensámos em tudo o que fizemos, tudo o que estamos a fazer e todas as possibilidades das coisas que vamos fazer. Tudo o que é essencial emerge naquele projecto. Estou muito contente com o resultado.” Feito de finas barras de aço, parece uma nuvem que desceu sobre os Kensington Gardens, uma grelha, sem paredes, sem cobertura. “Um simples cubo, com o tamanho adaptado ao corpo humano, é repetido para construir uma forma que existe entre o orgânico e o abstracto, para criar uma estrutura ambígua, leve, que funde as fronteiras entre exterior e interior”, escreve o arquitecto no catálogo da Serpentine Gallery. Fujimoto espera conseguir continuar a ter um trabalho que explo-
Sou Fujimoto (em cima) gosta de trabalhar os conceitos de empilhamento ou de grelha ra os limites da arquitectura, agora que os seus projectos estão a ganhar escala e a internacionalizarem-se. “Claro que é um grande desafio. Nós temos feito mais casas particulares ou coisas de tamanho médio. Tenho a sorte de, gradualmente, os projectos estarem a ficar maiores. Não foi
de repente. E, mesmo na grande escala, tento criar uma variedade de escalas. Como é que conseguimos misturar a escala individual, acolhedora, com a escala média e a escala maior num só projecto? Isso é a chave para criar um bom ambiente para viver.”
A biblioteca para a Universidade de Arte de Musashino (2010) é já um grande projecto, cuja planta é uma espiral — “como o museu em espiral de Le Corbusier” — e onde as estantes de madeira são trazidas para o exterior. São elas que ajudam a construir as paredes. Por que é que as estantes, parte do mobiliário, foram trazidas para o exterior? — perguntamos ao arquitecto. “É uma espécie de brincadeira. A biblioteca é no campus universitário, rodeada por outros edifícios. Uma das razões é para mostrar as estantes como representação de uma biblioteca. Elas estão cobertas por vidro e por isso não são assim uma afirmação tão forte. Reflectem mais as árvores que estão à volta. O edifício está escondido nas árvores e sugere-se, ligeiramente, que isto é uma biblioteca.” As estantes, voltando ao problema das várias escalas num projecto, servem para criar a escala do espaço. “Se nós tivermos só uma parede vazia, esse tipo de vazio é, se calhar, demasiado.” Dividida pela escala das prateleiras, a estante, com a sua den-
ID: 49652565
10-09-2013 FOTOS: ENRIC VIVES-RUBIO
Tiragem: 45304
Pág: 27
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 11,26 x 27,35 cm²
Âmbito: Informação Geral
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seco. As diferença e as semelhanças são um bom equilíbrio. Podemos partilhar alguns conceitos mas somos surpreendidos pela forma como os portugueses fazem as coisas de maneira diferente. Isto é a minha impressão de como a arquitectura portuguesa é bastante importante para os japoneses.”
O terramoto de 2011
sidade de vazios e cheios, cria uma escala mais acolhedora. “Eu pretendi que as estantes fossem um espaço interactivo. Elas são uma espécie de moldura para as pessoas reagirem à biblioteca.” Consegue imaginar um projecto para Lisboa? — pergunta um dos jornalistas. Lisboa é uma cidade que Sou Fujimoto já visita pela terceira vez. “Tem uma luz do sol muito forte. Tem bom tempo. Pedras. A pedra é uma coisa nova para mim, porque no Japão nós quase não usamos pedra. Como é que nós percebemos as estruturas em pedra ou as texturas da pedra? Estou muito curioso em relação a isso.” Fujimoto já tinha falado das semelhanças entre a arquitectura japonesa e portuguesa: “Se pensarmos na simplicidade, na parede branca de Álvaro Siza... Claro que a brancura japonesa e a de Siza é ligeiramente diferente, mas ao mesmo tempo é muito semelhante. Nós sentimos que partilhamos algo com os portugueses. A forma de lidar com o clima é muito diferente, o Japão é mais húmido e aqui é mais
Sobre o terramoto e o tsunami de 2011, Fujimoto diz que ainda está a reflectir sobre esse terrível desastre e as consequências que terá para o seu pensamento arquitectónico. Toyo Ito (último Prémio Pritzker de Arquitectura), ele e mais dois arquitectos japoneses ganharam em 2012 o Leão de Ouro da Bienal de Veneza de Arquitectura para o pavilhão nacional com um projecto intitulado Architecture. Possible here? Homefor-all. Esse projecto foi o único que fez para a zona do desastre. “Mas, durante todo o processo, que durou um ano e meio, aprendi ou reaprendi como a arquitectura surge na sociedade ao nível mais baixo e não é só feita por quem desenha, pelo engenheiro... É um processo que emerge naturalmente. Da discussão, só com uma conversa com o cliente, com as pessoas locais. Depois podemos ter pequenas inspirações, pequenas ideias. É como uma árvore que cresce com a ajuda de várias pessoas. É alguma coisa que está para lá da minha imaginação e ao mesmo tempo é alguma coisa que toda a gente sente que é isto.” Nada foi ainda feito na área do desastre, é só um campo vazio. “De um ponto de vista prático, nós temos que pensar como recriamos essas pequenas comunidades. É uma coisa muito grande, eu ainda estou a pensar como é que isso se faz.” Hoje, depois da inauguração, às 21h30, Sou Fujimoto dá uma conferência no Grande Auditório do CCB. Aí vai provavelmente explorar a ideia da “arquitectura como floresta”, que está na base desta exposição que começou no Kunsthalle de Bielefeld, na Alemanha, tem curadoria de Friedrich Meschede e Julia Albani e fica em Lisboa até 17 de Novembro. Uma casa, afinal, podem ser várias espaços empilhados, e nós temos apenas que trepar entre eles. Pelo caminho, podemos querer partilhar esses galhos, ou essas escadas/espaços cheios de verde, com os vizinhos. É a Casa antes da Casa (2009) e serviu também para trazer a natureza para a cidade.
ID: 49652565
10-09-2013
EXPOSIÇÃO SOU FUJIMOTO, O ARQUITECTO QUE TENTA REINVENTAR A MANEIRA COMO VIVEMOS Cultura, 26/27
Tiragem: 45304
Pág: 1
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 5,31 x 6,31 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 3