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OS PEQUENOS NARCISOS DE QUERENÇA
Vers O Integral
[Artigo parcialmente publicado na pág. de Facebook da Fundação, a 3 Fev. ‘23]
Na Quinta da Ombria (OmbriaResort) ou - em rigor - na estufa do empreendimento turístico, existe desde o dia 27 de Janeiro um canteiro de Narcissuswillkommiicom o nome da escola de Querença associado.
Há quem lhes chame junquilhos-do-barrocal mas, para fazer jus à designação, a sementeira do grupo de PequenosNaturalistasdeQuerençaterá que vingar.
Gonçalo Menezes é engenheiro florestal e, no Ombria Resort , dá a conhecer aos pequenos estudantes da EB1/ JI de Querença - cerca de 30 - que o narciso amarelo existe unicamente junto a um troço da ribeira de Quarteira, no litoral. É uma espécie em perigo, inscrita na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, com uma população estimada à volta de 1 400 a 10 000 indivíduos maduros, implantada numa área de 16 km2
O engenheiro Gonçalo avança na “aula ao ar livre” e ficamos a saber que o declínio do Narcissuswillkommii provém da reconstrução de açudes ao longo do troço da ribeira onde estão identificados quatro núcleos.
Deterioram as hipóteses de sobrevivência da espécie, a expansão do canavial, a erosão hídrica dos taludes e margens do habitate o corte de vegetação nas margens durante o período de floração ou frutificação. Em contramão com o declínio, as sementes do narciso-do-barrocal subiram da ribeira de Quarteira até Querença para ampliar o perímetro de presença em Portugal. Os cursos de água que atravessam a propriedade, o constante controlo do canavial e as características do solo desta região, de calcários a xistosos, prometem ser o habitatideal para que se confirme, por aqui, a existência de narcisos-do-barrocal Porque importa começar, foi isso que aconteceu na manhã de 27 de Janeiro, com as crianças do pré-escolar e 1.º ciclo de Querença a lançar mãos à jardinagem. Cristóvão é homem para todo o serviço e, com mais dois colegas, orienta os trabalhos da sementeira. Os pequenos naturalistas não se fazem rogados e, à vez, enchem de terra o carrinho de mão. Adicionam turfa e pequenas esferas brancas. «É esferovite!» exclamam uns. «Parece neve. Parece neve » - ecoa. A perlite, misturada no preparado orgânico, irá favorecer a aeração e a circulação da água por todo o canteiro.
Todos querem estar à frente e semear. Multiplicam-se as mãos sobre a terra. Ainda a sementeira não está completa já três crianças, sagazes, agarram o regador. Conhecem a rotina. A partir daqui, os “ pequenos narcisos” que “crescem” na escola de Querença, irão receber fotografias mensais para que acompanhem aqueles que deixaram - em promessa - na estufa do OmbriaResort
Missão cumprida.
A água, na origem do maior aquífero do Algarve
Na comitiva de boas-vindas aos PequenosNaturalistas deQuerença , estão também dois engenheiros Luíses, um do ambiente e outro agrónomo. Luís Ferreira, há quase dez anos dedicado ao ambiente do Ombria , desenha o mapa das ribeiras de Querença: a de Menalva, a das Mercês e, reunidas, a de Algibre, que corre para Quarteira. Explica que tudo o que vemos à nossa volta está implantado na Rede Natura 2000, área designada para conservar os habitatse as espécies selvagens raras, ameaçadas ou vulneráveis na União Europeia. Que o esforço de múltiplas equipas tem ultrapassado as várias fases do projecto, de investimento finlandês. Relata que muitos foram os estudos e os anos de análise sobre o impacto do resortnaquele espaço de elevada riqueza natural e patrimonial.
«- E quando é que o projecto vai estar pronto?» –pergunta o Guilherme. «Daqui a 7 anos», diz Sabrina Pessanha, que responde pela comunicação do Ombria Resort
Luís Ferreira prossegue na caminhada paralela ao golfe. A área de construção do hotel evidencia-se à esquerda. As gruas vigiam a obra que começou em 2019. «O que vemos representa um quarto do que está previsto construir», projecta. O povoamento irá ainda ocupar as encostas norte e sul da colina entre a actual zona de construção e Querença e, oposta ao golfe, a que se encontra do outro lado da estrada municipal.
«- Por que é que fizeram o golfe?» - retoma o Guilherme. Luís Pinto, engenheiro agrónomo e responsável pelo campo de golfe é chamado a responder, mas é Cristina Carraça, arquitecta paisagista e responsável pela horta biológica, que avança com a caracterização do espaço: «O golfe cria um ambiente que os pássaros podem procurar para viverem e se juntarem É um novo habitat.». Previamente, junto a uma tangerineira carregada de fruto, Cristina havia falado do necessário controle de pragas e de feromonas: «Os perfumes que os insectos libertam» - explicava. No processo de transformação da paisagem, de adaptação ao plano de construção do empreendimento turístico de hotel, moradias e golfe de 18 buracos, foram abatidas mais de 800 árvores, conta o engenheiro do ambiente. «Mas por cada árvore arrancada» – salienta«foram plantadas duas. E tentamos a replantação de algumas dessas árvores e arbustos.»
Um viveiro e uma estufa encarregam-se agora de ser incubadora e berço dessas novas árvores e arbustos, a décadas de distância do estado adulto de cada azinheira, carvalho ou sobreiro.
No OmbriaResort , as crianças experimentaram as tangerinas do barrocal: doces e sumarentas. Ouviram os especialistas falar do carvalho-cerquinho e de outras árvores características da região. A alfarrobeira faz-se aqui representar por duas a três espécies e as figueiras por três a quatro. A achega é dada pelo arqueólogo José Malveiro, que também integra a equipa. É ele o responsável pelo levantamento dos sistemas de regadio tradicionais: noras, tanques e levadas, que se observam pela propriedade, bem como das casas de apoio, cadastrando e justificando o abate de cada uma delas. A ruína da casa da fruta ainda lá está. Foi espaço de armazenamento da recolecção que se fazia nestes terrenos, agora de grama. Cultivados para a subsistência de 300 a 600 famílias, eram arrendados por um coronel apaixonado pela arquitectura militar. Com mais de um século, a sua fortificação está a ser recuperada no lugar altaneiro que se avista da antiga dispensa agrícola. José, que regista a etnologia do local, partilha: «Nos vestígios vê-se a passagem do uso do burro para a utilização de motores de explosão para fazer trabalhar os engenhos e retirar a água dos reservatórios.» O arqueólogo fixa a idade do castelo entre 120 a 130 anos Pelo caminho há ainda tempo para que Gonçalo explique - com um pedaço de cortiça na mão - que aquela casca vem do sobreiro e que até poderia ser utilizada para fazer rolhas, não fosse ser tão porosa. Em seguida, testemunha-se a poda de uma árvore. Faz parte da intervenção colocar uma pasta cinzenta no local do corte, para ajudar à cicatrização. À nossa frente: o green. Um rapaz não resiste a rebolar pelo pequeno cabeço abaixo. O goldenretrieverMoMo, cão ouvinte que participa das leituras dos mais novos na Fundação Manuel Viegas Guerreiro, conquista metros de trela e corre. A margem de liberdade é facilitada pela tratadora Maria José, parceira de aprendizagens e experiências, e dinamizadora do grupo a passeio. As professoras Fernanda Guerreiro e Sara Piedade, o professor Marco, as assistentes operacionais Diamantina Cavaco e Érica Carvalho descontraem no pleno da paisagem. As crianças dispersam-se pelo espaço amplo e na expansão do momento quase se esquece que daqui a escassos meses serão as bolas de golfe a rolar pelos mesmos declives, fazendo a delícia de visitantes estrangeiros dos quatro cantos do mundo. Mais uma paragem junto a um tanque de água que embeleza o tapete verde e exibe parte da tradicional rede de irrigação das antigas hortas. Ao seu lado, um banco de areia (sandbunker) com uma árvore ao centro.
A água faz-se presente sob pontes de madeira e construções de pedra. O grupo abeira-se da ribeira. Gonçalo inclina-se sobre a grama e arranca uma erva intrusa. Desfaz as folhas entre os dedos e sente o aroma. Prossegue.
É hora da fotografia de grupo onde fica registado o céu azul inextremis, característico de uma região como a do Algarve, pouco bafejada pelas chuvas constantes de países como Inglaterra, Holanda ou Finlândia, de onde virão provavelmente muitos dos futuros frequentadores e moradores deste espaço. Fixa-se ainda na imagem, a alegria das crianças e dos adultos numa manhã iluminada pelo sol, exalada pelas plantas e milhares de árvores. Fora do registo da lente do Pedro Queiroga, ainda se ouve: «Parece neve Parece neve!» As sementes de narciso ainda dormem na incubadora. Outras, na ribeira de Querença, já acordaram e preparam-se para florir em Abril, durante um mês.
Por essa altura, o espaço percorrido agora pelas crianças, à descoberta de um novo equipamento no concelho de Loulé, será palco de descoberta para outros. Apresenta-se uma paisagem de luxo no Algarve, assente na tradição e acrescentando moradias de milhões de euros à pitoresca aldeia de Querença. É uma nova tela desenhada na serra e na qual o voo dos pássaros se cruza com o swingdos tacos. Em breve, a antiga propriedade agrícola do barrocal experienciará novas vidas, novos usos aliados aos serviços, de golfe e de investimento imobiliário.