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EDITORIAL MENSAGEM AO SOL

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ESCAPARATE

ESCAPARATE

Abrimos sob os signos do Sol e da Vegetação. O segundo trimestre de Raizchega com a oferta da separata dedicada ao Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, inaugurado no dia 10 de Março. A Fundação presta assim tributo ao investigador e filho de Querença, musealizando na paisagem os valores e princípios pelos quais lutou. Outros temas se folheiam, desde logo mais um ensaio do caderno ViagenspelaObradeManuelViegas Guerreiro , da autoria de Vítor Oliveira Jorge. Segundo o investigador e professor catedrático (aposentado) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, BochimaneskhũdeAngola.EstudoEtnográficoconstitui um dos melhores trabalhos de antropologia da fase colonial portuguesa e colmata uma lacuna na existência de estudos desta natureza. A monografia resulta da tese de doutoramento de Viegas Guerreiro, do seu génio, dos sete meses de campanha em África, ao longo de seis anos, e de pouco mais de dois meses com os bosquímanos , nas contas que o Professor apresenta no prefácio. Segundo Vítor Oliveira Jorge, Viegas Guerreiro era «um homem animado pelo amor do conhecimento da diversidade humana, com aquela empatia pelo radicalmente diferente que sabemos não ser infelizmente atitude generalizada.»

A obra em apreço recebeu o Prémio Ocidente, em 1973. Das Viagensaos PostaisdoAlgarve , do Cadernode Campoda Fundação ao Escaparate, percorra os meses de Abril, Maio e Junho vividos e sentidos por aqui. Todos eles iluminados por Rá, ou pela estrela-maior, o Sol. A propósito deste, seguimos à letra as palavras de Manuel Gomes Guerreiro. Preambulando: na Coreia do Norte, o Dia do Sol é celebrado a 15 de Abril, com feriado nacional e festejos a fazer lembrar a abertura dos Jogos Olímpicos. Mas a data de homenagem ao astro-rei, ditada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente numa iniciativa com a NASA, é a de 3 de Maio. A partir de 2019, a ONU calendariza o Dia Internacional do Sol na data do solstício, a 21 de Junho. No trimestre a que respeita esta edição, relemos as palavras do engenheiro silvicultor, investigador, cidadão activo nas questões da salvaguarda dos recursos naturais e precursor da ecologia em Portugal como ciência. Releva-se, de forma singela, a importância do Sol através do pensamento aturado de Manuel Gomes Guerreiro que hoje reconhecemos em vários outros pensadores, nos alertas sobre o risco da abundância e uso pouco reflectido da tecnologia. Desde logo, em René Dubos, citado pelo Professor na comunicação proferida na Universidade Nova de Lisboa em 1979, que se republica à frente. Precisamente: UmamensagemnodiadoSol. Também Noam Chomsky se referiu recentemente à Inteligência Artificial (IA) e ao ChatGPT. Ao jornal Público , o filósofo sublinha: «A ideia de que podemos aprender alguma coisa com este tipo de IA é um erro. Elas criam uma atmosfera onde a explicação e a compreensão não têm qualquer valor. O que se faz é tentar simular um ataque profundo à natureza não só da ciência, mas também da investigação racional no seu conjunto.» E acrescenta: «É como estudar uma colónia de formigas para perceber como operam. Para isso, é preciso ciência, não simulação.»

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Sonia Guajajara, líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, tem fixado com assertividade as suas convicções em várias plataformas. Exemplo disso, em 2017, no portal BelieveEarth: «Para nós, a civilização é o comportamento que temos em relação à terra. Para o não-índio é o desenvolvimento, o progresso. É uma inversão de entendimentos. Para mim, nós somos o povo mais civilizado que existe.» Em 2021, o livro Ofuturo começaagora.Dapandemiaàutopia, de Boaventura Sousa Santos, somava a estas, outras palavras de Sonia Guajajara: «Os povos indígenas são uma barreira contra o caos na forma como actuam para preservar a vida. A deles, a nossa, a do planeta.»

Entrevistado pelo jornal Expresso , o filósofo, ambientalista e também líder indígena Ailton Krenak, autor de Ideiasparaadiarofimdomundo(2019), despede-se desta forma dos jornalistas e do Sol: «Te mum tepó itxá, kren nabã tepó erehé» / «Oh Sol, você já tá indo? Eu abaixo a minha cabeça para você.»

Oiçamos então a mensagem de Gomes Guerreiro, ao Sol.

Dia Internacional Do Sol Manuel Gomes Guerreiro

OSol,aTerraeoHomememsociedade

Épor todos nós conhecido que a vida na camada do globo terrestre que constitui a biosfera é devida ao funcionamento do sistema Sol-Vegetação.

O Sol fornece energia radiante. Sem ele não seria possível a existência de tudo o que tem vida ou movimento na biosfera.

Por seu lado, a Vegetação capta, transforma, armazena e transfere essa energia do Sol sob a forma de hidratos de carbono, para o grupo dos seres heterotróficos a que o Homem pertence. Colabora também na formação da camada superior da litosfera, a que chamamos solo, e que tem entre outras, a característica de captar e armazenar, por algum tempo, a água da chuva, tornando-se assim utilizável pelas comunidades.

Bastavam estes dois factos qualitativos para realçar a importância que têm o Sol, primeiro, e a Vegetação, depois, na existência e manutenção da vida à superfície da Terra.

O problema quantitativo só apareceu mais tarde quando o Homem, ultrapassado o período Neolítico, iniciou a civilização tecnológica do conforto, do desperdício, do consumo, do crescimento e do lucro. Começou por essa altura a luta pela obtenção do máximo bem-estar material e requinte no uso dos recursos naturais. As sociedades passaram a viver atraídas por riquezas em excesso, embora nunca sintam saciados os seus ilimitados apetites. De resto, tudo isto foi e é artificialmente incitado por uma minoria sem peias nem preconceitos que tanto mais lucra quanto maior é o consumo, o desperdício e a dissipação.

Compreende-se assim que o Sol tenha sido e seja ainda deificado pelo Homem e que a árvore, símbolo da vegetação, seja igualmente homenageada e defendida ao ponto de um dos primeiros reis portugueses ter decretado que quem abatesse um pinheiro deveria ser enforcado.

(…)

Felizmente que o Sol, lá longe, não é acessível ao Homem, Quando não, como tudo, seria por ele privatizado e transaccionado. Baseemos pois no Sol inatingível, mas sempre presente e invariante, a política dos recursos e a filosofia da nossa vida que ele nos garantirá a eternidade.

O Sol aí está a oferecer-se generosamente para que nos salvemos como homens e nos purifiquemos como cidadãos. Mas para isso é preciso que o saibamos ser.

[Sobre a evolução humana]

(…) Como se sabe a evolução da humanidade faz-se por três vias: a genética, a ecológica e a cultural. A ecológica é a mais antiga; a genética a mais profunda; e a cultural, embora mais superficial e mais recente, é a que mais tem vindo a alargar-se nos últimos anos, devido aos cuidados de educação que a sociedade dedica à criança num período de vida que se tem alongado. Mas o Homem quer ir mais longe, na ânsia de em tudo interferir e tudo comandar. Perante a dificuldade de modificar capazmente os factores ecológicos ou externos e de impor aos jovens a sua verdade, procura levar a sua intervenção aos factores internos ou genéticos. Esta intervenção criminosa e padronizante não só está em curso como parece ser bem aceite pela maioria que não repara no perigo e nas consequências altamente nefastas de sermos nós a desenhar o nosso destino biológico. Dubos afirmou um dia que o maior perigo por que a humanidade passa não é o desaparecimento do Homem, mas sim o da sua transformação num ser cujas características deixem de ser humanas.

Na verdade, só a informação acumulada no tempo e que é responsável pela variedade, pelo acaso, e simultaneamente pela estabilidade, pode decidir o nosso futuro. A produção em série é a negação da própria vida.

Logótipo da secretaria de Estado do Ambiente, concebido por Tóssan, por encomenda de Gomes Guerreiro. Este traduz a perspectiva holística que o académico entendia para a política do Ambiente em Portugal.

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