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NOTA SOBRE O PERCURSO ECO-BOTÂNICO POR

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Fernando Santos Pessoa

Querença tem, entre os seus filhos mais ilustres, dois nomes incontornáveis: Manuel Viegas Guerreiro, notável antropólogo e linguista, e Manuel Gomes Guerreiro, insigne silvicultor e ecologista. À herança do primeiro se deve a existência da Fundação com o seu nome, que tem sido um polo de difusão cultural e científica de grande repercussão já não apenas no Algarve, mas em todo o País. Foi dentro do conceito alargado dos interesses culturais e científicos que respeitam aos valores essenciais do barrocal algarvio, e numa homenagem ao Professor Manuel Gomes Guerreiro, que se pensou num jardim botânico insitu , aproveitando as encostas da propriedade da Fundação. O projecto alargou-se para um Percurso Eco-Botânico que se estende pelas encostas referidas, através dum caminho rural que liga a um bosquete de flora natural

A partir da área mais formal do jardim botânico, com canteiros regulares onde se apresentam as herbáceas e pequenos arbustos, um caminho serpenteia encosta abaixo, cada um dos seus troços dedicados a uma espécie arbórea autóctone: o carvalho cerquinho, a alfarrobeira, o loureiro, o pinheiro mano, a amendoeira, a azinheira, o sobreiro e o zambujeiro, com disseminação da maior parte dos arbustos que completam os bosques e os matagais mediterrânios do barrocal. Em declive suave passa-se por um velho tanque de rega e por sítios de estar, sempre com uma vista surpreendente sobre as serranias envolventes; placas de identificação das espécies e outras de informação sobre os três elementos básicos do barrocal - a água, a flora e os valados - ajudam o visitante a conhecer aquilo que vai observando.

EXPOSIÇÃO MANUEL GOMES GUERREIRO: HUMANISMO E ECOLOGIA

Organização

| Maria José Mackaaij, Câmara Municipal de Loulé

A exposição ManuelGomesGuerreiro- Humanismoe Ecologiafoi concebida para a inauguração do Percurso Eco-Botânico e reúne obras da autoria deste ilustre filho de Querença. Organiza-se ao longo de cinco décadas da sua vida activa, enquanto investigador em ciências florestais, percursor da Ecologia como ciência em Portugal, democrata e defensor de uma sociedade mais justa e equitativa, que assumiu sempre a defesa intransigente da Natureza e da Educação.

Destacam-se reflexões, memórias, esperanças e desencantos, mas também apurada afectividade pelos seus familiares e amigos, com destaque para Manuel Viegas Guerreiro.

O seu pensamento e acção estão presentes permanentemente na colecção do Centro de Estudos Algarvios, sediado na Fundação Manuel Viegas Guerreiro, em Querença, sua terra natal.

MJM

PERCURSO ECO-BOTÂNICO DE QUERENÇA O SEXTO SENTIDO

O alecrim e a hortelã da ribeira perfumam o ar que se respira no jardim botânico de sítio, de Querença. Algumas das pedras que constroem os valados permitem tactear fósseis com milhares de anos. As diferentes texturas das folhas das plantas, arbustos e árvores, evidenciam o colectivo vegetal da flora mediterrânica.

Ora se vêem, ora se escutam: as centenas de aves e insectos que também caracterizam este núcleo de registo, aprendizagem e divulgação das espécies que respondem de forma positiva às alterações climáticas.

O ziguezaguear dos caminhos acorda-nos o equilíbrio e a dualidade com o ambiente.

O Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro (PEB-MGG), recentemente inaugurado, coloca-nos em partilha com o património natural e cultural do barrocal algarvio, oferecendo um sexto sentido. Quer vir percorrê-lo?

O desafio é simples:

1. Pode conhecer o PEB-MGG através de uma descoberta intuitiva, explorando os sentidos;

2. Pode conhecê-lo através do já comum telemóvel ou tablet , acedendo a uma aplicação com informação científica, fotografias e vídeos sobre a flora mediterrânica;

3. Descobri-lo mediante a mistura dos pontos 1 e 2, já que o Percurso apresenta placas identificativas das espécies presentes e outras, mais descritivas, do que podemos observar.

Foi sobre a primeira hipótese que recaiu a escolha de um grupo de 27 jovens do Centro de Actividades de Tempos Livres do Centro de Acção Social, Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Saúde e Segurança Social do Distrito de Faro, no passado dia 10 de Abril. Com idades entre os 6 e os 12 anos, percorrem curiosos/as os caminhos do PEB-MGG, à procura de animais, à descoberta de rãs, que se fazem presentes ainda antes de alcançarmos o tanque da água, sua morada. Com o prado florido, muitos são os insectos observados em campânulas e giestas.

As várias imagens deste livro natural que os jovens folheiam obrigam a súbitas e breves paragens, durante as quais todos os sentidos se manifestam.

No final, coroando a missão do PEB-MGGpedagógica e de salvaguarda de espécies em risco de extinção - o grupo explora a área natural envolvente, admirando uma das espécies endémicas de Portugal continental, de valor essencial para a Região: a orquídea selvagem, no caso, a Ophrysapifera.

O uso de telemóveis no local, diminuto, restringe-se à captura de algumas fotografias. A fruição da experiência na paisagem une o grupo de jovens e adultos do CASCD.

A professora Conceição Rodrigues, que havia visitado a Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG) em 2019 com um outro grupo de 27 crianças, inaugurando a recolha de livros da CampanhaLiteráriaLuís Guerreiro– FLIQ2019 , promete voltar ainda este ano com um novo conjunto de exploradores. Também a Tânia Pereira e a Patrícia Brásia, que acompanharam desta feita a professora e o Sr. João Almeida, confessam a vontade de regressar, a título pessoal.

Antes da despedida, e porque em Querença, em contacto com a Natureza, o tempo parece ganhar a velocidade certa, ainda ouviram um par de estórias contadas na biblioteca ANossaCasaComum , pela Maria José Mackaaij, bibliotecária da Câmara Municipal de Loulé.

Universidade Sénior de Loulé no PEB-MGG

A visita estende-se do Pólo Museológico da Água, no centro da aldeia e ao tanque com nascente em pleno PEB-MGG, com escala na Fundação. No Jardim, os mais de 30 alunos/as da Universidade Sénior de Loulé cumprem o mesmo percurso dos/as mais novos/as. Ao vigésimo dia após a sua inauguração, o grupo fica a conhecer os filmes dedicados ao projecto e às figuras singulares a ele ligadas, como Manuel Gomes Guerreiro e Fernando Santos Pessoa. São pequenos vídeos, disponíveis nas placas do PEB-MGG e na página de Youtubeda Fundação. Estes contam estórias sobre a oliveira - ou não fosse a que nos recebe ter já 1.575 anos -, o medronheiro e o alecrim, com a participação mais do que especial de Filipa Faísca e Jesus Dias, guardiãs das tradições do barrocal e da serra algarvia. Ambas partilham o uso gastronómico e medicinal das ervas aromáticas presentes no primeiro patamar do Jardim, dando eco aos provérbios e poesia a que o alecrim se alia.

Com a adição do sentido do paladar, numa receita sugerida pela Jesus Dias, fica concluído o percurso sensorial ao Eco-Botânico.

O Percurso pelo jardim e pela via africanista de Viegas Guerreiro

No rescaldo do feriado de 25 de Abril, a Fundação recebe a visita da Universidade do Algarve para a Terceira Idade. O grupo de 50 alunos/as calcorreia o Percurso Eco-Botânico e os caminhos do Patrono da Fundação por terras de Angola.

Henrique Vieira também percorreu esse território. Está desde sempre familiarizado com a figura de Manuel Viegas Guerreiro.

O pai de Henrique, Manuel Higino Vieira, professor no Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira, solicitou permuta junto de Portugal, para que Laurência, sua mulher, pudesse consultar apoio clínico em Lisboa. Viegas Guerreiro, professor no Liceu de Faro, imbuído do desejo de prosseguir o ensino e a investigação em África, aceitou a troca por dois anos, no final da década de 40 do século XX.

Ficou viabilizada a deslocação do casal Vieira a Lisboa e o nascimento de Henrique que, um ano depois, conhece África, tendo lá permanecido até à década de 70. Henrique Vieira é o professor de História que traz agora à aldeia natal de Viegas Guerreiro o grupo da Universidade do Algarve para a Terceira Idade. Visita o jardim Eco-Botânico e a Fundação, revelando aos/às alunos/as a investigação do antropólogo em Angola.

Na Fundação, Henrique contextualiza um conjunto de fotografias da colecção sobre os Köisan, anteriormente nomeados de bosquímanos.

A 13 de Maio é a Fundação que visitar o antigo Liceu de Faro, onde inaugura, na actual escola secundária João de Deus, o novo espaço ManuelViegasGuerreiro eoNúcleoMuseológicodoLyceudeFaro. O estabelecimento de ensino detém uma colecção de esculturas, rochas e outros materiais oriundos de Angola, trazida por Manuel Viegas Guerreiro. Em diálogo com alguns desses objectos, encontram-se expostas em Faro quatro fotografias de membros da comunidade Köisan, captadas por Viegas Guerreiro, segurando artefactos similares. De regresso à aldeia de Querença e ao Eco-Botânico, outras visitas ocorreram entretanto, organizadas por entidades que fazem as suas actividades acontecer em Querença. Com ou sem marcação junto da Fundação, uma coisa é certa: sempre que a natureza mudar de semblante, a oferta de “um outro jardim” é garantida, até para aqueles que já o conhecem. De forma, espontânea, o Jardim aguarda novas interpretações.

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