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um jardim, nada faltará.

Cícero (106 a.C. – 43 a.C)

PORTUGAL DENDRODESCOBERTO E A PERDA DA BIODIVERSIDADE E DA ÁGUA | Resumo da palestra

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Por Jorge Paiva

Biólogo | Centre for Functional Ecology - Science for People & the Planet. University of Coimbra

Jorge Paiva numa aula contagiante sobre a biodiversidade perdida e o comportamento humano

Oinício da desarborização antrópica das montanhas de Portugal remonta ao estabelecimento das primeiras populações, que escolhiam o topo das montanhas, que desarborizavam para melhor defesa e visualização do horizonte, vivendo da biodiversidade das florestas das encostas, onde, também, se acoitavam para se defenderem e atacarem de surpresa os invasores. Quando, há cerca de 7-8 mil anos, o homem inicia o cultivo de cereais e a domesticação de animais, intensifica o derrube da floresta para campos agrícolas e áreas de pastorícia. Uma parte das montanhas do norte do país, como, por exemplo, o planalto de Castro Laboreiro e áreas elevadas das serras do Soajo, Peneda e Gerês, talvez já estivesse com a floresta muito degradada no início da nossa nacionalidade. A riqueza arqueológica dessa região (mamoas, castros, etc.) assim o comprova. Essa desarborização intensificou-se com o cultivo do milho e expansão da vinha, continuando, depois, com a pastorícia intensiva com transumância, de que as brandas, inverneiras, socalcos e prados-de-lima são ainda testemunho. Por outro lado, os Descobrimentos tiveram um grande impacto na devastação das florestas do nosso país. Para cada nau, era necessária madeira de 2-4 mil carvalhos. Só para a Campanha de Ceuta foram necessárias 200-300 naus e durante a Expansão dos Descobrimentos, para o transporte mercantil e humano com a Índia construíram-se 700-800 naus e para o Brasil cerca de 500. Portanto, durante cerca de um século, derrubaram-se mais de 5 milhões de carvalhos (naus), castanheiros (mobiliário) e pinheiros-mansos (mastros). Foi assim que se desflorestou grande parte do país, tendo desaparecido muitos dos nossos riquíssimos carvalhais, plenos de biodiversidade. O declínio não foi apenas de plantas. O urso-pardo (Ursusarctos), a cabra-montês (Caprapyrenaica) e a águia-real (Aquilachrysaetos) acabaram mesmo por deixar de ocorrer em Portugal, embora, as duas últimas tenham sido, recentemente, re-introduzidas. A partir de certa altura, as áreas de mato foram rearborizadas com o pinheiro-bravo (Pinuspinaster). O primeiro Regimento de Reflorestação são as leis publicadas em 1495 e integradas nas Ordenações Manuelinas. Tendo sido semeado com maior profusão do que o pinheiro-manso (Pinuspinea) e do que os carvalhos (Quercus), a área de pinhal foi extraordinariamente ampliada depois da criação dos Serviços Florestais e da política de arborização do Estado Novo. Criou-se assim em Portugal, a maior área de pinhal contínuo da Europa.

A partir de meados do século XX os pinhais têm vindo a ser substituídos por eucaliptais, particularmente de Eucalyptus globulus . Desta maneira, grande parte do país ficou coberta com formações florestais mono-específicas (eucaliptais e pinhais), contínuas, adjacentes e facilmente inflamáveis pela elevada concentração de produtos aromáticos voláteis dos eucaliptos e resina dos pinheiros. Isto é, a nossa floresta passou a ser uma ignisilva(do latim ignis= fogo, chama, incêndio e silva= floresta). Com a desumanização do meio rural, além do abandono a que foram votadas as serras pela diminuição de técnicos florestais, os incêndios florestais além de se terem tornado devastadores, são também tão frequentes, que a população já se habituou aos catastróficos piroverões (do grego pyros= fogo) que temos. Como já não há Serviços Florestais, não temos capacidade de rearborizar as áreas montanhosas ardidas, que, com as chuvas são erodidas, ficando sem solo arável e sem capacidade de retenção aquífera. Grande parte das nossas montanhas são Já um extenso deserto rochoso. Um país florestal que éramos, está a transformar-se num Portugal dendrodescoberto (do grego dendron= árvore),

Aula proferida por Jorge Paiva. O biólogo desafiou o poder local a eleger o Narcissuswillkommii símbolo de Loulé e a salvaguardar a espécie endémica algarvia representada apenas em quatro núcleos, localizados junto à ribeira de Quarteira. Ver caso de salvaguarda da espécie em Querença: https://issuu.com/fundacaomanuelviegasguerreiro/docs/ n33_jan-mar_2023(pp 24-26)

Sess O De Homenagem A Manuel Gomes Guerreiro Por Margarida Correia

No passado dia 10 de março, Querença viveu mais um dia memorável: a inauguração do Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro.

Muitas foram as entidades regionais e locais que estiveram presentes. Tivemos o privilégio de ter, pela segunda vez em Querença, a presença do General Ramalho Eanes e sua esposa, Manuela Eanes. Eu tive o enorme prazer de almoçar na presença do General Ramalho Eanes, onde tivemos oportunidade de falar sobre os vários problemas com que o interior se debate e também das suas potencialidades.

Foi muito interessante constatar que os temas de que falámos à mesa, foram precisamente aqueles que o Professor Jorge Paiva abordou na excelente aula que nos deu. O biólogo mencionou as questões do despovoamento, da desertificação, da descaracterização da floresta mediterrânica, questões que nos fazem refletir sobre o trabalho, muitas vezes com responsabilidade humana, sem planeamento ou visão a longo prazo. Uma ação que tantas vezes privilegia somente os fatores económicos.

Destaco ainda a instalação QrençanaPaisagem , com fotografias em tamanho real de pessoas da localidade, representativas das mais diversas áreas, que tem feito grande sucesso junto da comunidade local. Excelente exemplo de que os projetos fazem-se com as pessoas e não somente para as pessoas. São as pessoas que mantêm vivos os territórios, as suas dinâmicas, a sua cultura.

Agradeço o convite e felicito a Fundação Manuel Viegas Guerreiro e toda a sua equipa por mais este projeto e por todo o trabalho desenvolvido, nas mais diversas áreas e de relevante importância para estes territórios.

A instalação fotográfica QrençanaPaisagem , da autoria de Marinela Malveiro, com lente de Filipe da Palma, foi patrocinada pela União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim. Pode ser visitada em qualquer altura do dia. Encontra-se na entrada sul da aldeia, junto à Fundação Manuel Viegas Guerreiro, que a promove no âmbito do Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro.

QRENÇA NA PAISAGEM POR PATRÍCIA DE JESUS PALMA Investigadora

Querença sente-se como um palmo de terra defendida e cuidada. Um lugar onde a sabedoria das mulheres e dos homens tem sabido equilibrar a vida na paisagem ao longo dos tempos. Para onde quer que dirijamos o nosso olhar, é essa vida que se vê e pressente. Que se admira. É, porém, pouco comum encontrarmos as gentes que ocupam e se ocupam desta terra, ocupadas como são todas as outras gentes de todas as outras terras. A dispersão das suas habitações, própria dos modos de habitar o espaço rural, não indicia abandono ou solidão. Pelo contrário, mostra presença e audácia. A criação de QrençanaPaisagem , da autoria de Marinela

Malveiro, com fotografia de Filipe da Palma, capta, em tamanho real, habitantes de Querença com objetos da sua especial afeição.

Plantada entre as oliveiras da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, esta instalação está carregada de sentidos e investida de afetividade, materializando e dando visibilidade ao diálogo permanente e “amoroso”, no sentido de Manuel Gomes Guerreiro, entre as pessoas e a paisagem. No diálogo silencioso que se desenrola quando nos aproximamos, interpela-nos a identidade singular e afirmativa de cada pessoa retratada, a nobreza de quem se cumpre no berço onde o corpo nasceu.

Quando as pessoas retratadas aqui se reúnem, trazendo os amigos e a família, os seus rostos reais avivam-se perante os seus rostos de papel, abrindo-se à comemoração de memórias e de sonhos. Definitivamente, esta não é uma criação para “visitantes”, “forasteiros” ou “turistas”, embora também esses possam dela desfrutar e com ela aprender. É, sim, uma homenagem pública a cada pessoa, ao lugar que ocupa na e pela comunidade a que pertence, o reconhecimento da riqueza insubstituível da sua identidade e saber, um contributo muito estimável para o bem-estar e qualidade de vida da população de Querença.

HORTENSE MEALHA MARTINS INÁCIO, CARDOZAL. Uma doença fixou o antes e o depois na vida de Hortense, mas a poesia e o artesanato deram-lhe asas para vencer. Nesse caminho descobriu a solidariedade.

JOÃO MANUEL DIAS DA CONCEIÇÃO, ADEGA. Conhecido por João da Guitarra, espalha rimas desde os 16 anos. Sabe-as todas de cor e salteado. É músico e artista de valor.

MÁRIO DA SILVA MIGUEL, VÁRZEAS. O Sr. Mário sintetiza o tempo em que se fazia o exame da 4.ª classe com sapatos emprestados, o da imigração e do regresso à terra natal. Orgulha-se de ter uma das maiores oliveiras de Querença.

À esq.: MARIA DE JESUS SOUSA SILVA DIAS, PENEDOS ALTOS. A vocação para divulgar os encantos da serra precede-a. Acompanha-a o saber das tradições, da genealogia e das plantas do barrocal. Jesus está no coração de Querença e o inverso também é verdade.

Ao centro: FILIPA FAÍSCA DE SOUSA, BORNO. Mulher dos sete talentos, já publicou poesia e expõe o seu artesanato. É fiel depositária das memórias das gentes serranas. Foi informante de Manuel Viegas Guerreiro, com quem muito prosava sempre que o antropólogo visitava a sua aldeia querida.

Sess O De Homenagem A Manuel Gomes Guerreiro

Transcrição

Por V Tor Aleixo

Quero naturalmente começar por cumprimentar, senhor - permita-me que o trate assim à francesa - senhor Presidente, uma vez presidente, Presidente toda a vida

Senhor Presidente da República Ramalho Eanes, os meus cumprimentos e as minhas palavras de boas-vindas, à Dr.ª Manuela Eanes também; ao presidente da Assembleia Municipal; à senhora presidente da Junta, querida amiga, que acabou de falar, a Margarida; e à família, aos familiares do homenageado, o professor João Guerreiro e a sua irmã Margarida; ao Presidente da instituição, da Fundação que nos acolhe e aos seus dirigentes; ao Presidente da CCDR; ao senhor Cônsul de Marrocos; ao arquiteto José Alegria; ao senhor reitor da Universidade do Algarve; ao senhor arquiteto Fernando Pessoa - eu vou esquecer-me de alguém certamente - ao presidente do ICNF aqui da região, engenheiro Castelão Rodrigues; enfim, a todos cumprimento e a todos dou as boas-vindas.

Queria em primeiro lugar dar os parabéns e pedir um grande aplauso para quem filmou o vídeo que vimos da abertura, o filme ARaiz , quem executou a harpa, quem cantou e a quem fez o filme que foi aqui apresentado. É um grande momento desta tarde e para todos eles, para os responsáveis, eu peço uma grande salva de palmas. Estamos aqui na casa que nos acolhe, um antropólogo, Manuel Viegas Guerreiro, símbolo da nossa cultura, do nosso conhecimento, do interior do concelho, da nossa região e do país do qual nos orgulhamos, para, numa tarde que há tanto tempo aguardávamos, homenagear um monumento do Mediterrâneo que é o jardim Eco-Botânico que acabámos de inaugurar, o que me enche de alegria como autarca, poder ter tido a possibilidade de contribuir com recursos públicos, contribuirmos com a nossa decisão, o nosso entusiasmo. E é um privilégio poder contribuir para a obra fantástica que esta Fundação, com os seus amigos - que são muitos - em bom momento decidiram desenvolver aqui.

Não é uma obra material: não tem cimento, não tem ferro, não é mais um hotel de cinco estrelas ou um grande empreendimento xptodaqueles que... também precisamos deles, valha a verdade, talvez com um bocadinho mais de parcimónia, mas isso é outra conversa... não, não é nada disso. O jardim Eco-Botânico que acabámos de inaugurar hoje, para enorme alegria de todos nós, é uma comunidade que se mobiliza e que tem consciência daquela mensagem que nos trouxe hoje o professor Jorge Paiva: é tempo de travar às quatro rodas, reflectindo profundamente o tipo de civilização em que estamos envolvidos e para a qual contribuímos muitas vezes de uma forma absolutamente inconsciente. É tempo disso tudo e nada melhor que inaugurar um monumento destes, um monumento-natureza na sua vertente botânica, como fizemos, e chamar a atenção para o facto de que o Homem é Homem onde quer que se encontre, em qualquer parte do mundo e do planeta. Homem que é capaz de pensar a sua relação com a natureza. Pois muito bem, nós estamos aqui na casa de um antropólogo a homenagearmos o ambientalista, um homem que viu muito cedo, muito longe. Aliás, nós ouvimos as palavras do professor Gomes Guerreiro no filme a ele dedicado, a referência ao Clube de Roma, que foi de facto o primeiro Think Tank- acho que é assim que se chama - dos primeiros da época contemporânea. Gomes Guerreiro chamou a atenção para os limites da Natureza, para os limites do crescimento económico, do crescimento social, portanto foi de facto um homem muito, muito à frente do seu tempo. E portanto eu tenho a maior satisfação, o maior orgulho neste momento, de desempenhar estas funções, de estar aqui convosco a viver esta tarde verdadeiramente memorável. A mim pediram-me para eu falar pouco e fizeram bem porque a tarde vai longa e o Presidente Ramalho Eanes com a Dr.ª Manuela Eanes merecem-nos com certeza esse respeito, mas de facto a intervenção do Professor Jorge Paiva foi muito, muito desafiante. Queria dizer que o concelho de Loulé já cuida, já cultiva estes valores. Já faz parte de uma nova concepção de gestão autárquica, olhar para estes valores e cultivá-los. Temos tido o cuidado, nos últimos anos, de contratar uma geração de muitos jovens, de lhes dar liberdade de trabalho, de criatividade, de sonharem e de proporem aos mais velhos, que somos nós, o Executivo. E nós deixamo-nos guiar por eles. Sabemos, com certeza, que a experiência de vida traz-nos sabedoria, mas deixamo-nos muito guiar por estes jovens fantásticos. Não são muitos, mas são em número crítico suficiente para fazer um bom trabalho em Loulé. São geógrafos, físicos, biólogos, engenheiros do ambiente, de várias especialidades. Graças a este encontro de pessoas, temos uma candidatura para apresentar à UNESCO em breve, espero eu, em Paris, para a criação de um Geoparque com a chancela UNESCO. É uma das classificações possíveis no planeta, para a parte física do planeta. Peço desculpa porque a minha cultura científica não é grande, mas nós temos essa reserva. Quero dizer que nós temos imenso património único e - pode crer professor Jorge Paiva - não vou esquecer o NarcissusWilkommii.Parece que tem assim um nome alemão, de bem-vindo, não é? Não vou esquecer-me porque temos também um hotspotda diversidade em espécies cavernícolas nas grutas de Vale Telheiro, com espécies únicas e que têm apenas paralelo na América Latina. Portanto, isto diz bem ao falar de um tempo da Terra, em que a vida aconteceu no planeta antes da separação dos continentes. Tratámos, classificámos, comprámos os terrenos e vamos cuidar. Vamos preservar, estudar e transmitir esse conhecimento às gerações vindouras porque para defender, para proteger, para valorizar, é preciso aprender a amar. Nós temos que aprender a amar o nosso território, as nossas pessoas, os nossos costumes, as nossas tradições, é disso que tratamos também quando falamos do Geoparque. Portanto temos esse hotspot . Vamos tratar desse narciso, sobre o qual deixou uma série de pistas. O general Ramalho Eanes dizia há bocadinho que devíamos ter um prémio professor Gomes Guerreiro. Já o temos, é verdade. Mas o Presidente falava mais para os jovens e eu acho que não custa nada instituir, temos vários prémios dirigidos aos jovens em idade escolar na área da literatura em que homenageamos a poetisa Sophia de Mello Breyner, e podemos também instituir um prémio na área do ambiente, das ciências do ambiente. Por que não com o nome do professor Manuel Gomes Guerreiro?

Vamos tratar de criar esse prémio, senhor Presidente. A sua sugestão vai ser acatada com muito gosto porque de facto não temos em meio escolar um prémio que possa chamar a atenção da divulgação da cultura científica.

Eu termino dizendo-vos que esta tarde ficará na memória de todos nós, pelo simbolismo profundo de que se reveste. Para mim é uma honra, é um orgulho e, em nome de Loulé, um grande abraço aos dois. Muito obrigado.

ENCERRAMENTO DA SESSÃO DE HOMENAGEM A MANUEL GOMES GUERREIRO Transcrição

Por General Ant Nio Ramalho Eanes

Começo por felicitar, por esta tão justa e útil iniciativa – de homenagem ao Professor Manuel Gomes Guerreiro – o senhor Dr. Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé e o senhor engenheiro Gabriel Guerreiro Gonçalves, presidente da Fundação Manuel Viegas Guerreiro. E felicitá-los não só por esta sessão, mas, também, pela inauguração do Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, o primeiro Jardim Botânico do Algarve ancorado em metodologia científica e tecnológica, idealizado pelo Senhor Arquitecto Fernando Santos Pessoa.

E trata-se de uma justa e devida homenagem ao Professor Manuel Gomes Guerreiro, porque o Professor Gomes Guerreiro é o tipo de homem que se encontra em momentos felizes e, assim, porque era uma personalidade que pugnava, sistematicamente, pelo dever – o dever de responsabilidade social, o dever de tudo fazer para proporcionar condições de desenvolvimento e modernização ao seu País, à sua região, à sua terra.

E tudo isto fazia mobilizando competências, arregimentando vontades, empenhando-se em projectos e realizações que visavam conseguir responder àquela estratégia de responsabilidade social. E, na acção socialmente empenhada na sua área de profissão e saber, na actividade cívica, mostrava uma mobilizante atitude, marcada pela ambição em cumprir, com permanência, o dever, nunca mostrando sentir o seu peso, mas, fazendo-o com alegria e – socorrendo-me de Yourcenar – com poesia.

Era, pois, por este seu traço marcante de sentido do dever, uma personalidade de eleição e um cidadão exemplar.

Na sua personalidade, humanista, de eleição, destacavam-se a sua honestidade e o seu rigor; a sua humildade e sabedoria; a sua disponibilidade e generosidade; a sua inteligência e empatia; e, também, sobretudo, a sua capacidade, inteligente e determinada, de acção e de risco.

Cidadão exemplar era-o, também, o Professor Gomes Guerreiro, na família, no seu labor profissional e intelectual, e, ainda, no seu empenhamento cívico e político.

Na área intelectual, conhecemos a sua produtividade e a sua excelência. No campo profissional, todos sabemos o que fez, o que de importante deixou à posteridade. Cívica e politicamente foi um homem que exigia, para si, uma cidadania plena, mas que exigia, para os outros, essa mesma cidadania.

Destacam-se, na área intelectual, o seu sentimento, a sua intelecção e o seu combate pela ecologia, campo em que o Professor Gomes Guerreiro foi prócere vanguardista.

Na profunda e prudencial perspectiva ecológica do Professor Gomes Guerreiro, o nosso planeta é habitado por seres, tanto os seres humanos como por toda uma outra infinidade de seres, partilhando o mesmo ambiente. Aprender a viver com os outros seres, respeitá-los e respeitar a grande diversidade que todos representam é, também, respeitar, virtuosamente, a defesa da “ casa comum”, da Natureza. Atentar contra essa “ casa comum” é virar costas à harmonia, à beleza, à estabilidade que é a vida. Infelizmente, parece que, só há pouco tempo, os governantes, reunidos em conferências, comités e outras estruturas semelhantes, acordaram para esta realidade. É, pois, talvez aqui, nesta profunda e humanista convicção, que o Professor Gomes Guerreiro encontra a força e a ousadia para, ainda jovem, denunciar, com veemência, a perversa florestação industrial, e para denunciar também, depois, tantas e tão variadas outras perversões, de tão nefastas consequências.

No campo profissional, licenciado em Engenharia Florestal e doutorado em Ciências Florestais, percorre o nosso País, de Sul a Norte, adquirindo um conhecimento ímpar a nível bioclimático. Vai, posteriormente, para o Instituto de Investigação Científica, em Moçambique, e, depois, para Angola, onde colabora na instalação da Universidade de Luanda. De regresso a Portugal, por convite de ministros da Educação, participa na criação das universidades Nova de Lisboa, Évora e Algarve. Notável foi, porém, a árdua batalha que travou, exactamente, pela Universidade do Algarve, de que viria a ser reitor.

O Professor Gomes Guerreiro considerava, justa, responsável e coerentemente, ser necessário descentralizar a universidade, desinsularizá-la, dessacralizá-la; empenhá-la, também, num ambicioso processo de socialização política da juventude, que contribuísse para a assunção generalizada de uma cidadania de participação, para a crescente implicação dos cidadãos nos assuntos colectivos. Para ele, era fundamental estender a universidade à província, torná-la mais acessível ao cidadão, abri-la às comunidades locais, e fazê-la fonte e motor de modernização económica e de desenvolvimento social.

Na área cívica e política, pretendia o Professor Guerreiro, e muito fez nesse sentido, que tivéssemos uma democracia aberta, intransigentemente pluralista, cosmopolita, mas agarrada às raízes e tradições personalizantes, que tentasse, sem utopias perversas, fazer com que se promovesse e maximizasse a igualdade com liberdade.

Tive ocasião de assistir à sua luta política e, também, de certa maneira, à decepção a que ela o conduziu. Essa socialização da política, essa politização da sociedade desejada, essa modernização económica e desenvolvimento social não se concretizaram, sobretudo, porque não constituiu propósito político que os partidos políticos verdadeiramente assumissem. Pessoalmente, tive o privilégio e a bênção de ser seu amigo. Esta proximidade permitiu-me constatar que, na lealdade, sem mácula, aos amigos, jamais abdicou da exigência moral. A fidelidade, essa, sempre a recusou a pessoas e a interesses de grupo, guardando-a para os valores, para os princípios, porque só a eles sentia que devia uma dependência completa. Na minha memória, o seu lugar está, pois, entre os meus melhores e mais queridos amigos.

Hoje estou, aqui, no Algarve, nesta cerimónia, porque me foi solicitado por pessoas que muito prezo, mas, fundamentalmente, como dever de reconhecimento e de homenagem ao Professor Gomes Guerreiro, que muitos portugueses inspirou, entre os quais me conto, e muitos inspira, ainda, como este evento demonstra, e muitos certamente irá inspirar.

O Professor Gomes Guerreiro é, por mérito reconhecido, por trabalho realizado e por exemplo cívico, como dizia o Padre Manuel Antunes, um dos nossos maiores, para quem «devemos olhar (…) como se vivos estivessem, e devemos fazer assim para tentarmos nós, agora, fazer aquilo que eles fariam se vivos fossem.»

Certamente, esta homenagem e a revisitação da vida e obra do Professor Gomes Guerreiro contribuirão para nos ensinar e inspirar na acção profissional, social e civicamente responsável, e frutuosa.

Escultura E Poesia A Ant Nio Ramalho Eanes E Manuela Eanes

Na passada edição da revista Raiz , publicámos uma quadra do louletano Francisco José Andrade de Sousa, mais conhecido por Chico Zé, que também compôs uma marcha militar dedicada ao General Ramalho Eanes, de visita ao Algarve em Dezembro de 1980. Na sessão de homenagem a Manuel Gomes Guerreiro, ouviu-se o poema na íntegra, no auditório da FMVG, o qual se digitaliza abaixo, com a letra do autor.

Foi também na Raizn.º 33 que se publicou uma das páginas dessa marcha, posteriormente orquestradas pelo também louletano Mendes do Carmo, na altura maestro da banda da GNR. A gravação, partilhada com o Major Santos Costa, chegou por sua vez ao conhecimento do Tenente Coronel Geraldo Estevens, que era chefe da casa militar do Presidente Eanes. Por intermédio deste, a marcha - dir-se-ia hoje em dia, viralentre estes militares - foi entregue alguns dias depois, em suporte cassete, a Ramalho Eanes, pelas mãos do seu compositor: Chico Zé. Na altura, este pediu ao filho, Francisco José, que fizesse uma das suas esculturas em barro (um busto) para levar ao Sr. Presidente, como oferta e tema de conversa. Mais de 40 anos depois, a 10 de Março de 2023, foi o médico pediatra e artista plástico que ofereceu uma nova escultura ao antigo Presidente da República Portuguesa.

O acto gerou alguma comoção e até alguma “cobiça por parte de Manuela Eanes, que segurou na imagem dual de António Ramalho Eanes militar e civil e não mais a abandonou.

A antiga primeira-dama é agora - também - fiel depositária da recente escultura do General, que viajou para a capital alfacinha envolvido pela memória da plantação da árvore-símbolo da paz.

Manuela Eanes plantou uma jovem oliveira, junto a outra, milenar, dando ambas as boas-vindas aos caminhantes que se aventuram na descoberta cultural, natural e patrimonial de Querença.

EXPOSIÇÃO MANUEL GOMES GUERREIRO: HUMANISMO E ECOLOGIA

Organização

| Maria José Mackaaij, Câmara Municipal de Loulé

A exposição ManuelGomesGuerreiro- Humanismoe Ecologiafoi concebida para a inauguração do Percurso Eco-Botânico e reúne obras da autoria deste ilustre filho de Querença. Organiza-se ao longo de cinco décadas da sua vida activa, enquanto investigador em ciências florestais, percursor da Ecologia como ciência em Portugal, democrata e defensor de uma sociedade mais justa e equitativa, que assumiu sempre a defesa intransigente da Natureza e da Educação.

Destacam-se reflexões, memórias, esperanças e desencantos, mas também apurada afectividade pelos seus familiares e amigos, com destaque para Manuel Viegas Guerreiro.

O seu pensamento e acção estão presentes permanentemente na colecção do Centro de Estudos Algarvios, sediado na Fundação Manuel Viegas Guerreiro, em Querença, sua terra natal.

MJM

PERCURSO ECO-BOTÂNICO DE QUERENÇA O SEXTO SENTIDO

O alecrim e a hortelã da ribeira perfumam o ar que se respira no jardim botânico de sítio, de Querença. Algumas das pedras que constroem os valados permitem tactear fósseis com milhares de anos. As diferentes texturas das folhas das plantas, arbustos e árvores, evidenciam o colectivo vegetal da flora mediterrânica.

Ora se vêem, ora se escutam: as centenas de aves e insectos que também caracterizam este núcleo de registo, aprendizagem e divulgação das espécies que respondem de forma positiva às alterações climáticas.

O ziguezaguear dos caminhos acorda-nos o equilíbrio e a dualidade com o ambiente.

O Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro (PEB-MGG), recentemente inaugurado, coloca-nos em partilha com o património natural e cultural do barrocal algarvio, oferecendo um sexto sentido. Quer vir percorrê-lo?

O desafio é simples:

1. Pode conhecer o PEB-MGG através de uma descoberta intuitiva, explorando os sentidos;

2. Pode conhecê-lo através do já comum telemóvel ou tablet , acedendo a uma aplicação com informação científica, fotografias e vídeos sobre a flora mediterrânica;

3. Descobri-lo mediante a mistura dos pontos 1 e 2, já que o Percurso apresenta placas identificativas das espécies presentes e outras, mais descritivas, do que podemos observar.

Foi sobre a primeira hipótese que recaiu a escolha de um grupo de 27 jovens do Centro de Actividades de Tempos Livres do Centro de Acção Social, Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Saúde e Segurança Social do Distrito de Faro, no passado dia 10 de Abril. Com idades entre os 6 e os 12 anos, percorrem curiosos/as os caminhos do PEB-MGG, à procura de animais, à descoberta de rãs, que se fazem presentes ainda antes de alcançarmos o tanque da água, sua morada. Com o prado florido, muitos são os insectos observados em campânulas e giestas.

As várias imagens deste livro natural que os jovens folheiam obrigam a súbitas e breves paragens, durante as quais todos os sentidos se manifestam.

No final, coroando a missão do PEB-MGGpedagógica e de salvaguarda de espécies em risco de extinção - o grupo explora a área natural envolvente, admirando uma das espécies endémicas de Portugal continental, de valor essencial para a Região: a orquídea selvagem, no caso, a Ophrysapifera.

O uso de telemóveis no local, diminuto, restringe-se à captura de algumas fotografias. A fruição da experiência na paisagem une o grupo de jovens e adultos do CASCD.

A professora Conceição Rodrigues, que havia visitado a Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG) em 2019 com um outro grupo de 27 crianças, inaugurando a recolha de livros da CampanhaLiteráriaLuís Guerreiro– FLIQ2019 , promete voltar ainda este ano com um novo conjunto de exploradores. Também a Tânia Pereira e a Patrícia Brásia, que acompanharam desta feita a professora e o Sr. João Almeida, confessam a vontade de regressar, a título pessoal.

Antes da despedida, e porque em Querença, em contacto com a Natureza, o tempo parece ganhar a velocidade certa, ainda ouviram um par de estórias contadas na biblioteca ANossaCasaComum , pela Maria José Mackaaij, bibliotecária da Câmara Municipal de Loulé.

Universidade Sénior de Loulé no PEB-MGG

A visita estende-se do Pólo Museológico da Água, no centro da aldeia e ao tanque com nascente em pleno PEB-MGG, com escala na Fundação. No Jardim, os mais de 30 alunos/as da Universidade Sénior de Loulé cumprem o mesmo percurso dos/as mais novos/as. Ao vigésimo dia após a sua inauguração, o grupo fica a conhecer os filmes dedicados ao projecto e às figuras singulares a ele ligadas, como Manuel Gomes Guerreiro e Fernando Santos Pessoa. São pequenos vídeos, disponíveis nas placas do PEB-MGG e na página de Youtubeda Fundação. Estes contam estórias sobre a oliveira - ou não fosse a que nos recebe ter já 1.575 anos -, o medronheiro e o alecrim, com a participação mais do que especial de Filipa Faísca e Jesus Dias, guardiãs das tradições do barrocal e da serra algarvia. Ambas partilham o uso gastronómico e medicinal das ervas aromáticas presentes no primeiro patamar do Jardim, dando eco aos provérbios e poesia a que o alecrim se alia.

Com a adição do sentido do paladar, numa receita sugerida pela Jesus Dias, fica concluído o percurso sensorial ao Eco-Botânico.

O Percurso pelo jardim e pela via africanista de Viegas Guerreiro

No rescaldo do feriado de 25 de Abril, a Fundação recebe a visita da Universidade do Algarve para a Terceira Idade. O grupo de 50 alunos/as calcorreia o Percurso Eco-Botânico e os caminhos do Patrono da Fundação por terras de Angola.

Henrique Vieira também percorreu esse território. Está desde sempre familiarizado com a figura de Manuel Viegas Guerreiro.

O pai de Henrique, Manuel Higino Vieira, professor no Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira, solicitou permuta junto de Portugal, para que Laurência, sua mulher, pudesse consultar apoio clínico em Lisboa. Viegas Guerreiro, professor no Liceu de Faro, imbuído do desejo de prosseguir o ensino e a investigação em África, aceitou a troca por dois anos, no final da década de 40 do século XX.

Ficou viabilizada a deslocação do casal Vieira a Lisboa e o nascimento de Henrique que, um ano depois, conhece África, tendo lá permanecido até à década de 70. Henrique Vieira é o professor de História que traz agora à aldeia natal de Viegas Guerreiro o grupo da Universidade do Algarve para a Terceira Idade. Visita o jardim Eco-Botânico e a Fundação, revelando aos/às alunos/as a investigação do antropólogo em Angola.

Na Fundação, Henrique contextualiza um conjunto de fotografias da colecção sobre os Köisan, anteriormente nomeados de bosquímanos.

A 13 de Maio é a Fundação que visitar o antigo Liceu de Faro, onde inaugura, na actual escola secundária João de Deus, o novo espaço ManuelViegasGuerreiro eoNúcleoMuseológicodoLyceudeFaro. O estabelecimento de ensino detém uma colecção de esculturas, rochas e outros materiais oriundos de Angola, trazida por Manuel Viegas Guerreiro. Em diálogo com alguns desses objectos, encontram-se expostas em Faro quatro fotografias de membros da comunidade Köisan, captadas por Viegas Guerreiro, segurando artefactos similares. De regresso à aldeia de Querença e ao Eco-Botânico, outras visitas ocorreram entretanto, organizadas por entidades que fazem as suas actividades acontecer em Querença. Com ou sem marcação junto da Fundação, uma coisa é certa: sempre que a natureza mudar de semblante, a oferta de “um outro jardim” é garantida, até para aqueles que já o conhecem. De forma, espontânea, o Jardim aguarda novas interpretações.

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