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O presente trabalho acolhe um público durante muito tempo marginalizado pela sociedade: as drag queens. Trata-se de uma forma de arte, em que há a criação de um personagem, normalmente feminino, que se expressa através do visual, da performance, etc.
Apesar de não ser majoritariamente compreendida pelas
massas, o público interessado nesta expressão artística tem se expandindo. Isto é facilmente evidenciando com a nova tendência das queens mulheres: mulheres biológicas que criam uma persona drag. Esta arte é, entretanto, em sua grande maioria, incorporada por indivíduos biologicamente homens, como uma breve análise da história da drag queen evidencia. A drag queen criada por um homem personifica a figura feminina de diversas formas diferentes, pois há ramificações de estilos de drags na cultura pop. É fácil observar que em sua maioria, sempre há uma referência ao universo feminino, independente da estilística. Por isto, estes indivíduos tornam-se híbridos, ao adentrar e apossar-se do que é considerado feminino pela sociedade com seus corpos masculinos. Ao causar estranheza aos olhos de quem pensa de acordo com as normas impostas pela nossa sociedade, estes indivíduos criam uma vertente na moda, ramificada do queer1, assim como a drag queen. Este projeto visa, por tanto, atender a este público específico: drag queens homens. E, mais que isto, visa construir uma coleção híbrida, que incorpore o universo feminino e o masculino e que possa ser vestida quando o sujeito estiver montado2 ou não. O público, estudado durante este trabalho por entrevistas e pesquisa de observação, porta-se animado com a ideia de ser representado. Não há representatividade no mercado brasileiro para drag queens. Não são atendidos como deveriam e, muitas vezes, se vêm frustrados ao mandar confeccionar uma peça por não entender das questões relacionadas ao design e da relação que a vestimenta pode ter para transformar o seu corpo. Movimento dos anos 70 que englobava tudo que era diferente e considerado “estranho” pela sociedade. 2 Montação é a palavra que se refere à transformação do homem em drag. Logo, quando o indivíduo está montado, ele está transformado em sua drag. 1
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A ideia de criar peças que funcionem tanto para o dia a dia como para drag vem da identificação deste público com o movimento queer e genderless. A cantora Pabllo Vittar, por exemplo, que é destaque de 2017, veste, além das ocasiões que está montada, modelos tradicionalmente presentes no guarda roupa feminino. São croppeds, shorts curtos e justos e até mesmo saias. O ponto de partida é o referencial teórico: entender o que é e como o gênero está atrelado a moda e descontruir isto, mostrando que não há limitações para a criação de um guarda-roupa híbrido, para que peças consideradas femininas sejam vestidas por homens, por exemplo. O segundo passo é estudar o público alvo antes da abordagem. Para isto, entrar em contato com a história da drag queen e citar algumas estilísticas se vê como ponto crucial da pesquisa. Para este referencial teórico, há um levantamento bibliográfico de livros, artigos e até mesmo matérias de jornal, revistas ou periódicos online. Em seguida, busca-se o contato direto com o público em questão, a fim de entender suas necessidades e seus desejos. Para isto, as técnicas da entrevista e da observação foram selecionadas, para que a coleção possa ser criada de acordo visão do público. É importante estudar e entender este produto também pela apresentação de marcas que tenham uma estética semelhante àquela que este trabalho tem por objetivo. Este embasamento teórico se vê essencial para que a coleção tenha coerência para com o público. Ao trazer o feminino para o masculino, gera-se a fluidez entre os gêneros pré-concebidos pela sociedade, e quebra-se, desta forma, a barreira dos gêneros.
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1.1 Roupa e Gênero Segundo Turner (2012), além das atitudes, feições corporais, gestos e comportamentos, a roupa também compõe a chamada pele social. Trata-se da pele que fica à vista, e que transmite mensagens e significados subjetivos e também que exprime um desejo de aceitação e inclusão por parte do indivíduo dentro da sociedade. A escolha do que iremos vestir reflete como nos vemos e como queremos nos mostrar para o meio que nos cerca. É uma escolha condicionada pelo ambiente, e por fatores sociopolíticos, econômicos e culturais. Assim, dentro das normas de conduta estipuladas pela nossa sociedade e pelos conceitos do inconsciente coletivo, as peças de vestuário permitem-nos identificar o gênero de maneira bastante objetiva, visto que determinadas peças são consideradas femininas e outras masculinas. Para Soper (2001), as leis suntuárias aplicadas sobre a indumentária, que persistiram inabaláveis até o século XX, foram responsáveis por solidificar estes conceitos de gênero no inconsciente coletivo, a fim de seguir uma suposta ordem natural, de origem divina. Neste contexto, a veste funciona como divisora de águas, determinando o que a sociedade chama de homem e o que a sociedade chama de mulher. Estes conceitos, que se enraizaram no coletivo – de forma geral, pressionam os indivíduos a se ajustar aos padrões de aparência e de comportamento de gênero, para serem aceitos na sociedade. “O gênero é performativo porque é resultante de um regime que regula as diferenças de gênero”. (SANCHEZ; SCHIMIT, 2016, p.8). Neste sentido, temos que performar nossos gêneros de acordo com as normas. Estas normas mostram-se, ainda, ainda mais rígidas em relação ao sexo masculino. Embora muitas das peças consideradas do universo do homem sejam constantemente utilizadas pelas mulheres, que recebem um tratamento mais flexível, o mesmo não acontece se um homem utilizar peças do universo feminino. Excluindo-se o uso folclórico da saia (kilt) na Escócia, dificilmente um homem do ocidente utilizaria uma saia em público, por exemplo, devido ao preconceito coletivo, que associa a peça à orientação sexual do indivíduo. 25
Entretanto, ao mesmo tempo em que reproduz conceitos já sancionados, a moda também funciona em outra vertente, revolucionária, que critica as normas estipuladas pela sociedade e expressa significados. Essas duas vertentes definirão se o indivíduo será incluso no grupo ou segregado, dando origem aos subgrupos. Estes subgrupos são, normalmente, compostos por indivíduos cuja identidade de gênero3 é intermediária, misturada ou até mesmo contraditória. “As pessoas constroem a si mesmas como masculinas ou femininas” (CONNELL. PEARSE, 2015 p.39). Surgem assim os híbridos: homens afeminados, mulheres masculinizadas, transgênero, agênero e até mesmo drag queens, como explicam Raewyn e Rebeca: A ambiguidade do gênero pode ser objeto de fascinação e desejo, assim como de nojo. As trocas ou imitações de gênero são comuns tanto na cultura popular quanto na alta cultura, de atores nos palcos de Shakespeare vestidos como gênero que não o seu próprio, a filmes com mulheres transexuais e drag queens como Hedwig and the angry inch (2001), Priscila, a rainha do deserto (2004) e Hairspray (2007). (CONNELL; PEARSE, 2015, p. 39).
Eles rompem o padrão também pela forma de se vestir: não seguem as normas quanto a expressão de gênero e de seu corpo e acabam por incorporar, de acordo com as necessidades do seu dia a dia, peças que a sociedade consideraria do gênero oposto. Afirma-se, assim, que o gênero atrelado a peças de roupas, modelagens e cores é apenas fruto dos padrões aos quais a sociedade está sucumbida. Não há limitações biológicas que impeçam, por exemplo, um homem de utilizar uma saia ou vestido, uma camisa rosa ou uma mulher vestir calça e terno. Isto pode ser demonstrado através de uma linha do tempo da indumentária como veremos no seguinte tópico. 1.2 A História da Indumentária Uma breve análise da indumentária dos sexos se faz necessária quando queremos discutir os conceitos e as normas atribuídos às roupas pela sociedade. Nem sempre o vestido, por exemplo, teve a mesma conotação do universo exclusivamente Identidade de gênero é a forma como o indivíduo se identifica quanto ao seu gênero: masculino ou feminino. Há, entretanto, diversas identidades intermediárias, que são fluidas, não convencionais. 3
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feminino, como tem hoje, por exemplo. Ao final deste subcapítulo, é possível ainda, através de uma linha do tempo (ilustração XIII), visualizar e comparar estas mudanças. Kohler (2009) afirma em seu estudo que da antiguidade até meados da Idade Média, a túnica, era o traje predominante usando por ambos os sexos. No Egito Antigo, o Chanti – uma espécie de saia era vestida por homens. A Kalasiris, que é a túnica egípcia, drapeada ou plissada, era vestida por homens e mulheres. Os adornos eram também incorporados pelos dois gêneros: joias, coroas e até mesmo perucas. Ilustração 1 – Chanti (esquerda) e Kalasiris (direita)
Fonte: Google Images, 2017.
Na Grécia Antiga, a indumentária é caracterizada por mantos para ambos os sexos. O manto é um pedaço de tecido retangular, que é moldado no corpo, criando uma túnica que se assemelha a concepção que hoje temos do vestido. A modelagem, portanto, era igual para homens e mulheres. Os adornos (como joias e capas), além do comprimento da veste, era o que variava entre os gêneros biológicos e entre as classes sociais. Ilustração 2 – A túnica na Grécia Antiga.
Fonte: Pinterest, 2017.
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Durante Império Bizantino, por sua vez, as túnicas receberam mangas e adornos, como pedras, pérolas, bordados, fivelas e broches. A modelagem era ampla e igual para homens e mulheres. Havia, entretanto, variação do comprimento, dependendo da posição social do indivíduo. Ilustração 3 – Túnica do Império Bizantino.
Fonte: Garota Vodu, 2017.
Na Roma Antiga, a amarração em túnica continua sendo um destaque. A diferenciação entre homens e mulheres na indumentária estava nos detalhes: as faixas, que eram amarradas em alturas diferentes do tórax e os adornos. No período compreendido historicamente como Europa Feudal, a túnica transforma-se literalmente na concepção atual que temos de vestido e existia em diversos comprimentos. A diferença quanto ao uso pelos sexos estava muito mais explícita nos adornos, isto é, ao uso de broches, lenços e cintos, por exemplo. Em seu estudo, Kohler (2009) disponibiliza também a modelagem dos diversos tipos de túnicas e mantos, explicando os diferentes estilos de amarração. Uma breve observação sobre as imagens permite entender que as modelagens eram extremamente semelhantes, independente do gênero biológico que a vestia. Comparando com a idade média, vemos que a vestimenta feminina aproxima do corpo, enquanto a masculina se afasta, criando um novo padrão.
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Ilustração 4 – Modelagem da túnica comum (a), túnica grega (b), vestido feminino da Idade Média (c) e Traje Masculino da Idade Média (d).
Fonte: Kohler, 2001. Isto sustenta o argumento de que as leis suntuárias as quais estamos submetidos foram criadas e sustentadas pela própria sociedade, e estão incumbidas em nossas mentes. Afinal, se, historicamente, um homem na Grécia Antiga poderia vestir uma túnica, que muito se assemelha a um vestido sem que sua masculinidade fosse questionada, o que implicaria que ao fazer isso nos dias contemporâneos, seria biologicamente impossível para um homem? Foi na Idade Média que o vestido e a saia começaram a tomar conotação feminina. Boucher (2010) sugere que neste período o homem passou a vestir uma interpretação mais curta da túnica em relação a das mulheres. O gibão, por exemplo, era um vestido com mangas na altura do joelho, e era acompanhado por calças muito apertadas, meias e saltos – o que hoje em dia facilmente seria considerado parte do vestuário tradicionalmente feminino. Enquanto isso, as túnicas longas – vestidos,
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passaram a ser associados às mulheres; a parte superior ficou mais justa, evidenciando mais as curvas femininas. As mangas eram longas e as saias volumosas. Nos estudos de Kohler (2009), a Idade Média é o momento histórico em que começamos a evidenciar mudanças na modelagem das peças. Convém ressaltar, entretanto que, apesar das diferenças, a vestimenta masculina revela-se tão extravagante quanto à feminina, fazendo-se presentes muitos adornos, acessórios e utensílios que facilmente seriam considerados femininos hoje. O período do renascimento afasta mais ainda as indumentárias, ao afunilar a cintura da mulher em corpetes estruturados que, associados a saias extremamente volumosas, criavam uma silhueta ampulheta. Os homens vestiam o gibão e calças apertadas, junto com capa e chapéu. No período que compreende a estilística do Rococó percebemos, novamente, que o homem, assim como as mulheres, davam extrema importância aos ornamentos, vestindo joias, perucas e sapatos de salto. A silhueta, entretanto, apresenta diferenças: os homens vestiam calças apertadas, blusas, coletes e casacos, enquanto as mulheres trajavam vestidos apertados na cintura e com sais extremamente volumosas. No Império Francês, as diferenças tornam-se ainda maiores. A indumentária masculina recebe uma forte influência militar. Jaquetas e casacas eram vestidas junto com coletes e ornamentos como lenços, faixas e chapéus. A mulher vestia, por sua vez, o vestido império, que ao destacar a linha do busto, representava a fragilidade e a leveza feminina. No século XIX, durante o Romantismo, as indumentárias se assemelhavam pela ornamentação, cuidado e elegância. Enquanto as mulheres tinham em sua indumentária característica as mangas presunto ou bufantes, decotes canoa, espartilho, anáguas e saias volumosas, os homens caracterizavam pelo estilo Dandismo. Segundo Laver (2002), os dândis eram caracterizados pela elegância, vestindo calças apertadas e coletes que permitiam exibir a camisa por baixo, além de lenços como colares elisabetanos – mais uma referência ao tradicional feminino, que contribuíam para que estes tivessem uma imagem arrogante. 30
Ilustração 5 – Dandismo e Belle Époque
Fonte: Pinterest, 2017.
A evolução deste traje seria o terno: já mais neutro e sóbrio na Belle Époque, o que viria ser associado ao poder e a força, afastando o homem e sua indumentária de tudo aquilo que poderia ser considerado feminino, frágil e fraco. Ao mesmo tempo, a mulher continuava presa nos espartilhos e limitada por volumes grandes de saias. Foi só no pós-guerra, na década de 20, que a silhueta feminina se modificou. A cintura desceu, a modelagem afastou-se do corpo e o cabelo encurtou. Sinais da emancipação da mulher, que aderiram ao visual boyish4: fazia apropriação de elementos do masculino, com objetivo de conotar poder e força para esta mulher em emancipação. Isto durou apenas uma década, até que a cintura voltou para sua altura original e a modelagem aproximou-se novamente ao corpo, na década de 30, a fim de tentar realocar a mulher ao seu antigo papel antes da guerra.
Ilustração 6 – Anos 20 e o estilo Boyish. Estilo característico da década de 1920, em que as mulheres adotavam um visual inspirado na silhueta masculina, com formas mais amplas, além do cabelo curto. Como a figura masculina era associada ao poder, à força, o objetivo era empoderar a mulher desta década. 4
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Fonte: Pinterest, 2017.
Em 1947, no segundo pós-guerra, veríamos novamente os vestígios do vestuário tradicionalmente masculino na indumentária feminina, com o New Look da Dior. O terno sofria adaptações para ser vestido pelas mulheres. As calças são incluídas no vestuário na década de 50 e consideradas elegantes e até sexy, como são representadas nas pin up. Entretanto, a cintura marcada e os adornos conferiam o glamour e a feminilidade, com inspiração nas divas de Hollywood, como Marilyn Monroe. Já na indumentária masculina, os ícones Elvis e James Dean são as influências, disseminando um look jovial e despojado. Ilustração 7 – Marilyn Monroe e Elvis Presley, ícones da década de 50.
Fonte: Google Images, 2017.
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Na década de 60 a indumentária feminina se afasta novamente do corpo, visto que ganha uma representação mais jovial. Elas adentram ainda mais o vestuário até então tradicionalmente masculino. É neste período que Yves Saint Laurent lança o primeiro smoking feminino. As mini saias e vestidos curtos também são destaques do vestuário feminino. Os homens se inspiram em ícones como os Beatles, banda britânica formada por quatro rapazes, que vestiam paletós sem colarinho, e uma silhueta mais próxima ao corpo. Em 1970, as indumentárias se aproximam mais. Segundo Laver (1989), homens e mulheres trajavam camisas sociais, golas altas e calças bocas de sino. As peças podiam ser justas ao corpo, até mesmo para os homens. Os adornos, as cores e até mesmo os cabelos eram semelhantes. O movimento punk, que seguia pela vertente do couro e dos spikes também apresentava semelhanças entre o vestuário masculino e feminino. Ilustração 8 – Década de 60, smoking feminino de Yves Saint Laurent e década de 70, respectivamente.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
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No período seguinte, em 1980, já havia surgido o conceito de androginia5. A apropriação das peças do vestuário feminino ou masculino pelos sexos opostos continua acontecendo e expandindo-se, ainda que com algumas modificações. O vestuário feminino, por exemplo, adquire peças masculinas, mas as adapta para o corpo feminino. As ombreiras, em ambas as indumentárias, representavam poder e força. A roupa de academia ganha as ruas: bodys, calças justas e sapatilhas, principalmente na indumentária feminina podem ser observadas. Ilustração 9 – Ombreiras e a roupa de ginástica, típicas da década de 80.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
É interessante notar também que, neste período, quando o heavy metal, uma vertente do rock, ganha espaço e destaque, é possível observar que muitas bandas do estilo musical eram compostas por homens, que eram visto como extremamente viris e que, ainda assim, utilizavam maquiagem e pinturas faciais, algo que era tomado por indumentária feminina, além de manter cabelos longos e volumosos. As roupas eram justas e revelavam bastante o corpo. Ilustração 10 – Típicas bandas de Heavy Metal dos anos 80. / Fonte: Garota Vodu, 2017.
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Indivíduos andróginos são aqueles que apresentam características femininas e masculinas. 34
A década de 90 prezava pela simplicidade, e a indumentária dos sexos se aproximava ao ser representada por jeans e t-shirt ou camisas de botão, havendo, entretanto, diferenças claras quanto às modelagens das peças. As mulheres vestiam ainda mini saias e tops, deixando a mostra a barriga e vestidos tubinhos, apertados e ressaltando a silhueta. Ilustração 11 – Série e grupo feminino dos anos 90, com roupas características da década.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Do final do século XX até a contemporaneidade, vemos que as tendências são ditadas por movimentos culturais como o hip hop e por ícones da cultura POP, como Britney Spears que popularizou o jeans de cintura baixa, característico dos anos 2000, Gwen Stefani e Beyoncé, que representavam um estilo despojado e derivado do R&B (estilo musical semelhante ao hip hop) e Kim Kardashian, que a partir de 2010 até então popularizou o vestido bandage, que, extremamente justo ao corpo, exibe a silhueta e a técnica do contorno, que há anos já vinha sendo utilizado pelas drag queens. Enquanto isto, a indumentária característica masculina segue com poucas modificações, que, ainda assim, ampliam o leque de opções para o homem do século XXI, com peças mais justas ao corpo, mais coloridas e estampadas.
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Ilustração 12 – Britney Spears (esquerda), Hip Hop (centro) e Kim Kardashian (direita).
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Atualmente, é possível dizer que vivemos um momento que mistura tendências, movimentos e influências, criando uma extensa lista de estilos e permitindo que cada indivíduo tenha um grande poder de criação sobre si mesmo. Os indivíduos que não se enquadram nos padrões estabelecidos pela sociedade não vêm problema em misturar as indumentárias que dividimos em feminina e masculina. Vai muito além de um desejo de transgressão: tem relação com a expressão do indivíduo, em um momento sociopolítico que cada sujeito pode definir seu próprio gênero, mesmo que este seja fluido ou não definindo, e manifestar este gênero através do seu guarda roupa. Esta breve exposição da história da indumentária permite-nos entender que os valores incumbidos às peças de roupa durante os anos muda, dependendo da sociedade e de seus valores. Têm-se, assim, valores que ficam aprisionados no inconsciente coletivo. Logo, se não levarmos em consideração as normas, criadas a partir deste pensamento, não há restrições quanto ao uso de qualquer peça de roupa por qualquer um dos dois sexos.
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Ilustração 13 – Linha do tempo da indumentária.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
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1.3 Conceitos Importantes Levando em consideração que não há limitações biológicas que restrinjam o tipo de roupa para cada sexo; que a evolução da indumentária durante os anos foi responsável por esta restrição; e que a escolha da peça é uma forma de expressão, podemos afirmar: a roupa não necessariamente deve expressar um único gênero. O movimento da moda que mais contempla este conceito e que pode ser relacionado a uma coleção híbrida é o agênero. Criam-se, assim, peças livres, que podem ser neutras,
ou
majoritariamente
masculinas
(e
vestidas
por
mulheres)
ou
majoritariamente femininas (e vestidas por homens) ou apenas mistas. Esta vertente deve ser imediatamente desatrelada de orientação sexual, de identidade de gênero e de androgenia. A orientação sexual de um indivíduo é o que se refere à preferência sexual e amorosa: A sexualidade tem grande importância no desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas, pois independentemente da potencialidade reprodutiva, relaciona-se com busca do prazer, necessidade fundamental dos seres humanos. Além disso, a sexualidade construída ao longo da vida encontra-se necessariamente marcada pela história, cultura, ciência, assim como pelos os afetos e sentimentos, expressando-se então com singularidade em cada sujeito (...). (VALDIVINO, 2005, p. 4).
Esta expressão de sentimentos e sexualidade pode ser homossexual (pessoas que se relacionam com indivíduos do mesmo sexo), heterossexual (relação com o sexo oposto), bissexual (relação com os dois sexos), dentre outras. Assim, nada tem semelhança com o movimento agênero. Identidade de gênero, por sua vez, é como o indivíduo se identifica quanto ao seu sexo e gênero. A pessoa que não se sente adequada ao sexo biológico é o que a sociologia identifica como transexual. O transsexualismo é entendido como transtorno de identidade sexual, por meio do qual um indivíduo sente-se mal com seu sexo biológico, tem tendência à mutilação de seu corpo e anseia adequar sua realidade física a sua realidade mental. (SÁ; ROCHA, 2013, p.10).
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Ilustração 14 – Esquema para explicar as diferenças entre orientação sexual, sexo e identidade de gênero.
Fonte: Dicionário dos Gêneros, 2017.
Logo, não é por vestir uma saia ou um vestido que um homem – seja ele homossexual ou heterossexual, seja consequentemente transexual, tendo em vista que identidade de gênero se estende para muito mais que vestuário. Já o terceiro conceito, androginia, segue por outra vertente. Segundo o dicionário Aurélio (2016), uma pessoa andrógina é aquela que não possui características nem predominantemente masculinas, nem femininas, sendo um ponto em comum entre os sexos. De fato, estas pessoas podem e muitas vezes utilizam peças agêneras, mas ainda assim não podemos restringir, nem associar diretamente os dois conceitos. O movimento agênero na moda está relacionado ao vestuário e por ser um movimento em ebulição, não existe uma definição precisa, mas prioriza o rompimento com as barreiras do gênero. É uma roupa que se apropria das formas, modelagens e cores dos dois gêneros. O objetivo não é, e não deve ser tornar-se neutra como a roupa unissex – o que muitas marcas de fast fashion vêm confundindo, como C&A fez, no início de 2016. “O termo unissex compreende as peças feitas tanto para corpos masculinos quanto femininos, com modelagens simples (...).” (SANCHEZ; SCHMITT, 2016, 39
p.9,10). O objetivo, diferente disto, é ultrapassar as delimitações do gênero, romper os padrões estipulados pela sociedade, misturá-los e permitir que os indivíduos sejam livres em suas escolhas. (...) a moda genderless não se trata de produzir roupas femininas para homens, nem peças masculinas para mulheres, mas de implementar um estilo que carregue conforto e praticidade e que não seja definido pelo sexo, nem mesmo do gênero, do indivíduo que o escolhe usar, ampliando a liberdade de escolha dos consumidores, libertando as peças de tamanhos, cortes e tecidos para serem utilizadas com maior criatividade, sem amarras de gênero. (AFONSO, 2016, p. 34). Ilustração 15 – C&A em sua campanha de 2016 propõe a mistura de peças unissex como jaquetas jeans e casacos de moletom.
Fonte: C&A, 2017.
Este fenômeno é recente e é sustentado pela teoria queer6, que se originou nos anos 70, nos Estados Unidos. Segundo Bulter (2003), ela pregava que o feminino e masculino não são determinismos biológicos, e que são construídos culturalmente. Descontrói as normas institucionalizadas pelos poderes que regem nossa sociedade. Sendo o gênero performativo, a partir da repetição das normas transmitidas pelo pensamento coletivo, temos, por origem, indivíduos que pensam e se comportam da mesma forma. Por isso, quem se comporta fora destes padrões é considerado queer, transgressor, estranho. A filósofa Judith Bulter, em estudo sobre o gênero e a teoria queer explica: 6
A palavra queer significa estranho, ridículo, excêntrico, raro, extraordinário. 40
Mais do que se colocar contra uma categorização das sexualidades, a Teoria Queer luta agora contra a legislação não voluntária das identidades, isto é, contra a imposição de uma identidade sexual e de gênero. O que a Teoria Queer propõe é que essa diferenciação, que acaba por confinar os excluídos, precisa ser analisada e, consequentemente, desmontada. (BULTER, 2002 apud SANCHEZ; SCHMITT, 2016, p. 9).
Foi devido ao embasamento da teoria queer que esta moda híbrida começou a ser evidenciada na mídia e na cultura pop: estes indivíduos misturavam as peças e fluíam entre os gêneros. Com isso, homens e mulheres puderam apropriar-se das peças de roupa que desejassem, independentemente se elas fossem consideradas masculinas ou femininas pelo inconsciente coletivo. 1.4 A Mistura dos Gêneros na moda e influenciadores Historicamente,
a
mulher
vem
flertando
com
a
indumentária
tradicionalmente masculina desde o século XIX. Muito antes de Coco Chanel, os movimentos feministas já pregavam a substituição dos apertados espartilhos e volumosas camadas de saias por saias-calças. As primeiras tentativas não vingaram, principalmente porque estas mulheres ficavam mal vistas na sociedade. É só perto da metade do século seguinte que a calça e o terno começam a ser vistos como alternativa elegante, tendo em vista o início da emancipação da mulher. Após a Primeira guerra, com a emancipação da mulher, observou-se o prenúncio do que seria o estilo andrógino, que daria origem ao genderless. Entretanto, foi só na década de 70 que este visual começou a ganhar a cultura pop. De acordo com Sanchez e Schmitt (2016), Mick Jagger foi um dos percursores, ao vestir durante um show, em 1969, um vestido por cima de uma calça, que muito se assemelhava ao gibão, da Idade Média. Por mais que, em 1970, a peça fosse considerada pertencente ao guarda roupa feminino, no período medieval era vestido por homens. Jagger ditou tendência e o estilo foi ganhando as passarelas, sendo representado por estilistas como Paul Gaultier, até ganhar uma vertente na moda, chamada de Power Dressing, em meados dos anos 70.
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Ilustração 16 – Mick Jagger (esquerda) e gibão medieval (direita).
Fonte: Hildegard Angel, 2015.
David Bowie era um representante do estilo. Segundo Crane (2006), o músico fazia uso de vestidos, perucas, maquiagens e bijuterias, elementos tradicionalmente femininos, além de cores vibrantes, criando uma imagem que ultrapassava a barreira dos gêneros. No Brasil, foi possível evidenciar a corrente em Ney Matogrosso, visto que se apresentava usando saltos, vestidos decotados e maquiagem. Outra grande influência do estilo foi Grace Jones. A modelo se tornou um ícone pop por conta de sua maneira irreverente de ser: cabeça raspada em corte “caixa,” blazer, casacos largos e ombreiras, que transmitiam atitude, adequando-se do vestuário tradicionalmente masculino. Ilustração 17 – David Bowie (esquerda) e Grace Jones (direita).
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
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A androginia trilhou seu caminho até o século XX, ramificando-se para dar origem ao conceito de genderless: a proposta de ir além dos gêneros binários. O movimento foi estimulado e defendido por muitos estilistas, grifes e celebridades. A Gucci, por exemplo, desafia os padrões de identidade em suas coleções mais recentes, com peças que são usadas tanto por homens quanto por mulheres. O modelo Andrej Pejic também é defensor e adepto, rompendo as formalidades do gênero. Ilustração 18 – Modelo Andrej Pejic (esquerda) e peças Gucci, 2017 e 2016, respectivamente (centro e esquerda).
Elaborado pelo autor, 2017.
Jaden Smith é uma celebridade que tem um guarda roupa híbrido. É visto, constantemente em seu dia a dia utilizando saias, vestidos e outras peças e acessórios tradicionalmente femininos. Além disso, o ator também pousou para diversos editoriais que seguem a linha genderless e participou de uma campanha da grife Louis Vuitton, em que aparece ao lado de outras modelos mulheres vestindo saias.
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Ilustração 19 – Jaden Smith, campanha da Louis Vuitton e editorial com Willow, sua irmã.
Elaborado pelo autor, 2017.
Além disso, algumas drag queens incorporam o universo feminino no dia a dia, fluindo entre os gêneros e aproveitando-se disso também para suas performances como impersonator femininas. Milk, participante da sétima temporada do reality Rupaul‟s Drag Race e a sensação pop brasileira do momento, Pabllo Vittar, que utiliza inclusive seu nome de menino para sua personagem feminina, dizendo-se não se encaixar em nenhum gênero, são exemplos. Ilustração 20 – As drag queens Milk (esquerda) e Pabllo Vittar (direita).
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
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2.1 O que é, o que é? O cenário da cultura pop, que hoje se torna referência para estudos de caso de marketing, design, psicologia, sociologia, dentre outras disciplinas, veio se desenvolvendo desde os anos 50, englobando, a cada década, novas informações provenientes diretamente da cultura popular, que começa a conquistar as massas. A cultura drag, hoje englobada pela cultura popular mainstream7, transgrede a margem da sociedade, e vem conquistando um espaço nos meios de comunicação em massa, participando de filmes e programas de televisão, propagandas de grande porte, eventos super produzidos, além é claro do domínio do cenário artístico com performances de lipsynch8 e maquiagens exuberantes. Este acolhimento da arte drag por diversas esferas se deve a crescente mudança no pensamento da sociedade em relação aos direitos da população LGBTTQ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e queer), e também pela luta diária desses grupos, que buscam a igualdade e o respeito, algo que ainda está muito longe de ser alcançado em sua plenitude. O erro, entretanto, é a associação da drag queen à identidade de gênero e orientação sexual. A arte é drag, como o próprio nome já diz, é uma expressão artística, que, assim como qualquer outra forma de arte, pode seguir por uma veia completamente conceitual, política ou comercial, por exemplo. É uma arte englobada pela cultura queer, e por muita vezes estar associada à luta LGBTTQ, acaba sendo confundida com outros grupos, como os travestis, transexuais e crossdressers. Jaqueline de Jesus, com seu estudo sobre orientação sexual e identidade de gênero, explica: Crossdresser: Pessoa que frequentemente se veste, usa acessórios e/ou se maquia diferentemente do que é socialmente estabelecido para o seu gênero, sem se identificar como travesti ou transexual. Geralmente são homens heterossexuais, casados [...]. Transformista ou Drag Queen/ Drag King: Artista que se veste, de maneira estereotipada, conforme o gênero masculino ou feminino, para fins artísticos ou de entretenimento. A sua personagem não tem relação com sua identidade de gênero ou orientação sexual (JESUS, 2012, p.10).
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Tudo aquilo que é convencional e que faz parte da cultura das massas. Performance em que o artista dubla uma música, fazendo movimentos com a boca. 47
Sendo assim, é entendível que drag queen é uma forma de arte e, independente da orientação sexual ou identidade de gênero, um indivíduo pode exercer a arte drag, através da criação de um personagem, que será um reflexo do seu eu interior, de suas percepções da sociedade e, porque não, de suas influências da cultura pop. A relação da drag com a indumentária é um objeto de estudo da sociologia, uma vez que a arte drag funciona também como transgressora quanto às ideias e padrões de gênero. Segundo Pessoa (2008) este artista é um produtor de aparências, apropriando-se das roupas, acessórios e trejeitos que seriam socialmente e culturalmente do gênero que está sendo representado. Para elas, entretanto, as roupas que estão utilizando adquirem um significado que vai além do gênero: O que as drag comunicam de diferentes formas, são os significados atribuídos para a indumentária no ato da transformação. Elas não tratam da roupa em si, como objeto de moda, mas da maneira como as empregam para transformar e criar significados para a personagem drag. (PESSOA, 2008, p. 9).
Logo, demonstram através do seu corpo e da sua indumentária que o corpo nada mais é que uma construção sociocultural e que o masculino e o feminino podem ser experimentados sobre um mesmo corpo. Assim, “a drag se transforma em vetor de leituras e interpretações dos gêneros, ao desconstruir e transformar os conceitos de masculinidade e feminilidade” (PESSOA, 2008, p.9). Elas constroem seus personagens e, dessa forma, constroem a si mesmas, fugindo dos padrões e das normas impostas pela sociedade. 2.2 O conto da Drag Queen A arte impersonator vem não de décadas, nem de séculos, mas de milênios atrás. Se é possível afirmar que o teatro existe desde tempos remotos, podemos dizer que o prenúncio do que seria a drag dos dias atuais o acompanha. O teatro grego pode ser considerado o ponto de partida, onde surge a necessidade de imitar ou transformar a aparência para o desenvolvimento da peça e para o bom desempenho do ator. Surgem, nesse contexto, as máscaras teatrais, que tinham por objetivo a criação de uma persona, masculina ou feminina. O fato interessante é: independente do gênero da persona, a função de interpretá-la era
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exclusiva do homem. Segundo Amanajás (2015), além das máscaras, os atores faziam uso de roupas e enchimentos para compor as personagens femininas. Ilustração 21 – Representação das máscaras utilizadas na Grécia Antiga.
Fonte: University of Nottingam, 2017.
Além disso, segundo Barker (1994), havia ainda a vertente religiosa, na qual a drag se apresenta de forma pagã para rituais, blasfemando, satíricas, dizendo o que não poderia ser dito. Vemos o prenúncio do que seria uma função política atrelada às queens. De acordo com Barker e seus estudos (1994), em 1100 d.C, a Igreja abre sua porta para o teatro, a fim de transmitir uma mensagem aos seus fiéis. Novamente, os papéis femininos eram representados somente por homens e, diferente das tragédias gregas, transformaram as mulheres em personagens satirizadas e exageradas, fornecendo um novo olhar sobre a imagem da mulher. E não é só no ocidente que as mulheres eram expulsas do palco devido a questões morais. Amanajás (2015) cita em seus estudos a dominação do homem no teatro também no oriente. Na Indonésia e na Índia, os homens representavam papéis femininos nas danças e nas peças, vestindo não só máscaras, mas perucas, leques e outros adereços. No Japão a representação da mulher pelo homem não só era comum como também, sagrado. Isto é, “consideram a máscara como a expressão literal de uma verdade superior” (BERTHOLD, 2004). Era algo que requeria um treinamento
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intensivo, e que muitas vezes, era levado para o cotidiano do ator, que continuava vestindo-se com trajes do universo feminino. Na China, embora as mulheres pudessem participar das peças, esta participação era apenas como dançarinas, e mesmo assim, separadas dos homens. Os personagens, eram exclusivos dos homens “[...] Mas, fosse o papel de um guerreiro ou de uma linda concubina, seria sempre interpretado por um homem, até o séc. XX” (BERTHOLD, 2004). E para isso, os atores trajavam-se como o sexo oposto, numa mimetização que incorporava a leveza dos gestos femininos. De volta ao ocidente, por volta do século XVI, surge um dos maiores dramaturgos que o mundo já conheceu: Shakespeare. Em suas obras, personagens femininos eram sempre representadas por meninos travestidos. Amanajás (2015) afirma que é especulado que foi Shakespeare também o responsável pela criação do termo drag, o qual aparecia em suas notas de rodapé, ao descrever personagens mulheres. Neste caso, o termo significa dressed like a girl e, em tradução literal, significa vestido como uma menina. Estes personagens eram retratados, em sua maioria, de maneira estilizada. Segundo Barker (1994), foi em 1674 que as mulheres conquistaram a permissão para adentrar o mundo do teatro, fazendo que as drags, em sua função dramática se extinguissem, dando espaço para o desenvolvimento da versão satírica. É neste contexto que surgem bares, nos quais homens interpretavam os tipos sociais da época, comportando-se e vestindo-se como mulheres. Atrela-se às drags um papel cômico, que iria se aprofundar nos anos seguintes. Quando estes impersonators voltam aos dramas, no século XIX, continuam exercendo o papel de alívio cômico, primeiramente interpretando personagens secundários e, mais a frente, conquistando o público em monólogos, nos quais representavam versões exageradas e cômicas da mulher da época. Para Amanajás (2015), esta vertente cômica foi essencial para que as drags adentrassem os Music Halls, incorporando em suas performances canções, elementos de stand up e do palhaço. E este foi o tipo de drag queen existente até meados do século XX. 50
No início do século XX, apesar das performances de drags perderem a força, nas grandes cidades havia clubes em que homens podiam se travestir sem fins de entretenimento. A casa Suzanna, em Nova York, é um exemplo. Era um resort, que funcionava com o refúgio da sociedade conservadora. Ilustração 22 – Casa Suzanna.
Fonte: Fashion Bubbles, 2017.
Nos anos 60 e 70, a televisão, o cinema, a cultura pop e os movimentos gay e feminista, abrem espaço para o surgimento de um novo estilo de impersonator, que busca inspiração nas divas, no teatro musical, no glamour e na moda. Com muito mais material e inspirações, as drags a partir dos anos 70 conquistam não só os bares gays undergrounds como também a televisão, os filmes e a Broadway.
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Ilustração 23 – A drag glamorosa.
Fonte: Fashion Bubbles, 2017.
Outra vertente que surge, em decorrência ao ato político que era ser gay, é a drag queen radical, que utilizaria a política como centro de suas performances. A drag queen americana Divine foi uma destas, tornando-se um ícone para o grupo LGBTTQ ao estrelar diversos filmes, dentre quais o mais famoso foi Pink Flamingos (1972). Ilustração 24 – Divine, a drag dos anos 70.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
No início dos anos 80, as drags novamente perdem sua força, principalmente por causa da AIDS. Passam a ser marginalizadas e essencialmente gay. Nesta época, se restringem às boates e casas noturnas nas grandes cidades, adotando um estilo conceitual grotesco para tornar externa a forma com que a sociedade as fazia se sentir. Já no final dos anos 80, a arte de impersonator ganha novamente força, principalmente porque artistas passavam a se apossar da cultura drag, como Madonna, através da faixa Vogue, que se apropria de movimentos característicos da dança voguing9, criada por performers drag queens. Nos anos 90, elas voltam a ser sinônimo de entretinimento. O lipsynch conquista os espectadores, assim como cenas cômicas que abordavam o mundo gay, a cultura pop e também a política, mostrando um ativismo político desses artistas em relação à comunidade gay. É também na década de 90 que um ícone da cultura drag conquista o sucesso: RuPaul. Barker afirma: RuPaul é um espetacular ato de auto-reinvenção e reivindicação Drag. Ele criou uma personagem – atrevida, forte, linda e negra – mas argumenta que sua performance é de um personificador feminino, alegando que ele não se parece com uma mulher, e sim com uma Drag Queen: „Eu não penso que eu poderia nunca me assemelhar com uma mulher. Elas não se vestem desta forma. Somente Drag Queens se vestem assim. [...] Tudo é Drag. Só que a minha é mais glamurosa‟ (BAKER, 1994, p. 258)
Sua influência foi tão grande que emplacou o hit Supermodel no topo da parada de singles americana Billboard nos anos 90, participou de filmes e capas de revistas e desde 2009, comanda um reality show que tem por finalidade encontrar a próxima American Drag Superstar. O programa lança sua décima temporada em 2018, sendo um sucesso absoluto de crítica especializada e de público, além de ter o papel social de apresentar novas queens com diferentes faces e estéticas ao mundo. Até 2017, foram apresentadas mais de 100 diferentes drag queens no reality.
Dança que se caracteriza por poses de modelos de passarela, com movimentos lineares e angulares dos braços, pernas e troncos. 9
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Ilustração 25 – RuPaul nos anos 90 (esquerda) e RuPaul em 2017 (direita).
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Os anos que viriam a seguir difundiriam a arte impersonator pela sociedade, fazendo com que fosse incorporada a cultura pop. As vertentes e estilos se ramificam, principalmente por influência de novos artistas pops como Britney Spears, Beyoncé e Lady GaGa. Não só são vistas nos palcos de teatro, como também podem ser vistas em filmes, televisão, canais no youtube, e desempenham diversas funções que não se restringem mais aos clubes noturnos. São atrizes, cantoras, DJs, maquiadoras, digital influencer e, acima de tudo, inspiração para diversas pessoas. No Brasil, artistas drags têm se destacado pela presença no cenário mundial, telenovelas e até mesmo filmes que abordam essa temática. Priscilla, a rainha do deserto (1994) é precursor desta cultura no Brasil, e abre portas para que a drag ganhe espaço na TV aberta, mesmo que, a princípio em programas de Humor.
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Ilustração 26 – Cena do filme Priscila, a Rainha do deserto, 1994 (a esquerda) e musical, 2012 (a direita).
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Em 2017, já com a ação característica da globalização e com a disseminação rápida de ideias e informações devido às novas tecnologias de comunicação, a arte evolui ainda mais no nosso país, permitindo o sucesso de artistas nacionais como Pabllo Vittar, Lia Clark e Mulher Pepita, e da retratação deste público em telenovelas de grande audiência, como vemos em A força do Querer (2017), de Glória Perez. Ilustração 27 – Mulher Pepita, Pabllo e Lia (da esquerda para direita) e Ilustração 27 – Personagem de Força do Querer, Nonato.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Pabllo, por exemplo, rompe até mesmo as barreiras nacionais, ao se tornar a drag queen mais seguida da rede social Instagram, e a que possui mais visualizações no youtube, ultrapassando o ícone RuPaul. Além disso, ela conquistou parcerias internacionais com o grupo Major Lazer e Fergie, além de mostrar-se um fenômeno ao lotar o palco Itaú durante o Rock in Rio 2017 tanto quanto o show principal da noite. Ilustração 28 – Pabllo Vittar atrai multidão para o Rock in Rio e canta com Fergie.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir, 2017.
Podemos então afirmar que a arte drag vem ganhando força e se expandindo exponencialmente, conquistando às massas e transformando-se em parte integral da cultura pop atual. 2.3 – Disfarces: os diferentes estilos da arte drag Com a difusão da arte das queens e sua incorporação à cultura das massas, os estilos se ramificam e tornam-se atemporais. As diversas influências pop as quais estamos submetidos diariamente e que sofrem mudanças a todo o momento servem de gatilho para uma expressão artística que se ramifica, criando vertentes diferentes. Descrever cada tipo de drag queen que existe ou já existiu demandaria algumas centenas de páginas neste trabalho. Levando em consideração que a drag,
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independente do estilo em que se enquadra já é relevante para o presente trabalho, por ser um híbrido entre as definições de gênero, há algumas cuja estética é ainda mais dual, fluindo entre os gêneros imageticamente de forma mais explícita: as andróginas, club kid10, góticas, fish11, comediantes e genderfuck12. Deve ser levado em consideração também que estão dentre os estilos mais populares, sendo assim, foi mais fácil entrar em contato com indivíduos que têm suas drags guiadas por estas estilísticas. Para entender estes estilos, toma-se como base o vocabulário e as definições próprias deste grupo de indivíduos, são explicados constantemente nos episódios de RuPaul‟s Drag Race, o reality americano de RuPaul. Com influências punk e da androgenia da década de 70 podemos citar as drags andrógenas. As queens que são adeptas deste estilo, segundo Turner (2014) transitam entre o masculino e o feminino, aderindo características de ambos as indumentárias. Assistindo a alguns episódios da primeira ou da terceira temporada de RuPaul‟s Drag Race, vemos ainda que são ambíguas também em relação a suas performances, e até suas roupas no dia a dia, quando não estão montadas. São exemplos: Nina Flower (participante da primeira temporada de RuPaul‟s Drag Race) e Raja (vencedora da terceira temporada de RuPaul‟s Drag Race). Ilustração 29 – Nina Flowers (esquerda) e Raja (direita) / Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Nome referente ao grupo que frequentava as festas nas boates de Nova York, nos anos 80. Eram conhecidos por um estilo extravagante, que os aproximava do lúdico. 11 Faz referência às drags que se buscam se assemelhar imageticamente da mulher real, com maquiagem que busca deixar o rosto o mais feminino possível. 12 Refere-se às drags que tem uma estética fluida entre masculino e feminino e fazem uso de seus atributos masculinos. 10
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Drags que se definem como club kid, tem em suas influências a vida noturna dos anos 80 e uma estética que rompe as concepções de gênero. Assistindo o reality de RuPaul nota-se que essas artistas fazem uso de peças de roupa extremamente extravagantes, assim como técnicas de maquiagem que as aproximam de figuras lúdicas e conceituais. Ao se definir como club kid, costumam buscar inspiração no movimento de mesmo nome, e, por isso, o céu o limite. Cada transformação é completamente diferente da outra, trazendo diferentes referências, cores, texturas, materiais e figurinos. Suas performances têm um teor altamente crítico e, muitas vezes, político, visto que são defensoras de diversas causas sociais. Normalmente, estes indivíduos se consideram club kids até mesmo quando não estão em drag. Acid Betty, participante da oitava temporada de RuPaul‟s Drag Race, é uma representante do estilo. Ilustração 30 – Acid Betty
Google Images, 2017.
As que se consideram fish buscam parecer o mais próximo possível de uma mulher real. Para que isso seja possível, utilizam enchimentos feitos de espuma e outros materiais que permitem a ilusão de um corpo feminino. A maquiagem é a mais feminina possível, afastando-se do novo e do inusitado. O rosto é coberto com camadas de base e pó de diferentes tonalidades para dar a ilusão de um rosto mais feminino, embora esta maquiagem não seja muito exagerada. As sobrancelhas são 58
arqueadas de forma mais natural e as roupas são menos extravagantes do que as utilizadas por drags club kid, apesar de muito glamorosas. É possível evidenciar que algumas das queens adeptas a este estilo fazem modificação em seu próprio corpo e tendem e incorporar trejeitos, acessórios e peças de roupas da sua personagem no seu dia a dia, ultrapassando as normas de gênero impostas pela sociedade. São exemplos Courtney Act (da sexta temporada de RuPaul‟s Drag Race) e a cantora brasileira Pabllo Vittar. Ilustração 31 – Courtney Act (esquerda) e Pabllo Vittar (direita)
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
As drags góticas, de acordo com Turner (2014) são aquelas que criam looks inspirados no estilo gótico clássico e em filmes de terror. É uma característica destas queens vestir roupas pretas e fazer maquiagens “assustadoras”, que saiam do convencional. Elas podem ou não incorporar o feminino em suas montações13. Sharon Needles, campeã da quarta temporada de RuPaul‟s Drag Race é uma representante do estilo. Durante sua participação no programa, ela mostrou que consegue representar monstros e figuras grotescas e também a figura feminina. É interessante observar que quando não está fazendo drag, ela mantêm-se fiel ao estilo
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Montação é um termo utilizado para se referir a transformação do indivíduo em sua drag persona. 59
gótico, e adentra o universo feminino até mesmo em seu dia a dia, fazendo uso de maquiagem e adornos que seriam considerados femininos pela nossa sociedade. Ilustração 32 – Sharon Needles, representando o estilo gótico.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Drags cômicas são as artistas que, para Turner (2014), mais se aproximam do palhaço. Elas buscam uma representação satírica da mulher através de traços exagerados de maquiagem. Elas desenham lábios grandes, aumentam os olhos com técnicas de ilusão, usam perucas volumosas e roupas estampadas. São artistas bem humorados que não perdem a oportunidade de uma piada. A campeã da sexta temporada de RuPaul‟s Drag Race Bianca Del Rio e a participante da sétima temporada Trixie Mattel são exemplos. Ilustração 33 – Trixie (esquerda) e Bianca (direita).
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
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Genderfuck queens são caracterizadas por descontruir os gêneros, a moda e a maquiagem. A maioria mantêm seus atributos masculinos, como barba e pelos do corpo. Às vezes não usam enchimento e não fazem o famoso tuck14. Essas características as tornam transgressoras no âmbito dos gêneros. Milk (participante da sétima temporada de RuPaul‟s Drag Race) pode ser considerado um representante do estilo. Ilustração 34 – Milk faz uso do universo masculino e feminino para desafiar os gêneros.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
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Nome utilizado no meio drag para representar o ato de esconder a genitália masculina. 61
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3.1 Caminho da Pesquisa Com objetivo de entender os sentidos que são percebidos pelas drags na transformação de seus corpos para execução da sua arte e, consequentemente, entender seus hábitos de consumo e suas necessidades como clientes, o recurso oral foi a principal ferramenta utilizada. Segundo Verena Alberti (2004), para a produção de fontes orais devemos preparar os questionários, aplica-los em entrevistas, utilizando-os como roteiro e tratar as informações. Dessa forma, 6 queens do Rio de Janeiro, conhecidas do autor deste trabalho, foram convidadas para serem entrevistadas com perguntas pré-estabelecidas - que permitissem um diálogo entre pesquisador e informante (anexo 1 ao final do capítulo) no mês de outubro de 2017. São queens que se enquadram dentro dos estilos de drag apresentados no capítulo anterior. Elisa Antônia Ribeiro (2008), autora do artigo “A perspectiva da entrevista na investigação qualitativa”, afirma que: A técnica mais pertinente quando o pesquisador quer obter informações a respeito do seu objeto, que permitam conhecer sobre atitudes, sentimentos e valores subjacentes ao comportamento, o que significa que se pode ir além das descrições das ações, incorporando novas fontes para a interpretação dos resultados pelos próprios entrevistadores. (RIBEIRO, 2008, p. 141).
Convém assinalar, assim, que o objetivo foi criar uma conversão contínua que pudesse ser dirigida de acordo com os fomentos que a pesquisa em questão necessita. Logo, durante a preparação das questões, foram levadas em conta situações em que o indivíduo está ou não em drag. Foram abordados dados pessoais, a relação com a família, interesses e gostos, estilo e guarda roupa, na primeira parte da entrevista, focando no indivíduo em si e, em uma segunda parte, focando na personagem, tópicos como interesses, influências, engajamento político, o que a drag faz, seu estilo e seu guarda roupa foram levantados. Foi decidido, com prévia autorização dos sujeitos de estudo, que as entrevistas seriam gravadas e transcritas. Isto sugere que serão interpretadas e recriadas no decorrer do capítulo, pois segundo Tourtier-Bonazzi (1996), não somos capazes de transcrever com fidelidade para escrita o discurso falado. Por esse motivo, a entrevista deve ser utilizada em conjunto a outros métodos que, neste caso, foi a
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pesquisa de observação participante15 que permitem um aprofundamento sobre o comportamento, identidade e estilo do indivíduo entrevistado. Em alguns casos as entrevistas foram realizadas nas próprias residências dos entrevistados. Isto foi essencial para a pesquisa de observação, visto que, foi concedido livre acesso ao quarto, ao guarda roupa e outros bens destes sujeitos. Em adição, foi decidido que uma imersão seria necessária. Por isso, alguns entrevistados foram acompanhados enquanto se maquiavam e incorporavam seus personagens e enquanto se apresentavam ou interagiam em uma festa LGBTTQ. Isto confirmou não só a estética, como também a forma que se comportam quando estão em drag, o que querem transmitir com a personagem e com suas performances. As drags entrevistadas foram: Yan Chi, Athena Sparks, Gargântua do Céu, Co Kendrah e A Dita, nomes estes utilizados por suas personagens, exceto no caso de Yan Chi, que tem em seu nome drag o mesmo nome da certidão de nascimento. São nomes com os quais se apresentam em seus trabalhos e suas redes sociais. 3.2
Entrevistas e Observação
3.2.1 Yan Chi Yan Chi, 20tantos, de ascendência chinesa e moradora do Rio de Janeiro, Tijuca, partilha o nome da certidão de nascimento com a sua drag. Ele se considera bissexual e afirma, ainda que sexualidade pode ser oportuna, assim como o gênero: “Por ter nascido homem, eu me identifico como homem, mas eu acho que podemos beber de tantas fontes. Podemos buscar o feminino como referência em certos momentos e buscar o masculino em outros”. É fácil evidenciar isso com uma breve observação de suas redes sociais: são diversas as fotos em que, mesmo não estando em drag, Yan foi adepto do uso de saias e vestidos. Ele descreve seu estilo como transgressor. Desde muito cedo, é acompanhado por cabelos coloridos e cortes extravagantes, além de roupas que rompiam o padrão de gênero. “Até quando não estou em drag, eu gosto da ideia de
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Técnica de observação em que o entrevistador interage com o sujeito entrevistado. 66
experimentar. Roupas foram feitas para serem usadas, e elas têm poder. Não devemos usá-las para causar ou chamar atenção, mas por nós mesmos, pelo nosso estilo, pelo desejo”, pontua. Ilustração 35 – Yan Chi mistura os elementos masculinos e femininos.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
A influência, desde criança, foi a sua tia da parte brasileira de sua família. Segundo Yan, ele se identifica e se inspira em sua figura e, frequentando sua casa desde muito novo. Neste ambiente, ele teve contato com amigos de sua tia, que em sua maioria, eram homossexuais envolvidos na indústria da moda. “Eu já vi um cara vestindo uma roupa feita toda de bichinhos de pelúcia. Outro vestido todo de caixas de leites. Isso tudo gerou uma construção boa pra mim. Vi que era possível você ser um homem e usar roupas femininas, que sua masculinidade não tem nada a ver com que você usa ou com sua sexualidade”, comenta durante a entrevista. Sua família sempre o apoiou, apesar do receio de como iria se sustentar através de sua arte. Isto porque, foram duas faculdades abandonadas (Relações Internacionais e Publicidade), mas que, segundo Yan, contribuíram muito para a administração de sua carreira de drag, que por ele é visto como um trabalho e não como um hobby. Além disso, foi justamente por seu estilo extravagante e transgressor que seus familiares não reagiram mal quando ele fez sua primeira transformação. “O pontapé
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inicial foi a V de Viadão, há 4 anos atrás. Era um lugar muito pequeno, mas um gênesis. Todo mundo podia fazer qualquer coisa ali naquele espaço e as pessoas não tinham medo de ousar. Eu já tinha algumas perucas e como aquilo não era muito distante do que eu já vivia, resolvi que seria interessante”. Essa forma de expressar foi uma experiência tão positiva para Yan que ele decidiu que seguiria com a ideia. Foi quando deu início ao seu projeto “52 disfarces”, no qual fotografa em drag, mas apresentando estéticas diferentes. Ilustração 36 – Yan Chi no projeto “52 disfarces”
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Este desejo de representar não só uma única estética, mas diversas, é a filosofia do club kid, estilo de drag que Yan Chi se enquadra. “O club kid faz de tudo. Tenho diversas referências, são artistas muitos diferentes que convivem no mesmo espaço, como Amanda Lepore, Ryan Burke e Alma Negrot. Com o club kid, dentro da mesma persona drag, posso explorar todos estes espaços”, discorre ele. Ilustração 37 – Ryan Burke (esquerda), Amanda Lepore (centro) e Alma Negrot (direita).
Fonte: Elaborado pelo Autor, 2017.
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É também pelo desejo de criar várias faces que ele se identifica como uma drag queen modelo fotográfica, embora também trabalhe com outras vertentes, sendo maquiadora, performer, hostess e atriz. Ele participa da novela Pega Pega (ilustração 38), transmitida pela Rede Globo no horário das 19 horas. Mas Yan afirma que, apesar de fazer de tudo, sempre há uma marca registrada em tudo que faz. Em suas performances, por exemplo, sempre há uma surpresa: uma mudança de peruca ou de figurino, a transformação da figura feminina em uma figura club kid. Yan faz ainda uma relação entre ele e sua drag persona. A drag é vista como uma extensão da sua personalidade. “Minha drag é a elevação do que sou. É quando eu me abro a todas as possibilidades daquilo que já está na minha mente”, ele discorre. Ilustração 38 – Personagens drags na telenovela Pega, Pega. Yan Chi é a terceira da esquerda para direita.
Fonte: Rede Globo, 2017.
É importante ressaltar também as influências para seu trabalho de drag. Ele informa, primeiramente, suas influências estéticas: além do movimento club kid, as bandas asiáticas de rock, que remetem a androgenia ao trajar maquiagem e peças de roupas femininas e apresentarem cabelos longos. Uma aparência que, segundo Yan, é
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neutra. Além disso, cita Lady GaGa, Madonna e Grace Jones como ícones da cultura pop em que se inspira. Ele deixa claro, entretanto, que neste caso a influência não é estética: “Estes ícones souberem transmitir suas ideologias para as massas, fazendo concessões em seus próprios estilos”. O seu filme favorito, o australiano Vem Dançar Comigo é mais uma fonte de inspiração. “Esse filme me ensinou a viver sem medo. Vivendo com medo, vivemos pela metade. Eu sou autêntico, e não tenho medo de ousar e surpreender”, ele diz. A luta LGBTTQ também é uma inspiração constante para sua drag: “A drag é o avatar dessa comunidade e tem a responsabilidade de alertar e de passar a mensagem para esse grupo de pessoas. Eu gosto de deixar claro que o nosso maior ativismo é viver, não se esconder, e mostrar que estamos aqui”. Quanto ao seu guarda roupa, Yan deixa claro que não faz distinção de gêneros para o seu dia a dia. Até porque, devido ao seu manequim 34, muitas vezes se vê obrigado recorrer a seções femininas nas lojas de roupa, para comprar calças, shorts e até mesmo camisas. “Mas adoro misturar peças. Adoro peças oversized masculinas com peças curtas, apertadas femininas”, afirma ele. Dessa forma, muitas de suas peças são ainda reaproveitadas para seus looks de drag. Para complementar, ele compra em brechós, lojas populares no Saara, centro do Rio ou confecciona suas roupas com uma costureira. A variedade acima mencionada é facilmente percebida em apenas uma visita em seu closet. Ele guarda suas roupas dentro de um quarto, cheio de araras, que chega a lembrar um camarim de cinema, principalmente pela presença de uma penteadeira com luzes em volta, em estilo hollywoodiano. É separado por seções e há peças femininas e masculinas em todas elas: em suas roupas para dia a dia, em suas peças de drag para festas, para performances, ensaios fotográficos e gravações. É fácil entender que não só Yan-sujeito é adepto de um estilo genderless, como sua própria drag persona que segue não só uma filosofia que rompe com os conceitos sociológicos de gênero, como também tem em seu estilo neutro e andrógeno, um equilíbrio entre masculino e feminino.
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3.2.2 Athena Sparks Pietro, 24 anos, morador do Recreio dos Bandeirantes tem em Athena Sparks, sua drag, a força para vencer suas inseguranças e se rebelar para o mundo. Enquanto se maquiava para uma aparição em uma festa no Rio de Janeiro, ele se identificou, sem delongas, como um homem bissexual cisgênero16. Para ele, seu estilo desleixado quando não está em drag é algo positivo. “O melhor é que consigo misturar os guardas roupas. Afinal, se roupa tivesse gênero, roupas procriariam”, afirma ironicamente, apontado para as peças que vestia na ocasião: uma blusa de rede, que ele também veste quando é Athena e uma calça legging. “Gosto de conforto porque quando estou de drag uso cintas e quatro pares de meia calça, tudo para ficar o mais próximo possível de uma mulher real”, discorre. Ilustração 39 – Pietro, que dá vida a Athena.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
O guarda roupa de Athena e Pietro é compartilhado, segundo o entrevistado. Entretanto, algumas peças são vestidas apenas por Pietro e outras apenas por Athena. Em ambos os casos, as roupas vêm de brechós ou de suas próprias ideias, transformadas em realidade por costureiras de confiança. A identificação de Pietro é apenas com figuras femininas: a materna e irmã, que inspiraram sua personagem. E mesmo assim, segundo ele, sua mãe apresenta uma aversão à arte que seu filho representa. “Não tem nenhuma relação comigo, ela 16
Indivíduo cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento. 71
só não entende drag como arte do jeito que eu entendo. Mas conversamos muito e hoje ela aceita e respeita”, diz enquanto esconde as sobrancelhas masculinas para redesenhá-las mais finas, assemelhando-as as de uma mulher. São tantos produtos que ele precisa de no mínimo uma mala de viagem grande para transporta-los. Sua primeira transformação foi no carnaval de 2015, no qual ele se vestiu da personagem Úrsula, da animação da Disney “A Pequena Sereia”. Por causa deste feriado e da sua fantasia, ele discute: “meus amigos reagiram muito bem no começo. Entretanto, muitos se afastaram quando comecei a levar a sério e fazer drag com frequência, indo além das fantasias. Hoje, é uma terapia para mim”. Ilustração 40 – Athena como Úrsula.
Fonte: athenasparks (Instagram), 2017.
Este interesse pela arte drag, segundo Pietro, começou quando conheceu o reality show RuPaul‟s Drag Race. Depois de perder seu irmão em um acidente de carro, ele viu que as participantes do programa de TV passavam por problemas semelhantes e encontravam na arte, uma forma de escape e de transmitir felicidade. Mas foi só na sexta temporada, quando conheceu a drag Adore Delano, que a vontade se transformou em certeza, afinal, ela é uma drag cantora, assim como Athena. Isto lhe deu esperanças: “Porque sejamos honestos. No mundo gay, se você é um homem que canta e não tem o corpo do Justin Timberlake, ninguém vai ouvir. Mas se você está de drag, ninguém se importa com seu corpo e sim sua maquiagem”.
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Ilustração 41 – Athena e Adore.
Fonte: athenasparks (Instagram), 2017.
Ele ressalta que, além de tudo, Adore ajudou para que Athena encontrasse seu próprio estilo: “fiz uma maquiagem parecida com a dela quando ela veio ao Brasil e a reação dela foi péssima. Ela disse que estávamos parecidas e que aquilo era assustador. Assim, resolvi que devia encontrar meu próprio estilo”. A drag de Pietro transitou entre o berrante, com inspirações em Divine, drag queen americana, e pelo estilo desleixado inspirado em Adore até encontrar uma estética própria, buscando, acima de tudo, se assemelhar a mulher real. Ilustração 42 – Athena é uma drag fishy.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
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Além de Adore, outra grande influência para ele é a cantora Lady GaGa. “Eu não me inspiro em fazer coisas iguais a ela, mas ela me inspira a dar o meu melhor e me inspira a ter um poder de criação sobre mim mesmo”, ele diz, contando com orgulho da situação em que conheceu a cantora e ela elogiou sua voz como cantor. Ilustração 43 – Athena Sparks cantando em show ao vivo.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Apesar de se considerar uma drag cantora, Athena também é performer, maquiadora, hostess e está sempre envolvida em projetos fotográficos. Isso é administrado em conjunto com o curso de Museologia, que cursa na Unirio. Prestes a se graduar, ele afirma que não se vê trabalhando apenas com drag, mesmo que, para ele, sua arte seja um trabalho e não um hobby. Convém dizer que, hoje, Pietro tem a consciência de que Athena está dentro dele e faz parte de si. “Todos os medos que eu tenho, a minha personagem não tem. Depois, percebi que tudo isso não é só da Athena, é meu também”, ele fala. Ele também acha muito importante que se lute pela causa LGBTTQ. Conta que não só milita em suas performances ao abordar temas como homofobia e gordofobia, como também participa de projetos para ajudar a causa, fazendo shows beneficentes na casa nem, que dá lar a travestis e transexuais abandonados no Rio de Janeiro. Em uma breve análise do seu guarda roupa, é de fácil entendimento que há um transito entre as ideias e conceitos de gênero da sociedade em que vivemos. São peças femininas e masculinas, que são utilizadas quando ele está ou não de drag, ainda que sua figura seja mais masculina que feminina, durante o seu dia a dia, e mais feminina que masculina, quando personifica Athena.
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3.2.3 Gargântua do Céu Felipe, 22 anos, que mora em Copacabana, criou Gargântua para expressar seus sentimos interiores através do visual e de suas performances. Em um café, à tarde, ele explicou, sem muitas delongas que se considera um homem cisgênero gay. Quando questionado sobre seu estilo, ele apontou para as peças que trajava: uma regata preta e short curto branco, afirmando ter preferência por peças sóbrias, em sua maioria, pretas, brancas, cinzas, com adição de algum elemento colorido. Ilustração 44 – Felipe, quando não está em drag.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Segundo ele, seu guarda roupa é, em sua maioria, o mesmo de sua drag, embora ela não tenha o mesmo visual minimalista que Felipe busca para o seu dia a dia. “Eu uso muita coisa que é minha, coisa que eu adapto pra drag, porque é muito difícil manter dois guarda-roupas”, afirma, especificando que, quando precisa comprar roupas, procura peças que possam ser usadas por ele e por sua personagem. Quando precisa ir às compras, para ambas as situações, sua primeira alternativa são os brechós, principalmente online. Ele também procura roupas em lojas de departamento como a FOREVER21 e a Zara. Felipe também mencionou a loja Retropy, especificamente para ocasiões em que não está de drag. Disse ainda que, para vestir Gargântua, faz também algumas intervenções com plástico, papel e outros materiais alternativos.
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Ilustração 45 – Gargântua faz uso de materiais alternativos em suas montações.
Fonte: I Hate Flash, 2017.
A identificação familiar de Felipe é com uma figura feminina: ele busca inspiração na sua irmã, que é três anos mais jovem que ele. E embora tenha uma relação saudável e íntima com sua pequena sua família, discorre que sua mãe não se sente confortável com a ideia de ver seu filho fazendo drag. Mas isto não é nenhum impedimento, de acordo com o sujeito entrevistado. Na sua primeira transformação, ele se inspirou na bandeira do arco íris, símbolo do movimento LGBTTQ. Seus amigos se empolgaram tanto com a maquiagem que lhe deram força para continuar e estão presentes em todas as performances de Gargântua. O interesse por essa arte começou há alguns anos atrás, quando Felipe conheceu o reality show RuPaul‟s Drag Race. Mas foi só no último ano do seu curso de Cinema, que o desejo de fazer drag tomou uma proporção maior: ele se engajou em um projeto de documentário, que tinha como foco a vida de drag queens cariocas. “Foi quando percebi que drag era uma arte tão ampla. Sempre soube que tinha algo artístico para falar e descobri que seria como uma drag queen”, diz Felipe. A drag é vista, pelo entrevistado, como uma forma de poesia. Exatamente por isto, ele não consegue se enquadrar em nenhum dos estilos de drag queens conhecidos:
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“eu deixo que meu interior fale por mim, permito que minhas emoções e impressões direcionem a minha transformação”. Entretanto, Felipe admite que Gargântua mantêm uma estética gótica e genderfuck, buscando inspiração imagética e de comportamento na drag Alma Negrot e nas cantoras Lady GaGa, Bjork e Florence, além da dança, que inspira suas performances. Ilustração 46 – A estética de Gargântua.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
É importante ressaltar que para Felipe, fazer drag é um escape emocional e, por isso, é mais um hobby que uma profissão, embora admita que ganhar dinheiro com sua arte seria incrível. Ele se dispõe não só a performar, como também toca como DJ, em parceria com uma amiga em algumas festas. Além disso, ele busca uma profissão que vá além disso: “não pretendo trabalhar com cinema, mas estou em busca de algo. No momento, estou em um curso de gastronomia, me descobrindo”. Seu foco são as performances. Com maquiagens extravagantes, ele dubla músicas que vão desde o pop mainstream, até o indie e pop alternativo. Em sua última apresentação, por exemplo, Gargântua tinha o rosto completamente pintado de vermelho, com algumas intervenções em preto e a barba, com uma forte referência ao gótico e ao genderfuck.
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Ilustração 47 – Gargântua durante performance.
Fonte: I Hate Flash, 2017.
O contato com Gargântua em festas e uma breve análise de seus perfis no Instagram permitem-nos afirmar que Felipe, muitas vezes, utiliza roupas de seu dia a dia para suas performances, adicionando outros elementos do mundo feminino. Isto o torna um sujeito que rompe com as barreiras de gênero através de sua arte, ao identificar que, independente do que a sociedade pensa em relação às peças de roupa, as mesmas que são vestidas quando não está em drag podem ser utilizadas por sua personagem e vice versa. 3.2.4 Co Kendrah Diogo, 23 anos, morador da Tijuca, criou Co Kendrah, uma personagem depravada e cómica. Durante a entrevista, que aconteceu no seu quarto, ele se identificou com um homem cisgênero, se definindo como queer, o que ele acredita ser a mais fluida orientações sexuais. Ao definir o seu estilo, ele, novamente, utilizou a palavra fluido: “tem dias que estou bem afeminado, colorido, e dias que estou todo de preto e cores sóbrias”, diz ele, complementando que seu estilo varia com o seu humor. Ele admite, também, que compartilha muitas peças de roupa com sua drag.
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Ilustração 48 – Diogo, que dá vida a Co Kendrah.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Quando precisa comprar, sua primeira opção são os brechós de igreja e no Rio Comprido, região próxima a sua casa: “odeio pagar caro por algo que todo mundo possa ter igual.”, justifica, ressaltando que compra roupas tanto para o dia a dia como para Co Kendrah. Para complementar o guarda roupa de sua drag, ele também faz compras nas lojas populares do Saara e pega peças emprestadas de sua mãe. Exatamente por isso, sua mãe é sua maior influência: “adoramos aparecer, somos extravagantes, adoramos falar alto, fazer festa, ser o centro das atenções”, explica. Segundo Diogo, ela não se importa que o filho faça drag, apesar do medo da violência urbana contra a população LGBTTQ. Sua tia, com a qual mora é, também, uma fonte de inspiração e adora o fato do sobrinho fazer drag. “Ela me pede dicas de maquiagem, me leva nos brechós para comprar roupa”, diz ele, gabando-se da relação com a tia. Os amigos também reagem muito bem e marcam presença em todas as performances, filmando de diversos ângulos. Ele descobriu a arte drag ao assistir o reality show RuPaul‟s Drag Race e se identificou imediatamente com a forma de arte. “Comecei a me maquiar em casa, na casa dos amigos, de brincadeira”, ele diz, afirmando que, entretanto, sua drag só nasceu durante seu intercâmbio em Londres, Reino Unido, onde foi convidado para participar de um desfile genderless da faculdade que estudava: “foi assim que nasceu Co Kendrah, maquiada pelas amigas, com peruca emprestada e barba”.
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É fácil entender porque Diogo identifica Co Kendrah como uma comedy queen. Basta prestar atenção em sua maquiagem extravagante: ele desenha os lábios bem maiores que os seus e aumenta também os olhos através de técnicas de maquiagem. Além disso, suas performances, recheadas de elementos da cultura POP, trazem inúmeras referências cómicas, o que inclui uma grande variedade de expressões faciais. Ilustração 49 – O estilo de Co Kendrah.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Na sua última performance, Co Kendrah dublou a cantora Taylor Swift, fazendo uma referência cómica ao relacionar a cantora com um réptil: a cobra. Durante a dublagem, ela também utilizou trechos da comedia Todo Mundo em Pânico, arrancando risadas e palmas da plateia. Ilustração 50 – Co Kendrah em performance.
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Fonte: I Hate Flash, 2017.
Diogo afirma que uma das maiores influências para sua drag é a cantora Lady GaGa: “ela não paga de falsa ativista, flui entre os gêneros perfeitamente. Eu amo o que ela faz e amo como ela ousa”, diz ele, ressaltando que adoraria investir em looks mais parecidos com os da cantora. Devemos ressaltar que para o sujeito entrevistado, drag só é um hobby até o momento que ele faz por vontade própria: “a partir do momento que me pedem, eu cobro um cachê”. Sua queen é uma performer, embora ele tenha esclarecido que se transforma também por diversão, para ir até as festas e interagir com os convidados. Entretanto, ele reclama do calor: “as roupas são quentes e as casas de festa não tem ar condicionados descentes”. Cursando medicina na Estácio, não se vê trabalhando só com a arte. Apesar ele se sentir preso em um curso com o qual não se identifica, ele busca especializar-se como psiquiatra. “Na verdade, estou naquela faculdade só para causar problema”, complementa, listando que criou o coletivo LGBTTQ da faculdade, que costuma ir de drag nos eventos e que entra em todas as discussões contra homofobia e machismo, mostrando que é engajado com as causas gay e das mulheres. Co Kendrah é para Diogo uma extensão da sua personalidade: “eu me comporto da mesma forma, quer esteja ou não em drag, mas me sinto mais confortável de interagir com as pessoas, sem que pensem que estou flertando”, ele diz. É exatamente por isto que, com uma breve observação em seu guarda roupa, peças masculinas e femininas se misturam, as quais ele usa quando é Diogo e quando é Co Kendrah. Por isso, o sujeito é um interessante objeto de estudo, adentrando uma zona mista na representação dos conceitos de gêneros impostos pela sociedade. 3.2.5 Alla Alex, 22 anos, morador de Copacabana, criou a personagem Alla para poder adentrar o universo feminino, o que sempre desejou desde criança. Isto porque o entrevistado afirma uma identificação com o universo feminino: “eu me imaginava com cabelo longo, indo para escola com tranças, de saia”, ele diz, mas menciona que
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gosta do seu corpo masculino e por isso, se consideraria como um homem cisgênero, quando perguntado sobre seu gênero, e gay, quando questionado sobre sua sexualidade. Ilustração 51 – Alex, de 24 anos, que dá vida a Alla.
Elaborado pelo autor, 2017.
Convém ressaltar que Alex não conseguiu definir seu estilo pessoal quando não está montado: “eu uso todo tipo de roupa. Tem dias que estou básico, e, às vezes, quero usar peças coloridas. Visto shorts curtos, já usei saia, visto peças que acho em brechós”. Na hora de descrever o estilo de sua drag, ele consegue achar um termo: “eu chamo de princesinha acessível”, diz ele, deixando claro que gosta de estar confortável, optando por sapatos sem salto e tênis, mas não abre mão de estar feminina, imitando a maquiagem que a maioria das mulheres faz no seu dia a dia. “Eu encontro todas as roupas em brechós”, ele reafirma, citando o brechó da Shirley, na Siqueira Campos, em Copacabana. “Às vezes, compro o tecido e uma amiga, que costura, me ajuda”, ele complementa. Ilustração 52 – Alla e seu estilo “princesinha acessível”.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
Em sua última performance, dublou uma diva pop, trajando uma jaqueta bomber e uma camisa de tule, que facilmente poderiam ser utilizadas em uma ocasião que ele não estivesse de drag. Sua inspiração principal é sua bisavó: “ela era muito a frente de seu tempo, alguém que eu almejo ser”. É fácil notar que tiveram uma relação íntima e que ela, por ser uma figura forte, acaba inspirando sua personagem. Ele cita também sua relação com a sua mãe: “ela se acostumou com a ideia de eu ser drag. Hoje ela pega até minhas perucas emprestadas”. Ele também busca referências na cantora Beyoncé, principalmente por sua figura que emana girlpower17: “ela é uma artista completa, com uma performance maravilhosa. Foi a cantora que influenciou Alex a fazer drag pela primeira vez em fevereiro de 2017: “por incrível que pareça, RuPaul‟s Drag Race não teve influência sobre mim. Meu namorado, que já se montava, teve. Beyoncé teve”, explica. Ele deixa claro que sempre houve o interesse de adentrar o universo feminino, contando situações em que, muito novo, já se transformava em figuras femininas: “tem foto minha bem criança vestido que nem a Xuxa”, fala, rindo. Apesar de estudar arquitetura e urbanismo, na UFRJ, Alex se identifica mais com a vertente de cenografia. “Eu amo cenografias de show, amo analisar e admirar cenários de espetáculos”, ele explica. Esta atração pelo mundo dos shows é o que direciona o que sua drag faz: ela é, acima de tudo, uma performer. Alex conta o desejo de, um dia, poder cantar como drag. Para isto, ele começou aulas de canto. Ele também conta que faz comerciais e faz campanhas de fotos quando está de drag. “Mas é um hobby”, ele reitera, mostrando o desejo que tem de que isto se torne, um dia, um trabalho.
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Poder feminino, em tradução livre. 83
Ilustração 53 – Acima de tudo, Alla é uma performer.
Fonte: I Hate Flash, 2017.
Quanto aos movimentos LGBTTQ, Alex deixa claro que o ato de vestir uma peruca e sair na rua já é uma militância. Por isso, ele busca, em suas performances, entreter, despertar alegria na plateia. Convém explicar que para o entrevistado, a sua drag não é uma personagem completamente separada da sua personalidade. “A Alla é o espelho do Alex, tanto que o meu nome drag é literalmente formado pelas duas primeiras letras do meu nome espelhadas”, explica. Ele diz ainda que é uma forma de expressar e incorporar o universo feminino o que já o torna um objeto de estudo muito interessante, pois se encontra entre os conceitos de gênero masculino e feminino. 3.2.6 A Dita A Dita é um projeto artístico de Dan, de 32 anos, curitibano que mora no Rio de Janeiro, em Ipanema. Ele se identificou como sendo um homem cisgênero e gay. A entrevista teve lugar na casa do sujeito entrevistado, em seu quarto. Para ele, foi fácil definir o seu estilo pessoal. Em suas palavras, ele acredita que é básico, prezando por peças em seu dia a dia que sejam confortáveis: “como drag a gente sempre tá desconfortável, apertado, com maquiagem, de salto”, justifica, apontando para as roupas que traja: uma camisa jeans e uma bermuda jeans, ambas
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oversized
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. Entretanto, ele diz que adora ousar e incorporar peças do universo
feminino, se ele gostar das peças: “eu faço uso de roupas da Dita também, porque ela tem este estilo que mistura o feminino e o masculino”, ele afirma. Ilustração 54 – Dan, o criador de A Dita.
Fonte:Elaborado pelo autor, 2017.
Os brechós de igreja são sua primeira opção quando o assunto é compras. Dan ressalta que consegue peças únicas, tanto para o seu dia a dia como para suas performances. Ele indica o brechó da rua Visconde de Pirajá como seu favorito, afirmando que sua frequência é assídua. Complementa afirmando comprar também nas lojas do Saara, principalmente por aviamentos e materiais que permitam customizar as peças encontradas nos brechós. A identificação de Dan com a figura feminina começou na família. Sua mãe, prima e tia são mulheres poderosas e empoderadas, que inspiram sua personagem. Ele ressalta que, inclusive, todos reagem bem ao seu trabalho, apesar de serem conservadores. O interesse em se montar, entretanto, só surgiu pela convivência com outras drags. Foi para sair com estas que Dan se montou a primeira vez, há 10 anos. “Era uma estética diferente do trabalho que faço com a Dita, era apenas por diversão”, ele explica. Ele reitera que não tinha a mesma visão que tinha hoje sobre a arte drag e por isto, aquilo se perdeu. Foi só muitos anos depois, mais precisamente em 2016 que A Dita surgiu. “Ela é derivada de um espetáculo que trabalhei com um amigo, que era focado em dois seres andróginos, abordava gênero e homossexualidade, tudo com 18
Peças largas e compridas. 85
isso com um roteiro produzido a partir das músicas da Madonna”, diz, adicionando que foi durante um concurso para drag queens que ele resolveu transformar a personagem do seu projeto em sua persona. “Foi neste momento que consegui reconhecer drag como arte, por estar representando algo que eu acreditava. Eu tenho um discurso, um conceito, o que é essencial para mim como ator”, ele explica. Ilustração 55 – A Dita.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018. Convém ressaltar que A Dita mantem a estética da personagem da qual foi originada: a androginia. É fácil entender isto pela ambiguidade que a sua figura traz: ela não usa peruca, o cabelo é curto e natural, muitas vezes tingindo de diversas cores; não há a tentativa de imitar a mulher e o corpo feminino com enchimentos, e técnicas de contorno do rosto; as características masculinas de Dan são todas mantidas, como os pelos do corpo e as sobrancelhas. Madonna continua permeando o seu trabalho, não só quanto a estética, mas também quanto a performance, já que a drag de Dan é uma performer que só dubla músicas de Madonna. A faculdade de teatro e a de educação física com foco em dança e a experiência que tem nestas disciplinas foram essenciais para que Dan criasse conceitos e coreografias para suas apresentações. Ele vem trabalhado em um show solo, de 40 minutos, no qual apresenta também uma música própria. Ilustração 56 – A Dita durante apresentações.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
O foco é entreter e divertir quem assiste a seus shows e para ele não é um espaço de militância, estando a militância no próprio fazer drag. Mesmo assim, a performance é pensada, para transmitir uma ideia ou um sentimento específico de Dan, que acredita que no show, há lugar para tudo, inclusive política. Ele separa seu o eu Dan da sua personagem A Dita, até pela sua experiência no teatro: “eu só mais reservado básico, A Dita é mais chamativa e glamorosa”. O sujeito em seguida caracteriza a personagem como uma extensão dele mesmo, mas deixa claro que o indivíduo Dan é mais que só drag: ele é um professor de dança, um ator, mesmo que veja sua queen como um trabalho, que requer compromisso. “Além de tudo, me traz satisfação profissional, prazer”, ele complementa. É fácil entender porque A Dita é relevante para o presente trabalho: ela é ambígua e flui entre os elementos de gênero de forma gloriosa. É uma estética que confunde e que é impactante. E não só a drag, como o próprio Dan, rompem com os padrões do que é feminino e o que é masculino. 3.3 Análise Reunir estas informações foi um exercício interessante de adentrar o universo da drag, tanto fisicamente quanto mentalmente. Isto é essencial para o trabalho do designer, de entender os desejos e as necessidades do público alvo e, por fim, suprilos.
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Dentro das seis queens entrevistadas, observamos diferentes estéticas, que estão associadas aos estilos existentes de drag queen. Em todos os casos, as roupas se misturam: são peças masculinas e femininas que compõe a personagem. É claro que, dependendo da estilística que a drag persona apresenta, a intensidade com que isto acontece pode variar: Athena, por exemplo, veste muito mais peças consideradas tradicionalmente femininas, enquanto A Dita tem em seu estilo andrógino em certas montações muito mais do universo tradicionalmente masculino. Quanto a roupa para o dia, o mesmo se faz valer, mas neste caso, com a maior porcentagem das roupas do universo do homem. Entretanto, todos os entrevistados afirmam que não enxergam o gênero na roupa e utilizam peças que seriam consideradas femininas quando não estão em drag, até mesmo roupas que são vestidas pela própria personagem. Independente da estética e do guarda roupa, há sempre uma influência feminina: seja na família ou no mundo da música. Esta identificação com a figura feminina permeia a arte da drag, que surge, acima de tudo, como a personificação do feminino em diversas vertentes. Isto também explica a necessidade da queen de adentrar o feminino: é a representação da figura que ela mais admira e que se identifica. Assim, vemos a necessidade de que a coleção incorpore elementos do que é considerado próprio das mulheres e transite entre masculino e feminino. Das seis drags entrevistadas, quatro citam a influência do programa de TV de RuPaul. Isto prova o quanto o reality difundiu e transformou o conceito do que é a drag, ao apresentar para o mundo inúmeras vertentes desta expressão artística. As drags do programa, inclusive, servem de inspiração para algumas das queens, como Athena, que se vê em Adore, da sexta temporada. As divas pop, principalmente Lady GaGa, citada por quatro dos entrevistados, guiam a estética, as performances, ou a concepção e isto acontece porque estas artistas costumam acolher a população LGBTTQ, representa-los em seus clipes e em seus discursos. Lady GaGa, por exemplo, se considera uma drag, o que revelou em uma participação no programa de RuPaul, o que explica essa identificação é imagética também. Assim, podemos dizer
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que há a necessidade de tomar estes artistas como referência imagética para o desenvolvimento na coleção. Entender o que a persona de cada entrevistado faz também foi essencial. Isto porque, para criar peças para estes sujeitos, devemos levar em consideração as circunstâncias que eles as utilizam. No caso da performance, por exemplo, pode ser estudado um produto que seja modificável, se transforme e apresente ambiguidade, para alguma revelação ou transformação no palco e para eventual uso no dia a dia, quando o indivíduo não estiver em sua personagem. A visão que têm sobre a arte drag também é muito importante: para a maioria, é visto como um trabalho, uma profissão, mesmo que não se viva exclusivamente disto. Por isto, as peças devem ter qualidade, o estudo de materiais e aviamentos se faz essencial. Devemos lembrar também que, como muitos não adentram a militância e o protesto em suas performances, não há a necessidade de referências políticas. Desta forma, o desenvolvimento criativo pode adentrar o conceitual, pode incorporar tendências e referências de cultura pop e do entretenimento. A proposta de trazer uma coleção que misture os elementos masculinos e femininos mostra-se ainda mais relevante ao perceber que para os entrevistados, a drag não é só um personagem. É uma extensão, uma parte de si próprio. Isto nos permite afirmar que a roupa usada na montação – seja para show, para curtir uma festa, para trabalhar de dj, ou modelo, adquire menos significado de figurino.
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4.1 Marcas Internacionais de Inspiração para Coleção A fim de entender como é o produto que se quer apresentar, buscamos inspiração em duas marcas europeias: a primeira é uma marca espanhola, que tem ganhado as passarelas e os famosos ao redor do globo, a Palomo Spain; a segunda é britânica, criada por um estilista escocês, e recebe o nome de um club LGBTTQ que ele frequentava: Loverboy. 4.1a Palomo Spain Criada pelo designer Alejandro Gómez Palomo, a grife espanhola é descrita pela Vogue (2017) como uma mistura de fantasia e camp19, debutante e drag queen, alta costura e cross-dressing. Ao observar suas criações, é fácil entender seu objetivo: desestruturar a relação da roupa com o gênero binário. Apesar de se afirmar como uma marca para homens, o designer acredita que o gênero atrelado à peça não deve importar, se o indivíduo que a veste está feliz consigo mesmo. Portanto, suas criações podem ser vestidas por qualquer pessoa. Palomo cria coleções híbridas ao englobar elementos do universo masculino e do universo feminino, buscando inspirações na própria história da indumentária, tornando as peças atemporais. Ao contar uma história diferente a cada coleção, ele busca referências de formas, silhuetas, tecidos e aviamentos, que trazem sempre a referência ao universo tradicionalmente feminino. Em sua coleção de outono/inverno 2018, a qual desfilou na semana de moda masculina em Paris, o tema (A Caçada, em tradução literal) apresenta um leque de formas e silhuetas inspiradas na indumentária da Idade Média, do período Elizabetano e no Romantismo: são decotes ombro a ombro, mangas bufantes e volumosas, referências ao rufo (espécie de gola popularizada na era Elizabetana, que se tornou símbolo de status social) e capas. A modelagem contorna o corpo do homem, marcando, por exemplo, cintura e pernas, característica presente em todas as suas coleções. Muita pele também é revelada, seja por fendas, peças curtas, decotes ou tecidos transparentes. É fácil identificar também tecidos brilhosos como a seda, 19É
uma estética artística audaciosa que brinca com o mau gosto e a ironia, aproximando-se do kitsch (mau gosto do âmbito da estética, arte sentimentalista e sensacionalista). 93
com toque, como o veludo e ornamentados, com brocados. Sem falar nos aviamentos: botões exuberantes, franjas e bordados. Ilustração 57 – Coleção Outono/Inverno 2018 Palomo Spain.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Na coleção para primavera/verão 2018, Palomo conta a história de um hotel, imaginando seus hóspedes, funcionários, frequentadores e as roupas que vestiriam. Novamente, é fácil evidenciar referências à história da indumentária: são formas, silhuetas, tecidos, aviamentos e padronagens que nos trazem aos anos 1920, 1960, 1970, 1980 (estudados brevemente no capítulo um) e novamente a era Elizabetana (com o rufo). Ao buscar no passado referências do universo feminino e trazendo-as para o corpo do homem, Alejandro cria um mix de produtos atemporal e revolucionário, tendo em vista que vivemos em uma sociedade que associa a roupa ao gênero quase que instantaneamente.
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Ilustração 58 – Coleção Primavera/Verão 2018 Palomo Spain.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Na semana de moda de Nova York, para o outono/inverno de 2017, Palomo apresentou uma de suas coleções mais famosas e impactantes até hoje, segundo a Vogue Espanha: Objeto Sexual. As peças misturam elementos masculinos e femininos, sendo bem sucedidas como híbridas: blazers e saias, por exemplo, unemse e repetem-se ao longo do desfile em diversas silhuetas. Há até mesmo a referência ao New Look de Dior, que se inspira no blazer tradicionalmente masculino e cria uma nova silhueta, aproximando do corpo, destacando a cintura e adentrando o universo feminino. E esta não é a única referência da história da indumentária (1950) que o designer faz. Novamente, é fácil evidenciar formas e silhuetas inspiradas nos anos 1920, no heavy metal e no power dressing dos anos 1980, no romantismo (mangas bufantes, babados), etc. Nos tecidos, o brilho da seda e a textura do veludo se destacam novamente, juntamente com a transparência. Veem-se também bordados e aviamentos extravagantes como plumas e botões.
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Ilustração 59 – Coleção Outono/Inverno 2017 Palomo Spain.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Alejandro Gómez Palomo cria assim, uma estética queer. Ao criar peças que fluem entre os gêneros ele desafia às normas impostas pela sociedade quanto à roupa e ao gênero, e faz isso de forma coesa ao tema que aborda em cada coleção. Esta estética é o que mantêm ainda, suas criações coesas entre si, independente da temática que as permeia a cada estação. Há sempre a modelagem próxima ao corpo, destacando a cintura (seja criando a forma da ampulheta ou apenas contornando o corpo natural masculino), há sempre pele a mostra (seja por decotes, comprimentos, fendas ou transparências) e há sempre a busca por inspirações na história da indumentária, trazendo elementos tradicionalmente femininos, transformando-os e apresentando como resultado um produto atemporal. É esta mesma estética que garante o sucesso da marca. Em apenas dois anos, a etiqueta vem sendo usada por estrelas pop como Beyoncé e Miley Cyrus, por drag queens como Violet Chachki (vencedora da sétima temporada de RuPaul‟s Drag Race)
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e tem ganhado espaço em editoriais e revistas renomadas como a Vogue e a GQ. Além disso, já desfilou nas semanas de moda de Madri, Paris e Nova York. Ilustração 60 – Famosos e editoriais vestindo Palomo Spain.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
4.1b Loverboy Para o The Guardian (2018), Loverboy, etiqueta londrina criada pelo escocês Charles Jeffrey, descontrói a ideia de gênero na moda ao brincar com ele: a hibridez de elementos tradicionais do guarda roupa masculino e do feminino cria uma coleção livre, que dá ao indivíduo que a vestir o poder de ser quem quiser e a liberdade de se expressar de forma genuína. Em entrevista ao The Guardian (2018), ele afirma que o gênero é uma ideia, a qual ele gosta de descontruir ao ignorar os significados que são atrelados às roupas. Charles busca inspiração para sua estética também no movimento club kid da noite londrina (a subcultura do exagero artístico, brilho e glamour) e na arte drag. Ainda há a influência cultural de seu próprio país, a Escócia: padronagens, e a presença do kilt, repaginado e reimaginado. Há também a revisitação na indumentária do passado, trazendo elementos de outros momentos históricos, para que, assim
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como Alejandro Gómez Palomo (designer da Palomo Spain), seu produto seja atemporal. Se tomarmos por análise sua última coleção, desfilada na semana de moda masculina de Londres para o outono/inverno de 2018, percebemos a influência do movimento club kid. Ao definir a cintura do corpo masculino, por exemplo, com corseletes (uma referência ao rococó e ao romantismo, sendo vestido por mulheres), peças justas ou cintos, o designer recria a silhueta da ampulheta, que se repete de diversas maneiras ao longo da coleção. Além disso, ao acinturar peças oversized (maiores ou mais longas), ele cria drama, trazendo transições bruscas de volume: ombros muito largos, cintura fina, e/ou quadris volumosos). A mistura de texturas também soma ao drama e a excentricidade: diversos tipos de lã, paper touch, couro, sarja, tecidos com elasticidade (como a lycra), etc. As padronagens tem sua parte também: trazem, junto o kilt, a referência cultural de seu país de nascença, a Escócia (quadriculados e xadrezes), e também o caos, a criatividade e a exuberância do club kid (através de silks e bordados abstratos). Ilustração 61 – Coleção Outono/Inverno 2018 Loverboy.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Na sua coleção anterior, para o verão/primavera de 2018, podemos fazer a mesma correlação. A influência da estética club kid está no exagero das formas e dos
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volumes, na escolha dos materiais (construir uma jaqueta em referência à era Elizabetana – incluindo o rufo, em couro, por exemplo), e na própria hibridez das peças. O designer utiliza elementos historicamente femininos, destacando a cintura do homem, e investindo em mangas e saias volumosas (inclusive tendo como artifício a crinolina20) em contraste com elementos da alfaiataria masculina, e do militarismo francês da Era Napoleônica. Ilustração 62 – Coleção Primavera/Verão 2018 Loverboy.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Ao buscar referências no queer (club kid e drag), Charles Jeffrey cria uma estética que, semelhante a Palomo Spain, questiona o que consideramos masculino e feminino, fluindo entre os gêneros. Com apenas três anos no mercado, os produtos desta etiqueta vêm ganhando destaque em editoriais de revistas renomadas, como a ID e a Vogue, e vestem também celebridades como a atriz Elle Fanning, o performer Casey Sponner, e os cantores/atores Harry Styles e Jared Leto.
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São armações, usadas sob saias e vestidos para aferir volume e estruturação. 99
Ilustração 63 – Famosos e editoriais vestindo Loverboy, de Charles Jeffrey.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
4.2 Marcas Nacionais de Inspiração para a Coleção As marcas nacionais abordam o tema queer com outra estética. Se nas marcas europeias vemos muita influência de elementos mais antigos da história da indumentária, e a mistura de peças masculinas como o terno e femininas como o vestido e a saia, no Brasil, a maior influência das marcas queers é o street style21. De olho na moda das ruas, as etiquetas de Diego Fávaro, Rafael Caetano e Felipe Fanaia, apresentam roupas que rompem com as barreiras do gênero, sendo vestidas por homens, mulheres e até mesmo drag queens. 4.2a Diego Fávaro Considerado por Lilian Pacce (2017) o designer mais pop do momento, Diego tem sua marca há quatro anos, e desfila suas peças na Casa de Criadores. Com clara referência ao sportwear e ao street style, suas coleções apresentam ainda muita influência do movimento agênero.
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Em tradução direta, significa estilo urbano, a moda que se vê nas ruas. 100
Observando alguns produtos da etiqueta, destacam-se formas geométricas, que na maior parte da coleção afastam o tecido do corpo masculino (o que pouco acontece nos produtos de Palomo e Jeffrey), uma referência ao street style e ao hip hop. Apesar disto, há algumas peças justas ao corpo, influenciadas pelo sportwear e confeccionadas em tecidos elásticos como malhas. A ousadia da marca, entretanto, está na escolha de mostrar o corpo masculino através de transparências (tule e telas), nos aviamentos escolhidos, como franjas e fitas coloridas, nas estampas e nas referências a cultura pop (a frase “don‟t touch, it‟s art”, é uma referência a socialite Narcisa Tamborindeguy, um meme muito utilizado por gays na internet). Além disso, ele veste artistas queer como Pabllo Vittar e Rico Dalasam, que divulgam seus produtos em vídeos e redes sociais. Ilustração 64 – Peças de Diego Fávaro em desfile, editoriais e vestidas por Pabllo Vittar e Rico Dalasam.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
4.2b Rafael Caetano O designer, que dá nome a etiqueta, e desfila na Casa de Criadores, busca atender um nicho ávido por atenção no Brasil: os queers. Para isto, ele busca inspiração na própria cultura destes indivíduos. Em sua mais recente coleção, se inspirou nos Unicorns, um time gay de futebol americano; Anteriormente, teve como influência drag queens, tomando por referência os musicais Kinky Boots e Priscilla, a
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Rainha do Deserto. Logo, é de se esperar que suas peças utilizem tanto elementos tradicionalmente femininos quanto masculinos, buscando atender este mercado. Uma breve análise de seus produtos permite-nos identificar a sua estética com forte referência ao streetwear e ao sportwear, assim como Fávaro. Entretanto, diferente do primeiro, que se torna mais neutro, Caetano busca mais referências extravagantes e tradicionalmente consideradas femininas, utilizando tecidos com paetês, veludos, tecidos metalizados e tules bordados que exibem diferentes áreas do corpo masculino. Em seu último desfile, ele ainda apresentou biquínis, tops e croppeds para homens. Apesar de formas predominantemente afastadas do corpo, as cores, a escolha de tecidos, os aviamentos, estampas, sobreposições e os próprios temas de suas coleções conversam com o universo da mulher e tornam o masculino afeminado, tendo como produto um híbrido. Ilustração 65 – Peças de Rafael Caetano em desfile, editoriais e Instagram.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018
4.2c Felipe Fanaia Em entrevista a Casa de Criadores (2017), que sedia seus desfiles a cada temporada, Fanaia revela que sua marca tem um estilo mutante: cada coleção traz um novo tema, novas formas, tecidos, etc. E, embora suas influências variem de coleção para coleção, é fácil identificar um ponto em comum entre elas: a hibridez das suas peças, que flui entre o guarda roupa da mulher e do homem.
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Analisando de forma geral, há influência do streetwear, do sportwear, da história da indumentária masculina e feminina, e até do movimento club kid, como a Loverboy de Charles Jeffrey. Em suas coleções há pele exposta (peças curtas, fendas, transparência), contorno do corpo e definição da cintura masculina (roupas em lycra, nylon e neoprene acinturadas, modelagens justas), uma transição equilibrada entre cores neutras e cores vibrantes, aviamentos como paetês, plumas e babados, por exemplo. De forma mais literal que seus parceiros da Casa de Criadores, ele adota elementos da mulher: o vestido, a saia, o corselete e o colã, para criar seus híbridos e atender a seu público queer, que inclui as drags Pabllo Vittar e Gloria Groove. Ilustração 66 – Roupas de Felipe Fanaia em desfile, e vestidas por Vittar e Groove.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
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5.1 Estudos de influências A arte drag vem tomando uma amplitude grandiosa e parte disto ocorre porque está, cada vez mais, sendo incorporada pela cultura pop mainstream, e ganhando as massas. Elas se destacam na televisão – RuPaul‟s Drag Race encontra-se em sua décima temporada, batendo recordes de audiência e apresentando novas queens a cada ano; na música – Pabllo Vittar é a drag mais tocada do mundo no Spotify; no Instagram – as técnicas de maquiagem se popularizam e são compartilhadas inúmeras vezes; em revistas de grande porte – a Vogue e a Cosmopolitan, por exemplo, convidam drags para que revelem seus segredos em vídeos e matérias; e nas passarelas – designers como MarcoMarco e Alejandro Gómez Palomo não só se inspiram na arte das queens como as convidam para participarem de seus desfiles. Assim, é de fácil entendimento que, para esta coleção, devemos buscar primeiramente, inspiração nas próprias queens. As tendências, neste universo, são ditadas por elas próprias: seja em seus perfis de Instagram, programas de televisão ou clipes musicais. Por se tratar de um projeto voltado para o mercado brasileiro, é essencial que levemos em conta a maior influência nacional: Pabllo Vittar. A cantora quebra paradigmas e barreiras com seu estilo de drag: ela mescla a feminilidade através da maquiagem, looks coloridos e sensuais, e o masculino, pela escolha de não usar enchimentos, mostrando a todos seu verdadeiro corpo de homem. Basta ir a alguma festa voltada para o público queer e é fácil perceber seu impacto: ela popularizou o body, o sportwear (principalmente tops) e tecidos transparentes (telas, tule). E, mais que isto, ela reforçou o movimento de aceitar o próprio corpo: muitas queens não usam mais enchimentos e exibem seus peitos, pernas e braços masculinos. Pabllo também veste peças tradicionalmente masculinas, transformando-as de acordo com suas necessidades: blazer, terno, camisa social etc.
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Ilustração 67– Moodboard de looks de Pabllo Vittar.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
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É inegável também a influência das drags competidoras e vencedoras do reality RuPaul‟s Drag Race. Os espectadores buscam inspiração na maquiagem e nos looks de suas drags preferidas. Levando em conta a popularidade das queens nas redes sociais, o mood elaborado apresenta seis competidoras, que também se enquadram nas estéticas e estilísticas apresentadas no capítulo dois. Vê-se influência geométrica, transparência, pele exposta, cintura marcada e também a estilização de trajes tradicionalmente masculinos como o terno. Ilustração 68 – Moodboard de looks de competidoras de RuPaul‟s Drag Race.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
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Ainda dentro do universo drag, há outra influência que deve ser levada em conta: o reveal. Em tradução literal, significa revelação, e é uma tendência popularizada através do reality RuPaul‟s Drag Race. Trata-se da surpresa durante a performance: uma peruca embaixo da outra, um elemento surpresa ou a transformação do look em outro completamente diferente. O que começou nos palcos de RuPaul, toma proporções ainda maiores, uma vez que, estando na plateia de apresentações de drag queens no Rio de Janeiro, é possível evidenciar que tem ganhado espaço nas apresentações de artistas com diferentes estéticas, que sentem a necessidade de surpreender e arrancar suspiros da plateia que as assiste. Yan Chi (drag entrevistada no capítulo três), por exemplo, fez uma performance em que um look, inspirado na personagem Alice, de Alice no país das maravilhas, se transformava em outro inspirado pela Rainha de Copas, antagonista no mesmo clássico. Ilustração 69 – Moodboard que apresenta o reveal.
Fonte:Elaborado pelo autor, 2018.
Como percebido durante as entrevistas, o público alvo desta pesquisa identifica-se também com figuras da cultura pop. Por isto, colhem-se informações visuais a cerca de artistas cuja estética influência a coleção. Ilustramos no moodboard: a ousadia de David Bowie, colorido e exuberante em suas silhuetas dramáticas; Madonna, com looks icônicos que popularizaram a underwear como uma peça a ser exibida; RuPaul, que mostra-se versátil vestindo peças de gala e roupas dignas de 110
supermodelos; Lady GaGa, cantora que se considera uma drag queen, e monta looks e apresentações icônicas que são imortalizadas na mente de fãs e adoradores da cultura pop; e Miley Cyrus e Rihanna, que trazem irreverência e juventude em suas roupas brilhantes, coloridas, e que revelam bastante o corpo. Ilustração 70 – Moodboard que traz referência de artistas pop.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
5.2 Tema da Coleção Homens efeminados são um motivo de humilhação e marginalidade, até mesmo para indivíduos da própria comunidade gay. Basta se cadastrar em um
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aplicativo de encontro e a frase “não sou e não curto afeminados” se repete constantemente. De acordo com Gabriel Monteiro para ELLE (2018), esta fobia ao gesto, à apresentação e ao comportamento feminino se chama effeminophobia, e atinge não só gays, mas também héteros, bissexuais e transexuais. Isto acontece, pois, em nossa sociedade, temos a ideia de como um homem e uma mulher devem agir, vestir e falar e somos ensinados, desde criança a performar nossos gêneros. Meninos, por exemplo, ouvem repressões quando fazem algo que é associado ao comportamento feminino: “engrosse a voz”, “esta roupa/brinquedo é de menina”. Qualquer outro menino que tenha a voz fina, tenha interesse em roupas femininas ou brinque com brinquedos do universo tradicional feminino é visto como estranho, frágil e motivo de chacota. Como sabemos, os indivíduos que não se encaixam nos padrões criam os subgrupos sociais. Dentre os LGBTTQs, os afeminados, que são chamados de bichas pintosas de forma pejorativa, são os indivíduos que estão na linha de frente na batalha por igualdade. São eles que são tachados imediatamente de gays, e que sofrem o preconceito explícito nas ruas. Sabe-se também que as drags são, da mesma forma, um instrumento nesta batalha por direitos iguais. Se montar é um ato político, mesmo que o objetivo seja entreter. Veste-se o corpo do homem com roupas do universo feminino; a maquiagem, os trejeitos e a voz são incorporados. Assim, esta coleção tem como tema o afronte desta bicha pintosa, que busca o direito de desfrutar de sua própria vida da forma que desejar, que se monta em drag, que fala fino, que busca inspirações e admira o universo feminino e, ainda assim, tem o corpo e a genitália do homem. Misturando elementos masculinos e femininos, levando em conta as inspirações para coleção e o tema, há uma grande possibilidade de formas e materiais que podem ser usados.
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Esses estudos são essenciais para que seja possível criar uma coleção que converse com o público alvo, que tenha relevância para o mercado, para moda e para sociedade. A seguir, apresenta-se, respectivamente um moodboard que ilustra o tema da coleção, do qual também extraído uma cartela de cores, e também as inspirações de formas e materiais.
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5.3 Processo Criativo da Coleção 116
5.3 Processo Criativo A partir dos dados colhidos durante a pesquisa de campo e observação, das influências destrinchadas ao longo deste capítulo, do tema proposto e dos painéis de formas e materiais derivados destas informações, iniciou-se o processo criativo da coleção. De acordo com Rech (2002), durante a criação do produto de moda, o processo criativo é a etapa chamada de projeto preliminar. Com a inspiração em mente, isto é, o fio condutor de toda linguagem visual da coleção, é necessário esboçar, desenhar, testar as cores, formas, materiais e aviamentos. É indispensável também para esta etapa, que se pense em todas as informações acerca dos desejos do público e da funcionalidade das peças para estes, uma vez que: A proximidade com o público-alvo, no caso dos produtos de moda, será vital para a sua elaboração, tendo em vista a relação estreita e pessoal que tais produtos mantém com seu usuário. (MONTEMEZZO, 2003, p. 58)
Assim, perante o estímulo criativo, geram-se ideias de produtos, que são analisadas, problematizadas e, consequentemente, remodeladas, tendo consciência da necessidade de resolver estes problemas projetuais. Para que esta coleção, pudesse surgir, portanto, brincou-se com as formas geométricas, com referências das indumentárias masculina e feminina, dos figurinos de ícones do pop, e outras inspirações do público; pensou-se nos materiais e em como eles poderiam influenciar na vestibilidade, no caimento e no movimento que o indivíduo que vestir estas peças faria; foram levadas em conta texturas, e os diferentes estímulos que estas poderiam gerar, em diferentes ambientes e situações; além das cores, que traduzem toda a história que permeia a coleção. Além disso, o produto das formas, materiais, texturas e cores deveria ser versátil. Visto que, o objetivo da coleção é criar peças que possam ser usadas em diferentes ocasiões: seja no dia a dia, em casas noturnas ou em performances e montações de drag. Optou-se, portanto, por não utilizar estampas, focando a ousadia no design e em como estas roupas vestiriam o corpo masculino. 117
Ilustração 74 – Primeiros Rascunhos e Ideias para a Coleção.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
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6.1 Release Afeminado. Afronte. Bicha. Afronte. Drag. Afronte. Queer. Afronte. Pessoas que externam o seu interior sempre serão um afronte aos padrões e às normas da sociedade. Trava-se uma batalha: o estranho contra o conhecido. E os “mocinhos”, muitas vezes vitoriosos com seu grande exército, não hesitam em esmagar o pequeno exército de “vilões”, seja com palavras e olhares pejorativos, negando direitos que deveriam ser de todo e qualquer ser humano, ou com violência. Muita, muita violência. São diversas as vidas LGBTTQ perdidas pela homofobia. Principalmente no Brasil, o país que mais mata LGBTTQs no mundo. Os mais atingidos, a linha de frente nesta batalha, são os afeminados, os queers, as drags. São aqueles que tornam o ato de ser quem são uma militância. Que enfrentam diariamente as palavras, os olhares e a violência. Esses “vilões” aos olhos de grande parte da sociedade são, na verdade, os heróis para muitos outros. E por isto, a coleção Bicha Afrontosa busca não só celebrá-los, como também acolhê-los e armá-los para a sangrenta batalha de todo dia. Trazendo a hibridez entre o masculino e o feminino, Bicha Afrontosa tem como inspiração a cultura drag nacional e internacional, além da própria cultura pop. Essas referências traduzem-se nas cores, formas e materiais, apresentando um mix de produtos versáteis, que podem ser utilizados no dia a dia, em montações de drag e performances, atendendo às necessidades deste público queer. Fruto de todo um estudo teórico, histórico e sociológico, esta coleção traz também inúmeras referências da indumentária tradicionalmente feminina, que são readequadas para o corpo masculino. Com uma cartela de cores composta basicamente por tons quentes e neutros e formas e modelagens que tornam-se a tradução do desejo do público alvo - são levadas em consideração suas influências e inspirações estéticas, além de seus estilos de drag e das suas necessidades físicas, informações colhidas e percebidas durante a pesquisa de campo e de observação, ousa-se ao vestir o corpo masculino com peças
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justas, transparências, decotes, e diversas formas características do guarda roupa tradicional feminino. Cria-se assim, uma coleção que preza por atemporal. Os materiais levam em conta o conforto: são, em grande maioria, tecidos com elasticidade, que permitem que o corpo se mova livremente, já que estes indivíduos precisam performar, se mover nos palcos, nas festas e nas sessões de fotos, como vimos no capítulo 3. Além disso, estes materiais concedem versatilidade a determinadas peças, permitindo que sejam reajustadas a diferentes partes do corpo e, consequentemente, possam ser vestidas em diferentes ocasiões. Isto porque, durante a fase de entrevistas, notou-se que todos os entrevistados reutilizavam roupas para o dia a dia e para a drag, visto que, segundo as próprias palavras de um deles “é impossível manter dois guarda-roupas”. Logo, a necessidade de focar na versatilidade. Os produtos dessa coleção, criados para as bichas da linha de frente, se dividem, ainda, em três linhas: to go22, criada com peças mais versáteis para o dia a dia; to slay23, pensada para a vida noturna, presença em festas e performances; to wow24, peças de tirar o fôlego que baseiam-se na estética club kid e que podem ser usadas para festas ou shows e lipsynch. Buscando o equilíbrio e a versatilidade, estas três linhas representam não só o público, mas toda essa luta travada por ele.
Expressão em inglês que significa “para viagem”. Expressão em inglês, muito utilizada no mundo drag, que equivale ao arrasar em nosso idioma. 24 Wow é a expressão da surpresa em inglês. 22 23
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6.2 CARTELAS
C O R E S De acordo com as cores extraídas do mood da coleção durante o processo criativo (capítulo cinco), foram selecionadas sete cores. Misturam-se tons neutros com tons quentes, a critério de criar uma seleção de cores coesa, que tenha por resultado um mix de produtos atemporal e que, mais importante, contribua simbolicamente para a história que a coleção conta. Segundo a semiologia25, há significados associados às cores. Por isto, nesta coleção, cada cor ganha um valor simbólico, uma interpretação: o vinho representa o sangue. Em muitos sistemas26, este mesmo significado se aplica. No sistema católico, por exemplo, o vermelho é associado ao sangue derramado na cruz. Nesta coleção, significa o sangue de muitos LGBTTQs, agredidos e assassinados pela homofobia e pelo preconceito. A cor caramelo é o solo, a terra, a cova em que muitos dos LGBTTQs são sufocados. O preto faz referência ao luto, que é um significado já conhecido para a cor. O mostarda é o despertar, a consciência de que junto, o grupo é mais forte, poderoso e de que um novo dia se aproxima. O vermelho é a revolução, a batalha. O bege e o nude vêm representar a exposição destes corpos nas linhas de frente. E, por fim, o branco faz referência a paz, a liberdade e ao respeito, o desejo de todo um grupo de poder ser quem são.
Estudo dos signos sob todas as formas e manifestações que assumem. O sistema é o que determina o significado de um signo. O mesmo signo pode ter diversos significados em diferentes sistemas. 25 26
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T E C I D O S A pesquisa de materiais foi realizada nos dias 18 e 25 de abril de 2018, no centro da cidade do Rio de Janeiro (mais especificamente na Rua Buenos Aires) e no Polo Têxtil do Rio Comprido, respectivamente. O moodboard de materiais, apresentado no capítulo cinco, que leva em conta o tema da coleção e o público alvo, serviu de base para a pesquisa. Foram levados em conta elementos como conforto, versatilidade, brilho e caimento do tecido, para que as peças atinjam seus objetivos ao serem produzidas. Materiais como Zibeline e Sarja com Elastano foram escolhidos por características como brilho e estruturação, para criar peças que tenham volume; Bengaline e Bengaline Crepe por seu toque mais áspero e por serem tecidos com elastano mais encorpados, que poderiam ser utilizados para confecção de peças com caimento rente ao corpo; Crepe Pluma e Microtule foram selecionados pela transparência e também por serem tecidos com maior porcentagem de elastano; O percal, que pode ser visto em uma das peças, foi selecionado pelo toque: macio e confortável, além da característica do tecido de criar amassados e dobras, que era o objetivo do produto em que foi utilizado. Por fim, a ViscoLycra, por seu toque macio, caimento rente ao corpo e também por sua elasticidade, foi aplicada em alguns dos tops.
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A V I A M E N T O S O estudo de aviamentos foi realizado no dia 18 de abril de 2018, no centro do Rio de Janeiro, na loja Altero e no e-commerce de diversos armarinhos, como Maluli, Rei do Armarinho, Roma Aviamentos e Armarinho25. Para esta coleção, há aviamentos que levam em consideração principalmente permitir a funcionalidade dos produtos, ou tenham o caimento e a forma desejada. O zíperes invisível tem como função garantir a vestibilidade. Botões de pressão e velcro são para permitir que determinados produtos se transformem e sejam versáteis. Para que uma mesma peça possa ser usada também de diferentes formas, o elástico de embutir é essencial. Barbatanas e entretela encontram-se listadas para que o efeito que peças estruturadas atinjam seu objetivo. Linha e fio são indispensáveis para unir as partes da veste e para realizar acabamentos. Outros aviamentos têm, além do objetivo de ser funcional, um valor estético para coleção: são os botões, paetês, zíperes de encaixe e puxador de zíper (argola).
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B O R D A D O S Para a coleção Bicha Afrontosa, decidiu-se priorizar o bordado ao invés de estampas. Escolheu-se usar o paetê preto metalizado para ajudar a compor peças da linha to slay, trazendo brilho e exuberância ao look. Estes paetês serão somente utilizados em um tecido: o microtule, na cor preto luto. A disposição do aviamento se dará de forma salpicada, sem um padrão definido. O ponto que deve ser feito é o atrás ou reto (ilustração 78) de forma manual. Este tipo de ponto pode ser utilizado para pedrarias, paetês e lantejoulas. Ilustração 75 – Ponto Salpicado em Paetê.
Fonte: Casa do Estilista, 2010.
Para realizar o ponto em paetês, deve-se seguir o passo a passo mostrado na ilustração 79. Primeiro, passa-se a linha na agulha e dá-se um nó na ponta da linha. Em seguida, deve-se passar a linha pelo meio do paetê (de trás -avesso do tecido, para frente) e voltar a agulha pela lateral, de cima para baixo. Volta-se para a parte superior do tecido pela lateral oposta e, em seguida, a agulha deve ser passada no meio do paetê novamente. Pode-se finalizar o ponto e começar novamente ou continuar o bordado de forma aleatória, tomando cuidado para que o tecido não repuxe
ou
fique
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enrugado
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6.3 Mix de Produtos Bicha Afrontosa foi pensada de maneira equilibrada, de modo que é composta por dez opções de top ou partes de cima, sete bottons ou partes de baixo, dez inteiros e duas peças removíveis, que podem fazer parte de outra determinada peça ou não. Tabelas 3,4,5 e 6 – Mix de Produtos (mudar bottons – 4 saias)
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
De maneira a englobar diversas situações em que o público alvo pudesse se encontrar, a coleção foi pensada em três linhas: to go, to slay e to wow. A expressão to go, traduzido do inglês, significa “para viagem”. Isto porque esta linha é composta de roupas mais versáteis, que podem ser vestidas no dia e dia e, dependendo da composição, em festas, performances e sessões de foto. Com maior
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influência de formas geométricas, os produtos desta linha contornam e exibem o corpo, mas sem extremismos, o que garante esta versatilidade. As peças estrelas são: o macacão pantacourt vermelho, a saia com suspensórios e o poncho/saia. Essas escolhas baseiam-se nos próprios desejos do público alvo, que, durante as entrevistas, citou o macacão como uma peça chave para ser utilizado tanto de drag, quanto rotineiramente. Além disso, todos os entrevistados mostraram-se animados com a ideia de vestir saias e peças mais longas. Adicionandose os demais produtos, to go é formada por seis tops, quatro bottons e dois inteiros. To slay é a linha criada para a noite, para as performances e apresentações. Em tradução adaptada, significa “arrasar”, e é uma gíria popularizada entre as drags pelo programa RuPaul‟s Drag Race. No reality, refere-se aos desfiles na passarela, na qual as participantes exibem seus looks elaborados e exuberantes. Por isso, as peças que compõe esta linha modelam e exibem o corpo de forma mais ousada: há a predominância da forma da ampulheta, por exemplo. Não se deve esquecer que são vistas mais influências da indumentária tradicionalmente feminina, adaptadas ao corpo masculino, em relação a to go. A peça reveal (body/vestido), o conjunto de blazer e calça flare e o corpete argolas, junto com a calça cenoura e a saia removível são os looks estrelas, pois conectam os demais looks entre si. To wow é a veia criativa da coleção e tem por objetivo impactar. Esta linha compõe-se com quatro peças conceituais, sendo um top, um bottom e dois inteiros, inspiradas na estética club kid. Neste caso, não há produtos estrelas. Os dois looks formados apresentam, ainda, conceito e significado, de acordo com o tema da coleção: o body com o grande laço e a saia de crinolina formam o presente, a caixinha surpresa, o enigma que muitos são aos olhos da sociedade, que não busca entender, descobrir; o look composto pelo macacão com recortes e mangas guardachuva e o corpete com formas orgânicas cria a imagem do monstro, traduzido para o high fashion, imagem esta que a sociedade costuma ter dos queers.
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6.2 Tabela de Medidas Levando em consideração as medidas de um homem brasileiro normal (não atlético ou especial), levantadas pela norma NBR (2012), as medidas que foram selecionadas podem ser vistas na tabela 1. Trabalhar com tamanhos desde o PP (34) até o GG (48-50) é essencial, visto que, dentre as drags entrevistadas, o manequim variava entre tais medidas. Além disso, se o projeto cria uma coleção que incluí uma parcela marginalizada da sociedade, ele deve realizar essa inclusão da maneira mais ampla possível, atingindo uma parcela maior do público em questão. Nota-se também que, a partir do tamanho P (36-38), trabalhar-se-á com duas numerações relativas para cada tamanho. Essa numeração relativa será utilizada principalmente nas peças da linha to go, que tem maior elasticidade: t-shirts, tops, saia/calça/poncho com elástico, dentre outras peças que estiquem mais. Outros produtos, como vestidos, calças, blazer, corpete e macacões confeccionados em tecidos com menor ou nenhuma porcentagem de elastano serão numerado de acordo com os números de 34 a 50. Tabela 1 – Medidas utilizadas na coleção.
Fonte: Elaborado pelo autor baseado na norma NBR, 2018.
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Trabalhando com malhas, devemos esclarecer, ainda, que as medidas desta tabela devem ser reduzidas de acordo com o percentual de elasticidade de cada material. Isto é indispensável para que não haja sobra de tecido e, com a elasticidade, ele se adeque ao tamanho desejado. De acordo com o site Cortando & Costurando, chega-se a conclusão que essa redução deve ser feita na seguinte escala (em centímetros): Tabela 2 – Escala de redução de medidas.
Fonte: Elaborado pelo autor baseado no site Cortando & Costurando, 2018.
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Desenvolvimento do Protótipo e Análise Resolveu-se prototipar um look completo, formado por três peças (ref. U21, U22 e U23) da linha to slay. Tal escolha se deu principalmente por se tratar de um look versátil, formado por um top (corpete com argolas), um bottom (calça cenoura) e um removível (saia godê), exemplificando o objetivo da coleção e mostrando que as peças podem ser vestidas com diversos propósitos para diferentes ocasiões. Tendo em consideração as medidas do modelo do editorial, optou-se por desenvolver os protótipos em tamanho PP, que equivale ao 34 na tabela de medidas. Os desenhos técnicos, bem como todas as informações necessárias e os materiais, foram enviados para a designer responsável pela modelagem e pilotagem. As modelagens foram, ainda, desenvolvidas de acordo com o corpo masculino. O tecido utilizado para prototipagem foi a sarja com elastano (ref. TEC5), como planejado nas fichas de desenvolvimento dos produtos. Entretanto, não foi encontrado tal material na cor desejada (COR1), que seria a ideal para as peças. Assim, foi resolvido fazer uso de uma cor muito semelhante ao Vermelho Combate (COR5). Durante a primeira prova no modelo, foi possível determinar o comprimento exato de cada um dos produtos, além ajustá-los ao corpo de Yan Chi, a fim de obterse o efeito desejado. Ilustração 76 – Primeira prova do protótipo.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
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Quanto aos aviamentos utilizados, tudo saiu como o planejado, com exceção do zíper de encaixe, que deveria ter sido utilizado para vestibilidade do corpete. Em seu lugar, usou-se um zíper aparente, não havendo nenhum problema na vestibilidade especificamente para o modelo Yan Chi. Para ser produzido em escala, haveria necessidade do zíper destacável ou de encaixe. Com a peça pronta, no dia do editorial, percebeu-se que o tecido cumpriu o seu propósito: com uma pequena porcentagem de elastano, ele modelou o corpo e permitiu o movimento ao mesmo tempo. Os acabamentos ficaram ideais e bem finalizados, garantindo uma estética clean aos produtos. O resultado final das peças garantiu com que fossem versáteis (principalmente o corpete e a calça), sendo possível imaginar diferentes looks para cada uma, dos quais alguns foram evidenciados no editorial (foram montados dois looks a mais, utilizando peças que não estão na coleção). Entretanto, tratando-se de pilotos, percebe-se algumas melhorias, que poderiam ser feitas em uma posterior produção em escala. A ideia de prender a saia no corpete, por exemplo, mostrou-se limitadora, pois torna inviável que o indivíduo utilize a calça por cima do corpete no look completo (o que fica esteticamente mais bonito). Como alternativa, o corpete poderia ser encurtado, mantendo-se o velcro na parte interna; ou a saia poderia estar presa a calça por alguma outra solução de design, como ganchos e colchetes ou botões de pressão.
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Este trabalho de conclusão de curso visou atender a um público não só esquecido como marginalizado: os queers. Focando em drag queens homens, objetivando criar uma coleção que atendesse as suas necessidades e desejos, com peças que pudessem ser utilizadas no dia a dia e em suas performances ou festas. Isto porque, segunda a drag Gargântua do Céu em entrevista para o presente projeto: “é muito difícil manter dois guarda-roupas”. Depois de um levantamento de informações colhidas em artigos acadêmicos, livros e sites da internet, foi possível elaborar um questionário, aplicado individualmente em forma de entrevista. O resultado destas entrevistas foram diversas informações e dados, que foram primordiais para o desenvolvimento da coleção Bicha Afrontosa. Foram entendidas não só as necessidades e o que o público busca, mas suas inspirações e influências, seu dia a dia e seus estilos de drag. Como referência, foram analisadas ainda designers que tem a mesma proposta: a moda híbrida, que rompem as barreiras dos gêneros ao adequar peças, modelagens e formas tradicionalmente femininas ao corpo masculino. Com todo este levantamento, chegou-se ao tema da coleção, que permeia a luta LGBTTQ por seus direitos, por sua vida. Já que se montar em drag já é um ato político, este público é a linha de frente nesta batalha, sofrendo os olhares, o preconceito e a violência nas ruas. O tema e as influências durante a pesquisa criativa que levaram a ele influenciam também nas cores, formas e materiais da coleção. O resultado da coleção foram dezessete looks, composto por peças versáteis que são divididas em três linhas, que atendem a diversas situações, permitindo com que este público economize e divida o guarda-roupa do dia a dia com o da sua própria drag.
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Apêndices Questionário que guiou as entrevistas: Primeira Parte
Qual é sua sexualidade e em qual gênero você se encaixa?
Em relação à família: com quem você se identifica mais?
Como sua família/amigos reagem ao fato de você ser drag?
O que você gosta de ouvir?
Qual é seu ícone da cultura POP preferido?
O que cursou/cursa na faculdade e/ou com o que trabalha out of drag?
Como você definiria o seu estilo – isto é, suas roupas, quando você está out of drag?
O que você vestiria nas seguintes situações (out of drag): boate, bar, passeio informal em uma tarde e trabalho (looks com 2 a 5 peças – descrever modelo, cor e forma de vestir).
Onde você compra roupas para o seu dia a dia out of drag?
Segunda Parte Quando e como você descobriu o interesse por se “montar”? Quais são as influências para sua drag? Em qual estilo de drag você se enquadraria? O que sua drag faz? (performance, maquiagem, DJ....) De onde vêm suas roupas? O quanto seu estilo pessoal interfere no estilo da sua drag? A luta LGBTTQ é uma causa que sua drag representa? Quais festas você costuma ir de drag? Para você, ser drag queen é uma profissão ou um hobby? Você vê sua drag como uma persona, completamente separada d
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