O impacto do ambiente no conforto para as soluções de conflito.

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O impacto do ambiente no conforto para as soluções de conflito.

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Resumo

Hoje, no sistema padrão de justiça nacional, existem mais de 90 milhões de casos pendentes de solução. A mediação judicial vem como estratégia para a solução de conflitos de maneira mais humana, empática, mais rápida e eficaz. Nesse artigo, baseado em referências e pesquisas bibliográficas, apresento estratégias e caminhos para que o ambiente da mediação seja o mais compatível com boas experiências emocionais, liberação de neurotransmissores de bem-estar e satisfação.

De acordo com as pesquisas, alguns elementos são chaves para o sucesso de um ambiente confortável, como os princípios da biofilia, aplicação correta de cores e formas e o posicionamento dos mobiliários específicos para o uso de cada ambiente.

Palavras-chave: Neuroarquitetura. Mediação judicial. Percepção ambiental. Conforto.

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1. Introdução

Um indivíduo está o tempo todo conectado com suas emoções e sentimentos e o ambiente em que está inserido influencia diretamente nas suas ações e reações. Um ambiente específico para trabalho deve conter algumas particularidades de uso, como os mobiliários, iluminação e cores que proporcionem ao usuário um período de concentração e foco. Já um ambiente privado, como um projeto de arquitetura residencial, deve acompanhar as particularidades do usuário, se adequando ao uso pessoal, considerando as emoções e sentimentos e funções de cada um que irá habitar aquele ambiente construído.

Diante dessas ofertas ambientais a quais estamos sujeitos a todo o tempo, devemos levar em consideração a manipulação que cada ambiente é capaz de fazer nos seus usuários. As reações individuais não podem ser controladas, mas podem ser previstas e manuseadas para buscar tais resultados esperados, como por exemplo o projeto comercial de uma loja que busca como resultado maior a venda dos produtos O usuário é condicionado a compra pelos sentidos, como os fatores visuais, olfativos e que de certa forma se tornam atrativos para o público-alvo. Da mesma forma é feito num projeto específico na escala micro de relacionamentos, como por exemplo um quarto. Nele deve conter os elementos que aquele usuário percebe como relaxantes e geram uma reação de calma, descanso e o uso esperado para aquele determinado ambiente.

O tempo todo estamos inseridos em um ambiente. A percepção de cada espaço é interpretativa pois cada ser humano carrega em si uma personalidade, histórias e experiências anteriores.

Considerando uma tríade entre o indivíduo, a comunidade e o ambiente construído, temos sempre o macro e o micro envolvidos em qualquer relação que envolva uma ou mais pessoas. O ambiente influencia o “eu” emocionalmente e todas as emoções geradas influenciam nas relações interpessoais Assim também estamos o tempo todo com algum conflito, seja interno com os nossos pensamentos e consciência ou externo com outra pessoa. Alguns desses conflitos tomam uma proporção maior e precisam de intervenção para serem solucionados. Nossos conflitos internos muitas vezes precisam de auxilio psiquiátrico para serem solucionados e os conflitos externos também precisam de ajuda profissional de advogados e do sistema de justiça para que tenham um fim.

De acordo com o relatório “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça, a cada ano, para cada dez novas demandas propostas no Poder Judiciário brasileiro, apenas três demandas antigas são resolvidas. Atualmente são em média cerca de 93 milhões de feitos pendentes, retratando um grave problema operacional e gerando nas partes envolvidas nos conflitos e pendencias um período ruim de espera e danos emocionais.

A mediação judicial vai de encontro com esse problema operacional do sistema convencional de justiça brasileiro, apresentando soluções para a dissolução de problemas de forma mais eficiente e eficaz.

A solução de conflitos envolve duas ou mais partes, e pelo menos um profissional qualificado para a mediação, chegando a conclusões que enfrentam o conceito comum de uma parte sendo a vencedora e a outra, consequentemente, sendo a perdedora. Diante dessa estratégia humana e amigável, o ambiente precisa acompanhar os sentimentos e emoções que englobam, num geral, os motivos de

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conflito, fazendo com que os usuários do espaço estejam confortáveis e afastados dos sentimentos ruins, como por exemplo a raiva, o ódio e a vingança, buscando assim o fim do conflito que precisa ser enfrentado e solucionado.

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2. Desenvolvimento

O corpo humano é formado de órgãos, tecidos, ossos, nervos e líquidos. O cérebro é o órgão considerado responsável pela aprendizagem, sentimentos, ações e reações do corpo humano. Ele é dividido em hemisférios e regiões e cada parte é responsável por uma função. Aqui nesse artigo vamos considerar as partes que envolvem os sentimentos, sensações, ações e reações, que é o conhecido popularmente como “cérebro emocional” ou sistema límbico, responsável pelas respostas emocionais, o comportamento e a memória.

O sistema límbico acaba sendo responsável por todas as atividades sociais dos seres humanos, gerando habilidades e estratégias para que a nossa espécie se organize de forma única e não vista em outra organização de seres vivos. As emoções e sentimentos só são possíveis através do funcionamento do sistema límbico e com o mau funcionamento desse, vemos o desenvolvimento de depressão, ansiedade, problemas psicológicos e de memória, entre outros.

Alguns componentes do sistema límbico são mais importantes para esse estudo, como o hipotálamo, responsável pelas funções vitais e biológicas como fome, sede e sono; o hipocampo, responsável pelas memórias e pensamentos e as amigdalas que regulam as emoções e iniciam o modo de “luta ou fuga”, necessário em diversas situações do dia a dia.

Além das funções físicas, o nosso cérebro é responsável pelas emoções, sentimentos e sensações, por amazenar as memórias e por consolidar as conexões neurais das nossas reações, fazendo com que a nossa personalidade seja traçada e levada em consideração em todas os nossos relacionamentos.

Todos os dias vivemos situações que são boas ou ruins. Nenhum dia passa sem que tenhamos sentimentos, criação de memórias novas e acesso a memórias antigas, remetendo as situações que vivemos e se parecem com algo que estamos vivendo naquele momento, podendo ser um cheiro, cor, lugar ou até mesmo uma música. Essas lembranças fazem parte de quem nós somos, da nossa bagagem emocional e psicológica. Considerando a tríade indivíduo-comunidade-ambiente construído, o tempo todo estamos em constante alteração, seja o indivíduo alterando o ambiente e consequentemente as formações da comunidade, ou o ambiente e a comunidade alterando o indivíduo. Essas alterações constantes também ocorrem em relações interpessoais Diante disso, todos os seres humanos que entramos em contato, também tem o seu combo de sentimentos e sensações e a cada troca, novas experiências são criadas.

Segundo Leonard Mlodinow, autor do livro “Subliminar – Como o inconsciente influencia nossas vidas”, a distinção de consciente e inconsciente vem sendo feita por estudiosos desde a Grécia antiga. Nesse estudo ele revela que Immanuel Kant, no século 18, criou uma teoria de que nós estamos o tempo todo construindo uma imagem do mundo e não apenas vivendo e documentando mentalmente os eventos objetivos. Nossa percepção não é somente do que vivemos e existe, mas sim de como nós interpretamos isso na mente. O que difere os humanos dos animais é a evolução do pensamento somente inconsciente e instintivo para o pensamento coordenado e racional, consciente.

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“Há séculos os filósofos debatem sobre a natureza da “realidade”, se o mundo que percebemos é real ou uma ilusão. Mas a neurociência moderna nos ensina que, de certa forma, todas as nossas percepções devem ser consideradas ilusões. Isso porque só percebemos o mundo de forma indireta, processando e interpretando os dados brutos dos nossos sentidos. É isso que nosso inconsciente processa para nós – criando assim um modelo do mundo. Ou, como dizia Kant, há Das Ding an sich, as coisas como elas são, e Das Ding für uns, as coisas como as conhecemos. Nosso inconsciente não só interpreta os dados sensoriais, ele os realça.”

(MLODINOW, 2012:31)

Ou seja, cada pessoa que nos relacionamos, tem o seu próprio mundo interpretado, suas referências e o seu inconsciente trabalhando e isso é viver em comunidade. Lidar com os aspectos sociais e ao mesmo tempo com o nosso próprio mundo interno e inconsciente, gera em nós algumas batalhas reais, algumas interpretativas, e como reagimos a isso, gera e influencia os nossos ciclos sociais.

O nosso cérebro funciona através de conexões neurais, que são formadas a todo momento, mas somente se tornam relevantes de acordo com o uso e o comportamente útil e repetitivo. Os comportamentos automatizados tem resposta mais rápida por conta da conexão neural sólida e fortalecida. Os nossos circuitos neurais não são deletados, são somente enfraquecidos, então a qualquer memória desbloqueada um comportamento pode retornar ou uma reação pode aparecer, correspondendo ao estímulo. A base para as nossas escolhas e comportamentos, são as nossas emoções e as decisões tem ligação direta com as perdas e ganhos emocionais. Segundo a psicóloga Dra Lara Boyd, estudiosa da neurociência “Todas as vezes que você aprende um novo fato, uma nova habilidade, uma nova técnica, você muda o seu cérebro”. Estamos em constante evolução, assim como todos os nossos processos e rotinas do dia a dia.

O nosso cérebro é social e desde as ligações micro, até as ligações macro, nós temos respostas sociais para qualquer tipo de estímulo. De acordo com estudos da neurociência, nós temos um cérebro social que basicamente funciona com dois sistemas: os neurônios-espelho e a teoria da mente.

Os neurônios-espelho são ativados quando ações ou expressões emocionais são observadas em outras pessoas. Ou seja, quando alguém contempla outra pessoa fazendo algo, é como se ele próprio o estivesse fazendo. De uma forma ou de outra, o ser humano se apropria dos sentimentos e emoções dos outros, causando um efeito de contágio das suas atitudes, influenciando as emoções alheias.

Já a teoria da mente é capaz de atribuir a outras pessoas uma intenção ou atitude, refletindo nos sinais corporais e leitura das percepções. Normalmente, é uma leitura intuitiva sobre as reações esperadas do outro, mapeando uma situação e alinhando expectativas de um comportamento padrão e previamente conhecido.

“Em particular, o que parece especial nos humanos é nosso desejo e capacidade de entender o que outras pessoas pensam e sentem. Chamada de “teoria da mente”, ou “ToM”, essa aptidão dá aos seres humanos um notável poder de compreender o comportamento passado de outras pessoas e prever como vão se portar diante de circunstâncias presentes e futuras. Embora exista um componente racional e consciente na ToM, boa parte da nossa “teorização” sobre o que os outros pensam e sentem ocorre de forma subliminar, resultado de processos rápidos e automáticos da nossa mente inconsciente.”

(MLODINOW, 2012:89)

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Assim como o comportamento do outro é previamente calculado pelo nosso cérebro, assim também é o ambiente percebido. Cada usuário de um espaço tem uma percepção e interpretação sobre os elementos, mesmo que não sejam percebidos de forma consciente, no inconsciente, conexões neurais estão sendo o tempo todo estabelecidas e gerando estímulos neurais dos sentimentos e sensações, assim como as lembranças e valências emocionais já existentes na bagagem psicológica. Cada conexão neural libera neurotransmissores para todo o corpo, gerando sensações excitatórias ou inibitórias. Diante disso, todos os elementos desempenham certa função e influência no nosso cérebro, como por exemplo: as cores.

“Uma das mais importantes funções do nosso inconsciente é o processamento de dados enviados pelos nossos olhos. Todo esse trabalho difícil acontece fora de sua consciência, e só depois o resultado é apresentado à sua mente consciente num relatório minucioso, com os dados digeridos e interpretados.

Nosso sistema visual não é só um dos mais importantes sistemas no nosso cérebro, ele está também entre as áreas mais estudadas na neurociência. A compreensão de seu funcionamento pode esclarecer muito sobre como funcionam as características duplas da mente humana – juntas e separadas.”

(MLODINOW, 2012:31)

No infinito mundo do espectro de cores, cada uma tem o poder de gerar reações diferentes no cérebro. Um estudo feito com milhares de pessoas na Alemanha diagnosticou que azul é a cor mais apreciada por 45% do público da amostra estudada e marrom é a cor com menor aceitação de preferência.

O motivo dessas escolhas? Podemos associar ao significado das cores e como os nossos neurotransmissores se comunicam com o nosso corpo após a visualização e interação com cores e coisas que gostamos e o mesmo para as que rejeitamos. A impressão causada por cada cor é determinada pelo contexto em que está inserida e também pelo significado que atribuímos a ela. De acordo com o livro “A psicologia das cores – como as cores afetam a emoção e a razão”, de Eva Heller, são consideradas 13 cores psicológicas e cada uma tem o seu efeito padrão e generalizado em todas as pessoas.

“Conhecemos muito mais sentimentos do que cores. Dessa forma, cada cor pode produzir muitos efeitos, frequentemente contraditórios. Cada cor atua de modo diferente, dependendo da ocasião. O mesmo vermelho pode ter efeito erótico ou brutal, nobre ou vulgar. O mesmo verde pode atuar de modo salutar ou venenoso, ou ainda calmante. O amarelo pode ter um efeito caloroso ou irritante. Em que consiste o efeito especial? Nenhuma cor está ali sozinha, está sempre cercada de outras cores. A cada efeito intervêm várias cores – um acorde cromático. Um acorde cromático é composto por cada uma das cores que esteja mais frequentemente associada a um determinado efeito. Os resultados da pesquisa demonstram: as mesmas cores estão sempre associadas a sentimentos e efeitos similares. As mesmas cores que se associam à atividade e à energia estão ligadas também ao barulhento e ao animado. Para a fidelidade, as mesmas cores da confiança. Um acorde cromático não é uma combinação aleatória de cores, mas um efeito conjunto imutável. Tão importantes quanto a cor mais frequentemente citada são as cores que a cada vez a ela se combinam. O vermelho com amarelo e laranja tem outro efeito do que o vermelho com preto ou violeta; o verde com preto age de modo diferente do que o verde com o azul. O acorde cromático determina o efeito da cor principal.” (HELLER, 2013:24)

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Figura 1 – Cores e seus significados Fonte: Ilustração produzida pela autora (2022)

No esquema acima, são as 13 cores psicológicas, com as suas definições, de acordo com a autora. Podemos observar palavras-chave que automaticamente ligam as cores com memórias ou associações que podem não ser as padrões, mas fazem sentido. Assim como Eva Heller diz, “Nunca nos ocorreria dizer que o café é da cor do tabaco, ou descrever o tabaco como da cor do conhaque ou da cor da ferrugem. O que as cores nos transmitem depende sempre do contexto em que elas se nos apresentam.”

Algumas cores estão diretamente ligadas a alimentos e elementos da natureza e outras, nem tanto. Como por exemplo, o marrom, que é a cor menos apreciada de acordo com a pesquisa feita com o público na Alemanha. Marrom é a cor dos materiais naturais, da madeira, do aconchego e do calor desse material, e quando associada ao verde, é a cor da natureza, mas ao mesmo tempo, é a cor dos dejetos, do apodrecimento e do envelhecimento. Não é uma cor artificial, e em diferentes contextos, gera efeitos psicológicos variados. Pela mitologia antiga, o marrom é uma cor feminina, que representa fertilidade, por ser a cor da terra.

“O marrom é a cor cujo sabor é o mais forte. A cor do tostado: a carne assada é marrom, e a massa bem assada também. O marrom tem um aroma intenso: café, chá, cerveja, cacau são marrons. Os ovos de casca marrom dão a impressão de serem mais saborosos do que os de casca branca. Marrom é a cor dos alimentos cozidos. O que era branco se torna marrom, desde a cebola que se doura até o açúcar com que se faz caramelo. É a cor das “bombas calóricas”, como o chocolate, os bombons, as nozes. Quando os alimentos brancos se tornam escuros, parecem mais ricos em calorias. Quem pensa em calorias considera uma torta de chocolate mais perigosa do que uma torta clara, de creme. Há tipos de cerveja, cuja cor é mais clara, que são especialmente lançados, pelos estrategistas em marketing, para o público feminino. E há cervejas que são escurecidas especialmente para os homens. Os cigarros são brancos, mas existem também em papel marrom, adequados a um tabaco mais forte ou apresentados assim para dar essa impressão. As mulheres preferem comer carnes e molhos claros, e os homens carnes e molhos mais escuros, que dão a impressão de serem mais fortes e substanciosos. Quanto mais forte for a cor marrom, mais forte a comida – ainda que se trate apenas de uma ilusão criada pelas cores dos alimentos.”

(HELLER, 2013:408)

Em contrapartida, o azul, que é a cor predileta da maioria do público da amostragem, é uma cor ligada diretamente ao positivo, ao leve, harmônico e calmo. Praticamente nenhum sentimento ruim é associado ao azul.

Azul é a cor do céu, do eterno, do divino e da distância. O azul não tem associação com alimentos e bebidas e psicologicamente está associado a distância. O céu azul é distante, é fiel. A água de perto é transparente, mas quando tomamos distância, se torna um elemento azul. O azul é universal, mas não é uma cor palpável.

“O azul é a mais fria dentre as cores. O fato de o azul ser percebido como frio baseia-se na experiência: nossa pele fica azul no frio – até nossos lábios ficam azuis; o gelo e a neve têm uma cintilação azulada. O azul tem um efeito mais frio do que o branco, pois o branco significa luz – o azul é sempre o lado sombrio.”

(HELLER, 2013:54)

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No marketing, azul é aplicado em embalagens de itens que precisem de refrigeração. O trio azul-branco-prata é o extremo da frieza. Mas psicologicamente, o efeito causado em nós é de calmaria, harmonia e fidelidade. Cada cor ou estimulo está ligada a liberação de um neurotransmissor e no nosso corpo, temos o conhecido “quarteto da felicidade”, que são quatro substâncias químicas que geram sensações de felicidade, satisfação e bem-estar e são elas: endorfina, serotonina, dopamina e oxitocina. Cada um desses hormônios é liberado no nosso corpo por estímulos diferentes, mas todos ligados a valências emocionais de felicidade. Assim como, em contrapartida, a falta ou diminuição deles, pode causar tristeza, raiva, ansiedade, estresse e desequilibrio emocional. As cores são estímulos que estão ligados diretamente a visão e a liberação desses neurotransmissores. O tempo todo vemos cores e fazemos conexões neurais com a valência emocional de cada elemento. Como nós entendemos e processamos os sentimentos ruins diz muito mais sobre nosso comportamento do que em situações em que o sentimento bom é predominante. Uma pessoa em situação de “luta ou fuga”, onde é necessário tomar uma atitude por impulso, com pensamento rápido e decisivo, mostra muito mais a sua inclinação inconsciente do que uma pessoa em situação de extrema alegria, que não precisa se movimentar de forma a “se salvar” ou “deixar o outro ser salvo”. Nos processos judiciais, normalmente são encontrados dois lados de um conflito onde um ganhar e o outro perder, é o objetivo. A mediação judicial vem de encontro a esse modelo anterior de obrigatóriamente um lado ganhador e o outro, perdedor e pra isso, são necessárias algumas estratégias de diálogo e posicionamento, incluindo o ambiente para que essa movimentação aconteça. Em um projeto de arquitetura, atingir a satisfação e bem-estar dos clientes e usuários é fundamental e esse objetivo só é atingido com o melhor aproveitamento dos espaços e utilização das estratégias corretas.

Os estudos da neurociência aplicada a arquitetura, ou diretamente, neuroarquitetura, nos levam para um caminho de estratégias a serem aplicadas em cada projeto de forma única e personalizada. Um ambiente de relaxamento, como o quarto, deve ser tratado da mesma maneira num projeto de arquitetura, que um escritório? Não. Seja na iluminação, acústica e cores, cada ambiente tem uma necessidade e uma função de ser. As aplicações de estratégias corretas em cada ambiente podem gerar frutos de produtividade, criatividade, relaxamento e bem-estar, assim como podem estimular o consumo de objetos, de alimentos e bebidas. Entendendo o funcionamento do nosso cérebro, dos nossos sistemas de percepção e do nosso inconsciente, chegamos a conclusão que o tempo todo estamos em conflitos internos, como uma tomada de decisões, e também em conflitos externos, interpessoais. De acordo com o relatório do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2020, existiam 75.353.939 processos judiciais pendentes e 25.803.671 novos processos protocolados na justiça. O tempo médio para a sentença de um processo judicial é de 8 anos e 7 meses na Justiça Federal. Com a aplicação da mediação judicial, de acordo com a Lei nº 13.140, de 26 junho de 2015, esse processo deve ser concluído em até 60 dias.

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Art. 28. O procedimento de mediação judicial deverá ser concluído em até sessenta dias, contados da primeira sessão, salvo quando as partes, de comum acordo, requererem sua prorrogação. Parágrafo único. Se houver acordo, os autos serão encaminhados ao juiz, que determinará o arquivamento do processo e, desde que requerido pelas partes, homologará o acordo, por sentença, e o termo final da mediação e determinará o arquivamento do processo.

Segundo Bacellar (2012), a mediação, além de um processo, é a arte e técnica de resolução de conflitos no qual o mediador busca solucionar pacificamente divergências entre pessoas a fim de fortalecer suas relações, minimizando ao máximo eventuais desgastes, primando pela preservação da confiança e dos compromissos recíprocos que os vinculam.

Considerando o cenário atual retratado acima, estimular e incentivar os acordos através de mediação impacta diretamente na qualidade de vida dos envolvidos. A morosidade dos processos que se encontram na justiça leva os envolvidos a situações cada vez mais embaraçosas e de difícil solução e retorno ao vínculo que os ligavam anterior a essa disputa.

Todos os espaços e pessoas influenciam diretamente nos nossos comportamentos, sentimentos e emoções. Nesse artigo, observando especificamente o espaço para solução de conflitos, devemos considerar estratégias gerais, para que as soluções projetuais aplicadas englobem a maioria dos usuários transitórios. Espaços de mediação são temporários para os usuários. A permanência é de, no máximo, algumas horas, mas a experiência de bem-estar e calma, deve ser alcançada, visto que a motivação de estar e permanecer naquele ambiente, normalmente não é amigável e confortável. Se o conflito já foi gerado, como o espaço para a solução dele, pode contribuir para um efeito positivo?

Veremos a seguir, alguns passos, de acordo com o Manual Brasileiro de Mediação Judicial, sobre os pilares de qualidade necessários para esse processo.

“De fato, existem quatro linhas de qualidade que devem ser atendidas: I) qualidade técnica: as habilidades e técnicas autocompositivas necessárias para satisfação do usuário; II ) qualidade ambiental: a disposição de espaço físico apropriado para se conduzir um processo autocompositivo; III) qualidade social: o tratamento e relacionamento existente entre todos os envolvidos no atendimento ao jurisdicionado; e IV) qualidade ética: a adoção de preceitos mínimos de conduta que se esperam dos autocompositores e demais pessoas envolvidas no atendimento ao usuário ”

(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016:107)

Nesse artigo trataremos, principalmente, sobre o segundo item de qualidade, a qualidade ambiental. A disposição e estratégias aplicadas no ambiente para que o usuário tenha as suas necessidades e expectativas atendidas e até superadas. E de acordo com o manual de mediação, “a qualidade de uma mediação é baseada na perspectiva das partes em relação ao próprio processo de resolução de disputas e das características de uma autocomposição.”

Como já trabalhamos acima, o nosso cérebro é social e o outro influencia diretamente nos nossos comportamentos, ações, reações, emoções e sentimentos. O fato de sermos capazes de provocar qualquer emoção em outra pessoa, deposita um peso de responsabilidade nas nossas ações e posturas em todas as situações. Na mediação, o ambiente e o mediador são os primeiros contatos do processo que deve ocorrer na sequência. Para o mediador, estar preparado emocionalmente e psicologicamente para reger o ambiente, influencia diretamente na postura dos

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usuários. Assim como o ambiente, que com as estratégias certas, pode encaminhar e influenciar os usuários para uma tranquilidade e harmonia.

“Voltar o olhar para o fomento das soluções consensuais é olhar também para qualidade de vida, saúde física e mental daqueles envolvidos em um conflito e disputas, especialmente quando se trata de disputas que envolvam as relações continuadas entre pessoas, por vezes permeadas de emoções, sentimentos, interesses, necessidades, expectativas.”

(BARBOSA; BERTIPAGLIA, 2020:05)

A disposição dos lugares à mesa durante a sessão de mediação transmite sinais para o inconsciente e influencia nos resultados da negociação. Normalmente, estar posicionado de forma que todas as partes consigam se ver e ouvir é o que apresenta melhor linguagem não-verbal nessas situações de conflito e busca pela solução dele. Além do conforto térmico, e espacial, como por exemplo o mobiliário, os materiais e revestimentos da sala de mediação devem convergir para a intenção de colaborar com a solução do conflito

O mediador, ou mediadores, devem ser imparciais e transmitir liderança e de preferência, estar na mesma distância de ambas as partes conflitantes. O espaço físico deve ser seguro, privativo, confortável e neutro, sem elementos que chamem atenção e distraiam os participantes da sessão. As cores, aromas e sons no ambiente são elementos que acrescentam para o bem-estar dos usuários

Nos projetos de neuroarquitetura, estratégias são aplicadas para que um comportamento esperado seja atingido. De forma geral, podemos aplicar o conceito de biofilia, neuroiluminação e técnicas de leitura visual inconsciente como, por exemplo, formas orgânicas x pontiagudas, framing e wayfinding São inúmeras estratégias e subáreas para obter uma resposta por meio da liberação de hormônios e neurotransmissores.

Princípios como o da biofilia, por exemplo, tem o objetivo de conectar os seres humanos com a natureza, instigando tranquilidade e conforto emocional. No design

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Figura 2 – Disposição de lugares na mediação Fonte: Ilustração produzida pela autora (2022)

biofílico existem 3 formas de implantar as estratégias: de maneira direta, indireta e com experiências espaciais. As principais estratégias, diretas e indiretas, são para incorporar características da natureza aos espaços construídos, como água, vegetação, luz natural e materiais como madeira e pedra, além das cores presentes na natureza. O uso de formas e silhuetas orgânicas, ao invés de linhas retas e formas rígidas é uma das ferramentas para o design biofílico e a consequente transformação para ambientes que curam.

Durante um processo de estresse, alguns neurotransmissores são liberados, como a adrenalina e o cortisol, provocando sintomas físicos e psicológicos. Nos estudos de neuroarquitetura aplicada aos ambientes de mediação, devemos compreender e ter como princípio que a intenção é não somente não liberar os neurotransmissores ligados ao estresse e processos de raiva, mas sim liberar os neurotransmissores de bem-estar. Não é somente o fato de não ser submetido ao estresse, mas sim de ser submetido a um espaço confortável que gere uma boa experiência emocional.

Cada projeto é individual e personalizado, porém, de uma forma geral, cada ambiente conta com um “padrão” de necessidade de mobiliário, iluminação, cores e sons para que o comportamento esperado seja atingido. Nas salas de mediação, devemos considerar no mínimo 3 pessoas, sendo 2 partes conflitantes e 1 mediador, como os usuários padrão daquele espaço. O programa de necessidades desse ambiente conta com um espaço para que a reunião de fato aconteça, sendo em volta de uma mesa redonda ou retangular, ou até em poltronas organizadas em círculo, sem o elemento central, banheiro e toda a estrutura para que bebidas como água, café e similares, sejam servidas de maneira confortável com a intenção de tornar aquele momento o mais sadio possível.

O objetivo é que o espaço contribua para a conclusão de conflitos, sendo um ambiente acolhedor, privativo, que transmita segurança e confiança através das cores, texturas, materiais, mobiliários e objetos. A liberação de neurotransmissores durante a experiência de estar em determinado ambiente deve ter um saldo positivo e um peso considerável na tomada de decisões para um acordo e solução. E assim como um projeto de arquitetura, que visa atender as necessidades específicas do usuário, é a mediação que tem como objetivo solucionar as pendências conflitantes para que todos os envolvidos sejam entendidos, atendidos e tenham as suas resoluções mais rápidas, mais humanas e com uma valência emocional mais positiva.

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3. Conclusão

Portanto, entendemos que o impacto do ambiente de mediação não é somente o de solucionar conflitos judiciais, mas também sobre a percepção das partes envolvidas emocionalmente e psicologicamente. A mediação judicial é uma facilitadora da solução de problemas, assim como a neuroarquitetura é uma ferramenta agregadora para que os projetos arquitetônicos atinjam o seu público alvo, garantindo a melhor experiência e vivência do espaço, seja ele em escala micro, como um quarto sendo seu mundo particular e privado ou até mesmo em escala macro. No caso específico dos ambientes de mediação, ser um espaço que consiga influenciar reações e sentimentos bons na maioria dos seus usuários transitórios é o objetivo a ser atingido, que pode ser alcançado com estratégias de design biofílico, estratégias visuais e de posicionamento de mobiliários, assim como o uso de cores, texturas, aromas e sons.

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Referências

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https://jus.com.br/artigos/89660/mediacao-judicial-conceito-caracteristicas-tecnicase-aplicacao-juridica, 2021

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