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J O R N A DA DE TOPON S IA DE LISBOÍM A L
UGARES DE MEMÓ DA R E P Ú B R I A LICA
Câmara Municipal de Lisboa
sextas
Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República
29 de se tembro de 2011 t e at r o a b e r to - l i s b o a
Edição Câmara Municipal de Lisboa Pelouro da Cultura Catarina Vaz Pinto Direção Municipal de Cultura Francisco Motta Veiga Departamento do Património Cultural Jorge Ramos de Carvalho Comissão Científica Professora Doutora Maria Calado Professora Doutora Irene Pimentel Professor Doutor António Reis Comissão Organizadora DPC/Núcleo de Toponímia Título 6ªs Jornadas de Toponímia Lugares de Memória da República Recolha e Revisão de Textos Isménia Neves Seleção de Imagens Ana Homem de Melo Desenho do livro João Rodrigues Tiragem 200 exemplares Ano 2013 Execução gráfica Imprensa Municipal de Lisboa (capa e montagem) DGMEAAS - Reprografia do Campo Grande (Impressão)
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5 Sessão de Abertura Vereadora Catarina Vaz Pinto 7 Lá Vão Mudar os Nomes das Ruas… Appio Sottomayor 15 A visibilidade histórica das mulheres nas cidades. Os Roteiros Feministas da cidade de Lisboa Manuela Tavares e Manuela Góis 21 A República Brasileira na Toponímia Lisboeta José Esteves Pereira 27 O Beco e a Reconquista Salete Salvado 37 Ler a Toponímia… no Bairro Alto, Capital do Jornalismo na I República Álvaro Costa de Matos 55 Conhece a Travessa dos Voluntários da República? A Toponímia inexistente Ana Homem de Melo
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61 Memórias toponímicas da economia da I República Maria Fernanda Rollo 75 Da Travessa do Guarda-Mór à Rua do Grémio Lusitano António Lopes 83 O Mundo pelos Ecrãs das Placas Toponímicas da Lisboa Republicana Paula Machado 89 Da Mística Republicana à sua Expressão Toponímica António Reis 93 Um Contributo para a Memória Histórica da Ditadura: a recuperação do edifício da antiga prisão do Aljube, em Lisboa Irene Pimentel 97 Toponímias da República José-Augusto França
6as Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República
Sessão de abertura Catarina Vaz Pinto Vereadora da Cultura
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É com o maior orgulho e honra que participo na qualidade de Vereadora da Cultura e de Presidente da Comissão Municipal de Toponímia na Sessão de Abertura das 6.ªs Jornadas de Toponímia, LUGARES DE MEMÓRIA DA REPÚBLICA, cujo interesse e importância nos são revelados, quer pela notabilidade e saber dos seus oradores, quer pela riqueza e diversidade de conteúdo das diversas comunicações. As presentes Jornadas de Toponímia resultam do trabalho conjunto da Câmara Municipal de Lisboa e da Comissão Municipal de Toponímia, dando continuidade a uma já longa tradição da Câmara Municipal de Lisboa que visa promover e chamar a atenção pública para a importância e valor da toponímia como fonte viva da nossa história comum. A toponímia evoca a memória de factos e seus protagonistas como evoca lugares e espaços onde decorreram acontecimentos marcantes da história da cidade e da história do país. É por isso uma responsabilidade institucional para a Câmara Municipal de Lisboa valorizar e difundir a toponímia, enquanto testemunho público do fortalecimento da consciência colectiva. Consciência colectiva e identidade esclarecida constituem justamente a base de uma cidadania activa, essencial na sociedade em que vivemos e na qual importa que façamos parte activa. A presente edição das Jornadas de toponímia integrada nas Comemorações do Centenário da Implantação da República, visa, também, aprofundar o conhecimento dos factos, dos lugares e das pessoas ligadas ao movimento republicano e, por extensão, atestar a sua importância como meio de difusão dos ideais e seus protagonistas na cidade de Lisboa. Com efeito, a memória republicana está amplamente inscrita no espaço público de Lisboa e no próximo dia 5 de Outubro irão ser descerradas as placas toponímicas de Augusto Monjardino, Francisco Ferrer, Jaime Batalha Reis, João Chagas, Luz de Almeida, Machado Santos e Mário de Azevedo Gomes, cerimónia pública que encerrará as Comemorações Municipais do Centenário da Implantação da República. Se por um lado, o património memorial da cidade fica reconhecidamente enriquecido, por outro, ampliam-se as fontes da narrativa histórica de Lisboa, tornando vivo o legado de quem pela sua vida, acção e obra marcou a história da cidade, num permanente movimento de ligação do passado com a contemporaneidade e o futuro. Termino, saudando todos os oradores e participantes das 6ªs Jornadas de Toponímia – Lugares de Memória da Republica. Felicito a Comissão Municipal de Toponímia bem como os Serviços implicados na organização das presentes Jornadas.
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Lá vão mudar os nomes das ruas... Appio Sottomayor
Jornalista e Olisipógrafo.
Vou começar por pedir, humildemente, desculpa por celerados no dia seguinte. Num estado de espírimotivo duplo. Em primeiro lugar, porque não me fiz to só atingível por quem já viveu muito e viu um acompanhar pela agora habitual parafernália dos pouco de tudo, filosofava ela, sem tomar qualquer powerpoints e engenhos afins, vindo assim, a seco, partido:” agora são estes que mandam? Por quanto dizer a meia dúzia de despretensiosas palavras de tempo será?” Habitando em Lisboa e deslocandoque fui incumbido. Não porque me atreva a pôr em se com alguma frequência pela cidade, consideracausa a utilidade dos acompanhantes electrónicos, ria certamente como uma terrível maçada o facto mas porque as ruas que vou citar são sobejamen- de já não ir à sua sapataria na Rua do Príncipe e ter te conhecidas e não precisam de ser mostradas em agora que se deslocar exactamente ao mesmo estapostal ilustrado através do computador. E, como belecimento – mas na Rua Primeiro de Dezembro. o tema se relaciona com a primeira República, será Tenhamos o desassombro de dizer que, em matépreferível usar dos mesmos meios de que dispu- ria de mudanças de topónimos que tanto afligiam nham os tribunos e demais oradores de 1910, utili- a minha familiar, a Primeira República levou a palzando só as palavras. É uma espécie de homenagem. ma a todas as alterações políticas que se seguiram. O segundo motivo desta minha contrição tem a ver Compreende-se: tratava-se de uma mudança racom o autor que citarei em primeiro lugar e que deu dical de regime e de maneira de encarar toda uma azo ao título desta prelecção. Podia (e certamente de- série de realidades. Os novos detentores de um via) ter escolhido um daqueles oradores que faziam poder ainda vacilante sentiram a necessidade de, vibrar o Parlamento no advento da República ou en- sem tibiezas nem demoras, instaurar nova nomentão um verdadeiro especialista em toponímia. Em clatura em muitas instituições – e também nos novez disso, ignorei Gomes de Brito, Vieira da Silva, Ma- mes dos arruamentos. Seria praticamente absurdo tos Sequeira, Pastor de Macedo, Norberto de Araújo que antes de 1910 houvesse, espalhadas pelo País, ou outros mestres e resolvi quedar-me, num impul- avenidas ou largos “da Monarquia”. Em quase oito séculos, quase ninguém sonharia que havia outra so caseiro e cómodo, por citar uma das minhas avós. Se me for relevado este despropósito, tentarei ex- forma de governar os povos. Mas a transformação plicar as razões da escolha. Quando se deu a revi- tinha de chegar a todos os lados. E assim não esravolta de 25 de Abril de 1974, a minha antepassa- panta que, logo no dia seguinte à proclamação do da ia já para além dos 90. Assistiu, pela televisão, a novo regime, tenha sido proposto na Câmara Munialguns dos acontecimentos e ficou consciente de cipal de Lisboa que a Avenida Ressano Garcia pasque a alteração fora a sério. Pronunciou então um sasse a denominar-se Avenida da República e que único comentário, que, para ela, resumia talvez uma paralela a esta, a Rua António Maria Avelar toda a situação: “lá vão mudar os nomes das ruas!” ganhasse o novo nome de Avenida Cinco de OuTentei compreender aquela síntese: a idosa senho- tubro. Esta proposta, prontamente aceite, alastrou ra tinha vivido a época do regicídio, a proclamação depois pelo País, não havendo praticamente cidada República, a ascenção e a morte de Sidónio Pais, de ou vila onde não existam os topónimos “Repúa noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921, as blica” ou “Cinco de Outubro”, muitas vezes em duo. revoluções férteis num dado período, o movimen- Coligando as novas políticas com um activo anto do 28 de Maio de 26… Assistira a trocas de po- ti-clericalismo, a filosofia toponímica passou a líticos e dirigentes, vira muitos dos que eram bons nortear-se por um princípio simples: afastar dos na véspera passarem à condição de verdadeiros letreiros os nomes que tivessem odores a Mo-
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narquia ou a quase todas as invocações religiosas. gnação para casos semelhantes: chamámos-lhe “síndroma do funeral”. Explicando melhor esta noção, Os exemplos poderiam ser muitos. Mas vamos limitardir-se-á que, mais ou menos em todos os tempos nos a alguns, escassos mas significativos, remetendo se apodera dos familiares, dos amigos, às vezes dos a consulta à sua totalidade para um trabalho elabosimples conhecidos de um defunto que em vida terado há uns 15 anos e apresentado também numas nha saído de alguma vulgaridade, a ideia de lhe perJornadas de Toponímia pela minha amiga e investigapetuar a memória. Ora o que haverá de melhor do dora da Câmara Municipal, Dra. Teresa Sancha Pereira. que dar o seu nome a uma rua? E, sejamos francos, Refira-se pois o caso do conselheiro José Luciano, que muitas vezes não houve coragem de explicar aos foi apagado das placas para dar lugar a Elias Garcia, peticionários que talvez fosse melhor esperar um que fora jornalista, oficial de engenharia, presidentempo, a dar azo a que a memória assentasse e que te da Câmara e, sobretudo, organizador da política o prestígio do homenageado se mantivesse intacto republicana. A Rua Correia Guedes, em Alcântara, passados uns anos. Felizmente, as normas que norcedeu o nome a Gilberto Rola, propagandista da Reteiam a Comissão Municipal passaram a contar com pública e membro do Partido Republicano mesmo o estabelecimento de um período mínimo entre a em plena Monarquia. Ainda em Alcântara, o até aí morte de uma personalidade e a atribuição do seu estimável Conselheiro Nazaré foi também apeado nome a um arruamento.Que têm estas considerae substituído pelo médico Leão de Oliveira, devotações a ver com a Avenida Almirante Reis? Por amor do republicano e um dos fundadores do jornal “O de Deus, não me interpretem mal. Longe de mim a Século” cujas tendências eram conhecidas. Por falar ideia de pôr em causa o espírito republicano do maem jornais, cite-se também o caso de Alves Correia, rinheiro nem o facto de ao seu prestígio na Armada fundador e redactor de vários jornais de apoio à mulevar muitos oficiais a solidarizarem-se com o novo dança de regime e que veio a tomar o lugar, nas esmovimento. Só que, na véspera da revolução, supôs quinas da rua nada menos do que de S. José. E, já agora, um apontamento curioso, demonstrativo de tudo perdido e suicidou-se. Este drama, mais do que como muitas palavras servem para o fim que cada todos os aspectos positivos, terá tocado os sentium lhes destinar: entre os jornais fundados ou redi- mentos dos novos governantes. Insisto: não se está gidos por este nosso Alves Correia, figura um cha- a menosprezar Cândido dos Reis. A ideia é apenas mado “O Debate”, verdadeiro baluarte republicano. chamar a atenção para o facto de também na topoPois este mesmo título foi o de um jornal estrutu- nímia ser preciso ter sorte. O almirante suicidou-se e ralmente monárquico, dirigido pelo Prof. Jacinto passou a ter avenida importante em Lisboa e o seu Ferreira, muito vigiado porque fazia ostensiva opo- nome a ser consagrado em ruas e largos de muitas sição ao Estado Novo. Subtilezas da nossa História! terras do País. Em contrapartida, Machado Santos, Mas a esta sucessão de substituições não podia, evi- outro marinheiro, acreditou até ao fim na vitória. dentemente, escapar a última rainha, D. Amélia, que Postou-se na Rotunda, acompanhado por outros tinha uma avenida com o seu nome em sítio central idealistas, entre os quais umas dúzias de civis que da cidade, artéria que dava acesso a uma das saídas nunca tinham manejado uma espingarda. Venceu. mais utilizadas de Lisboa. Deu-se com esta avenida Ora serão certamente muitos os lisboetas que não um dos fenómenos mais correntes nesta actividade farão ideia do local onde fica a Rua Machado Santos, de dar nomes a ruas. Nas Comissões Municipais de artéria que só tardiamente foi aberta e que esteve Toponímia a que pertenci, inventámos uma desi- depois submetida a numerosos incidentes, pelo que
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na prática durante anos não existiu. Ganhar não dá para provocar culto. A propósito – e se me perdoam mais um devaneio – tenho pensado muitas vezes em como a data de 9 de Abril está glorificada um pouco por todo o País e não só em Lisboa. Lembro-me de que na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, onde prestei serviço militar, o principal corredor, onde formávamos para escutar a ordem do dia, se chamava de “La Lys”, nome da localidade onde, nesse dia 9 de Abril, em 1918,o Exército português, embora portando-se com reconhecido heroísmo, foi alvo de grande derrota. Em contrapartida, peço encarecidamente a quem me possa informar se conhece alguma rua 14 de Agosto (data de Aljubarrota) ou outro dia glorificado por termos vencido. Onde estão as ruas ou as memórias de Atoleiros, Valverde, Montes Claros, que sei eu?... Paris, por exemplo, está cheia de invocações de vitórias, sobretudo as napoleónicas. Encontram-se facilmente Austerlitz, Wagram, Marengo… Não conheço nenhum local que fale de Waterloo ou de outras desgraças gaulesas. Feitios!... Mas regressemos às nossas ruas e à I República. Teve esta, nos seus cuidados toponímicos, especial atenção com jornais e jornalistas que haviam propagandeado e servido os seus ideais. Já referimos Alves Correia ou Leão de Oliveira. Mas também ligado ao jornalismo (embora com acção directa noutros campos, como deputado republicano e um dos homens cujo nome esteve conotado com o 31 de Janeiro no Porto) esteve Rodrigues de Freitas. Assim, com naturalidade, o antigo largo de Santo André deixou de ostentar o nome do apóstolo e passou a nele figurar o propagandista da República. E, entre outros e para abreviar, citemos Feio Terenas, Augusto José Vieira, Carrilho Videira, Borges Grainha (todos estes enviados para a Penha de França) ou o próprio José Fontana, que ocupou o antigo Largo do Matadouro. Todos eles colaboraram em jornais diversos, pugnando pela causa republicana. Mas não se ficou o fervor toponímico pelos escre-
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ventes. Os próprios jornais que se tinham portado à altura, demonstrando nas respectivas colunas o seu republicanismo, foram também inscritos nos letreiros das esquinas das ruas. Ora o primeiro jornal a anunciar a proclamação do novo regime, em 5 de Outubro de 1910, foi “O Mundo”, periódico dirigido por França Borges (e é bom não confundir este jornalista, como já tenho visto, com o seu familiar que foi presidente da Câmara lisboeta). Este jornal tinha as suas instalações na então Rua Larga de São Roque, estendendo-se para trás até à Rua das Gáveas. Por estranhos caprichos do destino, o edifício onde se albergava “O Mundo” serviu depois para a redacção e oficinas do “Diário da Manhã”, jornal oficioso do Estado Novo, e a uma efémera “Época”. Hoje é a sede da Associação 25 de Abril. Desaparecido o jornal e mudados os tempos, a rua deixou de ser do Mundo e passou a ter o nome actual: da Misericórdia. Mas as mudanças estavam quase na massa do sangue de quem as podia utilizar. Assim, ainda em tempos da Monarquia, a Rua do Outeiro passara a chamar-se Paiva de Andrade e a do Ferragial de Cima mudara para Vítor Córdon, por força das explorações africanas. Entretanto, a artéria que ligava estas duas ruas ganhou o nome do Duque de Bragança, certamente por passar em terrenos que pertenciam à Casa de Bragança. Evidentemente, o regime republicano não toleraria esse nome. Logo em Novembro de 1910, um edital riscava o duque e punha em seu lugar o jornal “A Luta”, homenageando o órgão de comunicação que fora fundado por Brito Camacho. Novos tempos vieram e “A Luta” desapareceu dos letreiros. Esteve para ser António de Sousa Macedo – mas este acabou por ir para a base da Calçada do Combro, substituindo o Largo do Poço Novo. E os Duques de Bragança (agora no plural) voltaram a figurar nas esquinas da sua antiga rua. A este hábito de consagrar os jornais republicanos escapou – e não sei as razões - o vespertino “A Capital”, que, na sua primeira série, publicada curio-
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samente entre 1910 (em Julho, ou seja três meses antes da proclamação do novo regime) e 1926, sempre se apresentou como jornal republicano. Desta forma, dos jornais desaparecidos resta na toponímia lisboeta “O Século”, que permanece no comprido corredor em declive a que se chamou outrora Rua Formosa. Também o nome deste jornal foi atribuído pela I República, reconhecendo o papel desempenhado pelo periódico na democratização do povo. Mas deixemos os jornais e os jornalistas e façamos uma necessariamente breve reflexão sobre esta flor delicada que é a toponímia, envolta em fenómenos difíceis de explicar. Lisboa, com o seu hábito antigo de mudar os nomes, arranjou alguns casos que não serão facilmente repetíveis noutra cidade. Por exemplo: imaginemos um sujeito a apanhar o metro para o Jardim Zoológico; outra personagem mete-se num autocarro com destino a Sete Rios; um terceiro comparsa entra num táxi e manda seguir para a Praça Marechal Humberto Delgado. Se não forem lisboetas, grande será a surpresa por verificarem que chegam os três exactamente ao mesmo local. Há também um jardim em Santos, junto da Avenida 24 de Julho, no qual uma vereação antiga e os poderes públicos resolveram colocar uma bela estátua de Nun’ Álvares. Mas depois as opiniões mudaram e o monumento ao Condestável iria afinal para o alto do Parque Eduardo VII. Acabou a estátua por ir parar à Batalha e devo confessar que, quando a vi, fiquei muito orgulhoso: é que a estátua foi oferecida pelo povo de Lisboa. Não fazia a mínima ideia de ter sido um dos ofertantes, mas achei que os habitantes da Batalha me deviam tratar com alguma gratidão. E o Jardim de Santos? Não se desistiu da ideia de lá pôr um vulto importante. Assim, foi ali colocada uma estátua representando o escritor Ramalho Ortigão. Mas o jardim continuou oficialmente a chamar-se de Nun’ Álvares, mesmo que seja duvidoso que o Santo Condestável ali parasse alguma vez. Indiferentes a todas essas alterações, os habitantes
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mais antigos da Madragoa conservaram o nome pelo regras esse princípio de não alteração de nomes. qual sempre conheceram o pequeno mas convida- Claro que tudo era mais fácil nas eras passadas quantivo espaço verde: chamam-lhe Jardim dos Gatos. do eram os próprios habitantes a dar o nome ao arEstes casos levam-nos a uma conclusão fácil de tirar: ruamento onde edificavam as suas casas. Conheciam quando um nome cai no goto e nos hábitos do povo, como ninguém as características, a geografia, os vizinão há editais que lhe mudem o nome tradicional. nhos. Hoje, por mais brilhantes que sejam as vereaSem sair das imediações de Santos, vejamos a Avenida ções e as Comissões de Toponímia, perdoar-me-ão que foi de D. Carlos, que a República crismou de Presi- por crer que ninguém teria a imaginação e a ousadia dente Wilson e depois voltou a ser de D. Carlos, Posso de dar a ruas da cidade nomes como o “Pé de Ferro”, garantir que mesmo alguns indefectíveis republica- o “Quebra Costas”, a “Triste Feia”… Sobretudo, talvez nos sempre lhe chamaram de Avenida das Cortes. ninguém criasse um nome de uma rua usando esse Parece que, em muitos casos, não vale a pena re- misterioso complexo, fenómeno ao mesmo temmar contra a maré. Os exemplos mais clássicos se- po químico e lírico, que se chama a “Água da Flor”. rão certamente os das Praças do Comércio ou de Em resumo, tenho hoje a satisfação de sossegar D. Pedro IV. Na primeira, mesmo com o Marquês a minha avó, cuja frase me deu o mote para esa chamar-lhe Praça do Comércio, assistiu-se a um tes desabafos: pode ela estar descansada, lá no passar de gerações, de mudanças de regime… e assento etéreo aonde subiu; de facto, não é proo Terreiro do Paço continua a ser assim chamado. vável que mudem outra vez os nomes das ruas. O rei soldado, mesmo colocado no alto daquela Muito obrigado pela vossa atenção. colossal vela de estearina, como lhe chamou Eça de Queiroz, não pôde apagar o nome do Rossio. Algumas tentativas bem mais recentes de alteração de topónimos não foram também triunfantes. Que o digam o Areeiro (assim conhecido apesar de Sá Carneiro, ou o Largo do Caldas, apesar de Amaro da Costa. O hábito da mudança de nomes chegou um dia ao apagamento do poeta Bocage, tendo sido usado o argumento de que já havia uma avenida Barbosa du Bocage – sem que os decisores se tenham dado ao cuidado de verificar que se tratava de pessoas distintas, embora familiares. O trabalho que me deu – e mais do que mim ao senhor vereador do pelouro – para descobrir outra rua onde fosse posto o nome de Bocage, antecedido agora da palavra “poeta” para evitar mais equívocos. As Comissões Municipais de Toponímia de que fiz parte tomaram como ponto de honra desaprovar qualquer mudança de topónimo. Deu trabalho às vezes, mas conseguiu-se. Soube entretanto que a actual Comissão fez questão de fixar entre as suas
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Almanach d’O Mundo. 1910
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A visibilidade histórica das mulheres nas cidades. Os Roteiros Feministas da cidade de Lisboa.
Manuela Tavares* / Manuela Góis**
Há ainda muito por investigar sobre as marcas deixadas por muitas mulheres na cidade de Lisboa. Mas não se creia que este é apenas um mero exercício de memória. A invisibilidade das mulheres na História tem os seus reflexos directos no défice democrático Lisboa foi sempre palco de múltiplos acontecimentos em termos de equilíbrio de mulheres e homens no poder político. Tem, ainda, os seus reflexos na consque marcaram a História do país. trução de mentalidades onde a ausência de uma imagem valorizada das mulheres no espaço público Mas também se faz História das vivências quotidiareproduz estereótipos de género. nas, dos pregões das vendedeiras de peixe ou de fruta, das costureiras e ajuntadeiras que se reúnem nos A dimensão de género aplicada às cidades suscita primeiros anos do século XX para reclamar a Igualdaum debate novo, que pode permitir novas escolhas, de salarial, das republicanas que reivindicam o direito inclusive em matéria de planeamento e de gestão ao voto e à educação para as mulheres, que ensinam urbanística. A análise da vida quotidiana, tendo em nos centros republicanos, que organizam congresconta os olhares atentos das mulheres e as suas preosos feministas, que de forma gratuita e solidária dão cupações, tem como vantagem abordar de maneira consultas médicas, que escrevem para jornais, que qualitativa e holística as questões da mobilidade, da fazem greves e se manifestam nas ruas de Lisboa. segurança, da habitação e dos espaços públicos.
As cidades são espaços de encontro de culturas, de memória histórica nem sempre valorizada, de redes que se tecem quando a proximidade existe, de percursos partilhados e de processos emancipatórios.
Uma História, que no dizer de Michelle Perrot1 nem O espaço público, do ponto de vista simbólico e consempre soube dar a voz às mulheres e que silenciou creto foi durante muitos séculos vedado às mulheas vivências de muitas delas, ignorando o seu papel res. na vida política e social. Despercebida e ignorada foi a passagem da escritora feminista inglesa Mary Os passeios, as praças, os cafés, não eram lugares Wollstonecraft por Lisboa no Outono de 1785 para considerados convenientes para quem tinha como assistir na doença a uma sua amiga Fanny Blood, que “missão” única da sua vida cuidar da família. Ana Viacabaria por falecer. Mary Wollstonecraft é conside- cente, no seu livro As mulheres portuguesas vistas rada a fundadora simbólica do movimento feminista por viajantes estrangeiros3 refere um texto de Jopelo seu livro A Vindication of the Rights of Women seph François Carrère onde este afirma, em 1796, publicado em 1792, três anos após a eclosão da Re- não serem necessários passeios em Lisboa: “Há que volução Francesa, da qual foi testemunha nas ruas convir que esta espécie de logradouros públicos são de Paris. Mary Wollstonecraft foi apresentada à elite inúteis em Lisboa: os portugueses não passeiam e as britânica que vivia em Lisboa, mas desconhecem-se portuguesas ainda menos. Esta particularidade prooutros contactos. Das suas impressões sobre esta vém, provavelmente, do velho ciúme dos maridos viagem ficou registada na sua obra a ideia de uma e do tradicional hábito de aferrolhar as mulheres e terra estranha, mas onde conseguiu “mergulhar o impedir que sejam vistas”. 4 Elisabeth Colman, tampincel num arco-irís de beleza”.2 bém referida por Ana Vicente5, escreve dois séculos
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depois, em 1944 que os cafés da Avenida da Liberdade estavam repletos de homens. * Doutorada em Estudos sobre as Mulheres. Investigadora no CEMRI- Universidade Aberta. Membro da direcção da UMAR. ** Vice-Presidente da UMAR. Pós-Graduação em Estudos sobre as Mulheres pela Universidade Nova de Lisboa. Co-autora de Roteiros Feministas na Cidade de Lisboa. PERROT, Michelle (2008), “L’Histoire des Femmes: le silence rompu”, in CASTRO, Zília Osório, dir., Falar de Mulheres, História e Historiografia, Lisboa, Livros Horizonte, pp.141-150. 2 WOLLSTONECRAFT, Mary, A Short Residence in Sweden, Cartas Oito e Quinze, apud Roteiros Feministas, UMAR, Faces de Eva, Lisboa, 2010, p.71. 3 VICENTE, Ana (2001), As Mulheres Portuguesas Vistas por Viajantes Estrangeiros, Lisboa, Editora Gótica. 4 CARRÈRE, Joseph-Barthélemy-François, (1797), Tableau de Lisbonne en 1796, H.J.Jansen Imprimeur Librarie, Paris, p.31. 5 VICENTE, Ana (2001), op.cit., pp.244-245. 1
“É como se houvesse uma lei não escrita proibindo as Março de 1974, onde uma outra rua assume o nome mulheres de irem a estes locais cheios de encanto e da escritora Maria Pimentel Montenegro, apenas 43 perfeitamente respeitáveis. Todas as mesas estão ocumulheres davam nome às ruas de Lisboa. padas por homens a tomarem as suas bebidas mas é muito raro ver uma mulher entre eles. E, nunca, nunca Apesar da importância de uma presença mais maruma mulher sozinha. (…) Em todas as classes da socante das mulheres na toponímia da cidade, uma reciedade patriarcal portuguesa, talvez com excepção flexão feminista que iniciámos quando do Centenádas auto-suficientes varinas, as peixeiras, as mulheres rio da República levou-nos a uma outra dimensão da portuguesas nunca são independentes”.6 presença das mulheres nas ruas de Lisboa - procurar identificar os locais onde as mulheres republicanas faziam reuniões, realizavam debates, congressos feNos tempos actuais, Lisboa vive as suas noites com ministas, participavam nos salões literários, nas terrapazes e raparigas ocupando os mesmos espaços. túlias, nos centros republicanos, nas associações fePraças e jardins são frequentados por idosas e idosos. ministas, nos teatros, nos jornais, nos cafés, nos seus As esplanadas nos quiosques e jardins têm dado vida consultórios de advocacia ou de medicina. à cidade, onde as pessoas conversam, tecendo redes de vizinhança e de amizade. Quais seriam os seus percursos nesta nossa cidade? E daí nasceu a ideia dos Roteiros Feministas na cidaContudo, apesar desta grande evolução na conquista de de Lisboa, um projecto da UMAR e das Faces de do espaço público por parte das mulheres, elas conEva da Universidade Nova, que integrando também tinuam, do ponto de vista do poder simbólico e real, a Agenda Feminista 2010 sobre as mulheres Republia serem quase ignoradas e a ocupação dos espaços canas mereceu o apoio da 1ª edição do Prémio Muainda se faz, muitas vezes, de forma genderizada. No nicipal Madalena Barbosa. Foi uma excelente equipa livro A Mulher na Toponímia de Lisboa de Luiz Silveique de forma voluntária colocou os seus saberes e as ra Botelho publicado em 1998 pela Câmara Munici7 pal de Lisboa, Maria Barroso Soares, escreve no pre- suas pesquisas históricas ao serviço deste projecto.
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fácio: “E tal como no percurso da nossa história – da história afinal da humanidade – são os nomes dos O primeiro número dos Roteiros Feministas integra homens que marcam uma maior presença na topo- 4 itinerários por quatro colinas. O primeiro parte da nímia, a dizer do relevo que sempre lhes foi dado, Graça, com os seus pátios e vilas, onde moravam muem detrimento de quantas mulheres deveriam ser lheres que, em 1918 formaram a Associação de Clasrecordadas por feitos e acções que tanto dignificam se das Operárias de Engomadorias de Lisboa, passa pela casa de Angelina Vidal, pelo Grémio Excursionisas sociedades”. ta Civil do Monte, onde Maria Veleda proferiu diverSe analisarmos as datas dos editais que deram ori- sos discursos entre 1906 e 1908, pelo Convento das gem à atribuição de nomes de mulheres a ruas da Mónicas, visitado muitas vezes por mulheres da Liga cidade de Lisboa, concluímos que 56% desses no- Republicana das Mulheres Portuguesas, chegando a mes foram atribuídos apenas nas últimas 3 décadas, acolher na Obra Maternal crianças de mulheres preou seja, após o 25 de Abril de 1974. Para trás, em 8 sas. Este primeiro roteiro evoca, ainda, na Rua da Voz décadas de História, desde 1892, em que o nome da de Operário, não só esta associação, onde Angelina Viscondessa dos Olivais é atribuído a uma rua, até 4 Vidal e Maria Veleda marcaram presença, como tam6
COLMAN Elisabeth (1944), Portugal, Wharf of Europe, New York, Charles Scribner´s Sons, pp.42-43. Cristina Duarte, Danielle Capela, Isabel Lousada, Joana Sales, João Esteves, Luisa Boléo, Manuela Góis, Maria Augusta Seixas, Maria José Remédios, Natividade Monteiro, Teresa Sales.
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bém a Caixa Económica Operária, local de realização ainda, a recordar o papel de valorosas mulheres made importantes eventos com a participação de femi- çónicas na implantação da República ao passarmos nistas republicanas, como o I Congresso do Livre Pen- junto ao Palácio Maçónico na Rua do Grémio Lusitasamento (Abril de 1908), onde foi apresentada uma no: Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Carolina tese sobre “Feminismo” da autoria de Ana de Castro Beatriz Ângelo e Maria Veleda que adoptaram simbolicamente os nomes de Louise Michel, de Leonor Osório e de Maria Veleda.8 da Fonseca Pimentel, de Lígia e de Angústias. Os Centros Republicanos Botto Machado e Magalhães Lima, na Rua do Paraíso em S. Vicente de Fora e Na Rua de S. Pedro de Alcântara inicia-se o quarno Largo do Salvador em Alfama, foram palco de de- to itinerário, passando pela Rua Nova da Trindade, bates com Maria Veleda sobre Feminismo, do ensino onde no teatro do mesmo nome se estreou em 1914 de raparigas, de cursos nocturnos para mulheres. No a peça de teatro “Único Amor” de Maria Veleda em Centro Escolar Republicano António José de Almei- benefício da Obra Maternal, matinées em prol da da, na Travessa da Nazaré, foi realizada a sessão de Cruzada das Mulheres e conferências de Ana de Caslançamento da Liga Republicana das Mulheres Por- tro Osório. tuguesas, a 28 de Agosto e 1908 e em 1909 um ciclo de conferências de Ana de Castro Osório a favor do Se descermos a actual Rua da Misericórdia, chegadivórcio. mos ao edifício onde hoje se situa a Associação 25 de Abril e onde funcionou o jornal o Mundo que, em No segundo itinerário, podemos destacar várias se- 1906, abriu uma secção designada por Jornal da Mudes da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas lher tendo publicado artigos de diversas feministas na Rua dos Anjos, na Rua Andrade, na Rua de Arroios, republicanas, assim como notícias das suas actividana Rua dos Castelinhos, as residências de Maria Vele- des. O Largo Camões foi local de encontro de femida no nº 78 da Rua dos Açores e de Carolina Beatriz nistas republicanas, que participaram na manifesÂngelo na Rua António Pedro, assim como o Clube tação da Associação do Registo Civil a 2 de Agosto Estefânia onde esta feminista republicana foi pro- de 1909 pela extinção das ordens religiosas. Na Rua tagonista do primeiro voto de uma mulher, não só Ivens, no Centro Republicano Democrático foi lançaem Portugal, como em quase toda a Europa, a 28 de da, a 3 de Janeiro de 1916, a Associação Feminina de Maio de 1911. Propaganda Democrática.
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No terceiro roteiro, ao passarmos pela Rua do Século evoca-se Virgínia Quaresma, a primeira jornalista repórter portuguesa, que começou a trabalhar neste jornal em 1908, assim como trazemos à memória o importante Certame das Mulheres Portuguesas organizado por Maria Lamas nas instalações do jornal O Século, em 1930. Este itinerário leva-nos a casa da artista plástica Ofélia Marques (1902-1952), na Rua Pereira da Rosa e, 8
Foi na Rua do Ouro, nº 101, que funcionou o consultório de advocacia de Aurora de Castro, a segunda mulher a licenciar-se em Direito, que pertenceu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e participou no I Congresso Feminista e da Educação em 1924. Também no nº 266 da mesma rua a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas teve uma outra das suas sedes. Na Rua Augusta 50, 52 e 54 funcionou o Almanaque das Senhoras tendo sido sua directora literária Maria O’Neill entre 1910 e 1925.
Outras mulheres republicanas participaram neste congresso: Adelaide Cabete, Amélia Levy de Sousa Lobo, Ana Maria Gonçalves Dias, Judite Pontes Rodrigues, Lucinda Tavares, Maria Clara Correia Alves, Rosalina Ferreira e Sofia Quintino.
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Aurora de Castro
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Na Praça dos Restauradores nº 13, 1º teve Adelaide Ca- construir uma cidade onde todas as pessoas sem bete o seu consultório médico, que também serviu de hierarquizações opressoras tenham voz e protagolocal a muitas reuniões feministas e foi sede do Con- nismo. selho Nacional das Mulheres Portuguesas, local que devia merecer a colocação de uma placa quando do Fazer parte deste turbilhão de vontades e de saberes centenário da formação do Conselho Nacional das diferenciados pela construção de uma cidade mais Mulheres Portuguesas, daqui a dois anos em 2014, igual e inclusiva é algo que nos motiva a continuar, associação feminista de que Adelaide Cabete foi fun- apesar de todas as dificuldades dos tempos. É este dadora. o exemplo que recolhemos de todas aquelas mulheres que souberam desafiar a sua época e sonhar Outros locais de grande interesse e de valorização mais alto. da história das mulheres surgem na Rua das Portas de Santo Antão: a Sociedade de Geografia de Lisboa onde diversas feministas promoveram conferências, com destaque para Olga Morais Sarmento que, em 1906, sobre o tema “O problema feminista”, deu corpo ao primeiro episódio público feminista; o Ateneu Comercial onde foram promovidas várias sessões de propaganda sufragista e o Teatro Politeama que foi palco para reconhecidas actrizes como Amélia Rey Colaço e para concertos como o de Guilhermina Suggia (1855-1950), a 25 de Janeiro de 1937.
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A UMAR, através da equipa de investigação do Centro de Documentação e Arquivo Feminista Elina Guimarães e o núcleo de investigação Faces de Eva da Universidade Nova de Lisboa estão a avançar para o segundo livro dos Roteiros Feministas. Este é um trabalho apaixonante que nos desafia a cada momento, perante cada rua, cada edifício, cada novo documento que encontramos, cada memória individual e colectiva que recolhemos.
Dos próximos Roteiros fará parte o Centro de Cultura e Intervenção Feminista da cidade de Lisboa, que hoje inauguramos pelas 18h em Alcântara Rio. É dos quotidianos, subindo e descendo colinas, da intervenção cultural e social inclusiva, que aproxima gerações e etnias, da participação cidadã em igualdade que projecta futuros diferentes, que se pode
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Proclamação da República. (detalhe) Benedito Calixto, 1893. Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.
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A República Brasileira na Toponímia Lisboeta José Esteves Pereira
Vice-Reitor da Universidade NOVA de Lisboa. Comissão Municipal de Toponímia
vigorar em Portugal e, a partir do dia 6 de fevereiro de 1911, António Luís Gomes será o nosso representante diplomático2 substituído, no ano seguinte, por Bernardino Machado natural do Brasil. Todavia, a reNa toponímia lisboeta não é muito significativa a pre- presentação, a nível de embaixadores, por parte dos sença de vultos marcantes do Brasil. Em todo o caso, dois países, só virá acontecer em 1913 (Portugal) e surgem-nos os nomes de Pedro Calmon, Afrânio 1914 (Brasil). Peixoto, João do Rio, Cecília Meireles, entre outros. Antes da implantação da República e da presença Mais recentemente consagrados, temos Machado de física em Portugal de um seu Presidente já existia, porém, uma presença simbólica, de caráter toponíAssis, Gilberto Freire e Jorge Amado1. O objetivo desta minha evocação tem a ver, essen- mico, a de Afonso Pena, Chefe de Estado que antecialmente, com duas personalidades decisivas da cedeu o Marechal Hermes da Fonseca. Este último, República Brasileira, uma consagrada antes de 1910, teria como adversário na campanha eleitoral Rui outra em 1918. Mas, no clima resgatador do 5 de Barbosa, igualmente objeto desta minha comunicaOutubro, cumpre lembrar que a Câmara Municipal ção. de Lisboa substituiria as designações de Rua do Rato Na sessão de 1 de outubro de 1908, ainda antes da por Praça do Brasil e de Praça do Príncipe Real por vitória republicana da Câmara Municipal de Lisboa, Praça do Rio de Janeiro. Era uma das várias homena- o vereador Augusto César Clara da Rica, professor ligens que se tributavam ao Brasil a viver em regime ceal que viria a falecer no ano seguinte, propôs que republicano desde 15 de novembro de 1898. Porém, se passasse a chamar Largo Afonso Pena ao Campo entre 1948 e o ano seguinte, os dois topónimos se- Pequeno. O fundamento da proposta era de horão substituídos pelas designações anteriores. A for- menagem e agradecimento aos Estados Unidos do ça da designação tradicional do lugar, como aconte- Brasil na pessoa do seu Presidente. Aceite a proposce muitas vezes, persistiria embora surgissem, entre- ta, o vereador alvitrou, ainda, que se telefonasse, de tanto, as Avenidas do Rio de Janeiro e a do Brasil, em imediato, ao Presidente brasileiro informando-o da deliberação camarária3. 1948, em arruamentos novos. Sabemos que a realidade política brasileira posterior Afonso Pena, natural de Minas Gerais, candidato do a 15 de novembro de 1898 entusiasmava aqueles Partido Republicano Mineiro, foi Presidente do Brasil, que sonhavam com a República em Portugal, ao entre 1906 e 1909, não tendo completado o mandamesmo tempo que permaneciam tradicionais la- to4. Teve como opositores nas eleições Lauro Sodré ços de amizade política para além das circunstân- e Rui Barbosa. Não obstante terem sido adversários, cias diversas de regime. Em 1 de outubro de 1910, a amizade e a admiração mútuas de Pena e Barbosa o presidente eleito do Brasil Marechal Hermes da serão uma constante. Fonseca foi recebido e saudado por D. Manuel II Na altura em que Augusto César da Rica apresenta a que se deslocou ao couraçado S. Paulo. Milhares de proposta toponímica o Brasil assume-se como país pessoas assistiram ao cortejo entre o cais e o palácio respeitado na cena internacional. Rui Barbosa parde Belém. Nos dias seguintes sente-se a iminência ticipara, em 1907, na Segunda Conferência de Paz, da revolução. Hermes da Fonseca abandonará o em Haia, e ficara célebre a sua defesa do princípio da Tejo a 5 de Outubro. Em 22 de outubro, o Brasil re- igualdade das nações perante o Direito Internacional. conhece, oficialmente, o novo regime que passou a Por terras de Santa Cruz vive-se um surto económico A Appio Sottomayor e a Salete Salvado, Mestres da toponímia olisiponense
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Existe um blogue que tem dado relevo à toponímia lisboeta relacionada com o Brasil. Ruas de Lisboa com alguma história: http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com/ 2 Ver José Miguel da Silva Fernandes e Tavares Duarte, A diplomacia presidencial. As visitas de estado luso-brasileiras (1910-1974), Lisboa, Universidade NOVA de Lisboa, 2009, pp.26-29 (Dissertação de Mestrado). 3 Cumpre-me agradecer as informações toponímicas sobre Afonso Pena e Rui Barbosa que figuram neste texto à Dr.ª Ana Homem de Melo, do Gabinete de Estudos Olissiponenses e minha colega na Comissão de Toponímia da CML. 4 Foi substituído, interinamente, pelo Vice-Presidente Nilo Peçanha de 14 de junho de 1909 até 15 de junho de 1910, data de posse de Hermes da Fonseca. 1
notável com a pujança cafeeira paulista, não obstan- tempo eram de molde a entender-se como justa a te previsíveis conflitos sociais e a intranquilidade dos homenagem ao Brasil, independentemente da cirquartéis. Mas, o que mais marcará 1908 será a emblecunstância de regimes políticos diferentes. mática Exposição Nacional comemorativa do primeiO outro político brasileiro que escolhi para esta miro centenário da abertura dos portos do Brasil5. No nha comunicação é Rui Barbosa. Nunca chegou a ser Presidente do Brasil, embora tivesse sido candidato início de uma mensagem ao governo, a 3 de maio de por duas vezes. No entanto, a influência que teve na 1908, Afonso Pena lamentou, sentidamente, os aconmarcha dos acontecimentos brasileiros, antes e detecimentos ocorridos em Portugal por altura do regipois, do 15 de novembro de 1898 é incomensurável. cídio. Estivera prevista, aliás, a presença de D. Carlos, no seguimento de convite, muito especial, que lhe Mas vejamos, antes de mais, a razão da escolha do “Águia de Haia”6 para figurar numa rua de Lisboa. tinha sido formulado para que visitasse a Exposição onde estava instalado um pavilhão de Portugal. O A deliberação é de 25 de novembro de 1918. Na sesBrasil de então era, igualmente, o destino de milhares são camarária foi tomado conhecimento de que “Os de portugueses, na sua maior parte do Norte do país, Srs. Manuel José Martins Contreiras, Dr. João José obrigados a tomar o duro caminho da emigração. da Silva e Fernão Boto Machado, proprietários da Quanto aos portugueses a quem foi possível ven- Quinta das Marcelina, na Rua Vale de Santo António, cer na vida será visível a sua capacidade de partici30, requereram a esta Câmara que lhes fosse dado pação na sociedade brasileira em inúmeras instituiao Bairro que ali estão construindo, a denominação ções, nomeadamente, de beneficência. Mas, entre as de Bairro da América, a exemplo do que já foi feito muitas agremiações figuravam, também, as de cariz para os bairros da Bélgica e da Inglaterra e que os político com destaque para o Grémio Republicano arruamentos tivessem as seguintes denominações: Português, fundado em 1908, que procurava incentivar o ideal republicano entre a emigração lusa, O nº 1: Rua Franklin genericamente apoiante da monarquia. É neste con- O nº 2: Washington texto que, a partir de outubro de 1910, se agudiza- O nº 3: Rui Barbosa rão as tensões entre simpatizantes republicanos e O nº 4: Bolívar monárquicos, reforçados, estes últimos, pela presen- O nº 5: dos Cortes Reais ça de alguns exilados. Contudo, as relações entre os O nº 6: de Fernando de Magalhães governos não serão, de modo algum, afetadas por O nº 7: de Álvaro Fagundes”7 esse facto mas, pelo contrário, naturalmente reforçadas. Entretanto, verificar-se-á a visita de conhecidos Com sucintas justificações para cada um dos nomes republicanos portugueses ao Brasil, depois do 5 de selecionados para o Bairro América, situado na enOutubro, para mostrarem a justeza da regeneração tão designada Freguesia de Monte Pedral8, no que nacional em curso. respeita a Rui Barbosa apontava-se o facto de ser A consagração toponímica do Presidente Afonso jurisconsulto e juiz do tribunal da Haia, consideranPena, em 1908, não me parece ter constituído um do-o, pelos vistos, como referencia mais adequada simples impulso de admiração do vereador e pouco para ser um dos vultos históricos para simbolizar o terá a ver com propaganda ou o ideário republica- continente americano. E embora a pretensão dos inno em Portugal. A facilidade com que foi aceite pelo teressados antecedesse a sua municipalização, a arcoletivo camarário e a realidade luso-brasileira do gumentação de Abílio Raul Frazão fez vencer a pro-
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Américo Jacobina Lacombe, Afonso Pena e sua época, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, p.386. Epíteto atribuído a Rui Barbosa pelo seu brilhante desempenho na II Conferência de Paz, realizada em Haia. 7 Atas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa. Comissão Executiva e Comissão Administrativa. Ano de 1918. Lisboa: [Oficinas Gráficas da CML], 1940 8 Criada em 1 de maio de 1913 substituindo a denominação de Santa Engrácia que foi mais tarde reposta.
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posta, na reunião da Câmara, tanto mais que nos no- Haia. O Ministro das relações Exteriores, Barão do Rio vos bairros da Estefânia, de Camões, o Bairro Operário Branco, tinha-se inclinado para Joaquim Nabuco, se tinha optado, igualmente, por designações prévias embaixador em Washington, mas a pressão pública à própria delimitação viária. e o conhecimento aprofundado dos aspetos jurídiA escolha de Rui Barbosa para uma das ruas do Bairro cos que seriam esgrimidos em Haia justificariam a América correspondia à ressonância da sua atividade presença de Rui Barbosa. Chegou a ser posta a hipóem Haia a que já me referi. O funcionamento daquela tese de irem os dois mas Nabuco teve a grandeza de instância internacional tinha antecedentes oitocenafirmar: “Por mais que eu deseje dar a Rui essa prova tistas. Em 1899, o Czar Nicolau II tomara a iniciativa de de amizade e confiança, por mais que me custe não convocar para capital dos Países Baixos uma reunião estar com ele na Europa...não posso ir a Haia como em que se discutisse a possibilidade de serem dirisegundo e ele só poderá ir como primeiro”10. midas questões relativas à paz através de uma ação Em todo o caso, Nabuco foi fundamental na prepadiplomática internacional, apoiada em processos de ração da missão como não foi menos importante o arbitragem. Foi, então, criado o que, a partir daqueapoio de Afonso Pena. Seria deslocado nesta confela data, se veio a denominar a Corte Permanente de rência, puramente evocativa de duas personalidaHaia. des e de dois topónimos de Lisboa, dar conta do que A segunda Conferência de Paz9 teve lugar de 15 de representou a ação do jurista e político brasileiro. A frontalidade das suas intervenções que punham junho a 18 de outubro de 1907 com a presença de em causa a Realpolitik das potências daquele tem175 delegados de 44 estados o que contrastava com po mereceu o respeito de quase todos. Em discurso a primeira tentativa de 1899 em que apenas foi posde 5 de setembro de 1907 diria que “o argumento sível congregar 26 estados. em favor das potências pode tornar-se uma arma Para o Brasil seria a estreia do país ao mais alto níde dois gumes, impossibilitando o aperfeiçoamento vel da cena internacional, depois da instauração do da arbitragem internacional. Pois, se os grandes não regime republicano. É certo que o Brasil fora convidado para a primeira conferência mas não compa- confiam na imparcialidade dos pequenos, os pequereceu. Agora, a situação era diferente tanto mais que nos de sua parte podem apresentar razões para desjá se tinham realizado conferências pan-americanas, confiar da imparcialidade dos grandes”11. tendo uma delas ocorrido no Rio de Janeiro, na pre- Muitas das deliberações da Segunda Conferência de sidência de Rodrigues Alves (1902-1906), com o os- Paz seriam letra morta confrontadas com a completensivo respaldo da doutrina Monroe, da “América xa situação internacional subsequente e o eclodir da para os Americanos”, reassumida por Theodore primeira Grande Guerra. O apregoado eco e sucesso Roosevelt, trazendo para a política internacional o das intervenções de Rui, também parecem, atualinício de uma política norte americana de forte pro- mente, sujeitas a alguma revisão. Em todo o caso, tagonismo, particularmente, na sua área mais próxi- ficavam lançados os alicerces para o que viria a consma de influência geopolítica. tituir as tentativas de resolução pacífica dos conflitos Rui Barbosa, derrotado nas eleições a que con- através da ONU (e da Corte Internacional de Justiça, correu com Afonso Pena, como já antes referi, era como seu principal órgão judiciário). em junho de 1907, Vice-Presidente do Senado da Rui voltou em triunfo. Durante a cerimónia em República. A Afonso Pena caberia, em definitivo, que Presidente Afonso Pena, perante o Corpo corroborar a escolha do representante brasileiro em Diplomático, lhe entregou uma medalha de ouro,
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Rui Barbosa passou por Lisboa a caminho de Haia. Era o retorno a uma cidade onde, em 1894, no tempo da ditadura florianista, não pôde permanecer muito tempo devido a posições públicas que tomou acerca da prisão de militares brasileiros que tinham pedido refúgio em embarcações portuguesas.Com passaporte emitido pelo cônsul do Brasil seguiu para Londres onde escreverá Cartas de Inglaterra, Agora, em 1907, passava em Lisboa como Ministro Plenipotenciário tendo sido dignamente recebido. 10 Ver Rejane M. Moreira de A, Guimarães, Presença de Rui Barbosa em Haia. (http://www.casaruibarbosa.gov.br/ dados/DOC/artigos/sobre_rui_barbosa/FCRB_RejaneMagalhaes_PresencaRuiBarbosa_em_Haia.pdf, p. 4. 11 Idem, p.11. 9
o influente político brasileiro Pinheiro Machado teria Rui Barbosa, que percorre o Brasil em intensa camafirmado que “ O Pena acaba de contrair solenemente panha, embora tivesse alcançado mais votos que com o Rui o compromisso de que será ele o seu suHermes em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador cessor”12. não consegue ser eleito. Ainda no decurso da camNão quiseram os fados políticos que assim fosse e panha, no Teatro Politeama, na capital baiana, o intransigente liberal insurgira-se contra as oligarquias, Pinheiro Machado seria, aliás, o grande apoiante pugnara por uma reforma constitucional e eleitoral de Hermes da Fonseca. A Rui Barbosa coube, com a e chamara, acima de tudo, a atenção para a defesa pujança do seu verbo, em junho de 1909, enaltecer da legalidade. Mas, embora derrotado, não desistiu. Afonso Pena e deixar nas entrelinhas, também, fortes Na campanha de 1919, para a presidência da preocupações: República de que sairá vencedor Epitácio Pessoa, a “Nos quase noventa anos de nação independente posição civilista antimilitarista e anti- oligárquica de que já contamos, é a primeira vez, entre nós, que a morte colhe no seu posto a um chefe de Estado e de Rui Barbosa não sai desmentida apontando o dedo “aos que inutilizaram os órgãos vitais do governo tal modo, o fez, em circunstâncias tais, neste momenrepresentativo, as válvulas do seu aparelho respirato, que todos o sentimos com angústia de uma verdadeira calamidade nacional. Em o período em que tório e o centro do seu sistema capilar (...) aos que comercializaram a pena dos jornalistas e o voto dos o povo encetava novos costumes políticos, e de cuja legisladores”15. salutar provocação nos prometemos uma era nova na vida constitucional, vimos desparecer com esse Rui Barbosa morre em 1923 tendo recusado, no fim imprevisto, uma garantia de ordem, paz e liberdade, da vida, o lugar de juiz do Tribunal de Haia. Para em que o Brasil ultimamente punha os olhos com além da vida esgotante da política e da defesa das toda a confiança”. suas ideias ficaria a obra colossal de polígrafo, reuniRui Barbosa, paladino da luta anti-esclavagista no da em 50 volumes, a inspiração de uma voz livre que fim do Império, compelido a exilar-se, em 1893, du- o forçara ao exílio tendo desembarcado em Lisboa, rante a conturbada presidência de Floriano Peixoto, em 1894, em pouco seguro, e breve, porto de abrigo. sabia do que falava. Havia, desde 1898, três corren- Mas já em 1907, pelo contrário, a capital portuguesa tes políticas no Brasil: uma liberal, que era a sua, uma será o auspicioso porto de chegada da viagem para outra positivista e a militar. A Constituição de 1891, a Europa antes de seguir para o seu triunfo em Haia. que muito deve às propostas de Rui Barbosa, daria A iniciativa dos que decidiram consagrar Rui Barbosa ensejo ao que Nelson Saldanha considerou ser a como um dos principais vultos das Américas e incluíexpressão de pensamento político oficial conjugan- -lo na toponímia lisboeta fazia, portanto, todo o sendo a vertente federalista e presidencialista. Todavia, tido. como nos diz António Paim, a “prática do regime era Quanto a Afonso Pena, apesar de estar hoje apagafrancamente autoritária”13. Foi contra essa corrente, do na memória toponímica lisboeta, foi uma persoprecisamente, que Rui Barbosa lutou em 1910, no nalidade que protagonizou uma encruzilhada muito momento em que na opinião do grande historia- importante da vida brasileira como era, também, dor da República José Maria Bello “mais uma vez re- a de Portugal e teve nome de rua na nossa capital nasciam em torno de um general certas aspirações durante toda a I República e ainda durante Estado crónicas de uma ditadura militar, embora revestida Novo até 1948. Depois de Afonso Pena, nenhum outro Presidente de formalidades legais”14.
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Cit, in Américo Jacobina Lacombe, ob.cit., p.397, nt. 31. António Paim, Leonardo Prota, Ricardo Velez Rodriguez, O liberalismo brasileiro, vol. III (O liberalismo na República Velha), Londrina, Edições Humanidades, 2002, p.4. 14 Idem, p.19. 15 Idem, p. 31.
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do Brasil, julgo saber, foi inscrito nas ruas de Lisboa. Mais recentemente, houve uma proposta para atribuir a uma artéria lisbonense, o nome de Juscelino Kubitschek de Oliveira mas que não teve seguimento. Em todo o caso, restará sempre o sonho de JK, transformado em realidade, no Planalto Central, simbolicamente assinalado, em Lisboa, através da Avenida de Brasília, inaugurada no ano da fundação da terceira capital do Brasil:1960.
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Planta da Cidade de Lisboa contendo o aterro da Bôa Vista, estações dos caminhos-de-ferro, circunvalação e todos os melhoramentos posteriores a 1843: dividido em bairros e freguesias: publicado em Lisboa em 1864 / por [Frederico] Perry Vidal; des. A. R. Costa.
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O Beco e a Reconquista Salete Salvado
Grupo Amigos de Lisboa. Comissão Municipal de Toponímia
Quando tomei conhecimento de que a Jornada de To- a habitual em caso de revoluções: a eliminação dos ponímia seria incluída nas Comemorações do I Cen- “heróis” indesejados e a sua substituição pelos “hetenário da República, e de que este seria o seu tema róis” revolucionários. Este fenómeno não atingiu as central, afastei a ideia de participar pela simples razão designações tipológicas de cariz tradicional. Tudo o de não ser uma estudiosa da República e não dispor que era beco, travessa, regueirão, boqueirão, caracol, de tempo suficiente para iniciar qualquer tipo de in- etc. permaneceu nos locais onde estava, não sendo vestigação em terreno desconhecido. Mas, ao receber repetido, evidentemente, nas áreas da recente exo amabilíssimo convite da Sr.ª Vereadora Dra. Catari- pansão urbana. Com efeito, a República continua na Vaz Pinto, senti-me na obrigação de corresponder, os grandes projectos de expansão urbana herdados dos finais do séc. XIX, em que as designações mesmo de uma forma muito modesta. Mais do que sobre os nomes que damos às ruas, tipológicas se limitam a avenida, como arruamento nestes últimos anos o meu interesse tem-se voltado principal estruturante, e a rua como arruamento sepredominantemente para, digamos, princípios me- cundário, com a função da antiga travessa. Em vez todológicos e, sobretudo, para a origem, evolução e de largos fazem-se praças e posso dizer que é clara a preservação de designações tipológicas a que gos- intenção de nobilitação dos novos espaços a partir to de chamar “nomenclatura”. Destas, há muito que das designações toponímicas consideradas como destaquei a palavra beco, que considero uma so- expressão de status. Assim, permanecem e sobrevibrevivente entre as mais antigas designações ainda vem as designações antigas, nomeadamente o beco, existentes em Lisboa, embora a sua utilização esteja sobre cuja etimologia, significado e natureza se porestringida a arruamentos do casco antigo, ou dos derá dizer mais do que é habitual. vários cascos antigos da cidade de Lisboa. Aqui co- Por outro lado, verifiquei que no Norte de Portugal meçou por significar uma rua estreita, por vezes pe- existem umas dezenas de povoações que se chaquena e estreita, e ainda pequena, estreita e sem saída, mam simplesmente Beco3, com a sua rede viária e sendo especificamente designada neste caso como mancha construída estruturadas e mais ou menos beco sem saída, cujo significado se tem de entender elaboradas. É evidente que não estamos diante de como rua estreita em que se entra e sai pelo mesmo “uma ruazinha estreita”, mas duma realidade muito lado. A sua utilização era maioritariamente urbana, diferente. mas na ruralidade que rodeava Lisboa a palavra beco Quando tentava pôr alguma ordem nas informações aplicava-se, por exemplo, a um arruamento que, que me iam surgindo – e também nos meus pensapartindo de um largo ou de uma azinhaga, desse mentos – dei por mim, mais uma vez, a ler a narração acesso a uma quinta1 ou a uma parte de uma quin- da reconquista de Lisboa pela mão do cruzado anta2. A circunstância de se tratar de uma rua estreita, glo-normando Raul de Glanville. Ao cotejar o texto sem saída e situada em zonas pobres e/ou habitada em baixo latim com a tradução portuguesa de José por gente pobre foi corroendo o sentido original da Augusto Oliveira (2ª edição, 1936), deparei-me várias vezes com a palavra latina VICUS, ora traduzida palavra, emprestando-lhe um sentido depreciativo. Podemos perguntar como é que a República lidou como “rua estreia”, ora como “bairro”. com esta palavra e com a realidade que ela repre- Há muito tempo que penso que a palavra beco não senta. Em consciência, creio que a República não se necessita de ser explicada a partir de etimologias ocupou deste assunto. Em matéria de toponímia, complicadas porque o étimo que lhe dá origem é a tanto quanto sei, a principal acção da República foi palavra latina vicus, que em italiano dá vico, signifi-
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Beco de D. Máxima (desapareceu com a urbanização do Campo Pequeno) Vinha do Beco (idem) 3 Existe ainda uma no Algarve e outra nos Açores 2
cando um arruamento, e um outro Vico que é nome estende de um lado e do outro do vicus = rua, de que de uma cidade, assim como a espanhola Vigo. Os di- toma o nome. Quando se procedia ao Censo, o habitante de Roma, para sua identificação local, indicava cionários mais recentes (Houaiss - 2005) querem ver o nome do vicus que habitava. Com todas as difena origem de beco um diminutivo construído a partir de via, a saber: VIA + ECU (que é um sufixo diminutivo) renças possíveis, este vicus lembra um embrião da freguesia, sobretudo se tomarmos em conta a sua > VIECO > VEECO > VECO = BECO (considerando, em componente religiosa4. português, a troca do V por B). Por seu turno, o “Lexicon” de Francisco Pedro Brou 3) Em terceiro lugar pode ainda designar um edificio (1909) prefere uma etimologia a partir do diminutivo de habitação, construído em terreno privado, pluride VICUS – VICULUS, a partir da qual se poderia ter familiar, em que as várias habitações têm entradas formado um VICOO*/VECOO* > VECO* > BECO* (senindividuais. Seria, assim, fisicamente uma realidade do minhas as hipotéticas formas derivadas). diferente da insula, embora esta também se destiA grande dificuldade em aceitar a primeira destas eti- nasse a um grande número de inquilinos. Esta utilimologias é a de que nenhuma das formas intercalazação de vicus não nos interessa. res apresentadas se encontra registada em qualquer documento. Apesar de pensar que não é necessário ver a origem da palavra beco a partir do diminutivo II – Em contexto rural viculus, foi para mim muito gratificante ver que um lexicógrafo considerava vicus como a origem. 1) Vicus pode significar um estabelecimento humaPara se perceber as diferentes traduções que têm no campesino, uma quinta, diferente da villa que é sido feitas de vicus, quando mencionada no texto de uma unidade fundiária de um só proprietário, em Raul de Glanville, será primeiro necessário saber a que os vários habitantes confluem para um certo luque realidade a palavra se reportava em latim, mesgar onde constroem as suas habitações para maior mo que duma forma sumária. segurança e defesa. 2) Pode constituir uma aldeia, ou seja, uma povoação com regras de convívio que pressupõem uma I – Em contexto urbano certa organização subjacente, mas constituindo um espaço aberto sem defesa constituída. 1) Em primeiro lugar vicus designa uma rua urbana, 3) Pode ainda aplicar-se a povoações que coincidem espaçosa (entre 4,5 – 6,5m), que podia desembocar com um local formalizado para troca de produtos, numa via, uma rua muito mais importante, ou num consequentemente necessitando de estar próximos espaço de fruição pública. Embora pudesse desig- de vias de escoamento das mercadorias. Muito frenar apenas o arruamento em sentido lato, em sen- quentemente este tipo de vicus situa-se de um lado tido concreto significava a rua com os edifícios que e doutro de uma via não urbana. a ladeavam. Em Roma os vici tinham nomes que os No contexto destes três vici podemos falar dos cadistinguiam e poderiam formar quadrículas regula- minhos vicinais e vias secundárias que garantiam o res. acesso a estas realidades e a comunicação entre elas, 2) Designa também uma subdivisão da regio, sen- desempenhando uma função muito semelhante às do esta comparável ao nosso bairro administrativo, não menos famosas azinhagas. constituindo assim uma unidade territorial que se Posto isto, vejamos o que Raul de Glanville nos diz
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Em Roma o vicus tem expressão religiosa própria. Nos cruzamentos existe um sacellum dedicado aos lares do vicus, local de reunião dos habitantes para as festas ditas compitalia, dedicados à reconfirmação dos limites do vicus. Além de prestar culto aos seus Lares pessoais, os habitantes faziam-no também aos Lares dos vici.
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do vicus e dos vici no seu relato, tendo em considera- 4 – Urbs, a cidade, era a palavra aplicada à cidade de ção a cidade que os cruzados pretendiam conquistar. Roma. Quando ainda hoje referimos a especial bênÉ evidente o fascínio que a cidade exerce sobre o nar- ção papal como “urbi et orbi” estamos ainda a referirrador desde o momento em que a avista. Sobre ela nos a essa outra Roma, como centro do Mundo. O irá mencionar factos provenientes de fontes literárias; termo significa uma cidade física mas também uma outras vezes comunica-nos factos que, obviamen- cidade ideal, com arquitectura privada e pública, te, lhe são contados por terceiros, como o topóni- monumental e não-monumental, organizada, com mo Campolet (Campolide) e as ruínas de uma igreja rede viária suficientemente regular, transmitindo a dedicada aos mártires de Lisboa; e refere ainda rea- imagem de um alto grau de civilização. A sua comlidades e características por ele observadas. Usa re- ponente militar, se bem que não excluída, não surpetidamente quatro palavras latinas para se referir à ge como a sua principal característica. Quando um cidade: civitas, castrvm, oppidvm e urbs. Há ainda uma homem culto do séc. XII chama urbs a uma cidade, palavra usada uma única vez, villa, que os tradutores mesmo que só conheça Roma a partir de relatos e portugueses traduzem como cidade e Wendell David fontes literárias, está a estabelecer com ela elementraduz como town e não como city, estando aplicada tos de comparação mentais, se não mesmo ideais. a um arrabalde conquistado pelos anglo-normandos Nesta cidade que contém em si todas as caracteríscomandados inevitavelmente por Sahério de Ar- ticas dos conteúdos das quatro palavras que acabei chelles. As palavras que inequivocamente significam de referir, com excepção das fortificações repetidaCidade são as que já referi, mas os seus conteúdos mente mencionadas, nada há no tecido construído não são justaponíveis, como iremos ver. intra-muros – salvo a rua dos Mercadores, que é em si mesma uma excepção – que impressione ou surpreenda o narrador. Dos aedificia conglobata nada ressalta que ele refira: nem um templo, nem um pa1 – Civitas aplica-se a um estabelecimento humano lácio, nem um edificio que se destaque do apertado em território de limites definidos, no qual os compo- casario circundante O mesmo, porém, não acontenentes fixaram regras de convívio, com obrigações ce com as construções extra-muros, os arrabaldes, e direitos reconhecidos, estabelecidos e aceites pela sobretudo a Ocidente, em relação aos quais ocorre comunidade. A palavra civitas tem como principal com muita frequência a palavra vicus. objectivo realçar as qualidades dos habitantes como Retirei da narração em latim os casos em que a palauma comunidade de homens livres, de cidadãos. vra ocorre e procurei as correspondentes traduções 2 – Castrvm significa, em primeiro lugar, um acam- nos três autores que no séc. XX e XXI publicaram as pamento militar, com o seu espaço organizado ba- suas leituras acompanhadas de notas, textos comlizado com defesas formalizadas, significando por plementares e estudos de terceiros que muito conextensão uma cidade rodeada por muralhas ou tribuíam para a qualidade científica dos respectivos fortificações, independentemente de se situar num trabalhos. São esses autores: lugar alto ou baixo. 1º Dr. José Augusto Oliveira - Conquista de Lisboa aos 3 – Oppidvm é a palavra para designar um estabele- Mouros (texto em latim, tradução, relato de Arnulfo cimento humano, organizado, construído em lugar e notas do Autor), prefácio do Eng.º A. Vieira da Silva, alto e ostensivamente defendido por muralhas ou 2ª edição, 1936 outras defesas formalizadas. 2º Professor Doutor Charles Wendell David - The
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Conquest of Lisbon (texto em latim, tradução e notas), c) Aires do Nascimento introdução e bibliografia por Jonathan Phillips, Ed. Columbia University Press, 2000 (1ª edição 1936) A norte do rio, no topo de um monte redondo, fica a 3º Professor Doutor Aires do Nascimento - A Conquista cidade de Lisboa, cujas muralhas descem em socalcos de Lisboa aos Mouros (texto em latim, tradução e tex- até à margem do rio Tejo, dele ficando separadas apetos adicionais), Editora Vega 2001 nas por um pano de muralhas que assentam no chão. Iremos ver como estes três autores traduzem e interpretam a palavra vicus nas obras citadas. O texto em Comentário latim que utilizo como base é o de José Augusto OliO narrador descreve a situação física da cidade (civeira, não porque o considere nas suas opções de lei- vitas) no alto de um monte redondo, na margem do tura cientificamente mais aconselhável, mas porque rio e com muralhas que descem até ao rio em linha muito simplesmente foi o primeiro texto com que não contínua, estando separada do rio apenas pela contactei a nível profissional há mais de 50 anos. Per- muralha. Curiosamente, neste passo, não refere nem doem-me todos, por favor, esta pequena fraqueza. torres nem portas. Deste modo passarei a reproduzir as frases em que aparece a palavra vicus, passando às traduções dos 2ª Primeira referência a vicus especialistas mencionados e, conforme os casos, adiCingitur autem muro rotundo cacumen montis, dextra cionando um pequeno comentário. Antes, porém, levaque descendentibus muris urbis per declivum usde o fazer, não resisto à tentação de reproduzir o que que ad Tagi ripam. Dependentibus sub muro suburbiis o autor escreve sobre o aspecto geral da cidade, em vicorum vice in rupibus excisis ut unusquisque vicus que refere com particular cuidado a morfologia das pro castro haberetur munitissimo, tot enim difficultamuralhas. tibus cingitur. 1ª Descrição da cidade ... A septemtrione fluminis est civitas Lyxibona in cacumine montis rotundi; cuius muri gradatim descendentes ad ripam fluminis Tagi solum muro interclusi pertigunt.
Tradução a) J. A. Oliveira O alto do monte é cingido de uma muralha circular, e os muros da cidade descem pela encosta, à direita e à esquerda, até à margem do Tejo. Ao sopé dos muros existem arrabaldes alcandorados nos rochedos a pique, e são tantas as dificuldades que os defendem, que se podem ter em conta de castelos bem fortificados.
Tradução a) J. A. Oliveira Ao norte do rio está a cidade de Lisboa, no alto dum monte arredondado e cujas muralhas descendo a lanços, chegam até à margem do Tejo.
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b) Wendell David The hilltop is girdled by a circular wall, and the walls of the city extend downward on the right and left to the b) Wendell David bank of the Tagus. And the suburbs which slope down On the north of the Tagus is the city of Lisbon; situa- beneath the wall have been so cut out of the rocks that ted on the top of a round hill; and its walls, descending each of the steep defiles which they have in place of by degrees, extend right down to the bank of the river, ordinary streets may be considered a very well fortified which is only shut out by the wall. stronghold, with such obstacles is it girt about.
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c) Aires do Nascimento
cilmente se achará uma rua com mais de oito pés de largura.
O cimo do monte é cingido por uma muralha em redonb) Wendell David do e tanto da esquerda como da direita as muralhas da cidade descem em declive até à margem do Tejo. Os c) The buildings of the city were so closely packed toarrabaldes ficam albergados sob as muralhas, a modo gether that except in the merchants’ quarter, hardly a de bairros recortados nas rochas, de tal forma que cada street could be found which was more than eight feet bairro se toma por castelo bem fortificado, tais são os wide. obstáculos de que está rodeado. d) Aires do Nascimento Os edifícios formam aglomeração tão apertada que Comentário Das três traduções detaco a de Wendell David, que dificilmente se conseguirá encontrar ruas com mais de distingue claramente os vici como bairros suburba- oito pés de largura a não ser nas dos mercadores. nos ou arrabaldes e os vici que designam ruas muito estreitas e íngremes. Aliás a sua nota (op. cit. pg. Comentário Este é um caso em que vicus pode ser sempre tradu94), que reproduzo em tradução, esclarece o seu zido como rua. pensamento: “Uma tradução literal desta frase parece impensável. Vicus, no segundo caso, pode ser aproximadamente equivalente à palavra portuguesa cal- 4ª Referência a subúrbios çada pois se aplica a uma rua íngreme e estreita, na Nostris subinde paulatim arma capientibus, imfra sumoderna cidade de Lisboa”. Contrariamente ao que o burbium se hostes concludunt, prohibentes nostros ab Wendell David pensava, a palavra calçada tem como introitu jactu lapidum a tectis domorum quae ad instar principal característica ser uma rua pavimentada ou muri circumquaque septa erant. Nostri vero undique patulos, si qua forent, querentes aditus, usque ad mecalcetada, independentemente de outras características. De qualquer modo, são sempre arruamen- dium suburbii, quo in devexo montis muro cingebatur, tos íngremes, nos quais a pavimentação garante as eos perturbant. boas condições de circulação. Acresce que os vici referidos, além de estreitos e íngremes, tinham um Tradução chão muito estável pois eram cortados na rocha da a) J. A. Oliveira Tomam os nossos pouco a pouco as armas, e os inimiencosta. gos entrincheiram-se na parte inferior dum arrabalde, impedindo-nos o avanço com as pedras atiradas dos 3ª Referência a vicus Edificia vero eius artissime conglobata, ut vix nisi in vi- terraços das casas, as quais eram ligadas em volta à cis mercatoriis vicus inueniri quiuerit amplioris quam maneira de muralhas. Os nossos, porém, buscando por todos os lados as entradas abertas, onde quer que as VIII pedum latitudinis. havia, perseguem-nos até meio do arrabalde, onde este se cinge à muralha escarpada do monte. Tradução a) J. A. Oliveira Os seus edifícios estão aglomerados tão apertada- b) Wendell David mente que, a não ser entre as dos comerciantes, difi- Then, as more and more of our forces took up arms, the
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enemy shut themselves within the suburb and hindered b) Wendell David our entrance by hurling stones from the roofs of the hou- Then the enemy finally turned in flight; for they had easily recovered from their first discomfiture above menses, which were enclosed all around with parapets. But tioned when they had discovered that we could not our men, seeking everywhere for open approaches, if any should exist, pushed them back as far as the middle attack them more fiercely on account of the number of the streets or because of our weariness. of the suburb where it was enclosed on the hillside by a wall. c) Aires do Nascimento Só então se puseram finalmente em fuga, pois, a seguir c) Aires do Nascimento Seguidamente, e a pouco e pouco, os nossos pegam em à primeira vez, referida acima, tinham-se ido refazendo algum tanto, ao darem-se conta de que não poderiam armas enquanto os inimigos se vão infiltrando nos arraser atacados com muita violência devido à multiplicibaldes, travando aos nossos a entrada com pedras atiradas do telhado das casas que formavam uma cerca dade das ruas e ao cansaço dos nossos. à maneira de muralha em toda a extensão. Os nossos, Comentário por sua parte, procuravam por todos os lados aberturas acessíveis, se é que as havia por algum sítio, e rechaçam O combate desenvolve-se no arrabalde referido em 4, e a palavra vicus designa exclusivamente as ruas os inimigos até meio do arrabalde no lugar em que ele numerosíssimas. se cinge ao declive do monte na muralha. 6ª Última referência a vicus Comentário Neste caso, para designar arrabalde nunca é usada ... Ipse quoque Saherius cum quibus habere potuit ex nostro temptorio vel ex suo proprio, nam sociorum a palavra vicus, mas sim a palavra suburbium (subúrpars major jam in conflictum ierat, ut ceteris succurbio), o que parece indicar mais a intenção de designar um aglomerado habitacional fora das muralhas, sum praestaret armatus urbem ingreditur. Jam vero perto de uma porta, e com características defensi- inter vicorum angustias, procet hostium vel nostrorum vas, do que ruas ou construções em local íngreme e majora suppetebant per loca praesidia, varia victoria advincem erat. alcantilado.
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Tradução 5ª Referência a vicus Tum demum in fugam versi sunt; nam a prima unde a) J. A. Oliveira superius fuga, cum se acrius imfestari non posse, pre O próprio Sahério, com quantos pode reunir, quer do vicorum quantitate, vel nostrorum lassitudine, compe- nosso acampamento quer do seu, por quanto a maior parte dos nossos avançava já para o combate, entrou ruissent, leviter raparati fuerant. armado na cidade, para levar auxílio aos outros. Já a vitória se inclinava ora para um ao para outro lado, por Tradução entre as ruas estreitas, conforme nos diferentes locais a) J. A. Oliveira Com efeito, após a primeira fuga, tinham-se ali refeito era maior o número de combatentes ou nossos ou dos um pouco, entendendo que não poderiam ser ataca- adversários. dos violentamente, não só por causa da quantidade das ruas, como ainda por causa da nossa fadiga.
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XX, a palavra beco usada literariamente ou como b) Wendell David And Saher himself with all the men he could get from designação tipológica passou a significar quase exour own tent and from his own (for the greater part of clusivamente rua sem saída e nada há no texto do our associates had entered the conflict) took arms and narrador que tal sugira. Em segundo lugar, a palavra went into the city in order that he might be at hand to beco como designação tipológica ganhou um sentisuccor the others. And now in the narrow defiles of the do pejorativo, pelo que os tradutores não a quiseram utilizar, pois no texto também nada há que tal sugira. streets fickle victory leaned by turns to one side and to the other, according to our forces or those of the enemy Dado o duplo significado da palavra vicus, os mediewere at hand whit greater number in one place or ano- valistas portugueses, sobretudo nos documentos tabeliónicos, preferem traduzi-la como bairro, embora ther. nem sempre seja a tradução mais acertada. Talvez ainda se possa admitir que de tal forma se instalou c) Aires do Nascimento O próprio Saério juntamente com quantos pode conse- a ideia de que beco, como rua, derivava de um dimiguir quer no nosso pavilhão quer no seu, entrou tam- nutivo, quer de via quer de vicus, que se não admitiu bém armado na cidade com o fim de socorrer os outros, a hipótese de uma passagem directa para o portupois a maior parte dos nossos companheiros avançara guês. No entanto, Beco como nome de povoação dificilmente se poderia explicar se se admitisse derivar já para o combate. Já, porém, por entre as ruas estreitas, a vitória se inclinava ora para um lado ora para o de um diminutivo. É muito curioso constatar que o outro, segundo eram maiores os apoios que se faziam Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (Tomo XVIII, pg. 8169) regista a palavra vico, explicando-a como em cada sítio aos inimigos e aos nossos. “bairro de uma cidade”, e ainda, entre outras coisas, como “povoação”, “propriedade rural”, “prédio rústico”. Comentário Dois tradutores coincidem traduzindo vicus por rua Atribui-lhes a etimologia latina de vicus, “bairro de estreita. O Prof. David não usa a palavra “street” mas uma cidade, povoação, aldeia”. Assim, retomando o sim “defile” (desfiladeiro, garganta) acentuando a conteúdo do mesmo dicionário, temos: ideia de estrema estreiteza.
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1º) BECO cuja origem é VIA + ECO, sendo um dimiComo acabámos de ver, as traduções não são sem- nutivo pre coincidentes, entendendo os tradutores a pala- 2º) VICO cuja origem é VICUS vra vicus ora como rua, ora como rua muito estreita, Restará acrescentar ainda que vico nunca designa ou como rua muito estreita e íngreme e ainda como uma realidade portuguesa, embora a obra citada um conjunto de habitações tradutível como bairro, o não refira, mas aplica-se a realidades romanas e embora o conteúdo da palavra portuguesa se não italianas, constituindo uma forma erudita de que o possa aplicar completamente. Enquanto para o pro- beco é a forma popular produzida por uma longa utifessor Wendell David as características das ruas são lização, em contextos humanos diversos. tão claras que por vezes lhes chama defiles – que Para concluir resta-me ainda chamar a atenção para significa garganta, passagem estreita, etc – nenhum um ponto um tanto esquecido. O português que se falava no séc. XII (e mesmo antes e depois) não se tradutor português chamou beco ao vicus. assemelhava foneticamente ao português que faCreio que haverá algumas razões para isto. No séc.
lamos no Sul, nomeadamente em Lisboa. Podemos dizer, com alguma ligeireza, que se falava um tanto “à moda do Porto”, ou à maneira da Beira Alta e das terras de Entre Douro e Minho. A tendência para fechar as vogais e a habitual introdução de um e mudo a seguir às vogais explicam facilmente a passagem de i de vicus em ê, sobretudo se admitirmos que a primeira transformação terá sido a do v em b, que na linguagem popular não constituiu necessariamente uma alternância. É minha convicção ter conseguido demonstrar que a palavra latina vicus se transformou na palavra portuguesa beco, tendo sido usada para designar uma povoação, como topónimo, ou alguns tipos de arruamentos como designação tipológica. Em ambos os casos a sua fixação é antiga e não há tendência para que seja repetida fora dos locais onde se encontra fixada. Admitamos como uma interessante curiosidade que, embora com pequenos acertos, passados que são quase três mil anos continue a significar a mesma coisa.
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Bibliografia Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2005) Instituto António Houaiss de Lexicografia - Portugal Ed. Temas e Debates Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea (2001) Academia de Ciências de Lisboa Ed. Verbo Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (1986) José Pedro Machado Editorial Confluência, Lisboa Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines (1887-1919) Ch. Daremberg et Edm. Saglio The Conquest of Lisbon (2000) Tradução: Charles Wendell David Columbia University Press New York Conquista de Lisboa aos Mouros (1936) Tradução: Dr. José Augusto de Oliveira Ed. CML
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A Conquista de Lisboa aos Mouros (2001) Tradução: Aires do Nascimento Ed. Vega Festivals and Ceremonies of the Roman Republic (1981) H. H. Scullard Ed. Thames and Hudson Lexicon Latino-Português (1909) Francisco Pedro Brou Porto, 2ª Edição Rome Impériale et l’Urbanisme dans l’Antiquité (1971) Leon Homo Editions Albin Michel, Paris Vitruvio – Tratado de Arquitectura (2006) Tradução: M. Justino Maciel Ed. IST Press
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Ler a toponímia... no Bairro Alto, capital do jornalismo na I República Álvaro Costa de Matos
sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Investigador do Centro de Investigação Media e Jornalismo, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.
INTRODUÇÃO
da noite do acontecimento de última hora”, do que resultava, portanto, uma animada vida noctívaga, deA imprensa periódica teve um papel duplamente im- sordenada, que trouxe novas funcionalidades às anportante na implantação da República em Portugal: tigas cocheiras, lojas e tabernas, agora transformadas por um lado, na doutrinação republicana, na divulga- em casas de comida e bebida, bordéis, ou mesmo em ção dos programas, propostas e protagonistas repu- redacções, composições ou impressões dos jornais. blicanos; por outro, funcionando como contrapoder, função plasmada na crítica política, na denúncia da ini- Hoje, cem anos depois, um único jornal resiste ainda quidade, ou na recusa do status quo. Contribuiu, assim, no Bairro Alto, o diário desportivo A Bola! Mas, dada para a formação duma opinião pública hostil à Monar- importância daquela história, que marcou indelevelquia Constitucional, sobretudo no último quartel do mente as ruas do Bairro Alto, a toponímia consagrou século XIX e início do século XX. na memória colectiva da cidade de Lisboa, alguns daqueles títulos, como o do centenário Diário de NoComo escreveu Rui Ramos, a “Imprensa era a demo- tícias, ao mesmo tempo que reescreveu a história do cracia, a nova medida de todas as coisas”. Juntamente jornalismo lisboeta. com as outras publicações periódicas, como as revistas, representava o quinto poder do Estado. Para partilhar este legado com os mais jovens e, simultaneamente, cooperando com a missão pedagóDepois do 5 de Outubro de 1910, esta força manteve- gica das escolas, a Hemeroteca Municipal de Lisboa se, ou melhor, reforçou-se, devido ao quadro de gran- (HML) tem no terreno, desde 2007, dois projectos: “As de instabilidade política e partidária. Resultou daqui Ruas têm nome: Ler a Toponímia”, e “Bairro Alto: Capiuma maior diversidade editorial e política na impren- tal do Jornalismo Português”; cujos resultados serão sa periódica. Não havia partido político, ou corrente igualmente tratados neste texto apresentado às 6.ªs doutrinária, ou mesmo literária ou estética, que não Jornadas de Toponímia de Lisboa – Lugares de Metivesse o seu jornal ou revista, o seu órgão de infor- mória da República. mação.
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1. OBJECTIVOS
Em Lisboa, os jornais concentraram-se no Bairro Alto, acentuando uma tendência que vinha de trás. As ra- Em primeiro lugar gostaria de agradecer à Dr.ª Catazões foram várias, como veremos. E transformaram rina Vaz Pinto, Vereadora do Pelouro da Cultura da o Bairro Alto numa espécie de capital do jornalis- Câmara Municipal de Lisboa, e à Dr.ª Teresa Gil, assesmo durante toda a I República. Consequentemen- sora do gabinete da Sr.ª Vereadora da Cultura, o conte, este bairro adquiriu um ambiente muito peculiar, vite que me dirigiram para participar nesta iniciativa que contrastava com o dos outros bairros da cidade. com uma comunicação; de seguida, felicitar a CML e Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa. a sua Comissão Municipal de Toponímia, pela realiInvestigador do Centro de Investigação Media e Jor- zação destas 6.ªs Jornadas de Toponímia, subordinalismo, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nadas ao tema “Lugares de Memória da República”, integrando-as assim nas comemorações municipais, da Universidade Nova de Lisboa. Era marcado pelo “afã dos homens da informação, da e nacionais, do centenário da implantação da Repúnotícia da noite, da tipografia à espera a altas horas blica em Portugal.
Um agradecimento também à Dr.ª Ana Homem de década de 60. Esta vitalidade continuaria nos anos Melo, investigadora do Gabinete de Estudos Olisipo- seguintes: em 1900 o número subira para 543 e em nenses, à Dr.ª Elisabete Rocha, colaboradora do Servi1930 chegaria aos 6621. ço de Actividades Culturais e Educativas da HML, pelas informações e dados estatísticas que me faculta- No início do século XX, e segundo cálculos do jorram, e ao Dr. João Carlos Oliveira, pelas digitalizações nalista Brito Aranha, Portugal tinha mais títulos por que me disponibilizou. habitante (1 para 6500) do que a França e a Inglaterra (1 para 23000), para não falar da Turquia e da RúsQuanto aos objectivos desta comunicação procurasia (onde a proporção era de 1 para 300000 e para rei, por um lado, tratar da relevância da evolução dos 350000, respectivamente)2. Isto não representava jornais e do jornalismo na estruturação do Republimais venda de jornais, mas apenas uma diferente canismo na cidade de Lisboa, e, consequentemente, estrutura de mercado jornalístico. Na Inglaterra e na implantação da República em Portugal; por outro, em França, países dos mais centralizados da Europa analisar o reconhecimento da importância histórica em termos culturais, os jornais de Paris e de Londres da imprensa na toponímia da cidade, concretamencirculavam por todo o território, havendo poucos te no Bairro Alto; e, por último, apresentar o traba- títulos, mas com tiragens gigantescas. Na maior parlho que está a ser desenvolvido pela HML na partilha te dos outros países havia muitos jornais, e por isso da memória jornalística lisboeta com os munícipes, com tiragens mais pequenas - era o que se passava escolas do município, colectividades, associações loem Portugal3. cais e juntas de freguesia, criando, para o efeito, instrumentos de descodificação e leitura da toponímia Esta explosão da imprensa periódica remete natuna cidade de Lisboa. ralmente para a seguinte questão: que factores ou causas explicam este crescimento extraordinário do número de jornais em Portugal na transição do 2. A EXPLOSÃO DO PERIODISMO NACIONAL século XIX para o século XX? Não há uma causa ou Na segunda metade do século XIX assiste-se à explo- factor, como iremos ver, mas uma multiplicidade de são do periodismo em Portugal. Com efeito, durante razões que, combinadas, criaram um clima cultural este período a criação de jornais e revistas conhece muito favorável ao desenvolvimento e expansão da uma expansão notável, contrastando fortemente imprensa periódica portuguesa. A saber: com o que se passara nos primeiros cinquenta anos do século. O salto começa logo a dar-se na década 1.ª A expansão dos jornais durante a Regeneração, de 60, que quase duplicara o número de jornais em quer nos grandes centros urbanos, quer na província relação à década de 50, acentua-se nas décadas (ainda que aqui com diferenças significativas, como seguintes, nomeadamente nos anos oitenta, para iremos ver), está indissoluvelmente ligada à elevaatingir o pico na década de 90, a época de oiro da ção do nível de cultura das populações, resultante imprensa periódica portuguesa oitocentista com dos progressos verificados na luta contra o analfabea criação de 416 periódicos. Só nos primeiros seis tismo. Alarga-se, assim, a massa de leitores por todo meses de 1891, o Boletim Comercial do Porto contou o país. O hábito de ler jornais espalha-se e radica-se 86 novos jornais, isto é, quase tantos títulos como no público. os publicados na década de 70 e mais do que na
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V. Gráfico 1. V. deste autor Movement de la presse périodique en Portugal de 1894 à 1899, Lisboa, Imprensa Nacional, 1900, p. 23. 3 Sobre a evolução histórica da imprensa periódica na Inglaterra e em França V. DONAIRE, Francisca Garrido, “O jornalismo na GrãBretanha e na Irlanda”, in História da Imprensa (coord. de QUINTERO, Alejandro Pizarroso), Lisboa, Planeta Editora, s.d., pp. 208-273; REBOLLO, María Antonia Paz, “O jornalismo em França”, in Ibidem, pp. 153-207; WHEELER, Mark, Politics and the mass media, Oxford, Balckwell, 1997; CAZENAVE, Élisabeth, Presse, radio et télévision en France: de 1631 à nos jours, Paris, Hachette, 1994; DELPORTE, Christian, Histoire du journalisme et des journalistes en France: du XVIIe siècle à nos jours, Paris, Presses Universitaires, 1995.
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2.ª Mas aquela expansão está também relacionada 4.ª O aumento da procura estimulou em contracom o alargamento da politização da opinião pú- partida a importação de tecnologia, facilitando blica. Este fenómeno, por sua vez, resulta do novo igualmente a fundação de periódicos. Os jornais entendimento que os diferentes partidos políticos equipam-se com as melhores máquinas para satisfaactuantes têm do papel da imprensa. Esta transfor- zer uma procura que não pára de crescer. Aparecem ma-se no mais importante instrumento de acção as máquinas rotativas de grande tiragem: primeiro e no principal veículo de afirmação dos partidos as Marinoni, seguindo-se-lhes as potentes Augsburg, políticos. Consequentemente, a maior parte dos de duas bobinas. A composição mecaniza-se, com a jornais que foram fundados ao longo das primeiras introdução da máquina Linotype. Cada uma destas décadas da Regeneração foram-no explicitamente máquinas executava o trabalho de cinco composicomo órgãos de determinadas parcialidades políti- tores manuais. Consequentemente, as tiragens discas ou a elas vieram a aderir de maneira oficial. A mí- param: em 1900, as máquinas do diário Novidades, tica A Revolução de Setembro, por exemplo, defendia de Lisboa, permitiam que se imprimisse um exemos interesses da família progressista regeneradora, a plar cada três segundos; a partir de 1903 o Diário maior potência jornalística com 19 periódicos entre de Notícias passou a ser impresso na grande máqui1851 e 1861; O Portuguez, outro jornal igualmente na rotativa Augsburg, com uma tiragem de 24.000 importante no panorama da imprensa político-parti- exemplares por hora (4 ou 6 páginas). Consequentedária portuguesa deste período, era o periódico ofi- mente, os preços baixam: o preço dos grandes jorcial do Partido Histórico; A Lei, o famoso Rei e Ordem nais desce de 20 a 30 réis para 10 réis. A imprensa e o Imprensa e Lei representavam os pontos de vista entra, assim, na sua fase industrial, acompanhando cartismo conservador; A Nação, o segundo mais do o crescimento geral da nossa indústria, que se duradouro jornal oitocentista, depois de A Revolução acelera no último quartel do século XIX7. de Setembro, apoiava claramente o Partido Legitimista4. Eram os jornais, portanto, quem marcava 5.ª Mas não é só a organização da imprensa que a agenda política e pressionava ou defendia os muda, começa a mudar também, ainda que lengovernos. Eram eles os grandes formadores da tamente, o seu estilo. Durante a segunda metade opinião pública5. E era neles que se formavam os do século XIX, e nomeadamente a partir de 1865, vefuturos quadros políticos do país, criando “a nova e mos desenvolver-se entre nós a imprensa popuimportante classe dos jornalistas, na qual entraram, lar, sem filiação partidária, por oposição à imprenou nela se formaram, poetas, historiadores, críticos, sa de opinião. Baixados os preços, importava agora filósofos e homens de grande valia nas ciências e dirigir o jornal a uma mais vasta camada de leitores, nas letras e dela saíram para as cadeiras das câmaras não como um jornal de opinião mas meramente noou dos ministérios e para os mais altos lugares do ticioso. Abandona-se a discussão, a polémica, o combate, e privilegia-se o entretenimento, a notícia, a Estado”.6 informação - principal preocupação e objectivo do 3.ª A melhoria das vias de comunicação e das re- novo jornalismo. Um dos exemplos mais flagrantes lações postais é outro factor a ter em conta na ex- deste novo jornalismo popular é o Diário de Notícias: pansão dos jornais durante a Regeneração. Os jor- fundado em 1 de Janeiro de 1865 por Eduardo Coenais são distribuídos com mais facilidade e rapidez, lho, tinha como objectivo central “interessar a todas as classes, ser acessível a todas as bolsas (custava dos centros (Lisboa e Porto) para as periferias.
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Para um inventário mais completo da imprensa político-partidária do início da Regeneração, da sua distribuição geográfica, cronológica e partidária, V. SARDICA, José Miguel, “A vida partidária portuguesa nos primeiros anos da Regeneração”, in Análise Social, Lisboa, Vol. XXXII (143-144), 1997, pp. 767-774. 5 Uma análise mais detalhada do conceito de opinião pública e dos limites que devem assacar-se a este conceito nos meados do século XIX encontramo-la no interessantíssimo estudo de MACEDO, Jorge Borges de, “A opinião pública na História e a História na opinião pública”, in Estratégia. Revista de Estudos Internacionais, Lisboa, N.º 1, 1986, pp. 47-59. 6 In VASCONCELOS, António Augusto Teixeira de, O Sampaio da Revolução de Setembro, Paris, Tipografia Guiraudet, 1859, p. 26. 7 Cf. TENGARRINHA, José, “Imprensa”, in Dicionário de História de Portugal (dir. de Joel Serrão), Porto, Livraria Figueirinhas, 1984, Vol. III, pp. 266-272, 4
apenas 10 réis) e compreensível a todas as inteligên- te de propaganda, mas também fortemente sencias”, como anunciava o seu número-programa de 19 sacionalista. O êxito da imprensa republicana devede Dezembro de 1864. A partir de 1895, quando Silva se menos ao republicanismo do que ao facto de teGraça transforma O Século numa empresa “respeitárem sido alguns dos seus títulos mais radicais a funvel”, este jornal suaviza a sua tendência republicana dar em Portugal a imprensa sensacionalista12. Que e envereda igualmente pelo jornalismo popular8. O o sucesso desta imprensa pouco tinha a ver com a sedução do ideário republicano prova-o o facto jornal é assim dirigido a um novo público, constide que os jornais republicanos mais austeramente tuído essencialmente pela pequena e média burguedoutrinários e menos sensacionalistas tinham muito sia, que manifesta uma preferência pela informação objectiva, mais rigorosa, e mesmo pelo pendor sen- pouca leitura e viviam com dificuldades. É o caso de jornais como A Justiça, redigido por José Falcão, Ausacionalista que a informação começa a tomar, em 9 gusto Rocha e Alexandre da Conceição (publicou-se vez do tradicional artigo de fundo . A actualidade ganha uma importância crescente, assim como a em Coimbra, em 1878), A Tribuna do Povo (Lisboa, 1879), O Suplemento (Lisboa, 1879), A Vanguarda, foinformação completa. E a tecnologia favorece isto, lha federalista inspirada por Teófilo Braga e dirigida nomeadamente com o aparecimento do telégrafo e da sua utilização pela imprensa. Contudo, e ape- por Carrilho Videira (Lisboa, 1880), A Folha Nova, dirigida pelo jornalista Emídio de Oliveira, (Porto, 1881), sar dos avanços deste tipo de jornalismo no último a Marselhesa, de João Chagas (Lisboa, 1896), A Luta, quartel do século XIX, a maior parte dos jornais dirigido por Brito Camacho (Lisboa, 1906), entre ainda se encontrava alinhada partidariamente. muitos outros. Pelo contrário, os jornais republicaCom excepção do Diário de Notícias e d’O Século, “todo o resto da imprensa servia uma política. Tal nos mais sensacionalistas, como O Mundo de França Borges (fundado em Lisboa, em 1900), ou o Povo de servidão não queria significar apenas parcialidade. Aveiro de Francisco Homem Cristo, ou a Justiça PorSignificava também que o jornal vivia da política, de um grande editorial e de extractos do Parlamento e tuguesa de Henrique Santos Cardoso, um dos cheda legislação”10. Coexistindo com os jornais exclusi- fes da revolta de 31 de Janeiro de 1891, jornais que va e preponderantemente noticiosos, ainda em mi- não hesitavam em publicar todo o tipo de calúnias, noria, tínhamos os jornais de opinião (isto é, os jor- insinuações e escândalos, eram lidos por milhares nais tradicionalistas, conservadores, monárquicos, de pessoas13. Alguns destes jornais, como a Justiça progressistas, republicanos, socialistas, anarquistas, Portuguesa, que tinha sido publicado no Porto, funetc.) ou simultaneamente de informação e opinião cionavam como autênticas armas de chantagem e publicações de todas as espécies, que em geral social, ameaçando revelar segredos, lançar boatos viviam pouco por falta de público. Por outro lado, e arruinar reputações. Para este tipo de imprensa, estas transformações de estilo na imprensa não só o que pudesse ser dramatizado e serializado eram um fenómeno exclusivamente português. interessava. A política era escândalos; as relações Pelo contrário, Portugal acompanhava uma tendên- internacionais, guerras e ameaças; a vida nacional, cia que se manifestava na imprensa da Europa, sen- desastres e crimes sangrentos; a economia, desfalsivelmente desde 188011. ques e fraudes; a vida social, casamentos e funerais. Os seus principais destinatários eram as camadas 6.ª É também durante esta altura que se assiste ao mais baixas da população, embora com predomínio crescimento da imprensa republicana, claramen- da média e pequena burguesia.
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Sobre este jornal, diz-nos RAMOS, Rui: “O Século, o segundo maior jornal de Lisboa, órgão republicano desde 1881 até cerca de 1895,
lançou então as edições dominicais de oito páginas, com gravuras. Quebrando tradições, O Século adoptou para a sua primeira página o aspecto que tinham os cartazes de publicidade e as proclamações, destacando a principal ocorrência com um título em letras garrafais”. E mais adiante acrescenta: ”Na década de 1880, O Século prosperou, tornando-se o campeão do sentimento anti-inglês. Em 11 de Janeiro de 1890, numa atitude característica, electrizava os seus leitores sugerindo-lhes que Lisboa estava na iminência de ser bombardeada pela esquadra inglesa. O Século, mais do que da propaganda da República, prosperou no ataque à Inglaterra e no tom sensacionalista e irreverente. Isso era tão evidente, que, em 1895, Silva Graça pôde neutralizá-lo politicamente sem lhe afectar a clientela”. In A Segunda Fundação, 1890-1926, 6.º vol. da História de Portugal (dir. de MATTOSO, José), Lisboa, Editorial Estampa, 1994, p. 50-51. 9
A este propósito, diz-nos TENGARRINHA, José: “Prefere-se cada vez mais a informação objectiva à discussão e à opinião, as notícias
sensacionais aos editoriais reflectidos. Na necessidade de encontrar um público mais largo, o jornal procura manter uma atitude imparcialmente objectiva, dirigindo-se assim a todos, e não a um grupo de leitores ideologicamente afins, necessariamente muito mais restrito. Nesse período, portanto, os jornais não ficam apenas reservados à classe relativamente pouco numerosa de eleitores censitários, mas pretendem dirigir-se a todos os que sabem ler, cujo número vai crescendo gradualmente. Embora sem esquecer a camada mais
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Esta imprensa sensacionalista não deixou de contri- tes Que Trabalham em Cabedal, também em Lisboa; buir para a formação de uma opinião pública repu- em 1856 foi a vez dos professores, com o seu Jornal blicana, hostil à monarquia. Mas tratava-se, pelas ra- da Associação dos Professores, igualmente publicado zões acima apontadas, de uma opinião pública pouco em Lisboa; dois anos mais tarde, aparece a Associadoutrinada, muito instável. A relação que mantinha ção Fraternal dos Fabricantes de Tecidos e Artes Correcom o jornal era uma relação frágil, movediça. O que lativas, jornal defensor dos interesses dos tecelões, lhe interessa é o escândalo, a calúnia, o mexerico, o também publicado na capital. Outro jornal que teve rumor, a insinuação, o boato, numa palavra, o entre- considerável sucesso e influência, como suporte da tenimento. E o jornal, que não queria perder leito- acção de natureza mutualista, foi o Jornal do Centro res, dava-lhe tudo isso. A imprensa transforma-se Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, numa indústria. O jornal passa a ser, portanto, associação que representava o papel de central das uma mercadoria. Perde quase por completo o seu organizações congéneres. Em 1868 surge no Porto valor formativo. o jornal Emancipação da Mulher, um dos primeiros jornais, senão o primeiro, que saiu em defeMas todos estes jornais republicanos, fossem eles sa dos direitos da mulher. No início dos anos 70 a mais doutrinários ou mais sensacionalistas, acaba- imprensa operária ganha uma nova feição, abandoram por ter um papel duplamente importante na nando a sua fase mutualista. Segundo José Tengarriimplantação da República em Portugal: por um nha, passa a estar orientada “por duas preocupações lado, na doutrinação do republicanismo, na veicu- fundamentais: a doutrinação em torno da libertação lação e disseminação dos programas, propostas e operária e o apoio às lutas operárias, quer defenprotagonistas republicanos; por outro, funcionando dendo a sua justeza quer lançando campanhas de como contrapoder, função plasmada na crítica políti- ajuda material e moral aos grevistas”. Com efeito, “só ca, não raras vezes bastante contundente, na denún- agora os operários se apercebem da importância cia da iniquidade, e na recusa do status quo. E, desta fundamental dos jornais como instrumentos da sua forma, lentamente, foram minando os alicerces do organização e da sua luta”14. É neste contexto, porvelho Portugal monárquico. tanto, que vão aparecer uma série de novos jornais que vão ter uma influência mais directa, mais longa 7.ª Com o aparecimento das primeiras estruturas e mais ampla sobre as lutas operárias que vão atraindustriais e com o desenvolvimento do associati- vessar o último quartel do século XIX: destacamos, vismo operário surgem os primeiros jornais ope- pela importância que tiveram, O Pensamento Social, rários. É o caso, por exemplo, do Eco dos Operários, publicado em Lisboa em 1872, jornal que teve como publicado nos meados do século e com uma orien- redactores José Fontana, Antero de Quental, Oliveira tação claramente doutrinária. Coexistindo com es- Martins, Teófilo Braga, entre outros; O Protesto, igualtes jornais de conteúdo mais teórico tínhamos os mente publicado em Lisboa, três anos depois, jornal órgãos jornalísticos de alguns sectores profissio- que se tornaria órgão do Partido Socialista; A Voz nais: em 1850, os metalúrgicos publicam em Lisboa do Operário, também publicado em Lisboa no ano o Eco Metalúrgico; três anos depois, foi a vez dos ti- de 1879, e talvez o mais importante de todos. Este pógrafos, com A Tribuna, igualmente publicado em jornal era o órgão da associação de tabaqueiros de Lisboa; no mesmo ano os sapateiros dão à estampa Lisboa e teve tiragens que atingiram as 50.000 unio Jornal da Associação Fraternal dos Sapateiros e Ar- dades, o que nos mostra a sua larga audiência. Com
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instruída, que fornece ainda o grosso dos assinantes, dirigem-se também ao novo público, menos abastado e instruído, com gostos menos exigentes e requintados”. In História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2.ª ed. revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, p. 219. 10 RAMOS, Rui, Op. Cit., p. 50. 11 Para uma análise mais detalhada destas transformações na imprensa mundial V., entre outros, QUINTERO, Alejandro Pizarroso (coord), História da Imprensa, Lisboa, Planeta Editora, 1996. 12 Esta é a posição de Rui Ramos, que partilhamos. Ibidem, p. 50-51. 13 O Mundo, “o jornal republicano de maior projecção e mais larga influência no período de propaganda”, teria nos primeiros anos de existência, segundo notas de João Chagas, apenas 3000 leitores, para em 1906 já ser lido por 40000 a 50000. V. TENGARRINHA, José, Op. Cit., p. 237, 239, nota 1. O Povo de Aveiro, com os seus excitantes ingredientes, atingiria uma divulgação extraordinária. Só a Tabacaria Mónaco, no Rossio de Lisboa, vendia 3000 exemplares. O jornal vendia-se em 74 localidades e em Lisboa em 26 quiosques e tabacarias. A Justíça Portuguesa teve igual sucesso. V. RAMOS, Rui, Op. Cit., p. 51. 14 In Op. cit., p. 241.
uma expressão muito menor tínhamos a imprensa nietar vilmente a liberdade de pensamento”16. Esta anarquista. Os jornais anarquistas, em geral, tinham lei fixava uma mais severa classificação dos delitos uma expansão restrita (urbana) e não duravam muie das penas, o alargamento da censura preventiva e to tempo. A explicação talvez se encontre na imatudas facilidades de apreensão, suspensão e proibição ridade ideológica que quase sempre mostraram e de jornais, e uma tramitação de julgamento mais nas perseguições de que foram alvo, nomeadamente sumária, preparada pelos chamados “gabinetes necom a lei de 13 de Fevereiro de 1896, chamada “dos gros”, na prática comissões de censura governamenanarquistas”. Como títulos mais importantes temos tais, compostas por agentes do Ministério Público. O O Revoltado (Lisboa, 1887), a Revolução Social (Porto, ramalhete ficaria completo com o Decreto de 20 de 1887), A Revolta (Lisboa, 1889) e A Obra (Lisboa, 1895). Junho de 1907, que proibia a circulação ou publicidade a escritos “atentatórios da ordem ou segurança 8.ª A ausência de censura facilitava igualmente a pública”, estabelecia a autorização prévia para todos expansão dos jornais. Só nos finais de Oitocentos se os periódicos, e entregava a imprensa ao arbítrio verifica um maior controlo da imprensa, criando-se dos governadores civis17. então um quadro legal mais complicado para os jornais, nomeadamente para os hostis ao sistema polítiPerante este rol de leis e decretos, não podemos co vigente. Em 1890, surge o Decreto de 29 de Março, deixar de colocar a seguinte questão: porquê esta referendado por Lopo Vaz. Este decreto, apelidado súbita actividade legislativa contra a imprensa? pela oposição de “2.ª Lei das Rolhas”15, suprimia o A Monarquia enfrentava agora, na transição para júri, entregando os delitos de imprensa à alçada da o século XX, graves problemas: a desagregação polícia correccional, alargava a responsabilidade por económica, política, social, ideológica até, do sistema político; um forte descontentamento social; a abusos, solidarizando autor e editor, e admitia a suspensão da venda, ou mesmo a supressão definitiva crescente oposição do republicanismo, que fez da do jornal. A 13 de Fevereiro de 1896, era publicada imprensa uma das melhores armas de combate ao outra lei geral, chamada pelos contemporâneos de sistema vigente; o afastamento de muitos monárquicos. O novo jornalismo, popular, sensacionalista, lei “dos anarquistas” por incidir com inusitada vionoticioso, era claramente dominado pelos republilência contra as suas publicações e doutrinas. Mas canos ou pelos monárquicos críticos do status quo esta lei podia atingir qualquer indivíduo, se este político. Da parte do poder, optou-se então por “por escrito de qualquer modo publicado”, incitasuma estratégia de defesa, que implicava silense a “actos subversivos”, como se lia no seu artigo ciar as vozes da oposição. Um dos domínios mais 1.º. O castigo era a deportação. Dois anos depois, atingidos foi, naturalmente, a imprensa. Apesar em 1898, era publicada a Lei, mais liberal, de 7 de dos inúmeros protestos ao novo quadro legal, protaJulho, diploma que, segundo José Tengarrinha, não gonizados por figuras destacadas da época, muitos impediu que se continuassem a cometer as maiores arbitrariedades contra a imprensa e a praticar-se foram os jornais apreendidos ou suspensos, muitos mesmo a censura prévia, apesar de expressamente foram os jornalistas presos ou desterrados, muitos proibida no artigo 2.º. O culminar deste processo foram os jornalistas obrigados a fugir do país. A imchegou pela mão de João Franco, através da Lei de prensa de feição republicana foi a mais visada. A res11 de Abril de 1907, considerada pelo monárquico tante não escapou igualmente da fúria da lei: vários Júlio de Vilhena, como um “ignóbil ferrolho para ma- foram os jornais monárquicos que foram suspensos,
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A primeira “Lei das Rolhas” tinha sido promulgada por D. Maria a 3 de Agosto de 1850 e constituiu um dos mais violentos ataques à imprensa periódica durante a Monarquia Constitucional. 16 Estas violentas palavras haviam sido publicadas no jornal O Popular de Outubro desse ano. Cit. por TENGARRINHA, José, Op. Cit., p. 256, nota 1. 17 Para um estudo mais detalhado de toda esta legislação V., por ordem cronológica, COUTINHO, António Borges, “Breve comparação dos regimes jurídicos da imprensa em Portugal - últimos tempos da Monarquia, República, Estado Novo”, in Teses e Documentos, II Congresso Republicano de Aveiro, Vol. II, Seara Nova, 1969; TENGARRINHA, José, Op. Cit., IV. A Fase Industrial da Imprensa, Cap. 14. A repressão sobre a Imprensa no final da Monarquia, pp. 245-259; FRANCO, Graça, A Censura à Imprensa (1820-1974), s. l., Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993; SARDICA, José Miguel, “Poderes políticos e liberdade de expressão no século XIX: censuras à imprensa durante a Monarquia”, in História, III Série, Ano XXII, N.º 23 (Março 2000), pp. 28-37.
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o mesmo se passando com a imprensa operária, humorística, de província e mesmo alguma imprensa de grande informação.
nestas cidades, no continente, havia jornais diários e jornais com tiragens superiores a 3000 exemplares. Havia mesmo, repartido entre elas, nove jornais que extraíam mais de 10000 exemplares cada um. No entanto, este cenário não impediu, como vimos, Dispunham também da imprensa mais variada (em que a imprensa conhecesse uma notável expansão Lisboa, apenas 28% das publicações eram políticas, no final da Monarquia. Num período de intensa seguindo-se-lhes os órgãos das associações de clasactividade legislativa contra a liberdade de im- se, a imprensa literária e a imprensa agrícola e cientíprensa, assistimos a um ritmo impressionante de fica). Os seus jornais circulavam por todo o país: em criação publicações periódicas. Como explicar 1910, O Mundo de Afonso Costa, distribuía 50000 este paradoxo? Como explicar a proliferação de exemplares por dia, dos quais metade era espalhajornais num ambiente de repressão da imprensa? do por agentes no país, 30% eram vendidos avulso A resposta talvez se encontre na facilidade com em Lisboa e 15% satisfaziam assinaturas. que se criavam jornais. Muitos foram os jornais que desapareceram por motivos políticos ou por falta de Na periferia, Braga, Coimbra, Ponta Delgada, Vipúblico. Mas rapidamente apareciam outros jornais, seu, Aveiro e Viana do Castelo aparecem como feitos pelas mesmas pessoas, com títulos diferentes distritos com mais jornais publicados, com uma (embora muitos deles continuassem os títulos extin- percentagem de 28%. Os distritos menos dotados tos) e a mesma linha editorial. A perseguição de que eram os de Castelo Branco, com 8 publicações, Beja eram alvo testemunhava o seu poder. Como susten- e Funchal, com 7 cada um, e Bragança, com apenas 6 ta Rui Ramos, “nunca se compreenderá o que foi a - constituíam 5% dos periódicos que circulavam nesimprensa desde meados do século XIX se se julgar ta altura19. Na periferia domina claramente o jornal que os jornais eram apenas algo que se acrescentara semanal (64% do total dos jornais), que tirava entre ao mundo tal como existia antes deles. A imprensa 200 e 800 exemplares (67%) e tinha índole “política” era o principal mecanismo de um universo em que (48%). Semanalmente, este género de imprensa deos negócios públicos tinham saído do segredo das via pôr à venda cerca de 150000 exemplares no seu cortes para a praça pública por onde passava o povo conjunto, muito menos do que a imprensa diária soberano. A imprensa era a “democracia”, a nova de Lisboa e do Porto. O cruzamento do número de medida de todas as coisas”18. A imprensa era o exemplares com o número de habitantes de alguns “quinto poder” do Estado. Apesar da censura, a distritos, permite-nos obter os seguintes dados: Braimprensa afirmou-se como “a maior força social” ga, que publicava aproximadamente 23000 exemplares por semana, tinha 1 exemplar para 17 habida época. tantes; Beja, com 13000 exemplares semanais, tinha 1 para 148 habitantes. Por outro lado, a população 3. LISBOA, CAPITAL DO JORNALISMO NA I REPÚBLICA masculina capaz de ler era muito maior em Braga e Lisboa era a cidade onde era publicada a maior parte no noroeste em geral do que em Beja e Alentejo e dos jornais e revistas. Entre 1894 e 1900, Lisboa con- Algarve em geral: as taxas de alfabetização da pocentrava 32% de todas as publicações periódicas pulação masculina com mais de 7 anos eram em editadas em Portugal. Juntamente com o Porto, o Braga de 43% e em Beja de 23%. Mas não era só o número disparava para os 47%, e praticamente só analfabetismo que limitava a imprensa. Havia outras
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Op. cit., p. 52. Ver Gráfico 2.
razões, como a ausência, entre os alfabetizados, de in- homens de negócios acabariam por reconhecer teresse pela leitura de jornais ou a inexistência de uma as vantagens de confiar aos jornais a publicidade tradição de publicar. Aparentemente, Braga mostrava dos seus produtos. Como nos diz José Tengarrinha, o contrário. “o aumento da publicidade na Imprensa está, assim, directamente relacionado com a intensificação das Toda esta imprensa, a que se publicava fora de actividades comercial e industrial no século XIX e, de Lisboa, era considerada de “província”, mesmo uma maneira geral, com o maior dinamismo da vida um jornal como o Comércio do Porto. A publicidade moderna”21. mostra isto, recebendo Lisboa a maior parte dos anúncios introduzidos nos jornais. A publicida- 3.1. A IMPRENSA EM 1910 de mostra ainda outra coisa, que os jornais eram cada vez mais uma referência quotidiana, como Antes de aprofundarmos a evolução da imprensa se pode deduzir do aumento do número de anún- em Lisboa, desde o 5 de Outubro de 1910 até ao 28 cios nos jornais que se verifica durante a segunda de Maio de 1926, olhemos para a sua situação à data metade do século XIX. Isto é particularmente notóda proclamação da República22: existiam, no Porturio nos grandes títulos, nomeadamente no Diário de gal continental e insular, 35 jornais diários. Destes, Notícias: 14402 anúncios no ano de 1865, 178078 em 18 publicavam-se em Lisboa, 8 no Porto e os restan1885 e 182428 em 1889. Estes anúncios cobriam uma tes nas províncias e nas ilhas. parte ou a totalidade dos custos de produção de um jornal. Eram, portanto, a principal fonte de receita Com os seus 435000 habitantes, “a capital estava da imprensa. Como dizia Émile de Girardin, direc- servida por um grande número de folhas diárias, de tor do jornal francês Presse, “aos anúncios compete carácter noticioso ou político. O jornal que pretenpagar o jornal”. No entanto, em Portugal, a publicadia ser mais imparcial e objectivo nas suas informação de anúncios na imprensa não fora um processo ções era o Diário de Notícias, que remontava a 20 de fácil e rápido. Foi necessário lutar contra o elevado Dezembro de 1864 (…). Dirigiram-no, durante a 1.ª imposto sobre os anúncios (cada anúncio inserto República, Brito Aranha, Alfredo da Cunha, Augusem qualquer publicação era sujeito ao selo de 10 to de Castro e Eduardo Schwalbach. Perto dele, em réis)20 e vencer duas grandes resistências; a falta de preocupação de objectividade, achava-se o Jornal dinamismo da nossa vida económica, que estava a do Comércio, cuja antiguidade era ainda maior, visto dar os primeiros passos sustentados no caminho da datar o seu primeiro número de 17 de Outubro de modernização, e a limitada visão da maior parte dos 1853”23. Incluía sobretudo notícias de carácter econossos homens de negócios, que, ao contrário dos nómico e financeiro, e estava muito ligado aos inteseus contemporâneos ingleses, não reconheciam resses da média e grande burguesias. facilmente as vantagens dos anúncios como factor importante nas operações de oferta e de procura. Os jornais monárquicos contavam, em Lisboa, 10 Há, portanto, problemas administrativos e atitudes diários: o Correio da Noite, órgão do Partido Progresmentais que têm que ser tidas em conta quando sista, fundado em Abril de 1881; O Liberal, igualmenestudamos as relações entre a imprensa e o mundo te progressista, fundado em 1896; o Novidades, órdos negócios. Aquelas resistências não deixaram, gão do Partido Regenerador, criado em Janeiro de ainda que lentamente, de ser vencidas: os nossos 1885; o Diário Popular, também regenerador, funda-
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Ver Decreto de 26 de Novembro de 1885. História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2.º ed. Revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, p. 224. 22 Nesta incursão pela história da imprensa periódica portuguesa, é da maior utilidade o Guia de História da 1.ª República, de OLIVEIRA MARQUES, A. H. de, Lisboa, Editorial Estampa, 1981. 23 Idem, Ibidem, p. 24.
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do em Dezembro de 1907; o Notícias de Lisboa, igual- suspenderam a publicação O Liberal, O Imparcial, o mente regenerador, surgido em 1905; o Imparcial, ou- Correio da Manhã e O Dia, embora este tenha voltatro título regenerador, criado em Janeiro de 1910; o do à liça um mês mais tarde (2 de Fevereiro de 1911), Correio da Manhã, órgão do Partido Regenerador – Li- ficando a ser o único jornal monárquico de imporberal (franquista), criado em Março de 1910; o Diário tância, já que A Nação, porta-voz dos legitimistas, Ilustrado, franquista dissidente, existente desde Julho pouca audiência alcançava nesta altura. de 1872; O Dia, porta-voz da dissidência Progressista, fundado em Dezembro de 1887; e A Nação, órgão Pelo contrário, no campo dos triunfadores, surgidos legitimistas (partidários de D. Miguel), criado em ram novos jornais republicanos: A República Por1847. Além destes títulos, tínhamos ainda o Portugal, tuguesa (1910-1911), diário republicano radical da jornal nacionalista e órgão oficioso da Igreja Católica, manhã; O Intransigente (1910-1911), órgão oficioso aparecido em 1907. da Carbonária até Fevereiro de 1911, para depois se converter em diário radical; A Democracia (1910Os jornais republicanos contavam apenas com 6 tí- 1911), matutino que durou muito pouco tempo; Retulos diários: O Século, “de longe o mais importante pública, fundado em 15 de Janeiro de 1911, órgão de todos eles, uma vez que assumia as característi- de António José de Almeida e dos seus futuros evocas de bom jornal noticioso também, concorrendo lucionistas; O Tempo (1911), diário da manhã afecto com o Diário de Notícias em tiragem e venerado ao grupo de Afonso Costa; e A Pátria (1911-1912), igualmente pela antiguidade, visto remontar a 4 de vespertino de curta duração. Extinguiu-se, em conJaneiro de 1881”24; Vanguarda, diário republicano trapartida, a Vanguarda, em 5 de Março de 1911. da manhã, órgão oficioso da Maçonaria desde 1907, fundado em Outubro de 1898; O Mundo, órgão dos Até à revolução Sidonista de 1917, outros diários republicanos radicais, de grande tiragem, criado em lisboetas foram aparecendo, quase todos eles 16 de Setembro de 1900; A Lucta, mais moderado e ligados aos partidos políticos existentes. Foi o mais bem redigido, destinado à intelectualidade do caso, por exemplo, do jornal A Manhã, de Mayer GarPRP, fundado em 1 de Maio de 1906; O Paiz, republi- ção, porta-voz da ala direita do Partido Democráticano conservador, existente desde 21 de Dezembro co27. Entre os jornais monárquicos, O Dia manteve-se de 1905; e A Capital25, diário da noite, moderado, re- à frente da causa, com interrupções, mas foram criados outros títulos, todos de curta duração, de que é cém-fundado a 1 de Julho de 1910. exemplo o Jornal da Noite, de Rocha Martins, publicado entre 1914 e 1915. 1919, 1920 e 1921 foram 3.2. A IMPRENSA DIÁRIA DE LISBOA DESDE 1910 anos de intensa actividade jornalística que, no O panorama acima descrito alterou-se profunda- que toca a Lisboa, vieram renovar toda a estrumente com a proclamação da República, pois a tura da imprensa diária, criando, nesses 3 anos, maior parte dos jornais monárquicos desapare- nada menos de 19 jornais, vários deles duradouceu26, enquanto se multiplicava a imprensa repu- ros. Alguns exemplos: do lado dos republicanos, blicana. Logo em Outubro, em Lisboa, extinguiram- apareceu o Radical (1920-1926); da causa monárquise o Correio da Noite, o Novidades, o Diário Popular, ca, o Correio da Manhã, desde 7 de Abril de 1921; dos o Notícias de Lisboa, o Diário Ilustrado e o Portugal. grupos católicos, a Época, a partir de 25 de Março de Nos fins de 1910 e primeiros meses do ano seguinte 1919; do lado operário, A Batalha (1919-1927); de
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Ibidem, p. 25. Disponível em linha na Hemeroteca Digital, a biblioteca electrónica da Hemeroteca Municipal de Lisboa, em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/ 26 Continua por fazer o estudo do fim destes jornais, das causas que levaram ao seu encerramento, e naturalmente das implicações na estrutura da imprensa criada após o 5 de Outubro de 1910. 27 A lista dos outros títulos ligados aos partidos políticos está na página 26, do Guia de História da 1.ª República, (…). 24
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grupos independentes, o Diário de Lisboa, com início a 7 de Abril de 1921; entre tantos outros.
tes, como, por exemplo, o Palácio Marim e Olhão, onde se instalou a Revolução de Setembro, ou o Palácio dos Viscondes de Lançada, ocupado pelo jornal O Século.
Nos últimos anos da I República, o número de jornais diários lisboetas diminuiu um pouco, modificando-se também o espectro partidário da Na I República, dos 20 títulos mais importantes imprensa. Alguns dos jornais alteraram o seu poque então se publicavam, 13 tinham as suas resicionamento ideológico, em função das novas dacções no Bairro Alto, isto é, cerca de 65%. Eram circunstâncias políticas. A título de exemplo: a pareles (sublinhados): tir de 1922 O Mundo deixou de se identificar com a ortodoxia do Partido Democrático, assumindo cada > IMPRENSA NOTICIOSA: vez mais posições de desvio esquerdista da linha ofiDiário de Notícias (1864 - ): Rua do Diário de Notícias, cial do Partido28. 110 Jornal do Comércio (1853-1976): Rua do Belver, 1 O Século (1881-1978): Rua do Século, 43 (depois de À data da revolução de 28 de Maio de 1926 eram 17 os diários publicados na capital, quase o mes- 31 de Outubro de 1910) Diário de Lisboa (1921-1990): Rua Luz Soriano, 44 mo número do que no começo do regime republicano: noticiosos e imparciais, o Diário de Notícias, o > IMPRENSA REPUBLICANA: Jornal do Comércio, o Diário de Lisboa, e o Diário da O Mundo (1900-1927): Rua do Mundo, 95 (depois de Tarde; democrático, O Rebate; nacionalista, A Tarde; liberal, A Noite; esquerdistas democráticos, O Mundo 28 de Outubro de 1910) A Lucta (1906-1923): Rua da Anchieta, 5 (depois de e A Capital; radical, O Radical; partidário da União dos 26 de Dezembro de 1907) Interesses Económicos e noticioso, O Século; monárquicos, o Correio da Manhã, o Correio da Noite e Ac- A Capital (1910-1938): Rua do Norte, 5 (depois de 2 ção Realista; católicos, A Época e o Novidades; operá- de Janeiro de 1911) O Rebate (1922-1930): Travessa da Água da Flor, 33 rio-anarquista, A Batalha. República (1911-1927): Largo da Trindade, 17 (depois de 3 Janeiro de 1917) 3.3. O BAIRRO DOS JORNAIS: O BAIRRO ALTO A Vanguarda (1912-1929): Rua do Mundo, 17 (até 3 Dentro de Lisboa, o Bairro Alto era o bairro por exce- de Setembro de 1914) lência dos jornais, ou melhor, o bairro onde se loca- O Intransigente (1910-1915): Rua do Carmo (até 10 lizava a maior parte das redacções e administrações de Maio de 1911) dos principais jornais que se publicavam na I República, bem como a quase totalidade das suas ofici- > IMPRENSA MONÁRQUICA: nas de impressão, estivessem ou não as redacções O Dia (1887-1927): Rua Garrett, 48 (até 20 de Outudos jornais no Bairro Alto. Isto não era uma novida- bro de 1913) de, antes o corolário duma tendência que vinha de A Nação (1847-1917): Rua da Luta, 30 (depois de 21 trás, designadamente desde a segunda metade do de Dezembro de 1912) século XIX, quando os jornais começaram a ocupar Correio da Manhã (1921-1928): Rua da Barroca, 59 um número significativo das grandes casas existen- (até 7 de Fevereiro de 1927)
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Sobre as mutações políticas dos restantes jornais, ver Guia (…), p. 29.
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Correio da Noite (1924-1927): Rua do Norte, 37 (depois de 2 de Maio de 1924) > IMPRENSA CATÓLICA: A Época (1919-1927): Rua do Século, 43 (depois de 4 de Julho de 1919) A Voz (1927-1971): Rua da Luta, 30 Novidades (1923-1974): Rua Garrett, 29 (até 14 de Dezembro de 1927)
3.ª Surge, tal como sucede actualmente, uma intensa vida nocturna: a azáfama acontece tanto de dia como de noite, proliferando ainda o negócio da prostituição;
> IMPRENSA OPERÁRIA: A Batalha (1919-1927): Calçada do Combro, 38 (até 30 de Dezembro de 1921) > IMPRENSA HUMORÍSTICA: Os Ridículos (1905-1963): Rua da Barroca, 131
4.ª A nova centralidade do Bairro Alto, mas também o seu isolamento, propicia a criação de uma população de jornalistas, tipógrafos, livreiros, políticos, ardinas, comerciantes, fadistas e prostitutas, que se alimenta destas novas dinâmicas urbanísticas e alterações sociais e mentais; 5.ª O debate, a polémica e a luta política emanam do Bairro Alto, graças à acção de jornais como O Mundo, O Século, o Diário de Notícias, o República, entre outros títulos.
Os restantes títulos (não sublinhados), num total Resultou daqui a criação de um ambiente e quode 7 (35%), tinham as suas redacções nas “fron- tidiano muito particulares, marcado sobretudo teiras” do Bairro Alto, sobretudo na zona do pela vida noctívaga, “atribulada e desordenada Chiado, nas ruas da Anchieta, do Carmo, Ivens, de horas”,29 com características, algumas, que ainda Garrett e na rua da Luta, hoje Rua dos Duques de hoje perduram. Bragança. Por comparação com o dia, “a noite não perdia a Porquê esta concentração de jornais no Bairro dinâmica”, pois “era preciso escrever as notícias de Alto? Adiantamos aqui algumas das causas possí- última hora; prepará-las para a tipografia para no veis: outro dia os ardinas espalharem por toda a cidade as notícias dos grandes acontecimentos”30 políticos 1.ª O Bairro Alto ganha, neste período, novas dinâ- e culturais que faziam a actualidade. micas, para além da sua condição popular: as velhas e decadentes construções foram adaptadas a novos Eram, portanto, os jornais que forneciam uma usos, passando, muitas delas, a funcionar como re- nova tonalidade à vida do Bairro Alto, mas, asdacções, administrações e oficinas de impressão de pecto não menos importante, sem desorganizar jornais; o seu equilíbrio social: “os pequenos artífices permanecem nas suas lojas ligadas por sua vez aos an2.ª Estas adaptações, por sua vez, motivam o apa- dares superiores de habitação; tal como o pequeno recimento e a multiplicação de tascas, casas de comércio de bairro – ambos constituíram o suporte pasto, tabernas, carvoarias, botequins, prostíbu- económico e social de todo o conjunto urbano”31. los, etc.;
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As palavras são de Hélder Carita, in Bairro Alto. Tipologias e Modos Arquitectónicos, 2.ª Edição, Lisboa, CML, 1994, p. 43. Idem, Ibidem, p. 43. 31 Ibidem, p. 44. 29
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Esta vitalidade e efervescência política e cultural 1) Rua do Mundo33, na antiga Rua de São Roque, terminariam a 28 de Maio de 1926, com o início da para perpetuar o nome do jornal republicano que estava sediado neste arruamento, dirigido por FranDitadura Militar. Pouco depois, com a sua instalação, ça Borges. A alteração foi feita pela deliberação caa censura passou a condicionar violentamente a vida dos jornais, e, com isso, do próprio Bairro Alto marária de 27 de Outubro de 1910 e edital de 18 de Novembro de 1910. Como sabemos, esta rua sofree do país, entrando-se numa lenta e progressiva deria nova alteração toponímica, passando a designarcadência. se Rua da Misericórdia a partir de 1937, já em pleno Estado Novo, por deliberação camarária de 12 de O carácter fechado e popular do Bairro Alto acentuou-se. Os jornais resistiram como puderam amor- Agosto e respectivo edital de 19 de Agosto de 1937, para homenagear a Santa Casa da Misericórdia de daçados pela censura. A prostituição proletarizou-se. Lisboa, cuja sede se localizava no largo que encima O fado acabou transformado em “canção nacional”, e nas travessas estreitas e mal iluminadas, de dia e de esta rua, hoje Largo Trindade Coelho. noite, jogava-se às 5 pedrinhas… 2) Rua de “O Século”34, na antiga rua Formosa, para Hoje, cem anos depois, um único jornal resiste ainda homenagear o jornal fundado em 1881 por Magano Bairro Alto, o diário desportivo A Bola! Mas, dada a lhães Lima, que foi o seu primeiro director e um importância dos jornais, que marcou indelevelmenardente paladino republicano. Foi igualmente conte as ruas deste bairro, a toponímia consagrou na siderada a importância da sua propaganda para a memória colectiva da cidade de Lisboa alguns dos democratização do povo português e, consequentítulos que fizeram a história da imprensa e do jorna- temente, para a implantação da República em Portulismo lisboeta e nacional, como o centenário Diário gal. A alteração aconteceu também por deliberação de Notícias e o republicano O Século. camarária de 27 de Outubro de 1910 e edital de 18 de Novembro de 1910. Este topónimo ainda se mantém… 4. OS JORNAIS NA TOPONÍMIA DE LISBOA (BAIRRO
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ALTO)
Mais alguns dados: a proposta para a criação destas duas novas ruas foi feita pelo vereador Augusto Vieira, na referida sessão camarária de 27 de Outubro de 1910, que, como fundamentação, defendia a necessidade de homenagear O Mundo, O Século e mais um terceiro jornal, A Lucta35, de Brito Camacho, pelo contributo que, através da sua “propaganda”, teriam dado para a “democratização do povo português, de que resultou a implantação da República em Portugal”36. No que toca ao Bairro Alto, e a topónimos relacionados com os jornais e o jornalismo, foram atribuí- Quanto à Rua do Diário de Notícias37, a I República das duas novas denominações: não mexeu neste topónimo, criado pela CML, através do edital de 31 de Dezembro de 1885, para ho-
A revolução republicana trouxe, como era previsível, alterações ao nível da toponímia na cidade de Lisboa. Segundo Ana Homem de Melo, entre 6 de Outubro de 1910 e 1 de Julho de 1926 (data de dissolução da última vereação republicana), foram atribuídos pela CML 197 novos topónimos. Destes, 126 eram antropónimos, isto é, topónimos que homenageiam pessoas individuais (63%)32.
Ver MELO, Ana Homem de, “I República, cultura e toponímia em Lisboa”, in A Vida Cultural na Lisboa da I República (1910-1926). Actas do Colóquio Nacional, Lisboa, CML/DMC/GT – CMCR, 2011, pp. 129-148. 33 Ver figura 1. 34 Ver figura 2 e 3. 35 Resultou daqui ainda outra alteração toponímica: a Rua Duque de Bragança passou a designar-se Rua da Luta, retornada ao nome inicial, embora no plural (Rua Duques de Bragança), com o edital de 28 de Maio de 1956, e mantendo-se este topónimo até aos dias de hoje. 36 In Actas das Sessões da CML no ano de 1910, 44.ª Sessão (Sessão de 27 de Outubro de 1910), p. 700. Disponíveis em linha, na Hemeroteca Digital, em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/ 37 Ver figura 4.
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menagear o jornal que estava sediado na antiga Rua dos Calafates.
Ponto de partida: Hemeroteca Municipal de Lisboa
5. LER A TOPONÍMIA NO BAIRRO ALTO…
Travessa da Queimada; Rua da Atalaia; Para partilhar com os munícipes (jovens, adolescen- Travessa dos Inglesinhos; tes, adultos e sénior) o legado jornalístico existente Rua da Rosa » Travessa do Poço da Cidade; na colecção da Hemeroteca Municipal de Lisboa, e, Rua da Rosa » Travessa do Fiéis de Deus; simultaneamente, cooperar com as escolas, a CML, Travessa das Mercês; através desta biblioteca especializada em jornais e Rua da Trombeta; revistas, tem no terreno, desde 2007, 2 projectos pe- Rua da Atalaia » Rua das Salgadeiras; dagógicos, ou melhor, 2 instrumentos de descodifi- Rua das Salgadeiras » Rua da Barroca; cação de leituras, que considera muito importantes: Rua Diário de Notícias » Travessa da Espera; Rua Diário de Notícias » Travessa dos Fiéis de Deus; 1) “As Ruas têm nome: ler a toponímia” – visita Rua do Norte; guiada (este integrado no Plano Nacional de Leitura, Travessa do Poço da Cidade » Rua as Gáveas; vulgo PNL; Travessa do Poço da Cidade » Rua da Misericórdia; Largo Trindade Coelho.
2) “Bairro Alto: capital do jornalismo português” – passeio literário.
Ponto de chegada: Hemeroteca Municipal de Lisboa
Enquanto o primeiro tem por objectivo desvendar Trata-se, como já se disse, duma actividade desenjunto das escolas a toponímia do Bairro Alto, o se- volvida no âmbito do PNL, e que tem como públicogundo mergulha no Bairro Alto enquanto capital do -alvo o 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, o ensino jornalismo lisboeta e português na fase final da Mo- secundário e os respectivos professores39. narquia Constitucional, na I República e no Estado Novo, com um percurso pedonal pelas ruas das an- O passeio “Bairro Alto: capital do jornalismo portigas instalações de jornais, a maior parte já extintos tuguês” inclui um passeio pelo Bairro Alto enquanou deslocados para outras zonas da cidade de Lis- to espaço urbano onde estavam localizados e conboa: O Século, o Diário de Notícias, o Diário Popular, centrados os principais jornais portugueses, com a República, O Mundo, A Capital, o Diário de Lisboa, um percurso pedonal pelas ruas das redacções ou entre outros. tipografias de jornais já extintos, ou que tenham entretanto mudado de instalações40: A visita guiada “As Ruas têm nome: ler a toponímia” é precedida de uma apresentação que inclui Ponto de partida: Hemeroteca Municipal de Lisboa um breve contexto histórico do Bairro Alto, cuja fundação remonta a 1513, seguida de uma visita às se- Rua de São Pedro de Alcântara; guintes ruas, com uma explicação histórica de cada Jardim de São Pedro de Alcântara (actual Jardim um dos respectivos topónimos (origem, data de atri- de António Nobre): aqui é visitado o busto de Eduarbuição, motivos, curiosidades, etc.)38: do Coelho, fundador do Diário de Notícias. O monu-
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Ver mapa desta visita guiada, com o respectivo itinerário. Sobre as estatísticas desta visita guiada, entre 2008 e 2011, ver os gráficos 3 e 4, por número de visitas e por público-alvo. 40 Ver mapa deste passeio literário, com o respectivo itinerário. 38
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mento foi erguido em 1904, e é uma obra do arquitec- nal, em 1864, a redacção e a administração do Diário to Álvaro Machado e do escultor Costa Mota (tio). De de Noticias. Este título, fundado por Eduardo Coelho destacar ainda a presença do pequeno ardina, figura e Tomás Quirino Antunes, iniciou em Portugal, como que aquele jornal tanto acalentou; já se disse, o jornalismo noticioso, por oposição ao Rua D. Pedro V » Jardim do Príncipe Real (actual Jar- jornalismo de opinião, que prevalecia nos jornais pudim França Borges): aqui é visitado outro monublicados na segunda metade do século XIX, a granmento, dedicada a França Borges, erguido em 1925 de maioria ligados aos interesses dos partidos polítipelo escultor Maximiliano Alves, em resultado duma cos de então. Em 1940, o Diário de Notícias, muda-se homenagem ao jornalista e republicano que fundou para a Avenida da Liberdade, onde ainda permaneO Mundo, jornal também conhecido em Lisboa pelo ce, no n.º 266. O edifício da antiga Rua dos Calafates “mundo imundo”, devido aos boatos e insinuações viria mais tarde a ser ampliado para a Rua do Norte que publicava, lançando o pânico nos visados; e para a Travessa do Poço da Cidade, ocupando um Rua de O Século: aqui é visitada a antiga sede do jor- quarteirão: é aqui que funcionará a segunda série do nal com o mesmo nome; jornal A Capital (1968-2005); Rua João Pereira da Rosa: topónimo que resulta Rua da Misericórdia: no n.º 95 funcionou O Mundo da homenagem a João Pereira Rosa que, durante 36 (1900-1927), jornal republicano (democrático) dirigianos, colaborou no jornal O Século; do por França Borges; as instalações seriam depois Rua Luz Soriano: neste arruamento temos o Palácio reutilizadas pelo Diário da Manhã, e, mas tarde, pelo Almeida Araújo, sede do Diário Popular, de 1942 a jornal A Época, ambos defensores do Estado Novo 1991, jornal que teve como director José Hermano (eram uma espécie de órgãos oficiosos do regime). Saraiva, entre outros; no n.º 48 da Rua Luz Soriano Actualmente, estão ocupadas pela Associação 25 de funcionou ainda o Diário de Lisboa (1921-1990), jorAbril; no n.º 116 deste arruamento esteve outro jornal fundado por Joaquim Manso, e que teve como nal republicano, o República (1911-1975), de Antódirector o escritor José Cardoso Pires; no n.º 44 fun- nio José de Almeida, que desapareceu pouco depois cionou a Renascença Gráfica que, entre outros, im- do 25 de Abril de 1974, por questões políticas. primiu o Correio da Manhã e o jornal humorístico Sempre Fixe; Ponto de chegada: Hemeroteca Municipal de Lisboa Rua da Barroca: no n.º 49-59, no Palácio da Baronesa, esteve o Correio da Manhã, inicialmente (1979); Este itinerário histórico tem como público-alvo as no n.º 131 funcionou desde 1905 a sede do bissema- escolas, respectivos professores, e o público em genário humorístico Os Ridículos; ral41. Travessa da Queimada: nesta está localizada a sede do único jornal que ainda resiste no Bairro Alto, o 6. BREVES CONCLUSÕES diário desportivo A Bola, criado em 1945. Ao cimo, na Rua da Atalaia, e durante bastante tempo, esteve Se calhar, por uma feliz coincidência histórica, como rival Record, fundado em 1949; binaram-se no Bairro Alto 3 dinâmicas que o marRua do Diário de Notícias: o n.º 78 deste arruamen- caram indelevelmente, dando-lhe uma identidato é um local histórico na história dos jornais diários de urbanística e cultural muito peculiar: portugueses, pois foi aqui que funcionou (na antiga Rua dos Calafates), desde o aparecimento deste jor- - por um lado, o acolhimento que a partir da se-
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Sobre as estatísticas deste passeio, entre 2007 e 2011, ver os gráficos 5 e 6, por número de visitas e por público-alvo. Para ter uma comparação da frequência destes dois “produtos” educativos, no que toca ao número total de visitas e público-alvo, ver os gráficos 7 e 8.
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gunda metade do século XIX deu aos jornais políticos e noticiosos, fazendo com que durante uma grande parte da história contemporânea da cidade de Lisboa o Bairro Alto funcionasse como uma espécie de capital do jornalismo e dos jornalistas; - por outro lado, o reconhecimento e consagração da história e memória dos jornais no Bairro Alto na sua própria toponímia, com a atribuição de topónimos a alguns dos mais importantes jornais portugueses, como o Diário de Notícias e O Século; - finalmente, a instalação no Bairro Alto, a partir de Outubro de 1973, duma hemeroteca municipal, isto é, duma biblioteca de jornais destinada a preservar e a difundir um património jornalístico local (e mesmo nacional), que é o reflexo da evolução histórica da cidade de Lisboa e do seu município, nas suas múltiplas valências (administrativas, urbanísticas, políticas, culturais, económicas e sociais).
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Três dinâmicas que, em nosso entender, deram/dão um contributo, entre outros, para a dinamização cultural do Bairro Alto, para a sua coesão interna e para a definição duma identidade própria deste “notável documento histórico da cidade” de Lisboa.
Gráfico 1 Média aproximada da criação de periódicos em Portugal nos séc. XIX e XX (por decénios)
Gráfico 2 Jornais em circulação nos distritos de Portugal entre 1894 e 1900
Gráfico 3 As Ruas têm nome: Ler a Toponímia
Gráfico 4 As Ruas têm nome: Ler a Toponímia
Gráfico 5 Bairro Alto: Capital Jornalismo Português
Gráfico 6 Bairro Alto: Capital Jornalismo Português
Gráfico 7 BA versus LT
Gráfico 8 BA versus LT
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Figura 1 Rua do Mundo Actual Rua da Misericórdia)
Figura 2 Rua de O Século
Figura 3 Rua de O Século
Figura 4 Rua do Diário de Notícias
53 Mapa 1 As Ruas têm nome: Ler a Toponímia
Mapa 2 Bairro Alto: Capital Jornalismo Português
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Batalhão dos Voluntários da República
Conhece a Travessa dos Voluntários da República? A Toponímia inexistente Ana Homem de Melo
sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República
Gabinete de Estudos Olisiponenses. Comissão Municipal de Toponímia
A atribuição de topónimos durante a vigência da I Re- e de 1 de Julho de 1926, data da última reunião da pública é marcada pela alteração de nomes de arrua- Câmara Republicana, encontramos 30 topónimos mentos da Cidade de Lisboa, fazendo substituir no- propostos mas não executados. Nesta comunicação mes de políticos monárquicos, de figuras da Casa Real apenas apresento os que são mais representativos e de santos por datas, ideais, instituições e antropóni- da I República. mos republicanos. A mudança de Avenida D. Amélia, Logo a 13 de Outubro de 1910, o vereador Ventura para Almirante Reis, de Largo de S. Carlos para Largo Terra refere-se a uma Esplanada dos Heróis da Redo Directório, de Largo da Abegoaria para Largo Ra- volução, localizada atrás do actual Monumento ao fael Bordalo Pinheiro, entre centenas de outras são Marquês de Pombal, em terrenos do Parque Eduarpor demais conhecidas. do VII, para onde ele propunha a realização do moAs propostas provinham da própria vereação, de as- numento da República. sociações cívicas, de juntas de paróquias, de cidadãos, “ No meu projecto do Parque Eduardo VII que esta e eram entregues, quer pelos canais oficiais, quer por Câmara já aprovou existe logo a seguir à praça do contacto directo com os vereadores, os quais, em Marquês de Pombal [cuja 1ª pedra já fora lançada várias sessões, afirmam ser abordados por cidadãos em 1882; e será relançada em 1917] uma esplanada à porta dos Paços do Concelho. As propostas eram de dimensões muito superiores às daquela praça, apresentadas e debatidas em sessão de Câmara e que contem ao fundo o projectado palácio destinapedido o parecer de uma comissão que teve os no- do a exposições e festas, ao lado e por detrás do qual mes de nomenclatura ou de denominação de ruas, começa o Parque Eduardo VII propriamente dito. ou de toponímia, conforme os anos. Esta comissão Essa esplanada, cujo espaço também foi utilizado no era formada por 3 vereadores que se constituíam movimento de 4 e 5 de Outubro, e que foi, por assim em grupo de trabalho e que emitiam o seu parecer, dizer, o limite mais elevado aos campos de batalha, é o qual regressava à Câmara e era sujeito à delibera- no meu entender o mais apropriado para perpetuar ção da mesma. Mas nem sempre este processo era os heróis da revolução.” cumprido, como veremos, omitindo-se muitas vezes Apresenta depois uma proposta formal a passagem pela comissão de toponímia, deliberan- “Que seja dado o nome de Esplanada dos Heróis da do a Câmara directamente sobre a atribuição (ou Revolução ao espaço que no meu projecto de Parnão) do topónimo. Outra das dificuldades sentidas que Eduardo VII fica compreendido entre o limite por quem trabalha este tema é o desconhecimento norte da Praça do Marquês de Pombal, as ruas Fonda documentação (se existiu) desta comissão o que tes Pereira de Melo e António Joaquim de Aguiar e o nos impede de conhecer a totalidade dos argumen- Palácio de exposições e festas onde começa o partos utilizados para a decisão final. Nas Actas das Ses- que propriamente dito. sões da Câmara, porém, conseguimos obter muita Nesse vastíssimo espaço, de formas regulares, deveinformação. Lê-las com a atenção virada para as pro- rão ser dispostos além de outros elementos de empostas, apresentadas entre os anos de 1910 e 1926, belezamento como balaustradas, lagos, maciços de que não chegaram a conhecer a forma de placa to- verdura, etc., as estátuas e bustos dos heróis da revoponímica, saber quem as propôs e tentar perceber lução, bem como outros elementos que possam eluporque não foram realizadas eis o que me proponho cidar e enaltecer a gloriosa vitória de 5 de Outubro. fazer. A entrada para essa esplanada deverá compor-se de Entre as datas extremas de 5 de Outubro de 1910 um arco de triunfo monumento, constituindo uma
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verdadeira apoteose ao triunfo da República.”1 a proposta para apreciação da comissão de denoPara a construção do arco propunha que a Câmara minação de ruas. Desconhecemos se existiu algum parecer mas a tão cobiçada Rua Correia Guedes, acalançasse um concurso, sujeito a prémio, entre os arbaria por ter o seu nome mudado para Gilberto Rola tistas portugueses, e para o qual seria criada uma cologo na Sessão de 27 de Outubro, nome que manmissão especial. tém até aos nossos dias. Posta à votação a proposta foi aprovada. A 1ª pedra deste monumento foi lançada no âmbito Ainda em 1910, na Sessão de 24 de Novembro, é das Comemorações do 1º aniversário da implantação apresentado um pedido da Junta de Paróquia da da República, a 5 de Outubro de 1911, porém, à semeFreguesia de Santo Estêvão para atribuição de qualhança de outros grandes projectos de monumentos tro topónimos na freguesia: Rua Alberto Costa ao deliberados nesta época, a proposta de Ventura TerLargo de Santo Estêvão (atribuído em 1926 ao jarra seria ultrapassada pelos acontecimentos políticos dim do adro da Igreja de Santo Estêvão), Rua Alee pela falta de verba para a sua realização. Quando xandre Braga à Calçadinha de Santo Estêvão (atrio Parque Eduardo VII foi finalmente reordenado em buído em 1926 à Rua de Santa Marta), Rua Ernesto 1945, os tempos já não estavam para Monumentos da Silva às Escadinhas de Santo Estêvão (atribuído aos Heróis da Revolução. em 1926 à Rua do Espírito Santo em Benfica) e para um arruamento não identificado, o topónimo EscoNa mesma Sessão uma outra proposta de origem las Móveis. Lembremos aqui que a Associação das bem diferente é apresentada com o pedido de moEscolas Móveis pelo Método de João de Deus, fora radores da Rua Correia Guedes para que fosse mudafundada em 1882 por iniciativa do republicano Casido o nome da sua rua para Grémio Republicano de miro Freire (nome de rua a partir de 1926), apoiado Alcântara, associação fundada em 1908, que aqui por Bernardino Machado, Jaime Magalhães Lima e funcionava no ano de 1910, onde aliás se mantém, Ana de Castro Osório entre outros, para combater a desenvolvendo uma intensa acção político-cultural elevada taxa de analfabetismo do país. O seu êxito junto do operariado de Alcântara. Ora nessa mesma data a Câmara aprovara a proposta do vereador Mi- ficou a dever-se ao carácter inovador da mobilidade randa do Vale para que a Rua Correia Guedes passas- de ensino, levando a “escola” (isto é os professores se a Rua dos Marinheiros. António Júlio Correia Gue- e os métodos) ao encontro dos que dela necessides tinha sido vereador da Câmara de Lisboa desde tavam, e realizando entre os anos de 1882 e 1920, 1882 e a sua acção enquanto edil levara a autarquia 479 missões de alfabetização ensinando mais de 20 a homenageá-lo, em 1893, quando ainda exercia 000 pessoas a ler e escrever4. Era pois justo o pedifunções, atribuindo o seu nome à antiga Rua Velha. do da Freguesia de Santo Estêvão. Porém, a Câmara não deliberou de imediato e fez o processo seguir os (Deliberação de 6 de Novembro). Uma semana mais tarde, a 20 de Outubro, portanto, trâmites legais enviando-o para a comissão especial é lida uma “representação de uma Comissão com- encarregada da denominação das ruas, desconheposta por praças da marinha2, e na qual os morado- cendo-se se chegou a ser redigido algum parecer. res da rua Correia Guedes sócios do Grémio Republi- Nos anos seguintes o topónimo não regressou à Câcano de Alcântara, protestam contra a denominação mara e a ideia de homenagear a Associação que deu de Rua dos Marinheiros”3 e renovam o pedido feito origem à Escola João de Deus já fora ultrapassada anteriormente. A Câmara não deliberou, enviando pela construção do próprio edifício na Avenida Al-
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Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s.ed., s.d., pp. 664-665 A presença de praças da marinha entre os signatários, e em lugar de destaque, validava, de certo modo, o pedido para que os “marinheiros” fossem removidos da toponímia em prol do nome do Grémio. 3 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s.ed., s.d., pp. 674. 4 Destaquemos dos seus objectivos: “(...) ensinar a ler, escrever e contar, pelo método de admirável rapidez do Sr. Dr. João de Deus, os indivíduos que o solicitarem, até onde permitam os seus meios económicos, enviando nesse intuito às diversas formações da Nação portuguesa professores devidamente habilitados não se envolvendo em assuntos políticos ou quaisquer outros alheios ao seu fim (...)”In: www.joaodeus.com [consultado em Agosto 2011]
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vares Cabral.
para fazer desaparecer a Lucta duma das esquinas da nossa Capital. Sou e fui sempre contrário às conEm 1911, a 24 de Agosto, é apresentada uma proposta sagrações em vida, e por isso vi com desprazer que a dos moradores da Travessa de Santa Quitéria pedindo uma das ruas de Lisboa fora dado o nome do jornal que se atribua a esta travessa o nome de Travessa que dirijo, há quase nove anos. Porque não há-de dos Voluntários da República. Sem apresentar ar- a rua da Lucta passar a chamar-se rua de Bruxelas? gumentos para a escolha do novo topónimo apenas Desta forma se prestaria homenagem ao valente podemos supor que se tratava de uma homenagem povo que o mundo inteiro hoje admira, e eu ficaria aos muitos voluntários civis que aderiram aos Bata- satisfeito por também ter colaborado, de alguma lhões de Voluntários da República criados em 1910, forma, nessa justíssima homenagem.”5 o primeiro dos quais em Lisboa para defesa do novo Ficamos assim a saber que nem sempre as homenaregime, na antevisão de uma reacção monárquica. gens eram bem aceites pelos homenageados… Mais uma vez após a decisão de ser enviado para a comissão de nomenclatura das ruas perde-se o rasto A emoção com os acontecimentos da Guerra audeste topónimo. Por curiosidade diga-se que ele foi menta consoante a progressão dos combates e os atribuído e ainda existe pelo menos nos concelhos avanços e ataques alemães. de Oeiras e Tomar. A 9 de Novembro o vereador Ernesto Navarro propunha para uma das ruas ou avenidas em construção Mas nem só de República viviam as propostas de no Bairro de Campo de Ourique o nome do General toponímia durante estes anos. A partir de 1914, a si- Joffre “figura preeminente e consagrada na Directuação internacional agravou-se profundamente. A ção Suprema dos exércitos aliados, que valorosaEuropa entrou em Guerra e as hostilidades iniciadas mente combatem pela Liberdade contra a tirania e a em Junho de 1914 emocionaram todo o Continente. opressão”6. A proposta seguiu para a Comissão ExeAssim, não é de estranhar que a Toponímia reflicta cutiva da Câmara cuja deliberação desconhecemos. essa emoção. Porém na Sessão de 20 de Novembro é lida uma carA 2 de Novembro desse ano surge a proposta para ta do Conselho Municipal de Paris agradecendo a atribuição do nome da Cidade de Bruxelas à então homenagem feita ao General. A avenida, que saibadesignada Rua da Luta, jornal republicano dirigido mos, nunca chegou a conhecer a placa toponímica. por Brito Camacho cuja sede funcionava na antiga rua do Duque de Bragança, que vira o seu nome muNo fim do mês, a 23 de Novembro, nova proposta dado para o do jornal em 1911. É uma proposta do associada ao desenrolar da Guerra. A Junta de Paróvereador Ferreira de Mira em “justa homenagem ao quia dos Mártires propõe um conjunto de topónipovo belga”. E acrescenta que a proposta em nada mos para ruas da sua área: ofendia o Dr. Brito Camacho o qual lhe escrevera Praça dos Aliados ao Largo do Corpo Santo; Rua uma carta que lê: de Liége à Rua do Corpo Santo; Rua do Marne à “Meu prezado amigo – Depois de me ter dito que Travessa do Corpo Santo; Rua Namur à Travessa do tencionava propor, na Câmara, que a uma das ruas, largo do Corpo Santo e Calçada do Burgo-Mestre à praças ou avenidas de Lisboa, em homenagem ao Calçada Nova de S. Francisco. Recordemos aqui que heróico povo belga, fosse dado o nome – Bruxelas Liége e Namur, cidades belgas, tinham sido cerca– lembrei-me de que seria excelente oportunidade das pelo exército alemão em Agosto, em Setembro
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Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s.ed., s.d., pp. 373-374. A Rua da Lucta passaria a Rua dos Duques de Bragança por edital de 28 de Maio de 1956. 6 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: , 1915: s.ed., s.d., pp. 430. 5
ocorrera a 1ª Batalha do Marne na qual os exércitos ter morrido há menos de 10 anos, regra que a Câmaaliados resistiram ao avanço das tropas alemãs, assun- ra procurava cumprir desde a sua aprovação em Sessão de 17 de Novembro de 19109. Ou como afirmou tos largamente tratados na imprensa da época.Em Lisboa, nas palavras do repórter da Ilustração Portuo vereador Rodrigues Simões: guesa, organizara-se “uma manifestação grandiosa e “ (…) não queria pôr em dúvida as qualidades e feitos comovedora (…) que exprimiu (…) o seu veemente de Gonçalves Portelinha, mas a verdade é que se, por protesto contra as atrocidades alemãs. (…) A tirania acaso, não estivesse de acordo ele não podia estar imperial, por mais atenuada que se finja, revolta já a apreciá-las, quando a família se encontrava ainda também o povo português”7. Confesso que não concoberta de luto. Nestas condições estava coacto. Ensigo encontrar explicação objectiva para a última tendia que só decorrido bastante tempo se poderia a sangue frio, apreciar a História e fazer justiça aos feiescolha (Burgomestre) excepto que seria uma hometos das individualidades que nela tinham lugar. Um nagem aos Burgomestres das cidades belgas devasfacto histórico recente como era o movimento do 14 tadas pela Guerra. de Maio, ainda hoje não era apreciado a sangue frio Todas estas propostas aqui referidas associadas ao e se uns o aplaudiam outros não estavam de acordo início da Grande Guerra foram enviadas à Comissão Executiva, não voltando a ser debatidas e sem se com ele.”10 chegar a nenhuma deliberação. Sujeita a votação, a Câmara resolveu não atender este pedido por maioria. A 14 de Maio de 1915 o vitorioso movimento revoA rua acabaria por ser denominada Rua Capitão lucionário que depôs o Governo ditatorial de PimenAfonso Pala por deliberação de 29/12/1922, isto é, ta de Castro deixava atrás de si cerca de 2 centenas sete anos após a sua morte. de mortos e um milhar de feridos. Entre as vítimas o 1º cabo artilheiro Gonçalves Portelinha. Logo Outra das propostas não executadas foi apresentaa 3 de Junho a Junta de Paróquia Civil de Alcânta- da pela Associação do Registo Civil. Esta associação ra apresentou à Câmara o pedido para a atribuição pediu à Câmara que atribuísse os topónimos “Registo dos topónimos 14 de Maio e Gonçalves Portelinha Civil” à Rua Direita dos Anjos (o que de facto aconrespectivamente à Rua do Livramento e à Rua das teceu entre os anos de 1920 e 1937) e Livre PensaCavalariças do Infante. mento a uma nova avenida que se estava projectanO nome 14 de Maio seria aprovado, em 9 de Junho, do entre o sítio do Vale Escuro e a Rua Morais Soares e para um outro arruamento junto à linha férrea de Al- que terminaria frente ao Cemitério do Alto de S. João, cântara Mar. Porém, para o nome de Gonçalves Por- o mais republicano dos cemitérios de Lisboa. Esta telinha a Câmara solicitou à Junta mais informações. proposta recebeu o parecer favorável da Comissão O assunto regressaria a 28 de Outubro através de de Toponímia, lido na Sessão de 9 de Abril de 1920: um ofício da Junta de Alcântara insistindo na atribui- “O Livre Pensamento é uma sublime aspiração da ção dos dois nomes e definindo Portelinha como “o alma e uma altiva aquisição de alguns espíritos suheróico marinheiro, 1º cabo artilheiro nº 2583, revo- periores; merece logo ser aposto o seu nome a uma lucionário do 5 de Outubro que, por ocasião do mo- Avenida esplêndida como a que se indica”11. vimento de 14 de Maio, foi traiçoeiramente morto”8. Foi aprovado a 24 de Maio de 1920, porém a esplênÉ já em 1916, a 17 de Abril, que a Câmara reaprecia dida Avenida não se chegou a realizar e o topónimo o nome levantando-se a questão do homenageado acabou por ficar esquecido.
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A Bélgica e a França. In: Ilustração Portuguesa.Lisboa. S. 2, vol. 18, nº 451 (12 Out. 1914), p. 477 Actas das Sessões da Câmara Municipal. Lisboa: Imprensa Municipal, 1922, pp. 709 9 Em resposta àquilo que o vereador Nunes Loureiro caracterizou numa Sessão de Câmara já do ano de 1911 (a 3 de Agosto): “(...) após a proclamação da República notou-se uma verdadeira febre de pedidos de mudanças de nomes de ruas, e que, juntas de paróquia, colectividades e simples particulares enviaram a tal respeito numerosos alvitres à Câmara, mas a vereação tinha resolvido adoptar na nomenclatura das vias públicas, nomes de individualidades falecidas há mais de dez anos e que se tivessem notabilizado nas ciências, nas artes, nas letras ou que houvessem prestado relevantes serviços à Pátria ou à cidade de Lisboa, resolução essa que fora ditada por um alto sentimento de justiça, como não podia deixar de ser, tratando-se de uma comemoração evidentemente muito elevada para poder ser conferida a qualquer e que devia ter um cunho de fixidez para que não se sujeitasse às flutuações da opinião pública, que hoje venera os que amanhã deprime (...)”.Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s. ed., s.d., p. 468. 10 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1922, p. 356. 11 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1922, p. 168.
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Neste mesmo ano de 1920 os vereadores Magalhães E assim os Mártires da República foram substituídos Peixoto e Manuel Martinho apresentaram a 19 de pela Leva da Morte13. Abril, uma proposta para que a parte da Rua Serpa Pinto entre o Largo do Directório (S. Carlos) e a Rua Estes são apenas alguns dos exemplos por mim Vítor Cordon, se atribuísse o nome de Rua dos Már- escolhidos para ilustrar o que poderia ter sido a totires da República em memória das vítimas do tiro- ponímia republicana caso estas propostas tivessem teio ocorrido a 16 de Outubro de 1918. Nesse dia uma sido executadas. A variedade de proveniência estransferência de presos, aprisionados na sequência tende-se desde a sugestão de cidadãos, particulares de uma intentona de revolta contra Sidónio Pais, do ou organizados, à intervenção dos vereadores e de Governo Civil para outras prisões de Lisboa e arredo- órgãos de administração local. As razões para a sua res, redundou num ataque a essa coluna de prisionei- exclusão prendem-se, na maioria dos casos, com a ros que ia escoltada, e que provocou sete mortos e demora de análise da proposta fazendo-a perder a vários feridos. actualidade e com a não execução dos projectos urbanos para as quais estavam destinados. O parecer da Comissão de Toponímia afirmava e su- Mas o seu conhecimento permite-nos por um lado geria reflectir sobre a importância da participação cívi“(…) merece toda a simpatia desta Comissão. De fac- ca no processo de decisão da Câmara Municipal to, onde o coração fala com o fervor com que neste de Lisboa e, por outro, entender a importância da caso se exprime cala-se o cérebro, mesmo quando Toponímia da Cidade enquanto reflexo da história tenha razões. No caso presente, entretanto, nem política de um dos mais conturbados períodos da muito terá ele que argumentar, pois pode perfeita- nossa história. mente desanexar-se a parte inferior da Rua Serpa Pinto e o maior prejuízo será, pois, o que sempre provém da mudança de nomes e números. Útil prejuízo é contudo quando, como neste caso, serve para manter indelével na mente popular um facto como o da “Leva da Morte” que nos ensina que não é pela iniquidade que a força perdura e se robustece. Preferiria a Comissão que se procurasse este nome, tão sugestivo e evocativo, de “Leva da Morte” para a dita rua, tanto mais que o de Mártires da República mais facilmente se confundirá com o de Mártires da Pátria, noutro ponto da cidade; mas não propõe esta outra nomenclatura ao Senado sem que os autores da primitiva proposta se manifestem sobre ela.”12 Discutida esta sugestão na Sessão de 24 de Maio, perante os seus autores originais, é aprovada afirmando o vereador Manuel Martinho que achava a ideia da Comissão “muito feliz” pois o nome era “muito mais sugestivo”.
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Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1924, p. 206. Porém, este nome tornou-se, no entender de muitos, demasiado sugestivo e pouco feliz e em 1924 novo pedido de alteração é apreciado na Câmara proveniente de todos os moradores e lojistas dessa rua. A Comissão de Toponímia referiu-se ao anterior nome da Rua (Serpa Pinto) e aos “graves acontecimentos sangrentos em que perderam a vida um grande número de republicanos (…) acontecimento tão repugnante como tirano, que ainda perdura e perdurará por largos anos no espírito da população.” E prosseguiu a Comissão: “Sucedendo porém que a denominação Leva da Morte é uma expressão deveras forte (…) causando arrepios aos moradores (…) e às pessoas que por ali tenham de passar (…) que é um nome enervante, bem triste e inspirando terror” mas querendo manter a homenagem, “para que fique gravado para sempre a data de tão vergonhoso e triste acontecimento” propõe a própria data como topónimo, acompanhada pela legenda “Homenagem aos republicanos vítimas da Leva da Morte, 1918”. A proposta foi aprovada. Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1925, pp. 491-492 . 12
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Operárias da indústria têxtil a caminho de São Bento. Benoliel, Joshua. Início de séc. XX
Memórias toponímicas da economia da I República Maria Fernanda Rollo
sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República Historiadora. Instituto de História Contemporânea Faculdade de Ciências Sociais e Humanas -Universidade Nova de Lisboa
Este texto procura identificar, contextualizar e inter- dade política, económica e social que marcou a realipretar os reflexos da realidade económico-social vivi- dade portuguesa e o enquadramento internacional, da em Lisboa no tempo da I República na toponímia caracterizado por sucessivas e profundas perturbações, registadas em vários espaços e ao nível geral, da Cidade. Trata-se, assim, de procurar contribuir no sentido do que tiveram impactos evidentes, embora variáveis aprofundamento do conhecimento e da divulgação em termos de natureza e intensidade, na economia das motivações da escolha e da realidade a que re- portuguesa. Situação em que se destaca, pela diportam os registos toponímicos de Lisboa, por um mensão da ruptura à escala planetária, pelo carácter lado, assumindo essa contribuição no contexto do e durabilidade dos seus efeitos e pelo envolvimento estudo da actividade económica e das dinâmicas so- directo de Portugal, a I Guerra Mundial. Podemos dizer que, no seu conjunto, a I República ciais e a sua inter-relação, por outro. Esta abordagem permite-nos captar outras dimen- constituiu um período genericamente caracterizado sões da história de Lisboa e da I República, da sua por uma evolução económica desequilibrada, irrerepresentação, da sua memória e da sua avaliação gular e níveis modestos de crescimento. Devendo coeva ou posterior, para além das expressões e mo- porém referir-se que essa tendência se alterou no tivações de natureza política que de forma mais evi- final do período, sendo de registar sinais de cresdente e imperativa surgiram e assumiram imediato cimento significativo, sobretudo a partir de 1923, reflexo toponímico; procura-se apreender e apreciar definindo uma conjuntura que registou um relativo outras mutações e, particularmente, a presença de reequilíbrio da situação financeira do País, e conheelementos e situações que condicionaram e marca- ceu a presença ou surgimento de um conjunto de ram a vida da Cidade, sendo eles reflexo da activi- actividades económicas bem sucedidas, em particudade de protagonistas individuais, como Alfredo da lar industriais, que tenderiam a afirmar-se nos anos Silva, Grandela ou Bensaúde, ou colectivos, como a seguintes. Voz do Operário, ou a expressão de políticas, iniciati- De acordo com os dados disponíveis, o crescimento do PIB para o período da I República terá estado próvas ou outras circunstâncias ocorrentes. ximo dos 2% ao ano, registando-se 1% para a taxa A I República não instituiu uma política económica anual de crescimento do PIB per capita, consideprópria. Os objectivos avançados pelos republica- rando um crescimento da população na ordem dos nos neste domínio, dominados pelos desígnios do 0,6% ao ano. De referir, também para o conjunto do fomento económico e do equilíbrio das contas pú- período, os níveis elevados de emigração, envolvenblicas, eram bastante idênticos aos contemplados do cerca de 600 mil indivíduos. Importa ainda destano modelo económico da Regeneração. A natureza car o cenário de estagnação da população activa e o e o comportamento do tecido produtivo não se al- aumento registado nos níveis de produtividade do teraram, quanto à sua essência, ao longo do perío- trabalho, tanto para o sector agrícola como para o do, embora o forte impacto de algumas conjuntu- industrial, na ordem dos 2% ao ano. ras, em particular a I Guerra Mundial, ou o recurso A evolução da economia portuguesa no tempo da a determinados instrumentos, mesmo no campo I República conheceu conjunturas muito distintas, financeiro, cujos efeitos acabaram por se esbater no definindo claramente três períodos. Um primeiro, inscrito no contexto de crise que se manifesta no conjunto. De referir, para o conjunto da I República, a instabili- início da década de 90 do século XIX, acentuando-se
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na primeira década do século XX e que se prolonga Quanto à memória da realidade económico-social durante os primeiros anos que sucederam à implan- do tempo da I República, reflectida, apropriada, retação do regime, até à deflagração da Guerra. Períogistada na toponímia da cidade de Lisboa, identifido que caracterizado por um cenário de estagnação, cam-se como elementos mais significativos os conssobretudo se comparado com a dinâmica registada tantes do quadro seguinte. Distinguem-se dois gruao nível dos países europeus economicamente mais pos, um relativo a nomes de personalidades que se avançados. Entre 1900 e 1913 a taxa de crescimento destacaram nos anos da I República, outro, incluindo anual do PIB terá andado pelos 0,5% e a do PIB per os topónimos que reflectem aspectos da actividade capita andou em linha negativa, nos -0,3%. económica da cidade nesses anos. O segundo ciclo corresponde grosso modo ao tempo da Guerra. Entre 1913 e 1919 os valores das taxas de crescimento anual do PIB, da população e do PIB per capita, foram respectivamente -1,7%, 0,2% e -1,9%. Por fim, o período que se inicia em 1919 corresponde a uma última conjuntura que, em termos económicos, se prolonga até 1929. Para estes anos o PIB apresentou uma taxa de crescimento anual de 4,6%, a população 1,0% e o PIB per capita 3,5%. Se, quanto ao ideário prosseguido, a I República foi, ou pretendeu ser, no campo da economia, um tempo e um espaço de reforma, é certo que, entre vicissitudes de toda a natureza, que vão desde a agitação política às impossibilidades financeiras, fizeram prevalecer como ideia geral, que o regime republicano se limitou a ser uma espécie de entreacto entre a Monarquia politicamente esgotada e arruinada e o Estado Novo, tendendo a esquecer o impacto da Ditadura Militar. O potencial Incluem-se neste texto breves referências aos tomodelo económico e social, marcado por um assi- pónimos mais emblemáticos, privilegiando os renalável conjunto de propostas inovadoras e consis- lativos a personalidades e destacando alguns dos tentes que sempre fez parte dos ideais republicanos poucos referentes a instituições efectivamente cae que constituiria um elemento distintivo da I Repú- rismáticas do ideário e da realidade específicas da I blica ficou quase totalmente frustrado ou anulado, República, tendo sempre em consideração, é claro, embora se tenha imposto nalgumas matérias, com que o universo deste observatório se circunscreve à repercussões duradouras, tendo nesses casos, visto esfera da actividade económica. a sua concretização adiada para o Estado Novo. Assim, o primeiro caso a referir é o da Rua de Barros
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Queirós (Santa Justa). O topónimo, substituindo a de- os cargos de presidente do Conselho Disciplinar, signação Travessa de S. Domingos (entre a Rua de D. presidente da Comissão de Reforma Aduaneira e Duarte e o Largo de São Domingos), foi atribuído em Serviços Fiscais, secretário-geral e director-geral da 1926, tendo então a legenda «Ilustre Cidadão, Verea- Fazenda Pública, sendo responsável pela reforma tributária de 1911. Refira-se, a propósito, a sua publidor da 1ª Câmara Municipal Republicana de Lisboa». Tomé José de Barros Queirós nasceu a 2 de Fevereiro cação, em 1917, de Impostos. Apontamentos para o de 1872, em Quintãs, concelho de Ílhavo. Começou Estudo dos Impostos Proporcional e Progressivo. a trabalhar aos 8 anos, em Lisboa. Fez estudos noc- Entre 24 de Maio e 30 de Agosto de 1921 chefiou turnos na Escola Elementar de Comércio, ao mesmo o Governo, acumulando com a pasta das Finanças. tempo que trabalhava como caixeiro na Casa José O seu mandato ficou marcado pelo fracasso do rede Oliveira (candeeiros e canalizações), da qual veio curso ao crédito externo que Afonso Costa havia a tornar-se proprietário em 1911. Entretanto aderira, prometido. Em 1925 foi convidado a candidatar-se em 1888, ao Partido Republicano Português. Fun- à Presidência da República. Faleceu em Lisboa, em 5 dou a Associação dos Caixeiros Nocturnos e A Voz de Maio do ano seguinte. do Caixeiro, e integrou os órgãos das companhias do Foi ainda em Ditadura Militar que a edilidade, em Boror e Mutualidade Portuguesa. Colaborou n’O Cai- Março de 1932, entendeu homenagear dois repuxeiro e foi vogal do Conselho de Administração dos blicanos, ambos com actividade muito significaCaminhos de Ferro Portugueses (desde Dezembro tiva na esfera do pensamento e acção no domínio de 1910 até 1926). Foi co-director do Centro de Fra- da economia, embora em campos muito distintos, ternidade Republicana em 1889 e membro das co- dedicando-lhes um topónimo: Rua Basílio Teles e missões de instalação do Centro Republicano de S. Rua Álvaro de Castro. A primeira, sita em Campolide, São Domingos de Benfica, a segunda na fregresia Carlos e municipal de Lisboa. A sua carreira política iniciou-se na administração lo- de Nossa Senhora de Fátima. Basílio Teles nasceu e faleceu no Porto, em 14 de Fevereiro de 1856 e em cal, presidindo à Junta de Freguesia de Santa Justa e integrando, entre 1908 e 1911, a vereação republica- Março de 1923, respectivamente. Iniciou os estudos da da CML. Em 1911 foi eleito deputado por Lisboa superiores em Medicina, curso que abandonou por às Constituintes, para a Câmara dos Deputados, por se ter envolvido num conflito com um professor. Torres Vedras entre 1911 e 1915, pela Horta, em 1922, Estava já filiado no Partido Republicano quando se e novamente por Lisboa, entre 1922 e 1924. Foi vice- envolveu na luta política, colaborando nos jornais -presidente da Câmara dos Deputados. Representou republicanos. A sua participação no 31 de Janeiro de o Partido Republicano Português, o Partido Unio- 1891 obrigou-o a exilar-se só voltando do estrangeinista (entre 1911 e 1919, integrando o directório), ro depois de lhe ter sido concedida uma amnistia. o Partido Liberal (a partir de 1919, no qual presidiu Depois da implantação da República chegou a ser ao directório) e, finalmente, o Partido Nacionalista indigitado para fazer parte do Governo Provisório (depois de 1923, chefiando a bancada parlamentar). (pasta da Fazenda), mas não chegou a integrá-lo, Pertenceu à Maçonaria, onde se iniciou, em 1912, na sendo substituído por José Relvas. Afastou-se da política, dedicando-se ao ensino da Literatura, Filosofia loja Acácia, sob o nome de Garibaldi. A sua actividade governativa começou no Ministé- e Ciências Naturais e à escrita em jornais. Refiramrio das Finanças, no governo saído da revolução de se, como principais obras, Estudos Históricos e Eco14 de Maio de 1915. Já tinha então desempenhado nómicos (1901), Do Ultimato ao 31 de Janeiro (1905),
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As Ditaduras (1907), O Regime Revolucionário (1911) e realidade económica do período da I República, não Memórias Políticas (1969). tendo necessariamente a sua acção ficado circunsO topónimo Rua Doutor Álvaro de Castro foi atribuícrita a esses anos ou que, caso de Vitorino Damásio, do por Edital de 12 de Março de 1932 ao arruamento viram a sua acção reconhecida através da atribuição até então designado por Rua A, do Bairro da Bélgica, na do seu nome a um topónimo: Largo Manuel Emídio Freguesia de Nossa Senhora de Fátima. Homenagem a da Silva, Largo Vitorino Damásio, Rua Alfredo da Álvaro Xavier de Castro, nascido na Guarda em 9 de Silva, Avenida Doutor Alfredo Bensaúde e Rua José Novembro de 1878 e falecido em Coimbra a 29 de JuRelvas, sendo evidentemente o último, que ocorreu nho de 1928. já sob o marcelismo, o caso de maior relevância e Presidente do Ministério, ministro e governador-ge- significado políticos. ral de Moçambique, Álvaro de Castro nasceu na Guarda a 9 de Novembro de 1878 e faleceu em Coimbra a O primeiro caso ocorreu em 1936, ano em que fale29 de Junho de 1928. Cursou Infantaria na Escola do ceu Manuel Emídio da Silva, nome que ficou dado Exército que terminou em 1901, depois fez o curso ao Largo sito em São Domingos de Benfica. Manuel de Direito (1908) e o Colonial (1911). Republicano, Emídio da Silva nasceu em Lisboa, em 10 de Outuenvolveu-se em diferentes conjuras, tendo feito par- bro de 1858, onde faleceu em 15 de Julho de 1936. te do grupo denominado de “jovens turcos”. ColaboFoi jornalista e deputado. Começou a sua actividade rou na Revista Nova e na Arte e Vida, foi deputado na profissional na Companhia dos Caminhos de Ferro Assembleia Constituinte de 1911, Ministro da Justiça da Beira Alta, onde trabalhou como desenhador, foi no governo de Afonso Costa, em Janeiro de 1913 e chefe de lanço de construção e chefe de secção de Ministro das Finanças no governo de Azevedo Cou- via e obras e, de 1882 a 1885 chefiou a repartição tinho, em Dezembro de 1914. Entre 1915 e 1918 astécnica dos Caminhos de Ferro de Salamanca à fronsumiu as funções de Governador Geral de Moçamteira portuguesa. Neste ano transitou para a Combique, tendo então assumido o comando das forças panhia Nacional dos Caminhos de Ferro, assumindo expedicionárias no período da Grande Guerra. De- o cargo de secretário-geral da construção das linhas mitiu-se na sequência do golpe vitorioso de Sidónio de Mirandela e Viseu, participando na sociedade Pais e veio a assumir um papel importante na Revol- empreiteira da construção da linha da Beira Baixa ta de Santarém, de Janeiro de 1919. Fundou o Parti- desde então até 1891. Ainda no âmbito da sua actido Reconstituinte e chefiou o Governo entre 20 e 30 vidade ferroviária, assumiu, a partir de 1895, o cargo de Novembro de 1920 e de 18 de Dezembro de 1923 de administrador da Companhia de Caminhos de a 6 de Julho de 1924. Na sequência do 28 de Maio e Ferro Meridionais (Santarém a Vendas Novas). A sua a instalação da Ditadura Militar foi preso como cons- actividade política inicia-se no âmbito do Partido pirador e internado em Elvas, de onde conseguiu es- Progressista, pelo qual foi eleito deputado na legiscapar e fugir para Paris. Gravemente doente, pediu latura de 1900 pelo círculo de Sintra. Foi jornalista, permissão para regressar ao País, vindo a falecer em como acima referido, mantendo, desde 1879, uma Coimbra poucos dias depois. colaboração regular no Diário de Notícias, onde veio a ficar responsável pela secção de caminhos de ferro Refere-se, para o período do Estado Novo, a atribui- e, a partir de 1900, pela secção financeira. Um dos ção de cinco topónimos alusivos a personalidades aspectos que mais o notabilizou foi a sua campanha que, de formas muito distintas, se salientaram na sistemática em prol da promoção e desenvolvimen-
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to do turismo em Portugal, tendo sido responsável efectivamente essa instituição durante três anos. À pelo famoso primeiro Congresso Internacional de frente da Direcção Geral liderou a participação porTurismo, realizado em 1911, e pela coluna “Coisas e tuguesa na Conferência Telegráfica Internacional, Loiças” que manteve até falecer no mesmo Diário de realizada em Paris em Março de 1865, e foi um dos Notícias. principais responsáveis pela subscrição da ConvenJosé Vitorino Damásio, oficial do Exército e enge- ção fundadora da União Telegráfica Internacional. nheiro, celebrizou-se, entre outros aspectos, pela sua Nos últimos anos da sua vida publicou uma série de acção no campo da telegrafia em Portugal, tendo artigos na recém criada Revista de Obras Públicas e sido, aliás, Director-Geral dos Telégrafos. O reconhe- Minas, que constitui uma referência para a engenhacimento da sua actividade, através da dedicação de ria portuguesa. um topónimo na cidade de Lisboa, em Santos-o-Ve- Em 1948 a CML entendeu homenagear Gugliemo lho, chegou em 1947. José Vitorino Damásio nasceu Marconi, electricista, cientista e inventor italiano que em Vila da Feira, em 2 de Novembro de 1806 e fale- foi Prémio Nobel da Física em 1909, associando o ceu em Lisboa em 19 de Outubro de 1875. Iniciou o seu nome a uma rua da freguesia São João de Deus. seu percurso académico em meados da década de Assume-se a integração deste topónimo no quadro 20 (1826-27), quando ingressou na Faculdade de deste texto, com a intenção de recordar e salientar Matemática e Filosofia da Universidade de Coimbra. alguns aspectos que remontam, precisamente, ao Na sequência do golpe absolutista, simpatizante da tempo da I República. Desde logo, as quatro visitas, causa liberal, alistou-se no Batalhão dos Voluntários frequentemente esquecidas, que Marconi realizou a Académicos de Coimbra. Em plena Regeneração, e Portugal - três a Lisboa, em 1912, 1920 e 1929, e, em na sequência das primeiras experiências de telegra- 1922, à cidade da Horta, ilha do Faial, onde em cefia eléctrica realizadas no Porto, redigiu inúmeros rimónia realizada em 18 de Julho, recebeu honras de pareceres acerca da instalação do telégrafo eléctrico cidadão honorário. O propósito das visitas relacionaem Portugal. Foi Lente da Academia Politécnica do va-se, evidentemente, com o debate em curso e o Porto e engenheiro-director das Obras Públicas do processo que conduziriam à criação da Companhia Distrito, reconhecendo-se a sua acção pioneira na Portuguesa Radio Marconi no nosso País, fundada utilização do processo de cilindragem. Ficou ainda em 18 de Julho de 1925 e que assumiu as nossas a dever-se-lhe a construção da primeira draga a va- ligações intercontinentais por quase oito décadas. por, conhecida no País. Como industrial, saliente-se O processo remontava ao 1912, quando, passados a constituição, com Faria de Guimarães, da Fundição quase dois anos de negociações entre os represendo Bolhão, onde se fabricou a primeira louça esta- tantes da Marconi’s Wireless e a Administração-Geral nhada nacional. dos Correios e Telégrafos, sob direcção de António Foi membro da comissão de reforma da instrução Maria da Silva, foi assinado um contrato provisório pública (1857), no âmbito da qual foi introduzido o para montagem de estações de telegrafia sem fios. curso de Telegrafia Eléctrica no Instituto Industrial O contrato foi aprovado pelo Senado em 9 de Julho de Lisboa, de que aliás foi Reitor. Foi ainda Director de 1912 e tornado definitivo pela Lei de 10 de Juda Companhia das Águas. Em 1864 passou a integrar lho, prevendo a construção de estações em Lisboa, o corpo de Engenharia Civil do Ministério das Obras Madeira, S. Miguel e Cabo Verde, deixando de parte Públicas, Comércio e Indústria e foi nomeado Direc- os restantes territórios coloniais por limitações de tor Geral Interino dos Telégrafos do Reino. Dirigiu ordem financeira. A crescente tensão internacional
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e a dificuldade do governo português em cumprir os lações pessoais que foi tecendo, desde cedo, ao loncompromissos financeiros estabelecidos contratual- go da sua vida). À sua vida ficaram indelevelmente mente, acabariam por adiar a construção desta rede ligadas a CUF, o Barreiro, a Carris, a Sociedade Geral por alguns anos, ao mesmo tempo que o período de Comércio, Indústria e Transportes, a Tabaqueira, da I Guerra Mundial viria introduzir importantes ino- a Seguradora Império... e um rol quase inumerável vações nas comunicações sem fios, nomeadamente de ramificações e actividades que abrangeram tocom o desenvolvimento da onda curta e da radiotedos os sectores da realidade económica nacional, e lefonia. O projecto de estabelecimento da rede porse encontravam, de alguma forma, articulados entuguesa de comunicações sem fios só foi retomado tre si – expressão de uma estratégia e de uma lógica em Agosto de 1922 realizando-se um novo novo con- inovadoras em Portugal e que o tornaram o criador trato em que foram incluídas as colónias de Angola e do principal e mais poderoso grupo económico enMoçambique. Foram então promulgadas as bases da tre os «sete magníficos» que economia portuguesa concessão entregue à Marconi’s Wireless ficando pre- conheceu antes do 25 de Abril de 1974. vista a constituição de uma companhia portuguesa Apresenta-se, em muito breves linhas, uma síntede telegrafia e telefonia sem fios a sediar em Lisboa. se que salienta o seu percurso mais pessoal, priviA Marconi portuguesa, constituída no ano seguinte, legiando o periodo da I República, ficando muito passaria então a explorar a rede colonial e interconaquém de espelhar o que foi a actividade industrial tinental de TSF, inaugurando os primeiros circuitos e empresarial de Alfredo da Silva. Nasceu em Lisboa, com os Açores, Madeira, Inglaterra e América do no dia 30 de Junho de 1871, no seio de uma famíNorte em 15 de Dezembro de 1926 e estabelecendo, lia abastada. O seu pai, regenerador, faleceu cedo, alguns meses depois, as primeiras radiocomunica- em 1885, deixando a Alfredo da Silva, com 14 anos, ções coloniais. as funções de administrador dos bens da família. A decisão da Comissão de Toponímia em atribuir uma Alfredo da Silva frequentou o Liceu Francês e fez o Rua a Alfredo da Silva surgiu em 1960, satisfazendo Curso Superior do Comércio no Instituto Comercial o pedido apresentado pelo Sindicato Nacional dos e Industrial de Lisboa. Começou a participar, jovem Comerciantes. O nome do industrial veio substituir e desde muito cedo, nas assembleias gerais do Bana Rua D à Quinta do Almargem, na Ajuda. Alfredo da co Lusitano e da Companhia dos Caminhos de Ferro, Silva, o primeiro grande industrial português, «O Co- de que era accionista, e da CCFL de que a sua mãe mercialista nº1», o industrial mais empreendedor em era obrigacionista, intervindo frequentemente. Assitoda a Península Ibérica, o grande patrão da econo- nale-se, aliás, o papel que Alfredo da Silva terá demia portuguesa da primeira metade do século, assim, sempenhado na decisão da adopção do sistema de entre outros epítetos, como foi e tem sido designa- tracção eléctrica com condutor aéreo por parte da do ao longo dos anos. Porventura o exemplo mais Carris, concretizado em 1901. Alfredo da Silva viria a bem acabado de capitão da indústria em Portugal, ser director da Companhia entre 1896 e 1899, com associou-se durante algum tempo ao seu percur- Zófimo Consiglieri Pedroso e Carlos Krus. so a ideia do self made-men mais exemplar e bem Ascendera entretanto a director do Lusitano, comsucedido do nosso País. Inegáveis, o importante prando então ao Banco de Portugal acções da Alianascendente e a poderosa influência que detinha e ça Fabril, em que assumiu a posição de administraque exerceu a todos os níveis na história da primeira dor-gerente. Não tardou muito para levar a cabo metade do século XX (gerindo uma vasta rede de re- o propósito de fusão da Aliança Fabril com a sua
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congénere e concorrente União Fabril, concretizada De assinalar, no que respeita à actividade da CUF a em 1898 assumindo Afredo da Silva a função de ad- impressionante dinâmica em termos de diversificaministrador gerente da nova Companhia. Em poucos ção de actividades, e a estratégia prosseguida por anos a CUF impôs-se como uma referência no âmbi- Alfredo da Silva no sentido de conquistar e importo do panorama produtivo nacional, crescendo tam- se em novos mercados fora do País. Entretanto debém a importância e o respeito pelo industrial que se flagra a Grande Guerra na Europa, trazendo alguns foi impondo nas diversas esferas da sociedade por- dissabores a Alfredo da Silva e aos seus negócios. Os tuguesa; não apenas pela sua actuação na CUF mas escolhos maiores que a Guerra lhe trouxe foram porpelo dinamismo e relevância com que participava na ventura os que resultaram do facto de ser apontado vida pública: intervindo junto dos poderes públicos germanófilo e de algumas entidades britânicas acuatravés de representações junto da Câmara dos De- sarem a União Fabril de manter relações de exporputados e encontros com o ministro da Fazenda ou tação com a Alemanha. Entretanto, Alfredo da Silva participando na actividade da Associação Industrial apareceria de novo na política active, saudando a Portuguesa. chegada de Sidónio Pais ao poder e tendo mesmo Regenerador, como fora seu pai, Alfredo da Silva sido senador durante o seu consulado. A seguir ao acompanhou João Franco que contou com o seu assassinato de Sidónio, Alfredo da Silva foi objecto inequívoco apoio quando D. Carlos o chamou ao po- de dois atentados, de que saiu ileso, decidindo ender na sequência da demissão de Hintze Ribeiro (em tão sair de Portugal e fixar residência em Madrid. 19 de Maio de 1906). Em Agosto de 1906, Alfredo da A par de tudo isso, a CUF consolidava e expandia Silva estava presente na inauguração do Centro Mar- o seu vasto empório industrial e entrava no munques Leitão em Alcântara, acontecimento tumultuo- do bancário. Alfredo da Silva continuava a gerir os so no decurso do qual Franco, que vinha prometen- seus negócios a partir de Madrid, viajando amiúde do liberdades e eleições «à inglesa», proferiu a céle- até Lisboa. Foi aliás num dos regressos de comboio bre frase «o partido republicano está precisado de a Madrid, dois dias depois da «noite sangrenta», que uma data de sabre como de pão para a boca», tendo na passage por Leiria, em 21 de Outubro de 1919, sido vítima dos apupos e apedrejamentos dirigidos Alfredo da Silva foi de novo alvo de um atentado a a Franco à saída da sessão. Alfredo da Silva, tendo tiro de que saiu ferido. ainda sido eleito deputado franquista, terminaria Alfredo da Silva assistiu ao golpe militar de 28 de esta sua experiência política com o termo da dita- Maio de 1926 no mesmo ano em que adquiriu a fádura franquista. brica metalúrgica «Promitente». Por essa altura, os Por essa altura já a CUF dera alguns passos muito tentáculos da sua actividade chegavam a todos os significativos, salientando-se, entre tudo, a decisão sectores e a todo o lado. Em 1927 criaria A Tabaqueida sua instalação no Barreiro, que, num ‘ápice’ se ra, pondo fim ao monopólio do tabaco na mão da transformou num autêntico pólo industrial cuja acti- Companhia Portuguesa de Tabacos. Entusiasta da vidade ficaria pontuada, salientando-se mesmo, por Campanha do Trigo, lançada pelo Governo da Ditainstantes e crescentes manifestações e greves ope- dura, da qual terá sido um dos grandes beneficiários rárias, inscrevendo-se aliás no contexto geral, con- na medida em que a campanha incentivou a utiliformando a tendência no sentido de agravamento zação de adubos, Alfredo da Silva assistiu à ascendas relações com o operariado que genericamente são de Salazar ao poder, compartilhando com ele a caracterizou o periodo da I República vontade de ver um governo forte capaz de repor os
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princípios basilares da ordem e da disciplina financei- nível do ensino superior através da criação do Instira, entre outros. Institucionalizado o Estado Novo, Altuto Superior Técnico em Maio de 1911 por Manuel fredo da Silva foi procurador à Câmara Corporativa na de Brito Camacho (a que adiante se fará referência), I Legislatura (1934-1938), fazendo parte da secção das então à frente do recém-criado Ministério do FoIndústrias Químicas e Metalúrgicas). mento do Governo Provisório. A partir de então, os Em meados dos anos 30 decidiu lançar-se em mais percursos entre a engenharia civil e militar foram um projecto arrojado e de importante impacto para a formalmente cortados e do recém-criado IST surgiindústria nacional ao concorrer ao arrendamento do ria uma engenharia moderna aberta a novos procesEstaleiro Naval do Estado, com a exploração das oficisos e técnicas. Tratou-se, sem dúvida, de um projecnas e das docas do Porto de Lisboa: entrara no ramo to inovador, quer pela forte componente de articulada construção naval. No ano seguinte estavam em ção entre o ensino e a actividade económica, como, numa vertente pedagógica, pela introdução de alteconstrução no estaleiro naval da CUF os bacalhoeiros rações curriculares importantes, nomeadamente os Creoula e Santa Maria Manuela. dois anos preparatórios nas ciências fundamentais A II Guerra Mundial começou, quando, no Barreiro, se seguidos por outros em que se leccionavam as mais montava um novo forno para aços eléctricos e estamodernas especialidades de engenharia – mecânivam em vias de conclusão as obras para o fabrico de ca, electrotécnica, química, civil e minas. Para seu disabão por meio do vapor. A guerra provocou, como rector, Brito Camacho convidou o professor Alfredo já acontecera no passado, dificuldades de abasteBensaúde, mineralogista e engenheiro, tendo feito cimento, mas sem prejudicar de facto a actividade boa parte da sua formação na Alemanha, que anos da CUF, cuja independência económica e financeira antes publicara, em 1892, um “Projecto de Reforma era crescente. Aliás, aos proveitos habituais juntardo Ensino Technologico para o Instituto Industrial e se-iam os gerados pelos «negócios de guerra» e as Comercial”. oportunidades agarradas de aumentar o seu impéAlfredo Bensaúde nasceu a 4 de Março de 1856 em rio industrial. Foi ainda por essa altura, que, em 1942, Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, onde faleceu em Alfredo da Silva entrou no ramo dos seguros fundando a Companhia de Seguros Império no que terá 2 de Janeiro de 1941. Estudou em Hanover, Clauscontado com a participação do seu genro Manuel de thal, e Gotinga, tendo-se doutorado em Mineralogia, Mello que lhe sucederia na chefia da CUF a partir da em 1881. Bensaúde assumiu a direcção do recémcriado instituto aplicando algumas ideias que há data da sua morte, em 1943. Particularmente emblemático, no quadro da história muito vinha defendendo, procurando inserir na esda I República, por ter tido a ver com um dos seus cola a concepção da indispensabilidade do desendesígnios e legados mais significativos, foi o papel volvimento da investigação, do experimentalismo de Alfredo Bensaúde, a quem a CML prestou home- praticado em laboratórios e oficinas convenientenagem anuindo dedicar-lhe uma Avenida na fre- mente apetrechados, e da necessidade de estreitar guesia da Santa Maria dos Olivais, entre a Praça José a colaboração com o sector industrial. Tratava-se da concretização de uma reforma que traduzia uma Queirós e a Avenida Cidade do Porto. O período da I República ficou marcado pelos pro- óptica de formação científica integral. O IST configupósitos, longe de serem alcançados, e pelas inicia- rava-se assim como instituição do ensino superior tivas realizadas no campo do ensino. Uma das rea- orientada para o desenvolvimento prático da inveslizações mais significativas e duradouras ocorreu ao tigação e para a colaboração com o sector industrial,
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na linha do pensamento de Bensaúde, fortemente dívida e desvalorização da moeda), o Governo Proinfluenciado pelo modelo alemão de organização do visório lançou ainda um conjunto de ideias-base de ensino técnico-profissional superior. uma reforma fiscal, entendida de forma global, mas Por fim, neste contexto, o caso da Rua José Relvas, que, na sequência da participação portuguesa na que se reveste de uma singularidade significativa. É Grande Guerra, ficaria reduzida ao pacote legislativo que, na realidade, a decisão de atribuir um topónimo promulgado em Maio de 1911. O projecto só seria a Relvas datava de 1929… ano, aliás, em que faleceu. retomado em 1922. A reforma visava modernizar o A deliberação camarária tinha acontecido em 7 de sistema fiscal português, promover a justiça fiscal Novembro de 1929, mas o arruamento a que foi atri- entre os contribuintes e a arrecadação eficiente e buído o nome Relvas não chegara a ser executado. ampliada das colectas. Entre outros efeitos, concreFoi, pelos vistos, necessário esperar pelo ano de 1971 tizou-se a alteração da contribuição predial rústica para que os serviços da edilidade se apercebessem em imposto por quota com o agravamento signifido sucedido. Foi então, em 15 de Março de 1971, cativo das suas taxas, assim como as da contribuição que o Edital municipal recuperou a decisão perdida predial urbana. A reforma fiscal alargou a contribuie determinou que a Rua Municipal (ao Alto dos Tou- ção de registo às heranças para descendentes e torcinheiros, no Beato) passasse a designar-se Rua José nou-as progressivas, à imagem do que se praticava Relvas, com a legenda «Diplomata / 1858 – 1929». noutros países europeus e que aumentava a colecJosé Mascarenhas Relvas nasceu na Golegã em 5 ta. A intenção consistia em exigir uma maior taxa de Março de 1858 e faleceu em Alpiarça em 31 de de imposto a quem podia pagar mais, esbatendo a Outubro de 1929. Fez o Curso Superior de Letras contribuição dos menos abastados, tendendo para tendo como tese “O Direito Feudal”. Foi Membro do um maior democratização do sistema fiscal através Directório do Partido Republicano Português cons- da progressividade. tituído em 1909 com a incumbência de fazer a Re- Desde o 25 de Abril de 1974 até à data da intervenvolução. Foi Relvas que, em 5 de Outubro de 1910, ção que está na origem deste texto, no quadro das proclamou ao país a instauração da República da va- Jornadas de Toponímia realizadas em Setembro de randa da Câmara Municipal de Lisboa. Foi ministro 2011, destacam-se entre os seguintes topónimos das Finanças do Governo Provisório de 1910-1911, atribuídos em Lisboa relacionados com a temática ministro de Portugal em Madrid (1911- 1914) e de em análise: Rua Francisco Grandela, Avenida Afonso Chefe do Governo em 1919. De salientar, no âmbito Costa, Rua Professor Moisés Amzalak Largo Azeredo deste texto, a estratégia que prosseguiu e a acção Perdigão e Rua Brito Camacho. de grande relevância que teve à frente da pasta das O topónimo que consagra Francisco de Almeida Finanças. Poucos dias após a implantação da Repú- Grandella situa-se em Benfica, tendo sido atribuído blica, a 17 de Outubro de 1910, Relvas anunciou vá- em 1976. rias disposições relacionadas com o financiamento Francisco de Almeida Grandela nasceu em Aveiras do défice para, meses mais tarde, a 22 de Maio de de Cima no dia 23 de Julho de 1852 e faleceu na 1911, promulgar a reforma monetária, substituindo Foz do Arelho em 20 de Setembro de 1934. Como real pelo escudo. Sublinhe-se que, para além des- pletados os estudos primários começou a trabalhar ta preocupação com a resolução da denominada como marçano em Lisboa. Aos 18 anos era caixeiro “questão financeira” (entendida nos seus três aspec- tendo entretanto trabalho em várias casas de routos principais: equilíbrio orçamental, montante da pas e acessórios da Baixa de Lisboa. Aos 27 resolveu
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estabelecer-se por conta própria, abrindo uma casa Avenida João XXI”. Na economia do presente texto, de fazendas na Rua da Prata. O negócio prosperou salienta-se quando à biografia de Afonso Augusde tal forma que passdo pouco tempo lhe permitiu to da Costa, porventura o político mais ‘célebre’ da abrir uma loja maior, sita no Rossio, e a partir daí um I República, nascido em Seia, no dia 6 de Março de conjunto de filiais a par da expansão do negócio em 1871 e falecido em Paris, no exílio, em 11 de Maio de termos fabris. Em breve deixou o Rossio para abraçar 1937, apenas a sua acção no campo económico-fium projecto de maior arrojo e ‘modernidade’, a cons- nanceiro, recordando dois aspectos fundamentais: a trução de um grande armazém que inauguraria em sua actividade como professor, sobretudo no tempo 1891 cujo sucesso rapidamente se fez notar. A Guerque leccionou na Universidade de Coimbra, e a sua ra, porém, interromperia esse percurso… entre difi- acção como ministro das Finanças. culdades financeiras e um percurso que já ia longo, Afonso Costa concluiu a licenciatura de Direito na Grandella cedeu a exploração dos Grandes Armazéns Faculdade de Direito de Coimbra em 1894, doua uma sociedade por quotas constituída por um dos torou-se no ano seguinte e concorreu a lente na filhos e alguns dos seus antigos empregados retiranmesma faculdade. Leccionou em Coimbra de 1896 do-se do mundo dos negócios. a 1903 e de 1908 a 1911. Em Lisboa, docente da Uma nota, para referir que, para além da importân- Escola Politécnica de Lisboa de 1911 a 1913, da recia, presença incontornável e memória duradoura e cém-criada Faculdade de Direito de Lisboa (de que património inestimável representado pelos Grandes também foi Diretor), entre 1913 e 1915, e no novo Armazéns, Grandella se notabilizou pela sua acção Instituto Superior de Comércio, em 1915. Salientacívica e, de alguma forma, política. Destacam-se, nes- se, neste plano, as suas lições de Economia Social, ou se sentido, a sua intervenção na defesa e implemen- como ficam registadas, as Prelecções sobre Ciência tação do descanso semanal, da instrução e apoio Económica e Direito Económico Português publicasocial aos trabalhadores (sendo emblemática a das a partir dos apontamentos dos seus alunos em construção do Bairro Grandela para os operários das 1896, José Emídio Soares Costa Cabral e José Dias, suas fábricas de fiação, tecidos e móveis de ferro), e reflectindo a actualidade das suas leituras e a incora sua aproximação à causa republicana, através do poração interpretada da descoberta dos novos confinanciamento de iniciativas do Partico Republica- ceitos, o conhecimento das correntes e escolas mais no e chegando a fazer parte, em 1908, da Comissão recentes e das propostas dos principais teóricos conDistrital Republicana de Lisboa e feito parte da pri- temporâneos. meira vereação republicana, que venceu as eleições Em Janeiro de 1913 Afonso Costa assumiu pela pripara a Câmara Municipal de Lisboa em 1908. Maçon, meira vez a chefia de um governo republicano, prepertencendo à Loja O Futuro, fundada em 1905, foi dominantemente «democrático», reservando para si também tesoureiro da Comissão de Resistência da a pasta das Financas. Saliente-se a estratégia prosMaçonaria, criada em Junho de 1910, para a prepa- seguida, visando, a todo o custo, o equilíbrio finanração da Revolução do 5 de Outubro. ceiro; recordem-se os instrumentos utilizados, noO topónimo Avenida Afonso Costa foi atribuído meadamente a política de restrições financeiras por pela Câmara Municipal de Lisboa, através de edital intermédio da imposição da Lei Travão (que impedia de 30 de Dezembro de 1976, ao “arruamento que os deputados de aprovarem medidas que exigissem partindo da Praça do Areeiro segue para nascente despesas sem que fossem previstas as respectivas e é vulgarmente designado por prolongamento da receitas para o seu financiamento), que suscitou
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veementes protestos dados os seus efeitos politicos e mara Corporativa, fundador e presidente da Aliança sociais, a remodelação do sistema monetário, e, claro, Francesa em Portugal, para além de ter sido o Preos resultados superavitários alcançados nas contas sidente da Comunidade Israelita em Lisboa, tendo públicas nos anos económicos de 1912-13 e 1913-14. tido uma acção muito importante na recepção de Brevíssima nota, a propósito do topónimo Largo Aze- refugiados judeus durante a II Guerra Mundial. redo Perdigão, sito na Freguesia de Nossa Senhora de Esta sequência de notas relativas aos topónimos que Fátima no sentido de recordar como José Henrique de evocam personalidades de alguma forma envolvidas Azeredo Perdigão, nascido no dia 14 de Setembro de com o contexto histórico-económico da I República 1896, em Viseu, tendo falecido no dia 10 de Setembro termina com a referência a um dos seus expoentes, de 1993 em Lisboa, notável pela sua carreira de su- Manuel de Brito Camacho, homeageado com a atricesso na advocacia e, especialmente, pela sua acção buição do seu nome a uma Rua sita no Lumiar. como Presidente do Conselho de Administração da Manuel de Brito Camacho exerceu a profissão de Fundação Calouste Gulbenkian esteve presente no médico-militar, dedicando-se também ao jornalistempo da I República. Participou na fundação, com mo político, e empenhando-se na propagação dos Raul Proença, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, Raúl ideais republicanos. Escreveu em vários jornais, Brandão e outros, a revista Seara Nova, onde publi- como A Pátria, de Lisboa, Intransigente, que fundou cou vários estudos e comentários sobre economia, e dirigiu, de Viseu. Fundou, a 1 de Janeiro de 1906, tendo escrito uma peça notável de caracterização da em Lisboa, A Luta, que se tornou um dos principais indústria portuguesa publicada pelos Arquivos da baluartes da propaganda que conduziu à proclamaUniversidade de Lisboa em 1916. ção da república, empenhando-se particularmente Foi já em 1989 que a CML entendeu atribuir o nome em algumas campanhas antimonárquicas e anticledo Professor Moisés Amzalak a um troço da antiga ricais. Brito Camacho exerceu os cargos de deputado Rua B da Urbanização da Quinta de Stº António a Te- pelo partido republicano, Ministro do Fomento, tenlheiras. Economista e professor universitário, Moisés do ainda sido chefe da União Republicana, procuBensalat Amzalak nasceu e faleceu em Lisboa, a 4 de rando, em 1919, a ligação entre este partido político Outubro de 1892 e 6 de Junho de 1978. Publicamen- e o Partido Evolucionista, formando assim o Partido te activo, desde muito jovem, tendo aliás promovido Liberal Republicano. e liderado, no periodo após a I Guerra Mundial, uma Brito Camacho nasceu em Aljustrel a 12 de Fevereiro tertúlia de economistas, na qual terá participado Oli- de 1862, no seio de uma família de lavradores abasveira Salazar. tados. Os primeiros anos de escolaridade passou-os Formou-se no Instituto Superior de Ciências Eco- em Aljustrel, onde completou o ensino primário, runómicas e Financeiras, do qual foi professor até se mando a Beja, já mais tarde, em 1876, para frequenjubilar e director entre 1933 e 1944. Deixou uma ex- tar o Liceu. Quatro anos depois, e numa altura em tensissíma obra publicada sobre economia política, que a capital portuguesa celebrava o tricentenário história das doutrinas económicas em Portugal, Bra- da morte de Camões, Camacho chegava a Lisboa, sil e nas antigas Grécia e Roma e ainda sobre história matriculando-se na Escola Politécnica. Aluno mediaeconómica e social, destacando, no âmbito deste no, formou-se em Medicina pela Escola Médico-Citexto, Do Estudo e da Evolução das Doutrinas Econó- rúrgica de Lisboa em 1884, apresentando uma tese micas em Portugal, de 1929. Amzalak foi ainda reitor de licenciatura que intitulou: A herança mórbida: da Universidade Técnica de Lisboa, procurador à Câ- apontamentos de hygiene.
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Brito Camacho manteve-se afastado da política até Avenida António Maria de Avelar a Avenida Cinco de 1893, ano em que concorreu, nas listas republicanas, à Outubro, a Avenida Hintze Ribeiro a Avenida Miguel Câmara dos Deputados em representação do círculo Bombarda entre outros casos. eleitoral de Beja. Quase em simultâneo fez publicar Já o segundo caso, com que se termina este texto, é no jornal Nove de Junho - um conjunto de artigos em particularmente significativo. Trata-se, precisamenque tecia duras críticas à monarquia e às suas instite, de uma homenagem concretizada em pela Repútuições, inaugurando uma longa e bem sucedida carblica, no anos de 1915, e que reporta a um realidade reira na imprensa, destacando-se, é claro, a fundação, indelevelmente ligada ao ideário republicano, a Rua em 1906, do jornal A Lucta. da Voz do Operário, na Graça, São Vicente de Fora. Implantada a República, Manuel de Brito Camacho, Consagração da vereação republicana dedicada à assumiu a pasta do Fomento do Governo Provisório, «Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do a partir da qual prosseguiu projectos, teceu estratéOperário», fundada em 1879 e sediada na rua que gias e implementou medidas do maior significado e recebeu o seu nome a partir de 1913. A Sociedade repercussão em termos de realidade económica do «Voz do Operário» foi fundada em 1879, por iniciatiPaís, entre as quais a criação do Instituto Superior va dos operários dos Tabacos, com a publicação de Técnico. um semanário com aquele título, criando-se pouco Fundou o Partido Republicano Unionista, protagodepois uma cooperativa e logo depois, a instituição nizando um das primeiras dissidências no interior de beneficência e instrução que ainda hoje existe. do velho Partido Republicano Português. Quando Tinha por propósitos fundamentais promover a insa I Guerra eclodiu, deixou clara a sua posição crítica trução e a assistência. Ganhou expressão e dimenquando à intervenção portuguesa e viria a recusar são, ajustando a sua actividade às novas realidades integrar o Governo de União Sagrada, composto por e oportunidades que a República lhe aportara. Foi Democráticos e Evolucionistas, em Março de 1916. então que se lançou o projecto de construção de Entre Março de 1921 e Setembro de 1923, Brito Ca- uma nova sede em cerimónia realizada em Outubro macho desempenhou funções como Alto Comissá- de 1912 com a presença do primeiro Presidente da rio da República em Moçambique. Morreu em Lis- República, Manuel de Arriaga. boa a 19 de Setembro de 1934.
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Quanto aos topónimos relativos a outras realidades, Referiu-se, no início deste texto, que a I República uma breve nota relativa apenas aos dois que efecti- não enunciou, no campo económico, uma política vamente assumem um significado especificamente ou uma estratégia que a tenha distinguido do morelacionado com a I República. delo e até do enunciado que herdou da Monarquia O primeiro, sem mais história do que a actividade Constitucional, tendo, de resto, prosseguido em boa que o nome evoca, é o da Rua do Comércio, antiga parte os mesmos objectivos nos domínios econóRua de El Rei, que surge no quadro do primeiro edi- mico e financeiro. Foi, porém, portadora de um protal da vereação republicana da CML, datado de 5 de pósito de fomento e modernização e acabou por Novembro de 1910, através do qual se substituiam introduzir alguns instrumentos ou medidas nalguns os topónimos relacionados com a Monarquia por re- casos consequentes e duradouros. Foi, com certeferências republicanas – foi então que a Avenida Rai- za, arrojada em muitas das propostas, que em boa nha Dona Amélia passou a Avenida Almirante Reis, a medida ficaram por concretizar, sobretudo no do-
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mínio dos métodos apontados para alcançar o desenvolvimento. Porém, foram lançadas e incorporadas novidades bastante significativas, nomeadamente no campo da difusão da instrução, da exploração racional das colónias, do aumento do crédito agrícola e, claro, salientando o indiscutível êxito republicano nesse domínio, as medidas introduzidas na gestão das contas públicas, visando o aumento das receitas e diminuição das despesas do Estado. De assinalar, ainda, na sequência desta breve identificação e análise das memórias toponímicas que suscitou, o contributo moderno e inovador deixado por um conjunto de protagonistas, políticos, autores, como Basílio Teles, Alfredo Bensaúde, ou Azeredo Perdigão, aqui referidos, entre tantos outros, que, numa série de escritos dispersos, procuraram enquadrar algumas temáticas relacionadas com o desenvolvimento económico nacional, nomeadamente: a especialização do País na produção agrícola, a valorização do solo, o planeamento regional, entre outras diversas matérias que, no seu conjunto, reflectindo a consciencialização quanto ao estudo da realidade, que sobrevém de forma acentuada à luz do impacto da I Guerra Mundial, visavam o desenho e a projecção dos caminhos a seguir no sentido do desenvolvimento e valorização da economia nacional.
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Rua do Grémio Lusitano. Início do séc. XX.
Da Travessa do Guarda Mór á Rua do Grêmio Lusitano António Lopes
sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República Mestre em História do século XX. Diretor do Museu Maçónico Português.
Todas as ruas deste secular bairro, alto de seu nome, da restam vestígios junto a S. Roque, e permitiu que muitas famílias nobres se mudassem para o bairro transpiram História e histórias que marcam o tempo, ou porque as suas casas foram preservadas pelo as pessoas ou as instituições. Por aqui passou a Severa na Travessa do Poço da Cidade, aqui viveram Bocage, terramoto ou pelos “bons ares” de que gozava. Foi na Travessa André Valente, Eça e Oliveira Martins na só no século XIX, com o declíneo de uma nobreza Rua dos Caetanos, por aqui se ouviu Luisa Todi no desajustada de novas realidades sociais e económiTeatro do Bairro Alto, situado no antigo Palácio dos cas, que o panorama social do Bairro Alto se alterou, Condes de Soure, aqui nasceram João Domingos juntando os elementos populares á boémia nobre e Bomtempo na Rua Larga de S. Roque, Sebastião de burguesa ainda subsistente do século XVIII. Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, na Rua de O Século, ou Camilo Castelo Branco na Rua da Rosa, e Poderíamos pois começar esta nossa história pela por aqui também passaram Vieira Lusitano ou Silva antiga Travessa do Guarda Mór que em épocas rePorto, entre muitos nomes da nossa vida cultural, cuadas e recorrendo às palavras de Júlio de Castilho política e económica, já para não falar num grande fazia parte de “uns matagaes e pastios silvestres”, poncomerciante e maçon do início do século XIX, Jáco- teados por casais e herdades ermas. O espaço hoje me Raton, que ali construiu o seu Palácio, que é hoje delimitado pelo Bairro Alto ficava fora das muralhas o edifício do Tribunal Constitucional, ou nos muitos da cidade e a sua criação, porque se trata efetivatítulos da imprensa que deram uma alma muito es- mente de uma criação é decorrente da expansão da cidade a partir do século XVI, cujo loteamento ocorpecial ao bairro Alto. re a partir de 1513. Para chegar aos seus primeiros A urbanização do espaço fez nascer um conjunto proprietários temos de mergular na História numa de ruas marcadas por um traçado perpendicular, sa- altura em que o local era propriedade de Guedelha bendo-se que foi elevada a paróquia em 1698 por Palaçano, cuja esposa, já viúva, em 1487, procede ao intervenção da Condessa de Pontével, Dª Elvira de aforamento em nome de Filipe Gonçalves, cuja conVilhena. A sua localização debruçada sobre o Tejo e o cretização não é certa. A verdade é que, anos mais fato de não ter sido significativamente afetada pelo tarde, local é vendido a Luis de Atouguia cujo filho, terramoto fez nascer um conjunto de edifícios per- Lopo de Atouguia, acorda um subaforamento com tencentes a famílias nobres ou da burguesia comer- Bartolomeu de Andrade e Francisca de Cordovil, cial, que se estendiam até às Chagas ou até ao Largo por sua vez filha de Filipe Gonçalves. Consequêndo Barão de Quintela, que não se misturavam com a cia do loteamento então feito, em 1551 já se refepopular Bica dos aguadeiros, das varinas e dos pes- rem as ruas das Gáveas, dos Calafates, da Atalaia, da cadores, com uma separação que era marcada pela Rosa e da Salgadeira (singular). É esta aproximação atual Calçada do Combro, que se sobrepõe à anti- à genealogia dos Andrade que leva a que o local ga estrada de Santos. O terramoto encarregou-se também venha a ser conhecido por Vila Nova dos Andrades, designação que com o tempo vai sendo de acentuar estes dois pólos sociais, que em época mais distante haviam sido uma única propriedade, substituída por uma outra, a de Bairro Alto de S. Roao fazer abater uma parte das escarpas das Chagas que, consequência do estabelecimento dos jesuítas sobre a atual Bica. Por outro lado, no Bairro Alto, as nesta zona e da proximidade á antiga ermida de S. ruas largas e direitas adequavam-se a novos hábitos Roque. Aliás, é esta proximidade que faz com que a Travessa do Guarda Mór também tenha sido conhedo século XVIII, como o uso do coche, de que ain-
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cida por Travessa do Relógio até ao início do século A instalação da estrutura maçónica neste espaço foi XIX, por desembocar junto à torre do relógio de S. Ro- gradual, abandonando-se as instalações espalhadas por Lisboa, na Rua do Carmo 43, até então tamque, bastante danificada pelo terramoto de 1755. Um bém designado de Palácio Maçónico, na Travessa guia de 1824 localiza-a claramente ao referir que “ (...) he a terceira á esquerda, entrando pela Rua da Torre de da Queimada ou no Largo Barão de Quintela, entre outras e seguiu uma prática da Maçonaria europeia S. Roque, vindo da Igreja deste nome, e termina na Rua 1 da época onde há a tendência para a ocupação de da Atalaia.” espaços mais estáveis que possibilitaram um ritual maçónico mais exigente, não apenas na prática, Segundo Júlio de Castilho a designação de Guarda Mór parece ser proveniente de um Guarda Mór a mas também sob o ponto de vista simbólico e decorativo. O espaço foi comprado a Carlos Relvas, rico quem fora aforado um chão naquele sitio, durante o 2 reinado de D. Afonso VI . Marcantes na estrutura do proprietário da Golegã e pai do republicano e maBairro Alto seriam os campos no seu topo, com refe- çon José Relvas, sendo a assinatura da escritura de venda efetuada num cartório da Rua do Ouro nº 50, rência aos moinhos da Cotovia e daí a atual Rua D. Pedro V se ter chamado Rua do Moinho de Vento ain- em Lisboa, em 17 de novembro de 1879, assinando da durante o século XIX, a colina que hoje se debruça pelo Grémio Lusitano, Miguel Batista Maciel, Jesuíno Ezequiel Martins, Eduardo Augusto Craveiro e João sobre a Avenida da Liberdade, a própria muralha fernandina e naturalmente as portas de Santa Catarina de Atouguia França Neto. A Maçonaria instalava-se no antigo palácio pertencente aos Condes da Atae a antiga estrada de Santos. laia, do qual ainda se conservam hoje um conjunto Na antiga Travessa do Guarda Mór ficava a resi- de azulejos do séc. XVII, provavelmente oriundos da capela que Júlio de Castilho refere em Lisboa Antiga. dência de Batalha Reis, ali tendo início as reuniões do Grupo de Cenáculo, constituído por Antero de Quental, Augusto Fuschini, Carlos Mayer, João de A escritura é elucidativa do espaço dizendo-nos que a propriedade “sita na rua d’Atalaya (...) numeros antiDeus, José Fontana, Mariano Machado, Manuel Magos cento e trinta e trez a cento e trinta e quatro, e mochado, Ramalho Ortigão, Eça de Queiróz e Salomão dernos cento e cincoenta e com esquina e frente tamSaragaa, grupo onde o debate cultural e político bém para a travessa do Guarda Mór, numeros quinze esteve sempre presente e que constituíu um ponto e dezesseis antigos e trinta e cinco a quarenta e cinco de apoio para a realização das célebres Conferênmodernos, a qual propriedade (...) é de pavimento no cias do Casino, em maio de 1871. rés do chão com duas lojas, com quintal no fundo, dois Referência incontornável nesta rua é o chama- andares e água furtada.” Sabe-se que foi autorizado, do Palácio Maçónico, situado na antiga Travessa em Assembleia Geral do Grémio Lusitano, o levantado Guarda Mór, hoje Rua do Grémio Lusitano. A mento de verbas e o empréstimo de um total de 14 mudança da sede da Maçonaria portuguesa para mil reís, destinados não apenas à compra do imóvel, estas instalações ocorre como consequência da mas também a obras de restauro, já que o espaço se unificação das várias Obediências maçónicas por- encontrava bastante degradado. Aliás, anos mais tartuguesas, ocorrida em 1869, sob a égide do Conde de, Júlio de Castilho lembrando as palavras de Carlos de Paraty, constituindo-se então o Grande Oriente Relvas lembra isso mesmo, tendo as obras tido início logo em 1879 e prolongando-se até ao ano seguinLusitano Unido.
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Itinerário Lisbonense ou Directorio Geral de todas as ruas, travessas, becos, calçadas, praças, etc. que comprehendem no recinto da cidade de Lisboa, com seus próprios nomes, principio, e termo, indicados os lugares mais conhecidos, e geraes, para utilidade, uso e commudidade por estrangeiros, e nacionaes, 3ª edição, Lisboa, tip. Rollandiana, 1824; 2 CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antiga – O Bairro Alto de Lisboa, 2ª edição, Lisboa, Ed. Antiga Casa Bertrand – José Bastos, 1902, p. 102.
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te. O espaço não era uma propriedade única, já que se ta principal apresenta decoração mais elaborada, sabe que Carlos Relvas lhe juntou partes que haviam sendo emoldurada a cantaria e rematada com fripertencido a outros proprietários. De qualquer das so triangular trabalhado. A fachada possui janelas formas é de sublinhar o facto de se referir sempre que de sacada guarnecidas por grades de ferro de varas a entrada principal se situava na Rua da Atalaia, algo verticais com anéis a meia altura. Todas estas janeque mudará com as sucessivas obras que viriam a ser las se encontram alinhadas na vertical com os vãos efetuadas. O edifício hoje ocupado embora sendo um existentes no piso térreo. À exceção das entradas, o edifício único denota uma diferenciação decorrente alçado correspondente à rua da Atalaia é idêntico à dessas obras, tendo as primeiras ocorrido no corpo da fachada principal. O encontro dos alçados efetuaque fica virado para a Rua da Atalaia, como se disse se por meio de um cunhal de cantaria de feição maem 1879-80. Nessa altura foi terminada a construção neirista, o qual a partir do terceiro piso se prolonga do primeiro Templo e o Grémio Lusitano instalou-se em alvenaria. no local em maio de 1880. Por isso hoje parece ser constituído por dois corpos distintos, o que não é A entrada pela rua do Grémio Lusitano teria a possiverdade, ainda que a parte virada para a Rua do Gré- bilidade de ser simultaneamente uma entrada para mio Lusitano seja uma ampliação a partir de uma um logradoro ou para carruagens, o tal quintal em estrutura de dois andares e àguas furtadas existente fundo que chegou a ter um poço até há poucos com frentes para a Rua da Atalaia e Rua do Grémio anos, a acreditar em algumas colunas encontradas Lusitano. As obras, que mantiveram a estrutura base no interior de algumas paredes, provavelmente leaté hoje, prolongaram-se até cerca de 1901, adap- vantadas nos finais do século XIX. As obras efetuatando-se às necessidades de crescimento da Maço- das neste espaço foram graduais e constituiram não naria em Portugal, sabendo-se que este espaço já apenas um acrescento ao edifício já existente, como teria a configuração atual por descrições feitas em lhe conferiram uma entrada apalaçada, ao gosto da 1910, quando da revolução republicana. O segundo burguesia de finais do século XIX e, olhando para grande momento de adaptação do edifício ocorreu imagens da época existentes no Arquivo Fotográfiem 1897-99, que implicou um novo empréstimo de co da Câmara Municipal de Lisboa, devem ter con13 500 réis, ao Crédito Predial Português, em 1898. tribuído para a requalificação da rua em termos urEm 1901 terminaram as obras no chamado Templo banísticos. grandes, hoje denominado de José Estevão, e é por esta altura que o Palácio ganha a traça arquitetónica Recuando novamente aos finais do século XIX, saque mantém hoje. bemos que a instalação do Grande Oriente Lusitano neste espaço ocorreu em maio de 1880 já depois Segundo o registo existente na Direção Geral dos de grandes debates internos sobre a localização do Edifícios e Monumentos Nacionais, classificando- Palácio Maçónico, constituindo-se como alternativa -o como monumento, o palácio destaca-se do seu o Páteo do Pimenta. O valor de compra é registado meio envolvente pela sua monumentalidade. De em doze contos e oitocentos e sessenta mil réis, volumetria sensivelmente paralelepipédica e plan- significativo para a época, que obrigou mesmo à ta quadrangular com três pisos, fachada principal emissão de ações junto dos associados do Grémio é caracterizada por fenestração distribuída a um Lusitano, ou seja dos maçons do Grande Oriente ritmo regular com preocupações de simetria. A por- Lusitano Unido. A ocupação dos espaços variou ao
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longo dos últimos anos do século XIX e inícios do XX. Congressos maçónicos realizados nos primaeiros Existiram grandes debates internos sobre como ocu- anos do século XX em diferentes pontos do país. par o edifício, sabendo-se que as salas do rés do chão Acresce e não é de menor importância, a proximiestiveram alugadas a entidades exteriores á Maçonadade da imprensa instalada no Bairro Alto, alguria, chegando mesmo ali a nascer uma das primeiras ma dela de tradição republicana, que potencia um coorporações de bombeiros voluntários de Lisboa, a ambiente de debate político significativo. Neste Associação do Serviço Voluntário de Ambulâncias de período aqui se cruzaram ideias repubhlicanas, Incêndio, fundada na década de 1880-1890, ainda carbonárias, socialistas, anarquistas, monárquicas, que esta possa ter sido uma entidade para-maçónica. católicas, anticlericais ou outras de menor expresÉ também no rés do chão do edifício que oficialmen- são. te se instala o Grémio Lusitano, razão pela qual, ainda hoje, se considera este espaço como aberto aos proEm 1910 aqui se constituíu a chamada “Comissão fanos. Refira-se que no piso térreo, virado para a Rua de Resistência”, estrutura destinada a consultar as da Atalaia, esteve até à clantestinidade instalada um Lojas maçónicas da opção monarquia ou república tipografia, a Tipografia Minerva Peninsular, proprieenquanto regime preferencial, para além de consdade do Grémio Lusitano. Refira-se também que na tituir uma forma de auxiliar os maçons perseguientrada da Rua do Grémio Lusitano havia duas pedos pelos últimos governos da monarquia. Este foi quenas salas, uma por cima das instalações do porum dos locais por onde Machado Santos passou teiro e a outra, em frente, onde se situava a redação antes de dar início às movimentações revolucionádo jornal A Luz. rias e aqui se esconderam as bandeiras arvoradas na Rotunda e noutros locais de Lisboa durante a Em janeiro de 1888 a Travessa do Guarda Mór vê a revolução republicana. sua designação alterada para Rua do Grémio Lusitano, por ação de Elias Garcia junto da Câmara de Como espaço de referência dos ideais da RepúbliLisboa, então Grão Mestre da Maçonaria. Recorde- ca de 1910, o Palácio Maçónico sofreu com as vicisse que Elias Garcia, em 1878, e Rosa Araújo, entre situdes da política e do ambiente social da época. 1878 e 1886, exerceram o cargo de presidente da Em 9 de dezembro de 1918, foi assaltado o que Câmara Municipal de Lisboa, sendo ambos desta- levou à destruição da biblioteca e dos arquivos cados maçons, e no caso particular de Elias Garcia das lojas, então situados no terceiro andar (àguas de ter sido Grão-Mestre do Grande Oriente Lusita- furtadas) do edifício e de algumas salas de reuno Unido. Juntemos a isto o importante papel da nião, no segundo andar. Também não escaparam à Maçonaria na sociedade portuguesa com homens destruição o restaurante e a secretaria, situados no como D. Fernando II, Fontes Pereira de Melo, Rafael primeiro andar e a sala de bilhar, situada no rés do Bordalo Pinheiro, Veloso Salgado e muitos outros. chão. Segundo a descrição da época foi vandalizada grande parte do mobiliário, sendo visíveis nas Na realidades, neste período que vai do final do fotografias da época vidros e candeeiros partidos, século XIX aos primeiros anos do século XX, no portas arrombadas e inúmeros documentos espaGrémio Lusitano e nas Lojas maçónicas portugue- lhados pelo chão. sas, vive-se uma intensa atividade política, bem expressa nos inovadores temas apresentados nos As razões destes acontecimentos radicam na dita-
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dura sidonista, a qual teve como consequência a per- ficência, o que implicou uma redução drástica da da generalizada de apoio político, mesmo por parte atividade. A reabertura do Palácio apenas ocorreu daqueles que inicialmente apoiaram a ascenção ao em março do ano seguinte, ao sabor do livre arbípoder de Sidónio Pais, incluindo boa parte do opera- trio do Governo Civil de Lisboa e com a imposição riado urbano. Sidónio Pais foi alvo de uma tentativa de que não se efetuassem reuniões com mais de de atentado em 6 de dezembro de 1918, por parte dez pessoas, ou que em todo o Palácio não exisde um jovem de nome Luis Maria Batista, cujos boa- tissem mais de vinte pessoas presentes. Para a tos referiam estar ligado à Associação Pró-Pátria, pró- Maçonaria foi um período conturbado e difícil em xima da Maçonaria e da então já extinta Carbonária. termos logísticos tendo, por isso, sido novamenO resultado desses boatos traduziu-se no assalto às te encerrado de dezembro de 1930 a fevereiro de instalações do Grémio Lusitano no dia 9. Dias depois, 1931, vindo as suas portas a serem seladas em 18 a 14 de dezembro, Sidónio Pais foi assassinado na Es- de maio de 1931, por ordem de Lopes Mateus, mitação do Rossio, em Lisboa, por José Júlio da Costa nistro do Interior do regime e maçon. que, segundo a imprensa da época, padecia de problemas mentais graves. Porque Costa havia tentado A Maçonaria viria a ser duramente atingida pela Lei contactar Magalhães Lima, então Grão-Mestre da nº 1901 de 21 de maio de 1935, nascida do Projeto Maçonaria, esta foi acusada de ligações ao atentado Lei nº 2, iniciativa do deputado José Cabral, entreo que levou à detenção de Magalhães Lima entre 17 gue na mesa da Assembleia Nacional na sessão nº de dezembro de 1918 e 14 de janeiro de 1919. Algu- 4, de 19 de janeiro desse ano. O projeto-lei proibia mas Lojas espalhadas pelo país viram as suas instala- a existência de associações secretas, determinando ções destruídas, nomeadamente em Braga, Vila Real, que todos os seus bens fossem arrolados e vendiCoimbra, Mafra, Viana do Castelo e Porto. dos em hasta pública, ao mesmo tempo que também proibia qualquer cidadão de fazer parte delas, Foi também este Palácio motivo para a repressão sob pena de prisão e exílio forçado. Estava aberta a das liberdades surgida na sequência do golpe mi- porta á ilegalização da Maçonaria argumentando o litar de 1926. Na noite de 16 de abril de 1929, a deputado José Cabral que a Maçonaria havia declaGuarda Nacional Republicana e a Policia, sob as rado uma guerra implacável à Revolução Nacional, ordens de José Vicente de Freitas, então Ministro constituindo-se uma organização política que seria do Interior, dão ordem de prisão a alguns maçons revolucionária se as circunstâncias o permitissem e que se encontravam no Palácio, que são levados incompatível com os princípios do Estado Novo. para as instalações do Governo Civil. A exceção vai para os militares presentes, que à saída do Palácio A pressão das autoridades sobre o Grande Oriente são apenas identificados. Em rigor não se tratou Lusitano Unido não era apenas política mas tamde uma invasão do Palácio, ainda que alguns es- bém administrativa, financeira e até simbólica. O tudos publicados o afirmem. De qualquer forma, facto das instalações do Grémio Lusitano terem sido foi particularmente negativa esta ação das forças encerradas e seladas em 1935, constitui o anúncio policiais, de tal forma que, em 1 de maio de 1929, público do fim das esperanças para muitos republiuma circular do Conselho da Ordem determinou canos. Era o encerrar de um período, a Primeira Reo encerramento do Palácio Maçónico, mantendo pública, onde a Maçonaria tinha sido a sua força e nele apenas os serviços de solidariedade e bene- apoio. Por outro lado, o facto de o Palácio Maçónico
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ter sido encerrado desarticulou os serviços adminis- regista-se a publicação de um comunicado na imtrativos e causou grandes dificuldades financeiras ao prensa assinado por Simões Coimbra, Dias Amado e Grande Oriente Lusitano Unido e de funcionamento Adão e Silva dando conta da efetiva propriedade do das Lojas maçónicas. Palácio e da pretensão ao mesmo manifestada por parte do Partido Popular Democrático, para aí instaUm edital de 19 de novembro de 1937 faz substituir lar a sua sede, o qual, depois de desfeitos os equío nome de Rua do Grémio Lusitano por Travessa do vocos sobre a propriedade do espaço viria a desistir Guarda Mór. Consequência da Lei nº 1901 de 21 de das suas pretensões. Entretanto, a Lei nº 1901 foi remaio de 1935 o Grémio Lusitano é dissolvido por porvogada pelo decreto-lei 594/74 de 7 de novembro taria de 21 de janeiro de 1937, dando origem á Lei de 1974, que permitiu que o Grémio Lusitano reto1950, de 18 de fevereiro de 1937, que determinou masse legalmente as suas atividades. que todos os bens do Grémio Lusitano fossem entregues à Legião Portuguesa, entrega autorizada por A seguir á revolução o Palácio foi assaltado e desdespacho do ministro das Finanças de 20 de março truído, sendo de seguida ocupado por uma força do de 1937 e que se tornou efetiva em 16 de abril desse exército que assumiu a guarda do Palácio e recolheu ano, o que motivou a adaptação do edifício para aí fardas, armas, munições e material de comunicações se instalarem os serviços de Ação Social e Politica da pertencente á legião Portuguesa. O Palácio foi deLegião Portuguesa, inaugurados em dezembro de volvido num estado de degradação acentuado e 1937. É a imprensa da época afeta ao regime que faz a par dos esforços de reorganização de Adão e Sila descrição do interior do Palácio e da sua ocupação. va, Dias Amado e Simões Coimbra, há que referir o nome do construtor civil e maçon Amadeu GaudênDurante o período que esteve ocupado pela Legião cio quem providenciou as primeiras obras de emerPortuguesa foram grandes as alterações no seu ingência e que permitiram a reinstalação da Maçonaterior, especialmente no aspeto decorativo, com a ria no seu espaço. Destaque também para o nome retirada de estatuária nos templos, alterações arqui- do Professor Oliveira Marques que fez os primeiros tetónicas, anulando os aspetos da simbologia ma- levantamentos de bens do Grémio Lusitano e juntaçónica então existentes, sendo disso exemplo o cha- mente com Simões Coimbra, tratou de localizar tomado Templo José Estevão transformado em sala de dos os bens móveis da Maçonaria espalhados pelo cinema ou alguns outros Templos, mais pequenos, Museu da PIDE em Sete Rios, pelo Ministério das transformados em salas de escritório e até a retirada Finanças em Lisboa e por armazéns um pouco por de elementos decorativos gerais no edifício, disso todo o lado, incluindo na Amora, onde estavam inúsendo exemplo as esculturas de dois grandes leões meros documentos. Em 1975 o Palácio esteve para existentes nas escadas de entrada, cuja discrição é ser ocupado pela Comissão de Moradores mas “tudo feita pela imprensa da época e que desapareceram. acabou em bem” nas palavras de Simões Coimbra.
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O Palácio viria a ser restituído ao Grémio Lusitano Em 1978 a antiga Travessa do Guarda Mór volta a delogo após o 25 de Abril, em 7 de maio de 1974, após signar-se de Rua do Grémio Lusitano, na sequência um declaração da Junta de Salvação Nacional reco- de um pedido do Grémio Lusitano à Câmara Muninhecer a propriedade do palácio ao Grémio Lusita- cipal de Lisboa. Sabe-se da iniciação na Maçonaria no. Pelo meio, entre 25 de abril e 7 de maio de 1974 de um novo Irmão que, ao lhe ser perguntado o que
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faria se soubesse que a Travessa do Guarda Mor já se tinha chamado Rua do Grémio Lusitano, se predispôs a desencadear o processo de mudança do nome da rua. E assim foi em 1978.3
Bibliografia
Hoje o designado Palácio Maçónico, alberga o Grémio Lusitano e o Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa, além do Museu Maçónico Português, considerado um dos melhores museus maçónicos a nível europeu.
CARVALHO, Gabriela, Bairro Alto (História do Urbanismo) in Diccionário da História de Lisboa, dir. Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Ed. Carlos Quintas e Associados – Consultores Lda, 1994; CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antiga – O Bairro Alto de Lisboa, 2ª edição, Lisboa, Ed. Antiga Casa Bertrand – José Bastos, 1902; COIMBRA, José Eduardo Simões, Apontamentos para a História da Maçonaria em Portugal após o 25 de Abril de 1974 (edição fac-similada), Lisboa, Grémio Lusitano, 1980; DIAS, José João Alves, Grémio Lusitano in Diccionário da História de Lisboa, dir. Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Ed. Carlos Quintas e Associados – Consultores Lda, 1994; Escritura celebrada entre Carlos Augusto de Mascarenhas Relvas e Campos e o Grémio Lusitano, Lisboa, 17 de novembro de 1879; Itinerário Lisbonense ou Directorio Geral de todas as ruas, travessas, becos, calçadas, praças, etc. que comprehendem no recinto da cidade de Lisboa, com seus próprios nomes, principio, e termo, indicados os lugares mais conhecidos, e geraes, para utilidade, uso e commudidade por estrangeiros, e nacionaes, 3ª edição, Lisboa, tip. Rollandiana, 1824;
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MARQUES, A. H. de Oliveira, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo, 3ª edição, Lisboa, Ed. Publicações D. Quixote, 1995; MARQUES, A. H. de Oliveira, Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. II, Lisboa, Ed. Editorial Delta, 1986; SUCENA, Eduardo, Bairro Alto (Evolução Social) in Diccionário da História de Lisboa, dir. Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Ed. Carlos Quintas e Associados – Consultores Lda, 1994;
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Acontecimento relatado por um Irmão que assistiu à cerimónia de iniciação. Naturalmente, por ser ainda vivo, é omitido o nome do Irmão em causa.
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O Mundo pelo ecrãs das placas toponímicas da Lisboa Republicana Paula Machado
sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República Técnica do Departamento de Patrimómio Cultural Núcleo de Toponímia - CML
No tempo da I República quando a rádio era ainda um ca e da Avenida 5 de Outubro, quer através dos checonjunto de experiências, a televisão um sonho e o fes militar e civil republicanos - Cândido dos Reis2 único meio de comunicação social existente, o jornal, e Miguel Bombarda3 - também em Avenidas. Aliás, servia apenas a minoria da população que sabia ler a República, a data da sua implantação e os seus – cerca de 25% 1, os topónimos de cada lugar conver- heróis Cândido dos Reis e Miguel Bombarda foram teram-se num veículo de difusão da República e dos reproduzidos pela toponímia de cada cidade e vila seus ideais por todo o país. Os nomes dos arruamen- portuguesa apresentando Lisboa a singularidade de tos principais de cada terra e da morada de cada um ser a única que ao Almirante Carlos Cândido dos Reis foram um veículo de divulgação dos valores republi- deu a denominação Almirante Reis e logo na artéria que havia sido antes de Dona Amélia e que entre canos em Portugal. 1908 e 1910 era o lugar habitual de ajuntamentos e Como no primeiro parágrafo de uma notícia quere- manifestações dos Republicanos. mos nesta comunicação responder à pergunta que mundo foi referenciado pela I República na toponí- É também logo neste primeiro edital que encontramia da cidade de Lisboa., quando, como e porquê. mos os 2 topónimos que perpetuam países estranPelos editais que instituem as placas toponímicas da geiros : a Praça do Brasil4 e a Avenida dos Estados cidade de Lisboa referentes a países e cidades estran- Unidos da América. geiras, bem como pelos antropónimos de personalidades estrangeiras, vamos descortinar as relações O Brasil era uma República há quase 21 anos (desde internacionais da novíssima República Portuguesa 15 de novembro de 1889) e a primeira Constituição que foram então impressas na capital do país. Republicana portuguesa, de 1911, era sobretudo inspirada na brasileira. Isto sem invalidar a cordialidade que habitualmente pautava as relações entre E embora o período da I República seja regularmen- Portugal e o Brasil, patentes até no facto toponímico te considerado de 5 de outubro de 1910 a 28 de de ainda antes das eleições de novembro que conmaio de 1926, para efeitos deste estudo considera- duziram a uma vereação republicana na Câmara de mos o tempo em que os republicanos detiveram o Lisboa, ter a edilidade lisboeta em 8 de Outubro de poder na Câmara Municipal de Lisboa, ou seja de 30 1908 atribuído o Largo Doutor Afonso Pena5 «em de novembro de 1908 até 3 de julho de 1926. Assim, homenagem à grande nação brazileira e ao seu actual registamos um total de 20 topónimos oficiais: 2 de illustre Presidente». Acresce ainda que o mesmo edipaíses, 5 de cidades e 13 antropónimos referentes a tal de 5 de novembro de 1910 que atribuiu a Praça personalidades estrangeiras. do Brasil reforçava a relação com essa república ao dar também a Praça do Rio de Janeiro6 que era então a capital da Federação brasileira7.
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O primeiro edital de 5 de novembro de 1910
Se somarmos a estes 2 topónimos os referentes a O primeiro edital de toponímia lisboeta após a pro- personalidades brasileiras fixadas nas placas toponíclamação da República, data de 5 de novembro de micas lisboetas no período da I República – Rua Luís 1910 e procurou fixar na memória da cidade esse Fernandes (Edital de 6 de fevereiro de 1923) e Rua acontecimento, quer através da Avenida da Repúbli- Rui Barbosa (Edital de 17 de outubro de 1924) – ficaDe acordo com OLIVEIRA MARQUES: 1986, em 1911, Portugal contava 75,1% de analfabetos (taxa total) e desses 77, 4% eram mulheres maiores de 7 anos. O censo de dezembro de 1911 indicava que a grande maioria da população habitava o campo e menos de 20% eram de condição urbana, dos quais muito mais de metade vivia em Lisboa e Porto. Desta situação nascia a preocupação da propaganda republicana anterior a 1910 em insistir na necessidade urgente de resolver o problema cultural do país e após a República, em difundir uma escola pública para ambos os sexos. 2 Suicidou-se na madrugada de dia 4 de outubro, convencido de que a revolução fora vencida. 3 Foi assassinado na manhã de 3 de outubro por um seu paciente, o tenente Aparício Rebelo dos Santos. 4 Corresponde ao actual Largo do Rato. 5 Corresponde ao actual Campo Pequeno e homenageia o 6º Presidente da República Federativa do Brasil, cujo mandato decorreu de 15 de novembro de 1906 a 14 de junho de 1909. 6 Corresponde à actual Praça do Príncipe Real. 7 Situação que se manteria até 21 de abril de 1960 quando a capital passa a ser Brasília. 1
mos com um total de 4 registos brasileiros.
1783 enquanto porta-voz dos colonos junto dos ingleses, membro da Comissão Redatorial da DeclaraLuís Fernandes8 afirmou-se como um colecionador ção da Independência e da Convenção para redigir de arte que ao retirar-se para Paris, em 1886, legou a Constituição Nacional (1787) e que ainda celebrou património seu ao Museu Nacional de Arte Antiga, com a Grã-Bretanha o Tratado de Versalhes que recocoleções essas que foram agrupadas numa sala com nhecia a independência das 13 colónias norte-ameo seu nome, assim como foi o organizador e principal ricanas. Por sua vez, Washington12 foi o 1º Presidendoador da Secção Portuguesa do Museu e Bibliotete dos Estados Unidos da América, unanimemente ca da Grande Guerra em Paris enquanto Rui Barbosa9 eleito na convenção de Filadélfia de 13 de maio de era um político, jornalista e orador que lutou na cam- 1787 e que desempenhou o cargo até 1797 porque se recusou a aceitar um 3º mandato, sendo o seu panha abolicionista, contra a ditadura e na defesa do nome dado à capital federal dos EUA em 1790. princípio da igualdade das nações nas instâncias internacionais. Assim, o Brasil e os Estados Unidos da América totalizam 4 topónimos cada, o que demonstra a primazia Os Estados Unidos da América que encontramos também neste 1º edital fixam uma outra federação dada a países que como Portugal eram repúblicas. Esta dedução pode ainda ser corroborada por este republicana: a que saiu da monarquia inglesa para mesmo primeiro edital republicano de 5 de novemconstruir uma federação de estados republicanos asbro de 1910 atribuir também a Rua de Berne, capital sente nos valores da liberdade, ainda no século XVIII da Suíça desde 1848 (pela constituição federal desse (4 de julho de 1776). ano), país que com a França e Portugal eram na Europa daquela época as únicas repúblicas. Refira-se Depois, em 1918, por Edital de 24 de setembro, ou ainda que no ano seguinte, por Edital de 7 de agosseja, no ano seguinte ao da entrada dos EUA na I Guerra Mundial (haviam declarado guerra à Alema- to, esta Rua de Berne viu a sua categoria rectificada nha em abril de 1917), juntou-se a Avenida Presiden- para Avenida. te Wilson10, perpetuando aquele que foi o presidente dos EUA de 1911 a 1921, Prémio Nobel da Paz em 1919 e que instituiu o sufrágio feminino. O Reino Unido
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E seis anos depois somam-se mais 2 antropónimos de americanos, dados pelo Edital de 17 de outubro de 1924, no então constituído Bairro América: a Rua Franklim e a Rua Washington. Refira-se no entanto que este Edital resulta de uma deliberação de câmara de 25 de novembro de 1918, isto é 14 dias após a assinatura do armistício de Compiègne que põe fim à I Guerra Mundial.
O Reino Unido é o país que mais topónimos conta, com 5 referências, todas no Bairro de Inglaterra, topónimo instituído pelo mesmo edital que os arruamentos, datado de 29 de agosto de 1916: Rua Cidade de Cardiff, Rua Cidade de Liverpool, Rua Cidade de Manchester, Rua Newton e Rua Poeta Milton. Todas as cidades homenageadas são marcos da indústria do Reino Unido, Newton13 é o cientista que descobriu a universal lei da gravidade e o Poeta Milton14 11 Franklim foi o estadista preponderante na inde- para além de escritor do século XVII, foi apoiante pendência das 13 colónias norte-americanas em de Cromwell, durante o período republicano inglês. 8
Luís Fernandes (Baía/30.11.1859 – 06.02.1922/Paris). Ruy Barbosa (Salvador/05.11.1849-01.03.1923/Petrópolis). 10 Thomas Woodrow Wilson (Virgínia/28.12.1856- 03.02.1924/Washigton). 11 Benjamin Franklin (Boston/17.01.1706-17.04.1790/Filadélfia). 12 George Washington ( 22.02.1732-14.12.1799). 13 Isaac Newton (Woolsthorpe-by-Colsterworth /25.12.1642-1727/Londres). 14 John Milton ( 1608-1674).
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germanica fuzilada em Bruxellas em 13 de Outubro de 1915», e esta denominação foi oficial 17 dias após a sua execução. Nove anos depois, pelo edital de 17 de outubro de 1924, homenagearam-se todas as enBernardino Machado defendera que o ponto nevrál- fermeiras que prestaram serviço durante a Guerra. gico da diplomacia da nova república portuguesa E, finalmente, surgem 2 registos relativos à Bélgica, deveria ser Londres e foi o seu ponto de vista que ambos de 30 de junho de 1926, atribuídos no denoprevaleceu. Em 3 agosto de 1914, o governo britâni- minado Bairro da Bélgica e que perpetuam figuras co pediu ao governo português que não declarasse ligadas à resistência aos alemães: o arcebispo de neutralidade nem participação na 1ª Guerra Mundial Malines e primaz da Bélgica, Cardeal Mercier17 que assegurando que reconheceria o direito de Portugal em 1915 publicou uma Carta Pastoral incitando ao às colónias africanas contra as pretensões ou iniciati- patriotismo e o General Leman, militar que defenvas da Alemanha e Portugal acedeu para defesa do deu Liége contra o invasor alemão e acabou prisioseu espaço colonial. Portugal tornou-se um elemen- neiro de guerra, cuja imagem foi usada nos postais to fundamental para o estabelecimento da rede de dos maços de tabaco ingleses em 1916. comunicação inglesa e, assim, Lisboa, Açores, Madeira e Cabo Verde, converteram-se em pontos militarmente estratégicos, e posteriormente, em alvos mi- Casos singulares: Estados Unidos do Sul e Espanha litares dos submarinos alemães durante o conflito o que levou a que em 23 de fevereiro de 1916 o Gover- Pelo Edital de 17 de outubro de 1924 foi também atrino português ordenasse a apreensão de 70 navios buída no Bairro América a Rua Bolívar, em homenaalemães e de dois austro-húngaros que se encontra- gem ao venezuelano Simon Bolívar18 que combateu vam em águas territoriais portuguesas, acção que o domínio espanhol na América do Sul, comandanlevou a Alemanha a declarar formalmente guerra a do as revoluções que promoveram a independência Portugal, em 9 de março de 1916, ou seja 6 meses da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Foi antes da capital perpetuar os topónimos ingleses. o 2º Presidente da Venezuela, o 1º da Grã-Colômbia (Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá), o 1º da República da Bolívia e tentou ainda implantar a República dos Estados Unidos do Sul, com a junção da Os topónimos da I Guerra Bolívia, Venezuela e Colômbia. Todavia, este arruaDeparamos ainda com 4 topónimos que home- mento em que se fixou mais um republicano nunnageiam figuras que se destacaram na I Guerra ca chegou a ser executado. Algo parecido sucedeu Mundial15 como é o caso da Rua das Enfermeiras com Francisco Ferrer19, desta feita um republicano da Grande Guerra, e mais 3 que concretamente se catalão que se destacou como fundador da Escodistinguiram no combate aos alemães: a Rua Edith la Moderna e que 12 dias após ser executado pela Cavell, a Rua General Leman e a Rua Cardeal Mercier. monarquia espanhola recebeu, por unanimidade, a atribuição de uma rua em Lisboa pela deliberação Cronologicamente, foi primeiro perpetuada Edith de câmara de 21 de outubro de 1909, tal como foi Cavell16, enfermeira da Cruz Vermelha que conforme feito na mesma altura em Paris e acompanhando o narra o edital municipal foi uma «Victima da tirania grau de consternação que então percorreu a Europa
Neste conjunto de topónimos de bairro e arruamentos atribuídos em plena época da I Guerra Mundial se reafirmou a aliança anglo-portuguesa.
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No dia 10 de Agosto de 1914, a França declarou guerra ao Império Austro-Húngaro dando início à I Guerra. Edith Louisa Cavell (4.12.1865 – 12.10.1915/Bruxelas). 17 Desiré Joseph Mercier (Braine-l’Alleud /21.11.1851-23.01.1926/Bruxelas). 18 Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios (Caracas-Venezuela/24.07.1783 – 17.12.1830/Santa Marta-Colômbia). 19 Francesc Ferrer y Guàrdia (Espanha - Alella/14.01.1859 – 13.10.1909/Barcelona – Espanha). 15
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e a América do Sul. Como o Governo Civil de Lisboa Bibliografia anulou o efeito prático da deliberação da edilidade lisboeta, após a implantação da República, o execuActas das sessões de Câmara tivo lisboeta voltou a dar o nome de Francisco Ferrer na sua reunião de 4 de setembro de 1913, desta feita Editais municipais à antiga Rua da Conceição da Glória, embora não se FERRÃO, Carlos, História da 1ª República, Lisboa: Terra Livre, 1976 encontre o subsequente Edital. MACHADO, Paula, «Os Estrangeiros vistos nas Ruas de Lisboa» in 3ªs Jornadas de Toponímia de Lisboa, Lisboa: CML, 2000 OLIVEIRA MARQUES, A.H. de, História de Portugal, Lisboa: Palas Editores, 1986, vol.III
Na toponímia de Lisboa a República substituiu todos PEREIRA, Teresa Sancha, «A Toponímia durante a I República» os símbolos da monarquia e muitos hagiotopónimos in II Jornadas de Toponímia de Lisboa, Lisboa: CML, 1997 pelos que emitiam na memória da cidade os valores Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, Lisboa: republicanos e, concretamente, pelas análise destas Selecções do Reader’s Digest, 1990, vol. 2 20 placas toponímicas da Lisboa republicana referentes a países e personalidades estrangeiras vemos transmitida a história da diplomacia portuguesa da época: - a valorização das outras Repúblicas existentes na época, como a Suíça, os Estados Unidos da América e particularmente, o Brasil; - a valorização das figuras republicanas internacionalmente reconhecidas no tempo da I República Portuguesa, como Simon Bolívar ou Francisco Ferrer; - a tradicional aliança com o Reino Unido, que no contexto da I Guerra Mundial se inscreve também na defesa e manutenção do património colonial português; - a exaltação de todos os heróis e mártires que contribuíram na I Grande Guerra para a derrota da Alemanha e, por conseguinte, para a vitória do Reino Unido e dos seus aliados.
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Menina vestida de RepĂşblica durante o carnaval. Benoliel , Joshua. 1911.
Da mística republicana à sua expressão toponímica António Reis
sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República Professor de História Contemporânea na FCSH da UNL e Investigador no IHC.
Cerca de 5% dos 4000 topónimos da cidade de Lisboa tes privilegiados da evolução histórica, uma espécie (197 em 4 000) evocam acontecimentos, instituições de santos laicos. Trata-se de uma filosofia da Hise figuras da Iª República, atribuídos entre 6 de Outu- tória, que seculariza o providencialismo teológico bro de 1910 e 1 de Julho de 1926 (cf. Ana Homem de no molde de um humanismo prometeico, fundado Melo, comunicação no colóquio A Vida Cultural na Lis- num optimismo simultaneamente determinista na boa da Iª República, 7.8 de Maio de 2010). Trata-se de sua base científica e messiânico no seu impulso afecum peso muito significativo no universo toponímico tivo de expressão nacionalista, com o consequente da cidade, e que se vê ora reforçado com a próxima culto da Pátria. Assim se explica a importância atriinauguração de novas placas toponímicas em home- buída pelo Partido Republicano às comemorações dos centenários de Camões e Pombal. nagem a outros vultos republicanos. Este peso considerável levou-me a interrogar-me so- A força de atracção desta filosofia profundamente bre as razões que o podem explicar, tanto mais que optimista, que se opunha ao decadentismo pessoube resistir às quatro décadas do Estado Novo, à simista das elites intelectuais monárquicas, era semelhança, aliás, do que aconteceu com outras rup- imensa. Desde logo no campo da formação de uma turas simbólicas operadas pela Iª República, como a opinião pública trabalhada incessantemente pela bandeira, o Hino, a moeda e a ortografia. Em todos imprensa e pelos comícios. Mas também no próprio estes casos, manifestou-se a força do ideal republica- povo miúdo, na plebe urbana, que cada vez mais no, apesar da sua prática ter ficado muito aquém dos vê a República de uma forma verdadeiramente visionária, como o novo Messias. É o que transpareseus propósitos. Ora, como explicar uma tal força, qual afinal a sua ce no depoimento de um soldado no Conselho de origem? É aqui que radica a hipótese subjacente ao Guerra do julgamento da revolta do 31 de Janeiro título desta comunicação, que decerto surpreendeu no Porto: “Eu, meu senhor, não sei o que é a Repúe intrigou muitos dos presentes. Com efeito, penso blica, mas não pode deixar de ser uma coisa santa. que a latitude da ruptura toponímica operada pelo Nunca na igreja senti um calafrio assim. Perdi a canovo regime, só pode ser compreendida à luz da di- beça, então, como os outros todos. Todos a perdemensão mística que o caracteriza. De facto, mais do mos. Atirámos então as barretinas ao ar. Gritámos, que um simples regime político alternativo à monar- então, todos: Viva! Viva, viva a República!...” (in Maquia, a República encarnava para os republicanos e nifesto dos Emigrados da Revolução do Porto de o seu partido o desenlace fatal e pré-determinado 31 de Janeiro de 1891). Mas é também o que está patente numa curiosa adaptação do Credo católico, da própria História, e o republicanismo, mais do que uma simples doutrina política sobre a forma de legi- da autoria de um colaborador do jornal republicano timação do poder político, pretendia ser toda uma portuense A Nova Pátria, no número comemorativo visão do cosmos, da vida e do homem potenciadora da Revolução de 5 de Outubro): “Creio na Deusa Nade opções éticas profundamente idealistas. A Repú- tureza, toda poderosa, criadora da terra Lusitana; e blica mais do que um regime era, pois, um ideal, e, na República, uma só sua filha, nossa Senhora; a qual mais do que um ideal, era mesmo toda uma mística. foi concebida por Espírito Revolucionário: nasceu na Uma mística inspirada na filosofia da história positi- cidade de Lisboa, padeceu sob o poder da monarvista com a sua teoria dos três estádios (teológico, quia tirana; foi crucificada, morta e sepultada em metafísico e científico), a sua religião laica da Huma- trinta e um de Janeiro de mil oitocentos e noventa nidade, fiel ao culto dos “Grandes Homens”, intérpre- e um; desceu às masmorras do jesuitismo; em cin-
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co de Outubro de mil novecentos e dez ressurgiu do martírio; subiu ao poder; está sentada à mão direita do Povo soberano, todo poderoso, de onde julgará os vivos e os mortos, mártires e traidores da Pátria. Creio na República Portuguesa. Na Igreja da Honra e da Moralidade. Na comunicação do Povo. Na remissão da dívida. No arrependimento de trânsfugas e farsantes. Na ressurreição da Pátria. Na vida eterna da Ordem e Trabalho. Amen. Porto, V-X-MCMX. António Joaquim Pereira” (citado por João Medina in Oh! A República!.., p.45) Estamos perante dois exemplos flagrantes daquilo a que chamei “mística republicana”, ela própria reflexo de uma filosofia da História com uma enorme força de atracção tanto entre as elites como na plebe urbana. É uma tal mística que opera toda uma série de rupturas simbólicas irreversíveis, entre as quais a toponímica, com a sua permanente visibilidade no quotidiano citadino.
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Pris達o do Aljube.
Um contributo para a memória histórica da Ditadura: a recuperação do edifício da antiga prisão do Aljube, em Lisboa
sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República Irene Pimentel Historiadora. Comissão Municipal de Toponímia.
A memória da ditadura que vigorou em Portugal, quecimento, que permita dar lugar ao presente. O desde 1926, tem sofrido mudanças, ao longo dos úl- esquecimento não pode, no entanto, ser irreversível, timos trinta anos de democracia. Numa primeira fase, mas deve ser, sim, um esquecimento de «reserva», caracterizada pelo estilhaçar violento do espelho do que, como os museus e os arquivos (condição, tanto próprio regime ditatorial, procurou-se destruir os da memória pacificada, como da análise e narrativa alicerces do passado muito recente, através de uma histórica), tem a capacidade de preservar e possibilitorrente informativa algo obsessiva e ideologicamen- ta a luta, quer contra a amnésia destrutiva, quer conte marcada. No decurso dos anos oitenta, houve um tra a recordação permanente e obsessiva. segundo período, marcado pelo discurso do duplo legado da democracia e por um certo recalcamento da memória da ditadura, devido às clivagens então Ausência de locais de memória da ditadura produzidas na sociedade portuguesa, durante e na Ora, Portugal é talvez dos poucos países da Europa sequência do chamado «Verão Quente de 1975». Nos últimos dez anos, tem havido um levantamento onde há uma quase total falta de locais de memóprogressivo dos recalcamentos, muito devido à pers- ria física dos tempos da repressão e da ditadura de pectivação e hierarquização da massa de informa- Oliveira Salazar e Marcello Caetano, devido à quase ções perspectivação e hierarquização da massa de inexistência de museus. Só para dar um exemplo do informações, possibilitadas pelo trabalho historio- abandono e da alienação dos locais onde se exercia gráfico e a narrativa histórica. Este processo não dei- a repressão ditatorial, refira-se o da transformação xa, porém, de ser por vezes entrecortado por acessos do edifício sede da antiga polícia política - PIDE/DGS esporádicos de memória traumática, reveladores de - em condomínio privado sem que o(s) poder(es) e que as feridas nem sempre sararam e que, por vezes, a opinião pública tivessem tomado qualquer iniciativa para o impedir ou, pelo menos, para impor cono passado tem relutância em «passar». Segundo o filósofo francês Paul Ricoeur, há duas ati- dições à sua transformação de modo a preservar a tudes que contribuem para o desenvolvimento de memória. uma memória patológica. Há, por um lado, a «insu- Para se erguer contra este estado, surgiu a vontade, ficiência» de memória; ou seja, a atitude de fuga e da parte do Movimento Cívico Não Apaguem a Menegação dos momentos traumáticos do passado, mória, do Instituto de História Contemporânea da FCSH/UNL e do Arquivo & Biblioteca da Fundação através da qual se está incessantemente condenado Mário Soares, de propor à Comissão para as Comea revivê-lo de forma doentia. A outra face da mesmorações do Centenário da República e á Câmara ma memória traumática, ou infeliz, é o «excesso» de memória, que substitui a recordação verdadeira, Municipal de Lisboa a realização de uma exposição, através da qual o presente se reconcilia com o pas- intitulada «A Voz das Vítimas». A ideia era ainda realisado, por uma atitude de repetição compulsiva e de zar essa exposição no espaço da antiga prisão do Aljube, em Lisboa, entretanto entregue pelo Ministépassagem ao acto. Contra a míngua e o excesso de memória, Paul Ri- rio da Justiça à autarquia de Lisboa, para ali se erguer coeur deu como solução o «trabalho da memória», a prazo um museu da Repressão e da Resistência à que identificou ao «trabalho de luto». Trata-se na Ditadura. realidade do «trabalho da História», que tem de do- A cadeia do Aljube é hoje provavelmente o local minar tanto a arte da memória, como a arte do es- mais simbólico para todos aqueles que, até Abril de
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1965, sofreram a prisão pela PIDE, polícia política à ços Prisionais/Ministério da Justiça, onde cumpriam qual esse edifício prisional ficou adstrito, desde 1936. normalmente a pena de prisão maior a que tinham Por esta prisão passaram, em regime mais ou menos sido condenados. longo de isolamento nos «curros» ou nas «gavetas», As presas ficavam sempre no forte de Caxias, cárcere inúmeros presos do sexo masculino, desde republi- privativo da PIDE/DGS, quer durante o período de canos históricos e “reviralhistas”, a comunistas, pasprisão preventiva, quer para cumprir as penas a que sando por sindicalistas e anarquistas, que resistiram eram condenadas, bem como as medidas de seguao regime ditatorial que vigorou em Portugal, entre rança de internamento. Embora na cadeia no Aljube 1926 e 1974. estivessem estado encarcerados ocasionalmente presos políticos e sociais durante a I República, não parece ter sido então uma prisão destinada a «crimes» de natureza política até ao golpe de estado As prisões políticas e a cadeia do Aljube que instaurou a ditadura, em 28 de Maio de 1926. Durante a Ditadura militar e Nacional (1926 a Dois anos depois, segundo os dado hoje conheci1932/33) e no período do Estado Novo, eram prisões dos, o Aljube transformou-se em cadeia política para privativas da polícia política portuguesa – Polícia de presos do sexo masculino, em cumprimento de peInformações/ Polícia Internacional/Polícia de Defesa nas ou sem processo, às ordens das várias polícias Política e Social (PDPS)/ Polícia de Vigilância e Defesa políticas, que se foram sucedendo na Ditadura milido Estado (PVDE), antecessora da Policia Internacio- tar e depois no Estado Novo. nal e de Defesa do Estado (PIDE) e da Direcção Geral Os «delitos políticos e sociais» e a sua punição foram de Segurança (DGS) – a cadeia do Aljube, em Lisboa, definidos, pelo então novo regime salazarista, em 5 o forte de Caxias e as cadeias das delegações do Por- de Dezembro de 1932, e sofreram nova sistematizato e de Coimbra. O forte de Peniche e a “colónia pe- ção através do DL n.º 22 203, de 6 de Novembro de nal” do Tarrafal ficaram, a partir de 1945, sob a tutela 1933, onde se referia que o cumprimento de penas para esses «crimes» deveria ocorrer em «prisões esda Direcção-Geral dos Serviços Prisionais do Minispeciais». Em 29 de Junho de 1934, o DL n.º 24 112 tério da Justiça. No período de prisão preventiva, os criou a Secção de Presos Políticos e Sociais da PVDE, presos políticos podiam ficar nas prisões das delepolícia política criada no ano anterior que ficou a tugações da PIDE/DGS, no Porto e em Coimbra, mas o telar todos os edifícios prisionais de encarceramento mais habitual é que fossem transferidos para Lisboa. de presos políticos. Até meados dos anos 60, quando o edifício prisional Nos anos 40, o Aljube recolhia os presos políticos foi encerrado, os presos do sexo masculino ficavam durante a fase de interrogatórios, que ficavam conem regime de prisão preventiva no Aljube ou no refinados nos chamados «curros» em regime de total duto norte de Caxias, onde também permaneciam isolamento, apenas entrecortado pelas idas à sede as detidas políticas. Todos os presos, até aos anos da PVDE/PIDE, onde os métodos policiais de «invessetenta, eram chamados a interrogatórios à sede da tigação» utilizados eram utilizados os espancamenPIDE/DGS, na rua António Maria Cardoso, embora tos e as torturas da estátua e do sono. Ao descrever o também tivesse havido interrogatórios no próprio «curro» ou «gaveta» do Aljube onde esteve encarceAljube, até esta cadeia ser encerrada. Depois de rado, o padre angolano Joaquim Pinto de Andrade condenados, os presos (homens) eram remetidos para o forte de Peniche, cadeia gerida pelos Servi- contou que se tratava de uma «enxovia estreitíssima,
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de um metro de largura por dois de comprimento, gios arqueológicos; O parlatório, Utilização do Aljuonde a luz e o ar entravam por um postigo de 15 x 20 be durante a Ditadura, Loja; cm., filtrados através de duas férreas portas, postigo, aliás permanentemente fechado». Quando o preso - 1.º andar - Estrutura e organização da polícia poestava sentado na tarimba, que lhe servia de cama, lítica; Principais instrumentos de Repressão; A Utilios joelhos roçavam a parede. O Aljube foi encerrado zação sistemática da tortura; Tribunais políticos; 48 como prisão politica no verão de 1965, mas ainda casos exemplares (fichas com a fotografia e um bredurante o período ditatorial, na vigência de Marcello ve currículo de cada preso escolhido e das violências Caetano, em 1969/70, já sob tutela do ministério da exercidas sobre eles) e Sala multimédia; Justiça, o edifício teve obras para servir novamente como prisão, embora não conste que assim tenha - 2.º andar - Reconstituição dos Curros; Fugas do Aljube; acontecido. Após o fecho da Exposição «A Voz das Vítimas», em 31 de Dezembro de 2012, falta agora preservar o Patente ao público na antiga cadeia do Aljube, em próprio edifício do Aljube e transformá-lo num muLisboa, entre os meses de Maio e de Dezembro de seu para ser deixado às próximas gerações. O já re2011, a Exposição «A Voz das Vítimas», realizada pe- ferido «trabalho de História» é um duplo trabalho las já referidas três instituições, em estreita colabo- de recordação e de luto, que, ao dar uma «sepulturação com a Comissão para as Comemorações do ra» aos mortos, cumpre a «dívida» que temos para Centenário da República e com a Câmara Municipal com estes. Assegura, por outro lado, a ligação entre de Lisboa, foi visitada por muitos portugueses e es- o passado e o futuro, bem como a relação entre as trangeiros que, no geral, manifestaram o seu interes- gerações, ao contribuir para transformar a memória se e o seu apreço pela iniciativa no Livro de Visitan- infeliz, em justa memória.
«A Voz das Vítimas». Da Exposição ao Museu?
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tes. Do antigo edifício, foi aproveitada a parcela do piso térreo susceptível de utilização, devido a alguns condicionamentos decorrentes das escavações ali realizadas, enquanto o 1.º andar foi recuperado sem alterações significativas na organização do espaço, tal como se encontrava em 2009, quando foi cedido pelo ministério da Justiça à CML. Finalmente, foi possível proceder a uma intervenção parcial no 2.º andar, para ali serem recriados seis das celas de isolamento («curros») das catorze anteriormente existentes. Nos três pisos do edifício, a exposição «A Voz das Vítimas», desenhada por Henrique Cayatte, apresentou os seguintes módulos:
- R/C - História patrimonial do edifício; Peças e vestí-
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Sede do Jornal O Mundo. c. 1911
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Toponímias da República José-Augusto França
Mestre em História de Arte.
Instaurada, a República tomou conta dos espaços de Avenida da Liberdade com que, no fim do sécupúblicos do país— e logo dos paços reais que de- lo monárquico, fora suficientemente batizada, mas ram, em Belém, a residência ao presidente da Repú- no seu topo não era possível repor o nome inicial blica e nas Necessidades sede ao Ministério dos Ne- do Parque da Liberdade, sem perigosa ofensa digócios Estrangeiros, quando o do Reino se tornou plomática a Eduardo VII da Grã-Bretanha que o bado Interior, mas num Terreiro do Paço que manteria tizara sete anos atrás, vindo em visita de Estado à o nome popular apesar do oficial que era Praça do Lisboa de D. Carlos I. Mas duas recentes vias que marcaram o desenvolComércio desde a Lisboa Pombalina. A mudança das designações foi, na mudança do vimento duplo da cidade, em novas urbanizações regime, sinal linguístico e simbólico da maior im- planeadas nos fins do século anterior e no início do século XX, do sítio das Picoas para o Campo Peportância. Universidades e Museus (no Porto, instalado no queno e a partir dos Anjos, na direção do Areeiro, paço real local que era o palácio dos Carrancas) deram ocasião para dois novos rebatismos históriforam instituições criadas ou reclamadas então ou cos. A principal passaria a ser Avenida da Repúblique perderam no nome a designação “Real” que ca, substituindo o nome do engenheiro (e político cabia, por distinção, à Academia das Ciências ou monárquico) Ressano Garcia, que assegurara a sua à Academia de Belas Artes. A principal de todas, ordenação urbanística (e que, felizmente, falecera vinda da monarquia constitucional de 1820 e de em 1909); a segunda passaria a evocar o Almiran1834, com nova gente majoritária, passou a ser as te Cândido dos Reis, que se suicidara no início da Cortes da República mantidas no antigo espaço de revolução republicana, trocando o nome indesejáSão Bento, onde uma estátua foi encomenda para vel da Rainha D. Amélia que lhe fora inicialmente substituir a que não chegou a ser realizada, do úl- dado. Conduzindo às Cortes, a Rua D. Carlos I pertimo rei. Os teatros, esses deixaram de ser de D. deu também o nome para uma toponímia simplesMaria II, de D. Amélia ou do Príncipe Real, para se mente funcional (Avenida das Cortes), antes que tornarem em Almeida Garrett, República ou Apo- logo no após guerra, recebesse o nome do Presilo, mantido, porém, S. Carlos por esquecimento da dente Wilson (19 de Setembro de 1918). O Estado D. Carlota Joaquina que evocara. Nas fachadas, o Novo reporia o nome do monarca, mas não o da brasão de D. Afonso III foi colocado sobre a esfera rainha, na “Almirante Reis”… A data inicial destas mudanças toponímicas (que armilar de D. Manuel I, em novas armas nacionais contemplaram também Miguel Bombarda na exque passaram à bandeira aprovada, e perdeu a coroa real, nos piores dos casos substituída por uma -rua Hintze Ribeiro) foi o 5 de Novembro de 1910, a um mês certo da proclamação da República, mas, pequena esfera armilar, em improvável equilíbrio. Se o primeiro espaço público do país era obvia- por reação emocional que bem se compreende, o mente constituído pelas cidades e vilas, que não nome do Almirante Reis (que teve solene funeral perderam a classificação de “real” que coubera às comum com Miguel Bombarda) fora decidido já Vilas Reais de Trás-os-Montes ou de Santo António, em 13 de Outubro. o mais numeroso espaço utilitário era sempre o Outras vias de tradicional homenagem monárdas ruas, e aí a toponímia imediatamente ofereceu quica trocaram também então de nome, como simbólicas substituições em todo o país. Na capi- as pombalinas Rua Nova da Rainha (esposa de D. tal, a principal artéria não teve que alterar o nome José I; que foi da Prata) e da Princesa (a futura D.
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Maria I; que foi dos Fanqueiros), a Praça do Príncipe duques de Loulé e de Ávila, marquês de Tomar, e Real (que se referia inicialmente ao futuro D. Pedro Rodrigo da Fonseca, Rodrigues Sampaio e António V, mas depois também a D. Carlos, a D. Luís Filipe Augusto de Aguiar, ou João Crisóstomo e António ou, por último, ao Infante D. Afonso) tornou-se Praça de Serpa, batismos de 1902, ano toponimicamendo Rio de Janeiro, antes de voltar ao primeiro nome, te fecundo, mas não os de José Luciano de Castro em 1948, com o sabor que cabia ao jardim române de Hintze Ribeiro, do mesmo ano, os dois últitico plantado em meados de Oitocentos. A Rua do mos chefes dos partidos “ rotativistas”, que passaPríncipe, a par do Rossio (que se referira, na altura ram a ser dos dirigentes republicanos Elias Garcia pombalina, a D. José, neto malogrado de D. José I) e, como vimos, Miguel Bombarda, logo em 5 de foi de Primeiro de Dezembro, mas só em 7 de Agos- Novembro de 1910; ou de Pinto Coelho, o chefe leto de 1918, em situação sidonista. Esquecida, pogitimista que cedeu oportunamente o nome, em rém, ficou até hoje uma Rua da Princesa que evoca, 23 de Setembro de 1912, aos republicanos Defenem Alcântara, ao que parece, D. Francisca, filha de sores de Chaves, nas guerrilhas monárquicas desse D. João VI. ano. Ressano Garcia, esse foi justamente relembraDe monarcas comemorados, a República manteve do nas Avenidas Novas que planeara, mas só em conscienciosamente os nomes de D. Pedro IV, o rei 1929, dezanove anos após a eliminação que sofreliberal e “dador”, embora a sua praça seja sempre ra politicamente em 1910; e o seu colaborador Anconhecida e correntemente nomeada por Rossio; e tónio Maria de Avelar também, bem tardiamente, de D. Pedro V, por romântica simpatia, desde 1885. em 1971, ele que cedera, em 5 de Novembro de A primeira toponímia lisboeta de homenagem 1910 igualmente, o seu nome à Avenida Cinco de pessoal, além das de uso local ou de vizinhança, Outubro, como vimos. Topónimo este que veio a mais antigas, foi a Rua (Nova) d’ El-Rei, referida a D. caber, duplicadamente, como jardim, a um pequeAfonso V, pelo menos desde 1466, que subsistira no espaço a par da Basílica da Estrela, que toda a ao Terramoto de 1755, com as suas consequentes vizinhança prefere, porém, designar por Jardim da alterações urbanísticas (( mesmo que conhecida Burra, graças a um medíocre grupo escultórico, de pelo nome das (antigas) Capelistas do local )), to- evocação bíblica lá levantado. mou o nome de Rua do Comércio em 5 de Novem- Em 18 de Novembro de 1910, dois jornais republibro de 1910. canos de grande e discutível ação partidária após O primeiro Itinerário Lisbonense ou Directório a Revolução, deram nomes às ruas em que tinham Geral “de todas as ruas, travessas, becos, calçadas, instalação: O Mundo à Rua da Misericórdia, que praças, etc. ” existentes em 1804 registou a área retomou a designação anterior em 1937, por inurbana de Lisboa, após terramoto comportando fluência festejada do Diário da Manhã que viera todos os nomes de então, para necessária infor- a tomar conta dos seus bens imóveis, como quomação do “respeitável público”, a que foi anonima- tidiano do Estado Novo, e A Lucta à rua dos Dumente oferecido. ques de Bragança que recuperou o topónimo em Quanto a figuras da monarquia constitucional fi- 1956. No jornalismo republicano ainda, Heliodoro nal, a República conservou, nas Avenidas Novas Salgado substituíra o nome da Calçada do Monte que então necessariamente se batizavam, os no- Agudo em 21 de Outubro de 1909 (numa Câmara mes dos falecidos Fontes Pereira de Melo (com já republicana), Angelina Vidal o do Forno de Tijolo monumento previsto e primeira pedra posta), em 1924, em fins da I República, e Cecílio de Sousa
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o da Rua da Procissão, curiosamente já três semanas depois do 28 de Maio, certamente por distração dos poderes públicos. … Assim mais ou menos se processaram as substituições e arranjos toponímicos no espaço histórico republicano de Lisboa, com confusões e esquecimentos (ou desforras) que sempre e inevitavelmente assistem a todas as toponímias.
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