A Arquitetura Escolar e a Formação do Indivíduo - Gabriela Rosolem

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

GABRIELA ROSOLEM

A ARQUITETURA ESCOLAR E A FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO

SÃO PAULO 2015



[A ARQUITETURA ESCOLAR E A FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO]

Trabalho final de graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie para a obtenção do título de Arquiteta e Urbanista.

Orientador: Prof. Esp. Guilherme Lemke Motta São Paulo, 2015

GABRIELA ROSOLEM



[ Agradecimento ]

Aos meus pais, Roberto Rosolem e Ângela Maria L. da S. Rosolem, pelo apoio e incentivo durante esses cinco anos. À minha irmã, Camila Rosolem, pela compreensão e cumplicidade. À minha família pela torcida e orações. A todos os colegas de curso e docentes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie pelo auxílio, orientação e compartilhamento do conhecimento durante toda a minha formação. Aos verdadeiros amigos que sempre estiveram ao meu lado dando suporte e concederam um significado muito maior e especial sobre o que uma Universidade representa. Serei eternamente grata pelo companheirismo, lealdade e dedicação encontrados nessa importante etapa da minha vida.


[ Resumo ]

A arquitetura é a arte de projetar espaços organizados e criativos para abrigar os diferentes tipos de atividades humanas, se configurando na disposição dos elementos que compõem os edifícios e os espaços urbanos em geral. Isto posto, a arquitetura escolar ultrapassou o limite formal da concepção dos espaços e agregou à suas edificações, ideologias e formas de pensar de cada período histórico na qual estava inserida, expressando o desenvolvimento da produção de conhecimento no país. Através de uma análise partindo do século XVI até os dias atuais, este estudo buscou identificar os fatores políticos, econômicos e sociais que interferiram e influenciaram as construções escolares e, consequentemente, elevaram a educação pública como prioridade nacional, exigindo sensibilidade e suporte técnico para projetar os ambientes de uma escola, uma vez que “sua relevância social e cultural é central para a construção de uma sociedade mais igualitária e para a formação de indivíduos cidadãos” (KOWALTOWSKI, 2014, p.5) Com a finalidade de entender os parâmetros instrutivos ao longo dos anos, a história da educação no Brasil foi organiza-


da e dividida em cinco capítulos (séc XVI à bientes e a integração entre a comunidade séc XIX; séc. XIX a 1920; 1920 a 1950; 1950 e o equipamento inserido em determinado a 1990; 1990 a 2015) que descrevem o con- território, diferenciando-se pelos programas texto de cada época e justificam as ações de propostos em cada instituição de ensino. projeto, diretamente atreladas às ideologias É nesse contexto que insiro minha e problemáticas presentes nas diferentes fa- proposta projetual enfatizando – na escala ses que ocorreram no campo educacional do projeto – a importância de uma arquitedesde as primeiras instruções realizadas pe- tura dinâmica que valoriza a integração entre los jesuítas. aluno, ambiente de ensino e comunidade, As construções de edifícios que se- criando um espaço que oferece as condições paravam meninos e meninas em ambientes necessárias para promover um aprendizado distintos marcaram a arquitetura escolar no de maior qualidade. Em uma escala mais final do império, assim como a criação da ampla – inserção do edifício na quadra e no Escola Normal, responsável pela preparação bairro – procurei dispor os blocos de maneidos professores que ofereciam as instruções ra que os mesmos não representassem uma de primeiras letras. Em seguida, a ideologia barreira física e ideológica para a população liberal presente nos colégios norte-america- que vive naquele território e fazer do equinos e europeus influenciaram as propostas pamento, uma infraestrutura favorável ao escolares do início do século XX através do desenvolvimento da sociedade. movimento da Escola Nova que, atrelado a outros movimentos dos anos posteriores, deram origem às Escolas-Parque, adotando o conceito da escola como ponto de convívio da comunidade. A partir de então, novas concepções foram agregadas à arquitetura escolar, como podemos notar nas edificações dos CIEPs, FDEs e, finalmente, CEUs, Palavras-chave: história da educação braos quais buscaram a padronização dos am- sileira; arquitetura escolar; escola pública


[ Abstract ]

Architecture is the art of projecting organized and creative spaces to house the different types of human activity, configuring itself in the disposition of elements that compound the buildings and urban spaces in general. Therefore, school architecture has surpassed the formal limit of space conception and added to its edifications ideologies and forms of thinking of each historical period in which it was inserted, expressing the development of production knowledge in this country. Through an analysis that has started in the XVI century and followed until current days, this study aimed to identify political, economic, and social factors which interfered and influenced the school buildings and, consequently, elevated the public education as a national priority, demanding sensitivity and technical support to project the school environments, considering that “its social and cultural relevance is central to the construction of a more egalitarian society and to the formation of citizen individuals� (KOWALTOWSKI, 2014, p.5) In order to understand the instructive parameters throughout the years, the history of education in Brazil has been orga-


nized and divided in five chapters (XVI to XIX Century; XIX Century to 1920; 1920 to 1950; 1950 to 1990; 1990 to 2015) that describe the context of each time and justify the project actions directly tied to the ideologies and problems presented in each different phase that the educational field has passed through since the first instructions performed by the Jesuits. The construction of buildings that separated males and females in distinct environments marked school architecture in the end of the empire, as well as the creation of “Escola Normal”, responsible for the preparation of teachers who offered instructions of primary education. Subsequently, the liberal ideology presented in North-American and European schools influenced the school propositions in the beginning of the XX century through the movement of Escola Nova which, tied to other movements from later years, has originated Escolas-Parque, adopting the concept of school as a point of interaction among people. From then on, new concepts have been added to school architecture, as it is possible to notice in the edifications of CIEPs, FDEs, and finally CEUs, which sought the standardization of spaces

and the integration between the community and the equipment inserted in a given territory, distinguishing itself by the programs proposed in each educational institution. In that context, I insert my projectual proposition emphasizing, in the scale of the Project, the importance of a dynamic architecture that values the integration between the student, the teaching environment, and the community, creating a space which offers necessary conditions to promote a better quality learning. In a greater scale - insertion of the building in the square and the neighborhood – I tried to dispose the blocks in a way that they did not represent a physical and ideological barrier to the population who lives in that territory and make from the equipment a favorable infrastructure to society’s development.

Keywords: history of brasilian education; school architecture; public school


[ Lista de Ilustrações ] Figura 1: Pátio do Colégio

26 Disponível em: <http://historia-e-estorias.blogspot.com.br/2010/09/fotos-do-centro-de-sao-paulo. html>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 2: Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro.

28

Disponível em: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2652>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 3: Sala de aula composta apenas por meninos – Escola Normal Caetano de Campos.

29 Disponível em: <https://sampahistorica.wordpress.com/tag/escola-normal/>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 4: Sala de aula composta apenas por meninas – Escola Normal Caetano de Campos.

29 Disponível em: <https://sampahistorica.wordpress.com/tag/escola-normal/>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 5: Colégio Dom Pedro II.

31 Disponível em: <https://alfredojunior.wordpress.com/2012/06/18/curiosidade-qual-o-colegio-mais-antigo-do-brasil/>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 6: Escola Normal de São Carlos. 42 BUFFA, Ester; PINTO Gelson de Almeida. Arquitetura e Educação: Organização do Espaço e Propostas Pedagógicas, 1893/1971. São Carlos, 2002, p.45.


Figura 7: Escola Modelo da Luz.

44 CORREA, Maria Eliza; MELLO, Mirela Geiger de; NEVES, Helia Maria Vendramini. Arquitetura Escolar Paulista: 1890 – 1920. São Paulo, 1991, p.3.

Figura 8: Grupo Escolar Visconde de Congonhas do Campo.

55 CORRÊA, Maria Elizabeth; FERREIRA, Avany de Francisco; MELLO, Mirela Geiger de. Arquitetura Escolar Paulista: restauro. São Paulo, 1998, p.23.

Figura 9: Croquis das escolas-classe (1948), em São Paulo, de Hélio Duarte.

64 BASTOS, Maria Alice Junqueira. A Escola-Parque: o sonho de uma educação completa (em edifícios modernos). Disponível em: < http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/178/a-escola-parque-ou-o-sonho-de-uma-educacao-completa-em-122877-1.aspx>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 10: Centro Educacional Carneiro Ribeiro (em duas etapas: 1947 e 1956), em Salvador, de Diógenes Rebouças. 66 BASTOS, Maria Alice Junqueira. A Escola-Parque: o sonho de uma educação completa (em edifícios modernos). Disponível em: <http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/178/a-escola-parque-ou-o-sonho-de-uma-educacao-completa-em-122877-1.aspx>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 11: Centro Educacional Carneiro Ribeiro (em duas etapas: 1947 e 1956), em Salvador, de Diógenes Rebouças. 66 BASTOS, Maria Alice Junqueira. A Escola-Parque: o sonho de uma educação completa (em edifícios modernos). Disponível em: <http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/178/a-escola-parque-ou-o-sonho-de-uma-educacao-completa-em-122877-1.aspx>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 12: Escola de Itanhaém, Vilanova Artigas.

68

A Escola de Itanhaém e as vocações latentes das cidades. Disponível em: < http://nareal.com.vc/aescola-de-itanhaem-e-as-vocacoes-latentes-das-cidades/>. Acesso em: 9 nov. 2015.


Figura 13: Implantação Escola de Guarulhos (atual EE Conselheiro Crispiniano).

69 BUFFA, Ester; PINTO Gelson de Almeida. Arquitetura e Educação: Organização do Espaço e Propostas Pedagógicas, 1893/1971. São Carlos, 2002, p.143.

Figura 14: Escola de Guarulhos (atual EE Conselheiro Crispiniano).

70 FDE – FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Arquitetura Escolar Paulista: restauro. São Paulo, 1998, p.33.

Figura 15: Escola de Guarulhos (atual EE Conselheiro Crispiniano).

71 FDE – FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Arquitetura Escolar Paulista: restauro. São Paulo, 1998, p.33.

Figura 16: Esquemas de alguns ambientes para os projetos escolares administrados pela FDE: (a)

Biblioteca; (b) Refeitório; (c) Sala de aula com layout; (d) Sanitários de alunos. 72 FDE – Fundação para o desenvolvimento da educação. Catálogos de ambientes: especificações da edificação escolar de primeiro grau. São Paulo: FDE, 1997

Figura 17: FDE – Escola Várzea Paulista / FGMF.

73 Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/01-19508/fde-escola-varzea-paulista-fgmf>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 18: FDE – Escola Várzea Paulista / FGMF.

73 Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/01-19508/fde-escola-varzea-paulista-fgmf>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 19: FDE – Escola Várzea Paulista / FGMF.

73 Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/01-19508/fde-escola-varzea-paulista-fgmf>. Acesso em: 9 nov. 2015.


Figura 20: CIEP Tancredo Neves.

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Disponível em: <http://www.aperj.rj.gov.br/galeriagovernadores7.htm>. Acesso em: 9 nov. 2015.

Figura 21: Planta 1 Pavimento - Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB.

83 Disponível em: < http://www.archdaily.com.br/br/01-25980/escola-de-ensino-fundamental-fde-campinas-f1-mmbb>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 22: Corte - Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB.

83 Disponível em: < http://www.archdaily.com.br/br/01-25980/escola-de-ensino-fundamental-fde-campinas-f1-mmbb>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 23: Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB.

84 Disponível em: < http://www.archdaily.com.br/br/01-25980/escola-de-ensino-fundamental-fde-campinas-f1-mmbb>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 24: Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB.

85 Disponível em: < http://www.archdaily.com.br/br/01-25980/escola-de-ensino-fundamental-fde-campinas-f1-mmbb>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 25: CEU Rosa da China.

87 Disponível em: <http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Noticia/Visualizar/PortalSMESP/CEURosa-da-China--Programacao-de-maio-de-2015>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 26: CEU Jambeiro.

88 Disponível em: <http://www.portalsme.prefeitura.sp.gov.br/anonimosistema/detalhe.aspx?List=Lists/ Home&IDMateria=1440>. Acesso em: 6 out. 2015.


Figura 27: CEU Jambeiro.

89 Disponível em: <http://arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/alexandre-delijaicov-andre-takiya-e-wanderley-ariza-centros-educacionais-23-10-2003>. Acesso em: 6 out. 2015.

Figura 28: Penha – Zona Leste. Área: 5140,95m².

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 29: Vila Jacuí – Zona Leste. Área: 6200,56m². Autoria: Gabriela Rosolem.

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Figura 30: Vila Curuça – Zona Leste. Área: 8896,48m².

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 31: Localização da área de intervenção.

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 32: Levantamento do terreno e entorno.

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 33: Foto panorâmica do terreno.

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Acervo pessoal.

Figura 34: Esquema de fluxos.

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 35: Setorização do terreno. Autoria: Gabriela Rosolem

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Figura 36: Acessos – primeira proposta.

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 37: Croqui – primeira proposta

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 38: Acessos – proposta final

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 39: Locação dos edifícios projetados no terreno.

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 40: Simulação da ação do vento no edifício projetado.

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Autoria: Gabriela Rosolem

Figura 41: Implantação dos edifícios pelo térreo adicionada à análise (considerando volume e altura) feita pelo programa FLOW DESIGN. Programa FLOW DESIGN

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Figura 42: Vista aérea (volume completo) – Análise FLOW DESIGN

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Programa FLOW DESIGN

Figura 43: Vista aérea (volume completo) – Análise FLOW DESIGN

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Programa FLOW DESIGN

Figura 44: Perspectiva (auditório / quadra / fund. e médio) – Análise FLOW DESIGN Programa FLOW DESIGN

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Figura 45: Perspectiva (ensino infantil) – Análise FLOW DESIGN

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Programa FLOW DESIGN

Figura 46: 1 pavimento (Ensino Fundamental e Médio) – Análise FLOW DESIGN

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Programa FLOW DESIGN

Figura 47: 2 pavimento (Ensino Fundamental e Médio) – Análise FLOW DESIGN

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Programa FLOW DESIGN

Figura 48: 3 pavimento (Ensino Fundamental e Médio) – Análise FLOW DESIGN Programa FLOW DESIGN

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Cepal Comissão Economia para a América Latina e Caribe CEU Centro Educacional Unificado CIEP Centro Integrado de Educação Pública CONESP Companhia de Construção de São Paulo EMEI Escola Municipal de Educação Infantil ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes ENEM Exame Nacional do Ensino Médio EUA Estados Unidos da América FDE Fundação para o Desenvolvimento da Educação FECE Fundo Estadual de Construções Escolares FIES Fundo de Financiamento Estudantil FMI Fundo Monetário Internacional FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-

[ Lista de Siglas ]

cação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental JK Juscelino Kubitschek LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC Ministério da Educação e Cultura PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PNE Plano Nacional da Educação ProUni Programa universidade para todos SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica UNE União Nacional dos Estudantes UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization USAID United States Agency for International Development


[ Sumรกrio ]


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Introdução

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A origem da educação no Brasil. O projeto português (séc. XVI à final séc. XIX)

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| O ensino na Primeira República (final séc. XIX a 1920) 41 | Edificações escolares: República Velha

47

|

A influência norte americana na instrução brasileira (1921 a 1950)

53

57

|

Edificações escolares: A reformulação do ambiente de ensino

A educação no período da industrialização e da ditadura militar (1950 a 1990)

63

77

|

|

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Edificações escolares: A escola como ponto de convívio da comunidade

O ensino brasileiro e o novo paradigma capitalista (1990 a 2015)

83

|

Edificações escolares: Projetos contemporâneos

91

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O projeto: Complexo Escolar

122

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Considerações Finais

126

|

Referências


22

[ Introdução ]

Após décadas de pesquisas, publicações e diferentes propostas para a arquitetura escolar brasileira, ainda se ouvem críticas e questionamentos sobre os espaços projetados para os ambientes educacionais. Em busca de uma melhor compreensão do sistema e estrutura implantados atualmente na área da educação, foi desenvolvido um estudo histórico partindo dos ensinos jesuíticos até os dias atuais, identificando os principais fatores políticos, sociais e econômicos que influenciaram na formação das instituições acadêmicas. Sintetizando anos de busca por valores essenciais que fundamentam e enriquecem os ambientes escolares, o primeiro capítulo inicia uma análise da implantação dos primeiros moldes educacionais do país, abordando os objetivos do projeto português para o Brasil; o projeto educacional jesuítico; a estrutura social brasileira da época; além das medidas administrativas promovidas por Marques de Pombal até o final do século XIX. Em sequência, o foco se volta para as questões da Primeira República, as quais configuraram um novo cenário para a educação brasileira, uma vez que reformas de diferentes magnitudes, influenciadas


pelas transformações no ensino elementar que estavam acontecendo na Europa e nos Estados Unidos, são implantadas. Nesse momento histórico surgem os Grupos Escolares, que mais tarde, serão acompanhados pelo movimento da Escola Nova e o pensamento liberal. No decorrer dos capítulos, é feita uma análise das particularidades e diretrizes de cada governo em paralelo aos resultados arquitetônicos da época, mapeando e justificando alguns padrões construtivos que são empregados até os dias de hoje. Assim, as escolas-parque, as escolas da FDE, os CIEPs, e os CEUs são contextualizados conforme as ideologias de cada momento, tornando evidente a influência causada pela dinâmica das mudanças sociais ao projetar os espaços do edifício escolar. Por fim, foi desenvolvido o projeto de um edifício educacional que abrange o ensino infantil, fundamental e médio em um terreno localizado na Zona Leste de São Paulo, Vila Curuça. A escolha do mesmo se deu a partir da apropriação de um terreno destinado pela prefeitura de São Paulo para a construção de uma EMEI, assim, o caráter educacional já havia sido atribuído ao equipamento que ali

seria locado, identificando a demanda de tal recurso na área sugerida.



[ A origem da educação no Brasil. O projeto português Séc. XVI à Final Séc. XIX ]


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A educação no Brasil teve sua ori-

gem no período colonial através da Companhia de Jesus, que desembarcou em terras brasileiras em 1549 com a missão de converter os nativos à fé católica. A priori o principal recurso dos jesuítas eram os “exercícios espirituais”, os quais exerciam influência religiosa relacionada à alma. No entanto, a educação ocupou um dos lugares mais importantes entre as atividades da Companhia, uma vez que a mesma servia como instrumento de dominação da metrópole portuguesa sobre o povo que ali vivia, acreditando que a alfabetização era o caminho mais seguro para exercer a catequese e, consequentemente, promover a mudança de hábitos e costumes.

Portugal, que até então vivera imerso na atmosfera medieval e ocupado com as intermináveis guerras santas contra os invasores mouriscos e guerras defensivas contra os espanhóis, começava apenas a despertar para a nova cultura da Renascença. Sem tradições educativas, o seu sistema escolar começava a esboçar-se mui vagamente apenas.O analfabetismo dominava não somente as massas populares e a pequena burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e família real. Saber ler e escrever era privilégio de poucos, na maioria confinados à classe sacerdotal e à alta administração pública. É bem verdade que os mosteiros e as catedrais eram quase que os únicos asilos das letras, tanto sagradas como profanas; mas sua atuação era modesta e restrita à satisfação de suas necessidades internas; não tinham a consciência de estar cumprindo uma missão social. (MATTOS, 1958, p. 37-38 apud MACIEL; SHIGUNOV, 2008)

Nesse contexto, os jesuítas possuíam um projeto educacional que, apesar de estar subordinado ao projeto português para o Brasil, tinha determinada autonomia. Assim, sua ação na colônia portuguesa durou 210 anos, que podem ser divididos em duas principais fases: os primeiros 100 anos foram caracterizados pela adaptação e construção do trabalho na catequese convertendo os ín-


27 dios aos costumes brancos; enquanto os 100 anos seguintes foram marcados pelo desenvolvimento e extensão do sistema educacional implantado no primeiro período. Dessa maneira, as instruções promovidas pelos jesuítas aconteciam em modelos distintos. Para os indígenas, o foco estava centrado na leitura, escrita e poucas operações, com a intenção de adaptá-los ao trabalho árduo, rotineiro e contínuo destinado à acumulação e não mais apenas à sobrevivência, por outro lado, para os filhos dos colonos, o ensino consistia em uma formação mais culta. Chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega, a primeira escola “de ler e escrever” foi fundada na Bahia, em agosto de 1549. Junto a tal ponto de partida, o primeiro status ou catálogo da missão brasileira havia sido redigido com a finalidade de eleger um padrão de comunicação entre portugueses e indígenas. A primeira fase era baseada no ensinamento dos estudos elementares, que tinham como objetivo o aprendizado do português, da doutrina cristã e da alfabetização. Logo em seguida, no processo de aprendizado idealizado pelo padre, o aluno deveria escolher entre o ensino profissionali-

zante e o ensino médio, de acordo com suas aptidões e dotes intelectuais. Em 1551, jesuítas acompanhados de meninos órfãos de Lisboa chegam ao Brasil com o intuito de auxiliar a evangelização que aqui estava sendo feita. Desse modo, logo que desembarcaram, foram distribuídos e enviados para seus respectivos colégios, transformando, assim, a escola da Bahia em “Colégio dos meninos de Jesus”. Em síntese, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente foi a instituição educacional que melhor se desenvolveu nessa fase pioneira da educação no Brasil e serviu para pôr em evidência as ricas possibilidades do primitivo plano educacional esboçado por D. João III no Regimento de 1548. (MATTOS 1958, p. 75 apud MACIEL; SHIGUNOV, 2008).

Além de ser responsável pela disseminação dos colégios jesuítas em solo brasileiro, o padre Manuel da Nóbrega teve um papel importantíssimo na fundação de algumas aldeias de catequização, dentre elas, a aldeia de Piratininga, em 1554, que mais tarde se transformaria no “Colégio de São Paulo” marcando o início da cidade de São Paulo.


28 Considerando o fato de o Brasil ser uma colônia e viver sob as regras do país pelo qual era dominado, pode-se considerar que a educação em terras brasileiras atingia um limite de desenvolvimento, uma vez que o governo de Portugal não permitia a criação de universidades na colônia como também impunha outras medidas que limitava a sua emancipação intelectual e, consequentemente, política. O ensino jesuítico, até então, era fundamentado em ideias humanísticas, enfatizando os conteúdos voltados à arte, ao

FIGURA 1: Pátio do Colégio

homem, aos conhecimentos de mundo e à cultura, apoiados na religião. No entanto, toda ação pedagógica foi marcada pela ausência de discussão, fazendo com que o pensamento crítico passasse longe das salas de aula. Dessa maneira, em 1750, Marquês de Pombal - um conde português, ministro do Rei D. José, de Portugal - chega ao Brasil e aplica algumas medidas administrativas. Dentre elas, a expulsão dos jesuítas em 1759, tirando-os das missões jesuíticas e do controle do sistema educacional, que passou a ser do Estado. Até tal período, 17 colégios e escolas de primeiras letras já estavam funcionando na colônia, no entanto, com a interrupção de todo o sistema já desenvolvido, a educação brasileira voltava praticamente à estaca zero. A política educacional, como outra qualquer de Pombal, era lógica, prática e centrada nas relações econômicas anglo-portuguesas. Contudo, a reforma proposta por regentes da metrópole significou a destruição do único sistema de ensino existente na colônia. Nesse panorama pode-se considerar que o período pombalino foi marcado por


29 inúmeras transformações. Na educação houve a implantação do ensino público oficial; a nomeação dos professores pela coroa, transferindo a responsabilidade da disseminação do conhecimento, que, até o momento, era exercida por padres jesuítas; o sistema de aulas régias e disciplinas isoladas e o subsídio literário. O Período Pombalino corresponde aos anos em que o Marques de Pombal exerceu o cargo de primeiro-ministro em Portugal (1750 a 1777), durante o reinado de Dom José I. Em meados do século XVIII, Portugal passava por um período de forte crise econômica. O Marquês de Pombal adotou várias medidas administrativas, visando melhorar as condições de Portugal. Muitas destas medidas estavam relacionadas à sua principal colônia, o Brasil. Seria função do Brasil, dentro deste objetivo pombalino, suprir as necessidades materiais e comerciais da metrópole, a fim de transformar Portugal numa potência europeia. (...) As medidas de Pombal visavam aumentar o controle político, econômico e administrativo da metrópole sobre o Brasil. Objetivavam também aumentar a exploração dos recursos econômicos, principalmente de ouro, para transformar Portugal numa potente nação europeia. Dentro do contexto de crise do Absolutismo e ascensão do Iluminismo, Pombal tentou com estas medidas manter e até

aumentar o poder da coroa portuguesa. Seu governo ficou marcado por aquilo que se convencionou chamar de despotismo esclarecido. Em outras palavras, um governo absolutista que buscava adotar medidas sociais e culturais como forma de amenizar os impactos das medidas autoritárias e, desta forma, perpetuar as bases do Antigo Regime com uma nova roupagem. (Historiadobrasil.net. Acesso em: 27 mar. 2015)

Enquanto a metrópole buscava consolidar um sistema público de ensino mais moderno e popular, a colônia encontravase totalmente desestruturada. Quase trinta anos após a expulsão dos jesuítas, o governo português conseguiu assumir o controle pedagógico da educação a ser oferecida em terras brasileiras. Contudo, o novo sistema implantado passou a ser disperso e fragmentado, baseado em aulas isoladas ministradas por professores leigos e mal preparados. Embora o governo tenha implantado um imposto a fim de custear o ensino para assim, tentar oferecer uma estrutura básica para as novas escolas, não foi suficiente. O sistema de ensino ainda apresentava deficiência em docentes


30 preparados e em um currículo regular que estruturasse a educação. O Brasil não é contemplado com as novas propostas que objetivavam a modernização do ensino pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza, com a finalidade de acompanhar os progressos do século. Restam no Brasil, na educação, as aulas régias para a formação mínima dos que iriam ser educados na Europa. (ZOTTI, 2004, p. 32)

Como mecanismo de controle foi criado o “Alvará Régio de 1759”, que sustentava a intenção da Coroa em uniformizar a educação na colônia, a fim de impedir que outros poderes afrontassem as determinações impostas pela mesma. Nota-se em tal documento uma despreocupação com o ensino elementar e uma atenção especial voltada à formação de nobres, que continuariam os estudos fora da colônia. Enquanto Portugal buscava alternativas para atingir o status de potência europeia, a França e a Inglaterra sofriam as revoluções francesa e industrial, respectivamente, abrindo o caminho para o avanço do capitalismo em outros países. Nesse contexto, enquanto a Inglaterra conquistava novos

mercados, a França lutava pelo domínio de diferentes territórios, dentre eles, Portugal. Diante da evidente invasão francesa à metrópole, como estratégia de fuga, a família real portuguesa se transfere para o Brasil em 1808, desencadeando algumas mudanças na colônia. Tal processo foi marcado pela abertura dos portos ao comércio exterior, além da criação de várias instituições de ensino superior, como por exemplo, a Academia Real da Marinha (1808), a Academia Real Militar (1810), a Academia Médico cirúrgica da Bahia (1808), e a Academia Médico cirúrgica

FIGURA 2: Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro


31 do Rio de Janeiro (1809). Nesse momento da história o ensino é marcado pelo caráter elitista e propedêutico, que visava preparar fortemente os alunos para o ensino superior, deste modo, a educação passa a ser dividida em: elementar, secundária e superior. Com o enfraquecimento econômico e político de Portugal, a classe dominante presente na colônia, composta pela camada senhorial brasileira, aproveitou o contexto de contradição entre a política econômica portuguesa e a política econômica internacional para conquistar, em 1822, sua autonomia e assim, se aproximar do capitalismo europeu em destaque. Nesse panorama, com o objetivo de legar a primeira constituição brasileira, foi outorgada a Assembleia Constituinte e Legislativa de 1824, que propôs uma lei particular sobre a instrução a fim de organizar a educação nacional, estabelecendo o princípio da liberdade de ensino sem restrições e a intenção de uma instrução primária gratuita à todos os cidadãos, estabelecida pelo Estado. Além disso, um dos artigos decretava a criação de algumas escolas para meninas, promovendo uma educação diferenciada entre os sexos. Logo em seguida, em 1827, a

FIGURA 3: Sala de aula composta apenas por meninos – Escola Normal Caetano de Campos.

FIGURA 4: Sala de aula composta apenas por meninas – Escola Normal Caetano de Campos.


32 Assembleia aprova outra lei que determinava a criação das "escolas de primeiras letras" em todas as cidades, vilas e lugares populosos. A educação até o momento ficava a cargo de um poder central, no entanto, a reforma de 1834 transfere a responsabilidade do ensino elementar, secundário e da educação de professores para as províncias, promovendo certa descentralização da educação, entretanto, não havia infraestrutura necessária para oferecer esse serviço educacional. Ao governo central ficava reservado o monopólio do ensino superior. Apesar dos esforços e gastos do Estado para estabelecer e ampliar o ensino elementar, a precariedade de tal ensino foi considerada responsabilidade das municipalidades pela ineficiente administração e fiscalização. Porém, o abandono do poder público quanto ao provimento de recursos materiais (edifícios públicos, livros didáticos e outros itens) não foi desconsiderado do contexto, uma vez que o baixo salário dos professores, a excessiva complexidade dos conhecimentos exigidos pela lei e a inadequação do método

adotado em vista às condições do país, foram fatores que colaboraram para o fracasso do desenvolvimento do ensino. A população encontrava dificuldades para participar de tal formação o que ocasionou no aumento do analfabetismo no Brasil. Na tentativa de reverter um dos pontos considerado causador da frustração do sistema de ensino, a falta de docentes capacitados, foi decretado à criação das primeiras “Escolas Normais” do Brasil, que objetivavam preparar professores para compor o corpo docente da instrução de primeiras letras. Em 1837, um colégio “modelo” foi criado: o Colégio Dom Pedro II. Este foi concebido sob os cuidados da coroa, ou seja, além de fornecer um ensino elementar e secundário de qualidade, era bem estruturado e oferecia a melhor cultura, com o objetivo de formar elites dirigentes. O colégio, frequentado pela aristocracia, deveria ser seguido pelos Liceus provinciais espalhados por todo o território, no entanto, as províncias não tinham condições de fornecer a mesma estrutura para as suas escolas, o que resultava em uma grande desigualdade no ensino.


33 Diante desse contexto, em 1860, iniciam-se alguns debates sobre o sistema de ensino no Brasil, os quais discutiam a tentativa de implantação de um viés mais liberal, como havia sido feito na educação dos EUA. Dessa maneira, os debates questionavam a presença da igreja e do Estado na formulação das políticas educacionais e acreditavam na liberdade de ensino e da consciência. Assim, Carlos Leôncio da Silva Carvalho, advogado, professor e político brasileiro,

entra em cena com ideias inovadoras para o ensino, e em 1879, acontece a reforma de Leôncio de Carvalho, que vai defender a liberdade de ensino sem a fiscalização do Estado; liberdade de frequência dos alunos; liberdade de credo religioso, pensando em uma educação laica; criação de escolas normais; matrícula de escravos nas escolas; e, por fim, a implantação da tendência positivista com a finalidade de superar o ensino de caráter humanístico, trazido pelos jesuítas, que vigorava até então. A implantação dessa nova tendência buscava valorizar mais as necessidades da sociedade como um todo, logo, possibilitou o surgimento de colégios protestantes e positivistas. O liberalismo econômico impunha as regras e tudo o que era possível para demonstrar que esta prática era melhor para economia mundial. Nesta perspectiva os conflitos estavam estabelecidos: a Industrialização e a Depressão “[...]formaram-nas num grupo de economias rivais, em que os ganhos de uma pareciam ameaçar a posição de outras. A concorrência se dava não só entre empresas, mas também entre nações.” (HOBSBAWM, 1992, p.68) Com o protecionismo industrial estabelecido, as bases industriais do mundo adequaram-

FIGURA 5: Colégio Dom Pedro II.


34 se e, para isso, fez se necessário incentivar as poucas industriais nacionais para este novo modelo e para produzirem com vistas ao mercado interno. Era preciso mão-deobra preparada, escolarizada e o Brasil, com sua economia baseada na agricultura, na exploração bruta do trabalho, não atingia as exigências dos interesses externos. Diante de muitos conflitos, o Brasil passa a ser denominado Republicano com a libertação dos escravos para atender às demandas do mercado internacional. E, paralelo a isso, são incentivados os discursos e pequenas ações para acabar com o analfabetismo no país. (NASCIMENTO, Histedbr. Acesso em: 27 mar. 2015)




[ O ensino na Primeira República Final Séc. XIX a 1920 ]


38

O

movimento republicano teve seu início a partir de 1870, quando diferentes gabinetes ministeriais do império buscavam ajustar a política de acordo com as mudanças exigidas por aqueles que eram adeptos à república, com o objetivo de permanecer mais tempo no poder. A crise política e econômica vivida pelo império no mesmo momento impediu que a coroa mantivesse o controle sob a situação. O Governo Imperial instituído com a Independência do Brasil (1822) pretendia manter intocável o latifúndio escravista e preservar os privilégios da elite rural, porém com o passar dos anos, essa estrutura montada nesses pilares social e

econômico demonstrava sua incapacidade de acompanhar a evolução pela qual o Brasil passava, notadamente, a partir de 1870, quando evoluírem os meios de transportes com o surgimento da rede ferroviária e a navegação a vapor. (CLARK, Histedbr. Acesso em: 2 abr. 2015) A não adequação do regime Imperial a nova realidade e a crise econômica que atinge o Brasil em 1877, contribuiu para que os ideais republicanos se fizessem cada vez mais presente acentuando o antagonismo entre os tradicionais senhores de terra que governavam o país como se governassem suas fazendas e os representantes de novos interesses (COSTA, 1974, p. 27 apud CLARK, Histedbr. Acesso em: 2 abr. 2015).

A consolidação da República foi promovida sob a liderança de Marechal Deodoro da Fonseca, defendendo sua implantação de maneira pacífica, acreditando no poder da persuasão através das palavras e não da força física. Assim, logo em seguida é elaborada a Constituição de 1891, responsável por reafirmar a descentralização do ensino uma vez que mantém a ideia de que uma parte da educação é encargo da União (ensino secundário e superior) enquanto outra fica a mando de cada Estado


39 (ensino primário e profissional). Nesse contexto, o sistema dualista tradicional de ensino implantado no império persiste nesse novo modelo político, configurando um cenário em que a elite terá acesso ao ensino de maior qualidade seguindo para a formação superior e assim, conquistando cargos mais importantes na sociedade, enquanto aqueles que têm menos recursos financeiros passam a focar em um ensino elementar e profissionalizante em busca de condições para serem inseridos no mercado de trabalho, porém ocupando cargos menos relevantes. A partir da promulgação da Constituição, várias reformas foram empreendidas com o objetivo de amenizar os conflitos causados por tal dualidade, além de ditarem as características do ensino de cada época. A reforma de Benjamin Constant, por exemplo, defendia a liberdade e a laicidade do ensino além da gratuidade da escola primária. Com o objetivo de proporcionar uma instrução secundária e suficiente capaz de formar alunos e não só prepará-los para o ensino superior, a reforma substituiu o currículo acadêmico pelo enciclopédico, introduzindo disciplinas científicas de acordo

com o que pregava a ordem positivista: “o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro”. Em 1901, outra reforma é criada: a reforma Epitácio Pessoa, que objetivava proporcionar cultura intelectual necessária para o ingresso no curso superior, ou seja, assumia que o curso secundário servia somente como preparatório para seguir os estudos em uma faculdade, acentuando o aspecto literário ao incluir lógica em suas disciplinas e eliminar aquelas consideradas de caráter positivista como biologia e sociologia. Logo em seguida, em 1911, ocorreu a reforma Rivadávia Correa. Esta se preocupava em proporcionar uma cultura geral de caráter prático e aplicável às exigências da vida, além de difundir o ensino das ciências e das letras, independente da preparação para o ensino superior (propunha autonomia entre os dois graus – secundário e superior), retomando a orientação positivista e defendendo a liberdade de ensino promovido por escolas oficiais e não oficiais. Assim, ficou conhecida como a reforma que desoficializou o ensino brasileiro, ao mesmo tempo em que proporcionou a proliferação de cursos sem


40 qualidade. Em 1915, Carlos Maximiliano realiza uma das reformas mais eficientes da Primeira Republica, buscando ministrar aos estudantes uma sólida instrução fundamental, habilitando-os a prestar qualquer exame classificatório para o ingresso nas faculdades, o famoso vestibular, implantado no sistema na reforma de 1911. Porém, o foco de Maximiliano também girou em torno dos ensinos secundário e superior. Finalmente em 1925, surge a última reforma do período: João Luiz Alves/Rocha Vaz. Tal reforma representou a consolidação do que havia sido estabelecido por Carlos Maximiliano e “preparou o terreno” para a implantação de um ensino secundário seriado, caracterizando-o como um ensino regular capaz de preencher funções mais amplas à simples preparação para o superior. A Reforma Benjamin Constant (1890) concedeu equiparação das escolas estaduais às federais, promovendo a modernização do ensino em moldes europeus. O Código Epitácio Pessoa (1901) complementou o processo de desoficialização do ensino promovendo a equiparação entre as escolas privadas e oficiais, sob inspeção nos

currículos. A Reforma Rivadávia Corrêa (1911) desoficializou completamente o ensino, concedendo plena autonomia didática e administrativa, acabando com o monopólio estatal na concessão de diplomas e títulos e retornando ao sistema de admissão nas próprias faculdades. A Reforma Carlos Maximiliano (1915) recuperou a oficialização do ensino, colocando limites estreitos à equiparação, concedendo-a por meio de rigorosa inspeção, e resolveu o problema da expansão controlada com a criação do vestibular e a obrigatoriedade do diploma do secundário para a matrícula no superior. A última reforma desse período, Rocha Vaz (1925), liquidou definitivamente a autonomia didática e administrativa, fixou o currículo no superior e aperfeiçoou o vestibular. (LOPES, Histedbr. Acesso em: 2 abr. 2015)

Em paralelo às reformas, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) houve um surto industrial, promovendo um aumento do operariado entre imigrantes italianos e espanhóis, trazendo para o Brasil, experiências anarquistas presentes no exterior. Tais experiências tinham por objetivo implantar a educação que não estivesse atrelada aos interesses capitalistas, proporcionando certa articulação da classe operária desvinculada dos ideais burgueses.


41 Muitas escolas anarquistas foram criadas em terras brasileiras, funcionavam como uma espécie de associação e buscavam, através da pedagogia libertária, transformar a sociedade em igualitária, analisando e refletindo sobre os problemas sociais. No entanto, o foco da educação brasileira nesse período estava voltado para a ampliação do ensino superior, o qual “chegou a ameaçar a sua principal função, que era a de fornecedor de diplomas que garantiam a ocupação de cargos de maior remuneração, poder e prestígio.” (Cf. Cunha, 1986, p.147), enfatizando o sistema predominante da época. “A escola primária, por outro lado, manteve-se, durante as primeiras décadas da República, nos mesmos moldes da velha “escola de primeiras letras”. Só a partir da década de vinte é que algumas reformas estaduais foram implementadas e alteraram um pouco essa situação.” (LOPES, Histedbr. Acesso em: 2 abr. 2015) Dessa maneira, tal momento da história é marcado pela ação de alguns republicanos paulistas preocupados em difundir a escola primária assim como estabelecer uma formação de qualidade

para os seus professores (reforma na Escola Normal). Influenciados pelas transformações que estavam acontecendo no ensino elementar na Europa e Estados Unidos, Oscar Thompson, Cesário Motta Junior, Caetano de Campos, Rangel Pestana, entre outros, colaboraram para a institucionalização dos Grupos Escolares e acreditavam que a educação consistia no mais eficiente instrumento para a construção de um Estado republicano democrático. À implantação dos Grupos Escolares alterou o curso de história do ensino público primário no país, através de seus projetos de organização curricular e administrativa, a criação dessa modalidade de ensino, apresentava um ensino seriado onde os alunos eram distribuídos homogeneamente sob a orientação de um só professor, cujo método seguido era o intuitivo. Isso criou novas relações de poder dentro das escolas, e a partir de 1894, se criava também o cargo de diretor escolar, além disso, renovou os saberes escolares, sendo também proposto uma nova estrutura arquitetônica, construída especificamente para esse fim. (CLARK, Histedbr. Acesso em: 2 abri. 2015)

No Brasil, o novo modelo de ensino


42 foi implantado pela primeira vez em São Paulo, no ano de 1893 e previa edifícios, livros didáticos, mobiliário e docentes qualificados. Assim, logo nos primeiros anos do século XX, o sucesso da experiência paulista fez com que vários outros Estados implantassem tal modelo, como Rio de Janeiro em 1897; Maranhão e Paraná em 1903; Minas Gerais em 1906; Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Santa Catarina em 1908; Mato Grosso e Paraíba em 1910; Sergipe em 1916; Goiás em 1918; e finalmente, Piauí em 1912.


43

[ Edificações Escolares: República Velha ]

N

a Primeira República (1890-1920), as edificações escolares destacavam-se pela arquitetura neoclássica através de prédios imponentes, os quais apresentavam uma marcante simetria, pé direito alto e grande escadaria que permitia o acesso ao térreo, uma vez que o mesmo se encontrava em um nível mais elevado da rua. “Os partidos arquitetônicos eram semelhantes, adaptando-se apenas aos diferentes tipos de terreno através do porão alto, usado para ventilar assoalhos de madeira” (KOWALTOWSKI, 2014, p. 83) Procurando acompanhar os valores culturais da época, a separação da educação feminina e masculina acontece nesse

momento histórico como consequência das exigências do regimento escolar e início da preocupação com a saúde e higiene. Assim, os prédios escolares eram projetados levando em consideração tal divisão, desde salas de aula até pátios de recreação. Com detalhamento sofisticado e entrelaçamento harmonioso entre projeto arquitetônico e pedagógico, os edifícios escolares estavam presentes em áreas próximas às praças, representando a expressão do poder e da ordem política e foram projetados por arquitetos de renome internacional, como Ramos de Azevedo, Victor Dugubras, Manuel Sabater, Carlos Rosencrantz e Artur Castagnoli, entre outros. Nesse contexto, os prédios construídos para as Escolas Normais se assemelhavam aos Grupos Escolares em sua grandiosidade, no entanto, apresentavam programas arquitetônicos mais complexos, englobando bibliotecas, anfiteatros e laboratórios. Porém, ambos eram condicionados pelo Código Sanitário de 1894, que sistematizava as exigências referentes à urbanização, como a largura da rua e a altura dos edifícios, além das questões próprias do prédio, como a salubridade das construções; espessura


FIGURA 6: Escola Normal de São Carlos.


45 mínima das paredes; impermeabilização contra a umidade do solo; ventilação e iluminação direta para todos os cômodos, entre outras providências. A arquitetura da primeira república, portanto, buscou uma nova estruturação social procurando romper com aquela vinculada ao império, ao mesmo tempo em que trazia parâmetros modernos para o país. A nova ideologia educacional deu importância à formação do indivíduo cidadão e estabeleceu a relação entre educação, instituição-escola e edifício-escola, ou seja, não poderia haver ensino sistemático sem uma escola que o abrigasse. “A valorização da arquitetura escolar também esteve relacionada com o compromisso de adequação às novas necessidades pedagógicas e higienistas, contrapondo-se aos espaços de ensino improvisados, frequentes no império. Esse edifício, concebido especificamente para essa finalidade, estruturou-se numa abordagem integral que buscou corrigir, educar e definir regras”.(CASTRO, 2009, p. 124) Espaço modelador de hábitos, atitudes e sensibilidades. Um exemplo de Grupo Escolar desse

período é o edifício Escola Modelo da Luz (1897), de Ramos de Azevedo. Construído na capital paulista, mais especificamente no bairro da Luz, o prédio é constituído por doze salas de aula em formato retangular (9,5m x 7m), distribuídas em três pavimentos, com janelas grandes e altas, voltadas para duas das fachadas. O porão, responsável pelo controle da umidade do edifício, abrigava oficinas de marcenaria e modelagem de gesso, que serviam para o ensino prático ou profissionalizante. Levando em consideração os fatores relacionados à configuração geométrica do espaço, a planta de predominância retangular auxiliava a criação de uma proporção entre a horizontalidade e verticalidade do edifício, constituindo um volume de paralelepípedo único. O ritmo presente nas esquadrias que compunham a fachada proporcionava o equilíbrio da mesma, enquanto o uso de vãos grandiosos nas janelas trazia um caráter de monumento para a construção. Já o uso do frontão na fachada principal do edifício, além de demarcar a entrada do mesmo, estabelecia o seu eixo de simetria. Assim como a regularidade formal do espaço, o prédio escolar era essencialmente organizado pela


46 disciplina, em que os alunos ocupavam seus respectivos lugares na sala de aula enquanto o professor os supervisionavam, fazendo uma referência aos acampamentos militares e seu modelo de observação, determinando assim, a relação entre o poder e o saber.

FIGURA 7: Escola Modelo da Luz.




[ A influência norte americana na instrução brasileira 1921 a 1950 ]


50 exclusivamente, na transmissão dos saberes através do professor. Dessa maneira, a pedagogia tradicional que defendia o “ensinar” como uma de suas diretrizes foi, de certa forma, desafiada pela nova concepção do “aprender” como eixo principal no processo do aprendizado, se fundamentando nos aspectos psicológicos do mecanismo de aquisição de conhecimento.

A

trelado ao desenvolvimento dos Grupos Escolares, o movimento da Escola Nova surgiu no início do século XX, em consequência da democratização e universalização do ensino. Influenciado pelo filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, o qual acreditava que a educação representava uma necessidade social por fornecer meios para a propagação do conhecimento, o escolanovismo passou a identificar as diversidades e a individualidade de cada ser humano ao colocar o aluno em primeiro plano, uma vez que procurou dar condições para que o aprendizado fosse desenvolvido através de situações reais e concretas dentro de cada contexto, diferente do ensino tradicional que era focado,

O escolanovismo desenvolveu-se no Brasil sob importantes impactos de transformações econômicas, políticas e sociais. O rápido processo de urbanização e a ampliação da cultura cafeeira trouxeram o progresso industrial e econômico para o país, porém, com eles surgiram graves desordens nos aspectos políticos e sociais, ocasionando uma mudança significativa no ponto de vista intelectual brasileiro. (HAMZE, brasilescola. com. Acesso em: 10 abr. 2015) Em São Paulo, as escolas pioneiras na aplicação dos novos métodos de aprendizagem foram a Escola Experimental Rio Branco, a Escola Modelo, anexa à escola Normal da Praça da República, hoje Instituto Caetano de Campos e a Escola Americana, atual Instituto Mackenzie, primeiramente nos cursos primários. (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 175-176 apud ANDREOTTI, Histedbr. Acesso: 13 abr. 2015).


51 Com a ampliação do pensamento liberal, o ideário escolanovista se difundiu, mas uma disputa se configurou entre liberais – aqueles inspirados pela escola nova que acreditavam na possibilidade de transformação da sociedade através da escola e da educação, lutando contra o caráter dualista existente e reagindo ao individualismo e academicismo do ensino tradicional – e conservadores - católicos tradicionalistas que defendiam a educação religiosa e humanista, fundamentada no enciclopedismo e intelectualismo – e, mais tarde, impulsionou outro movimento: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932. O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" consolidava a visão de um segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições ideológicas, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação. Redigido por Fernando de Azevedo, o texto foi assinado por 26 intelectuais, entre os quais Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. (BOMENY, cpdoc.fgv. Acesso em: 8 ago. 2015)

Diante de tantas transformações políticas e sociais o Manifesto defendia a educação obrigatória, a fim de fornecer instrução para toda a sociedade uniformemente e assim, promover o seu desenvolvimento; como também determinava a educação pública, gratuita e leiga, além de responsabilizar o Estado pela concretização de tal modelo de ensino. Dessa maneira, buscavam eliminar o dualismo escolar presente até o momento, uma vez que forneciam oportunidades iguais aos indivíduos, independente de sua classe social. Assim, tal ideologia colaborou positivamente para a universalização do ensino público no país, já que na Constituição de 1891, foi determinado que a educação representasse um direito público subjetivo de característica subsidiária, ou seja, era garantida apenas àqueles que não tinham condições financeiras para o acesso à escola particular. Desde as primeiras décadas do século XX, o rumo da educação brasileira esteve em pauta nas discussões de vários setores organizados da sociedade. A fundação da Associação Brasileira de Educação, em


52 1924, tornou evidente a diversidade de interesses existente no ensino escolarizado quando promoveu debates referentes a inúmeras questões educacionais, dentre elas, a influência da Escola Nova e seus defensores. No entanto, quando surgiu, a Associação foi fortemente influenciada pela militância católica, representada pelos conservadores que enfatizavam o ensino religioso e tradicional. Porém, a partir do ano de 1932, membros ligados ao escolanovismo ganharam destaque e promoveram uma mudança nos ideais da organização. Diversas reformas educacionais aconteceram nesse período da história em moldes distintos, visto que cada Estado tinha suas necessidades e realidades particulares. Em 1930, Getúlio Vargas assumiu o poder como presidente provisório e, a mão de obra especializada se evidenciou no país, tornando-se uma exigência. Dessa forma, os estudos literários e clássicos da educação foram colocados em segundo plano. A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930, liderada por Francisco Campos, impulsionou novas alterações na instrução do país. Logo em 1931, o governo provisório sancionou decretos

que organizaram o ensino secundário e as universidades brasileiras, afirmando ser preferível o sistema universitário ao das escolas isoladas. Mais tarde, na Constituição de 1934, o direito de todos à educação; a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário; e o ensino religioso facultativo, foram estabelecidos no novo regimento educacional, demonstrando, assim, as mudanças formais e substanciais do segmento. A década de 1930 é reconhecida como o marco referencial da modernidade na história do Brasil, modernidade entendida como o processo de industrialização e urbanização, contemplada por inúmeros estudos que destacam esse período pelas mudanças que inaugurou e os movimentos políticos que protagonizou: a Revolução de outubro de 1930, a Revolução Constitucionalista de 1932 e o Estado Novo, em 1937. (ANDREOTTI, Histedbr. Acesso em: 13 abr. 2015)

Em 1937, aconteceu uma nova ruptura política e educacional na história do Brasil, por meio da constituição redigida por Francisco Campos, a qual extinguiu os partidos políticos e deu ao presidente o controle sobre o legislativo e o judiciário,


53 estabelecendo o Estado Novo. O golpe de Estado em 1937, que instalou o Estado Novo, foi justificado pela necessidade de se manter a ordem institucional contra os regionalismos, herança do período anterior; contra as divergências entre os grupos dominantes: setores agrários e burguesia industrial e contra as manifestações das forças de oposição, como por exemplo, a Intentona Comunista em 1935. (ANDREOTTI, Histedbr. Acesso em: 13 abr. 2015)

O golpe político de Getúlio Vargas em 1937 determinou uma nova constituição moldada em uma estrutura autoritária e centralizada, representando um retrocesso no viés educacional ao retirar de seu texto a ideia de que a educação seria um direito de todos. Esse período intensificou as mudanças nas relações entre Estado e sociedade, favorecendo a criação de um Estado forte que predominou até meados do ano de 1940. Nesse contexto, diante tantos conflitos ideológicos presentes em terras brasileiras surge, em 1938, a União Nacional dos Estudantes (UNE) organizada em congressos anuais que buscavam a articulação com

outras forças progressistas da sociedade por meio de uma entidade máxima. Os primeiros anos da UNE acompanharam a eclosão do maior conflito humano da história, a segunda guerra mundial (1939 – 1945). Os estudantes brasileiros, recém-organizados, tiveram ação política fundamental no Brasil durante esse processo, opondo-se desde início ao nazi-fascismo de Hitler e pressionando o governo do presidente Getúlio Vargas a tomar posição firme durante a guerra. (UNE. Acesso em: 14 abr. 2015)

Nesse mesmo período, chefiado por Gustavo Capanema, o Ministério da Educação empreendeu as “leis orgânicas do ensino” através de inúmeras reformas – Reforma Capanema – que defendiam a regulamentação do ensino primário e secundário; a criação do ensino supletivo de dois anos com a finalidade de eliminar o analfabetismo da sociedade; um melhor planejamento escolar; como também a previsão de recursos para a estruturação da carreira docente. Ao mesmo tempo, marcada pelos efeitos da política autoritária do Estado Novo, uma dura ação repressiva contra as escolas mantidas pelas colônias


54 alemãs no sul do país foi desenvolvida, sendo justificada como uma nacionalização do ensino. Apesar disso, a educação brasileira só passou por transformações significativas em 1945, quando Getúlio Vargas foi deposto por um movimento militar e, em seguida, instituiu-se a nova república e, consequentemente, a redemocratização da instrução no país. Eurico Gaspar Dutra foi eleito em 1946 e a partir de então, uma nova carta Magna elaborada. Assim, a obrigatoriedade do ensino primário e a educação para todos foram reestabelecidas.


55

[ Edificações Escolares:

A reformulação do ambiente de ensino]

A

arquitetura educacional vem, desde o início do século XX, experimentando constantes modificações no Brasil. Antes de ser desenvolvida em princípios estabelecidos pelo Movimento da Educação Nova, as edificações escolares passaram por um período sem uma política educacional definida, o que provocou certa estagnação na produção do conhecimento no país. Isto posto, “manifestações como a Semana de Arte Moderna de 1922 e movimentos como a Revolução de 1930 influenciaram o setor da educação, com reflexos na arquitetura escolar. O edifício, aos poucos, deixou de ser compacto, extinguiuse a divisão entre os sexos, e a implantação

apresentava características mais flexíveis, como o uso de pilotis, deixando o térreo livre para as atividades recreativas“.(FDE,1998b) O direito à educação de forma gratuita a todos em paralelo ao crescimento demográfico aparente presente nesse momento histórico, além de favorecer a criação de espaços escolares mais amplos, adicionou também novas funções aos ambientes de ensino. Dessa maneira, algumas novidades foram agregadas à atmosfera escolar, como a inserção de sanitários dentro do edifício; a distribuição “livre” do mobiliário nas salas de aula, permitindo a mobilidade dos alunos de acordo com a atividade exercida; e o uso de lajes de concreto. Assim, os projetos passaram a prezar pela simplificação das formas sem muita ornamentação, a fim de diminuir os custos, sendo compostos por longos corredores que moldavam a edificação através de salas de aula dispostas em ambos os lados com o intuito de se agregar a facilidade construtiva e economia financeira. “Os princípios que regiam e normatizaram as edificações pautavamse em necessidades pedagógicas e de qualidade ambiental, estética e de ideários


56 nacionalistas. O ambiente escolar, seguindo as novas propostas, deveria ser educativo, além de alegre, aprazível e com paisagem envolvente”. (FREITAS, ebah. Acesso em: 18 ago. 2015) Assim, as construções escolares, a partir do ano de 1930, apresentavam insolação e ventilação de maior qualidade, favorecendo o conforto ambiental dos espaços projetados, como também exibiam uma tipologia mais peculiar, uma vez que passaram a valorizar a dinamicidade dos espaços enquanto a simetria era deixada de lado. Com a abolição da planta em cruz, houve a preocupação em setorizar os ambientes por pavimento, isolando os que necessitavam de silêncio, ao mesmo tempo em que as áreas de atendimento externo eram trazidas à frente. Nesse contexto, “novos ideais de educação começaram a ser considerados na concepção dos projetos, como a ideia de se estabelecer um “programa” que contemplasse um conjunto de necessidades” (FDE,1998a). Entre os pontos relevantes desse programa arquitetônico, “as salas de aula deveriam ser amplas, claras e bemventiladas, com dimensões de 6m x 8m,

e com pé-direito de 3,60, pintadas entre o creme e o verde-claro; dependências de trabalho; um auditório; sala de educação física, jogos, canto, cinema educativo, sala de festas, de reunião; biblioteca, instalações para assistência médica, dentária e higiênica” (FDE,1998a). Aspectos técnicos, como pisos; larguras de corredores e escadas; vestiários e instalações de água potável e sanitárias também foram abordados em tal “conjunto de necessidades”. Diante de tantas transformações econômicas, políticas e sociais, a arquitetura moderna ganhou espaço dentre os edifícios escolares e permitiu a concepção de uma estrutura independente da vedação, pátios internos sob pilotis e grandes aberturas envidraçadas, apoiadas em formas simples e geométricas, a fim de proporcionar liberdade na disposição e implantação das construções de ensino. Nesse panorama, a integração dos espaços internos e externos também foi estimulada e, consequentemente, geraram grandes corredores para uma boa circulação e plantas em forma de “L” ou “U”. O Grupo Escolar Visconde de Congonhas do Campo, construído no bairro do Tatuapé, em São Paulo, projetado pelo


57 arquiteto José Maria da Silva Neves em 1936, se tornou um grande exemplo desse novo modelo de arquitetura escolar proposto, uma vez que “tem como base uma articulação dos corredores de dois pontos de inflexão, para isolar os dois corpos de salas de aula (6 salas de aula por pavimento, num total de 12 salas), dispostos em apenas uma das faces do corredor, apoiadas sobre pilotis, criando um espaço de recreação no térreo. O volume central permite o acesso ao bloco de concentração das atividades administrativas, de apoio pedagógico, museu e biblioteca, salas de leitura e auditório”. (KOWALTOWSKI, 2014, p. 87-88) Além disso, embora o desenho da planta não apresente uma simetria demarcada, é possível identificar uma composição equilibrada dos ambientes ao dispor salas de aula nas extremidades e concentrar o bloco administrativo no meio. Desse modo, o volume da escola é concebido de maneira interessante uma vez que agrega dinamismo à forma em consequência da disposição deslocada dos blocos, ao mesmo tempo em que o ritmo da fechada, dado pela repetição das esquadrias, proporciona a união do edifício como um todo.

FIGURA 8: Grupo Escolar Visconde de Congonhas do Campo.



[ A educação no período da industrialização e da ditadura militar 1950 a 1990 ]


60 de integração com a comunidade. Nesse período, as teorias educacionais de Jean Piaget ganharam espaço na didática das escolas brasileiras.

Através

de uma política baseada no populismo (instrumento de controle e mobilização das massas em proveito das classes dominantes) e no nacionalismo (estratégia estatal capaz de enfrentar os problemas de desenvolvimento crônico no país), associada ao capital externo e crescente urbanização das capitais do Estado, a década de 1950 ficou marcada pela discussão de leis de diretrizes e bases da educação nacional. Em 1951, Getúlio Vargas retomou o poder por meio das eleições diretas e iniciou a especulação sobre o conceito de “Escola-Classe” / “Escola-Parque”, a qual representava uma nova filosofia no ensino básico em que a escola simulava uma fonte

No Brasil, enquanto a questão da quantidade atropelava a qualidade das construções escolares, Anísio Teixeira, Secretário da Educação da Bahia, inspirado pelas escolas comunitárias norte-americanas com o programa da escola-parque, propôs um sistema em que a educação da sala de aula fosse complementada por uma educação dirigida. (KOWALTOWSKI, 2014, p. 88)

Ainda no governo de Vargas, a educação passou a ser administrada por meio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), no entanto, o ensino brasileiro não sofreu grandes progressos até 1956, quando Juscelino Kubitschek (JK) assumiu a presidência do país após o suicídio de Getúlio. Marcado por um governo que impulsionou a industrialização, JK levou o desenvolvimento ao interior do país com a construção de Brasília e promoveu a integração de todo o território brasileiro, porém em seu famoso “Plano de Metas”, o


61 líder republicano não priorizou a educação e o seu foco era apenas à formação técnica da população, contudo, o mercado de trabalho necessitava de indivíduos escolarizados. A falta de incentivos na instrução da sociedade brasileira gerou manifestações, como o Manifesto dos Educadores em 1959, que publicou a exigência do ensino público, obrigatório, laico e gratuito como dever do Estado. Nesse contexto, surgiram os defensores do ensino privado, argumentando sobre o direito de livre escolha da família perante a instrução de seus filhos, em oposição aos educadores comprometidos em garantir o ensino público a todos os brasileiros. O sistema educacional brasileiro, até 1960, era centralizado e o seu modelo seguido por todos os Estados e municípios, entretanto, com a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1961, os órgãos estaduais e municipais ganharam mais autonomia, diminuindo a centralização do MEC. Nesse panorama, embora apresentasse pontos positivos, como a unificação do sistema escolar e sua descentralização, por exemplo, as regulamentações do projeto

foram consideradas, pelos escolanovistas, desfavoráveis às classes populares ao criticar o apoio financeiro ao ensino particular e a pouca atenção à rede oficial de ensino. Enquanto o desenvolvimento caminhava fundamentalmente no sentido da expansão do capitalismo industrial no Brasil, a educação escolar continuava a estruturar-se em bases, valores e técnicas próximas da mentalidade pré-capitalista. (...) A opção pelas reformas de base - agrária e urbana - com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais, acabou agregando os setores mais conservadores da sociedade até a deposição de João Goulart pelo golpe militar de 1964 e a perseguição aos movimentos populares e de estudantes até serem extintos. NASCIMENTO, Histedbr. Acesso em: 25 ago. 2015).

Os debates para a aprovação da LDB giraram em torno de iniciativas que intencionavam o desenvolvimento de um trabalho de alfabetização de crianças e adultos, como o Movimento da Cultura Popular de Pernambuco, incentivado e liderado pelo educador Paulo Freire. Tal movimento foi repercutido em todo o território brasileiro, assim, inspirados pela metodologia aplicada, são elaborados o


62 Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização. Contudo, o caráter de redemocratização implantado nessa época foi sufocado a partir de 1964, quando um golpe militar anulou as intenções de revolucionar o setor educacional. Quando a ditadura surgiu no Brasil, todo grupo visto como subversivo ou próximo ao comunismo foi combatido pelo Estado. Uma das entidades reprimidas pelos novos governantes foi a União Nacional dos Estudantes (UNE), a qual após ter sua representatividade anulada, passou a agir clandestinamente. Entretanto, sem uma força nacional para defendê-los, os estudantes criaram os diretórios acadêmicos (restritos a cada curso) e os diretórios centrais (restritos a cada faculdade) sempre acompanhados por um padrinho que exercia a função de garantir os interesses e a postura do Estado militar. O programa educacional na ditadura incluiu a modernização da universidade brasileira, a expansão do ensino obrigatório para oito anos e a instituição do sistema de vestibulares para o acesso ao ensino superior, porém, antes de atingir os moldes atuais, não existia ordem classificatória para

garantir o ingresso do candidato, fazendo com que não houvesse vagas para todos os aprovados. A ditadura civil-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1984 caracterizou-se pelo alinhamento da economia nacional ao padrão de desenvolvimento capitalista em vigor nos anos 1960 e 1970, alinhamento este que se traduziu em autoritarismo do Estado (Atos Institucionais, censuras de toda ordem, repressão, torturas, ferrenha perseguição a opositores, tudo isso sob a vigência da Doutrina de Segurança Nacional), em um modelo econômico altamente concentrador de renda, que rompeu com certo equilíbrio existente entre o modelo político de tendências populistas e o modelo econômico de expansão da indústria vigentes no período anterior ao golpe civil-militar, em um conjunto de reformas políticas e institucionais que visavam a “reconstrução da nação” e a “restauração da ordem”, tudo isso se encaminhando para o endurecimento do regime instalado, defendido como necessário para o “desenvolvimento” social e econômico do país. (CLARK; NASCIMENTO; SILVA, 2005)

Nessas circunstâncias, o ensino de educação moral e cívica foi implantado nas escolas de todos os graus e modalidades de ensino com a finalidade de criar um


63 cidadão organizado e disciplinado que respeitasse as determinações do Estado. Desse modo, desde o início, um caráter manipulador e ideológico estava presente no ambiente escolar. Em seguida, em 1968, o Ato Institucional 5 concentrou o poder nas mãos do presidente e retirou todas as garantias individuais, públicas e privadas dos indivíduos. Em 1969, o decreto de Lei 477 marcou a passagem do general Jarbas Passarinho pela educação em território brasileiro, uma vez que deu as autoridades universitárias e educacionais o poder de desligar e suspender professores, estudantes e funcionários envolvidos em atividades consideradas revolucionárias pelo regime. Diante do momento histórico e a intenção militar referente ao rumo da educação no país, o governo brasileiro assinou os chamados “Acordos MECUSAID” (Ministério da Educação e Cultura – United States Agency for International Development), contratos com os EUA que favoreciam o Brasil na assistência técnica e cooperação financeira estrangeira para a implantação de novas reformas que auxiliariam na capacitação da sociedade.

Dentre tais reformas, estava o tecnicismo, representando a aplicação de um modelo empresarial na escola, baseado na racionalização adequada as exigências do universo capitalista. Os principais objetivos de tais mudanças eram a constituição de mão-deobra para atender o mercado em expansão; a formação do cidadão consciente e, de certa forma, obediente e, por fim; o estabelecimento da relação entre escola e comunidade fornecida através de conselhos de empresários e mestres. Nesse contexto, em 1971, além da reforma que uniu o primeiro e o segundo grau, também ocorreu à interface entre o ensino secundário e o técnico, possibilitando a habilitação de profissionais preparados após a conclusão do ensino médio. A política educacional da ditadura se caracterizou por proporcionar uma débil formação escolar e algum tipo de treinamento na formação escolar básica para inserção nos processos produtivos e por procurar enfraquecer o ensino superior público e crítico, abrindo enormes espaços para que a iniciativa privada pudesse operar no ensino superior. (SILVA, Histedbr. Acesso em: 25 ago. 2015.)


64 O fim da ditadura representou uma importante mudança no cenário político brasileiro, promovendo a “transição democrática” que consistia em uma abertura lenta, gradual e segura do país. Com a destituição dos militares, movimentos sociais organizados ganharam espaço na paisagem brasileira causando intensa mobilização da sociedade, culminando no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. Assim, a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais foi reestruturada através do princípio da universalização do ensino. A expansão da instrução obrigatória até o ensino médio, a autonomia universitária e a valorização dos profissionais da área pedagógica também foram consolidadas nessa época, visando à articulação e o desenvolvimento da educação em seus diversos níveis. As lutas sociais que haviam adquirido força e presença política nos anos 80 passaram a ser desconstruídas uma vez que foi concedida a liberdade ao capital no campo educacional, proporcionando a ampliação da tendência privatizante presente nos anos ditatoriais. Dessa maneira, uma das maiores perdas do ensino público

foi a Constituição de 88 não garantir a exclusividade de recursos provenientes do governo para os estabelecimentos de ensino mantidos pelo Estado, abrindo uma brecha para o setor privado apropriar-se de novas fatias do fundo público para a educação. Com o fim da ditadura militar, o movimento estudantil voltou às ruas para defender suas bandeiras históricas e a consolidação da democracia no país. Em 1984, a UNE participou ativamente da Campanha das “Diretas Já”, com manifestações e intervenções importantes nos principais comícios populares daquele período. A entidade também apoiou a candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. Em 1985, foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto, de autoria do deputado e ex-presidente da UNE Aldo Arantes, que trazia a entidade de volta para a legalidade. Durante as eleições de 1989, a UNE se posicionou contra o projeto defendido pela candidatura de Fernando Collor de Melo, criticando seu aspecto neoliberal e distante das reformas históricas defendidas pelo movimento social. (UNE. Acesso em: 14 abr. 2015)


65

[ Edificações Escolares:

A escola como ponto de convívio da comunidade ]

N

a década de 1940, o Brasil passava por um processo de modernização em diferentes setores. São Paulo, considerado o mais importante polo industrial da época, estava inserido em um cenário que exigia novas demandas socioeconômicas e, em consequência disso, promoveu alterações no ritmo das construções escolares. Assim, em 1949, foi criado o “convênio escolar”, o qual surgiu, inicialmente, “para suprir a deficiência de escolas públicas de ensino básico no município de São Paulo e evoluiu para objetivos mais complexos ao passar a conceber a educação como ‘um processo de reconstrução e reorganização de experiência’”. (BAFFI, docomomo.org. Acesso em: 27 ago. 2015)

Enquanto a questão da quantidade atropelava a qualidade das construções escolares no país, Anísio Teixeira, Secretário da Educação da Bahia, influenciou de forma decisiva a produção do arquiteto Hélio de Queiroz Duarte, coordenador da Comissão de Planejamento do Convenio Escolar, uma vez que inspirado pelas escolas comunitárias norte-americanas com o programa da escola-parque, propôs um sistema em que a educação da sala de aula fosse complementada por uma educação dirigida, ou seja, o programa inicial do convênio escolar foi evoluído para a “proposta de uma rede de equipamentos voltados para a educação, lazer, cultura e saúde, para crianças entre 5 e 17 anos. Esse conjunto de equipamentos serviria também para a difusão da informação junto aos moradores do bairro onde estivessem instalados; uma "fonte de energia educacional", segundo Hélio Duarte, pela oferta de espaços para reuniões de pais de alunos, de cursos para adultos e de espaços culturais (os auditórios como local para manifestações culturais do bairro).” (BAFFI, docomomo.org. Acesso em: 27 ago. 2015) Dessa maneira, a escola-parque se


66 configurou com os princípios da arquitetura moderna e com o conceito da escola como ponto de convívio da comunidade, sustentados por um sistema composto de “escola-classe” (para mil alunos – aulas teóricas), no entorno das “escolas-parques” (para quatro mil alunos – aprendizado na prática por meio de atividades dinâmicas como educação física e artística), frequentadas por todos em uma alternância de turnos, vislumbrando a produção de uma arquitetura socialmente mais progressista, a fim de maximizar os recursos disponíveis. Assim, além de incentivarem um bom aproveitamento do terreno para conseguir concretizar e organizar a demanda do programa estabelecido aplicavam também princípios da racionalização da construção com a finalidade de baratear o seu custo. Portanto, “os projetos deveriam ser pensados como unidades urbanas mais completas, que ofereceriam moradias, equipamentos e serviços variados, alterando assim as relações entre os espaços público e privado” (KOWALTOWSKI, 2014, p.89). Nas escolas construídas nesse momento vemos uma complementaridade entre a postura educacional e o edifício


67 escolar. A organização do programa de necessidades da escola definia um novo resultado. As escolas deixam de ser um conjunto de salas e passam a configurar ambientes com funções de ensino, recreação e administração. “Arquitetonicamente, o projeto apresenta uma divisão funcional das necessidades em diferentes volumes. As funções são distribuídas em forma de “U” ou de “H”. Os tetos são planos ou inclinados em meia-água. Os pilotis são introduzidos no térreo. Os panos de vidro das salas ganham protetores solares através de elementos vazados, em uma integração ampliada entre espaço interno e externo. A estrutura tem como base o concreto armado e paredes-cegas, ou o fechamento é revestido por mosaicos como obras de arte.(...) A arquitetura externa representava a consolidação da modernidade pelas formas geométricas simples e o concreto aparente, ruas e pátios internos. Porém, certos detalhes importantes foram negligenciados, como a alocação da biblioteca entre as salas de aula, os sanitários distantes das salas e os confortos térmico, acústico e de iluminação, que foram, muitas vezes, preteridos em função da forma.” (KOWALTOWSKI, 2014, p. 89-90) FIGURA 9: Croquis das escolas-classe (1948), em São Paulo, de Hélio Duarte.


68 Nesse contexto, um ensino integral não limitado por salas de aula e em contato direto com o exterior de um edifício é estabelecido no sistema educacional brasileiro, buscando trazer junto à instrução escolar, infraestrutura para a comunidade. Vê-se, portanto, que a ideia de uma escola completa não se restringe ao século XXI. Nesse momento, a intenção do edifício escolar era configurar um centro para o qual se convergiriam às ações de vida em comunidade, como reuniões de pais, pequenas palestras, cinema, teatro educativo, jogos, entre outras, fazendo com que a escola irradiasse novas posturas influenciando diretamente o território no qual seria inserida. Baseados em tal linha de pensamento, Anísio Teixeira idealiza o projeto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, na Bahia, o qual é formado por sete pavilhões compostos por auditório; salas destinadas à dança, música, teatro, artes, práticas sócio-educativas e de esporte, firmando a finalidade da escola em conceber um espaço completo com atividades que se alternam em práticas e teóricas. Nesse panorama, ao final da década FIGURA 10 e 11: Centro Educacional Carneiro Ribeiro (em duas etapas: 1947 e 1956), em Salvador, de Diógenes Rebouças.


69 de 1950 e início de 1960, a arquitetura escolar passava por um processo de adaptação formal diante das novas técnicas construtivas que estavam sendo aplicadas nas edificações da época, como os elementos pré-fabricados. Baseados nos preceitos do modernismo, os novos prédios escolares eram sustentados por uma “estrutura de concreto independente, com destaque aos pilotis, que originavam pavimentos sem fechamentos, para funcionarem como pátios de recreação. Os fechamentos dos demais pavimentos eram do tipo alvenaria de tijolos, com coberturas de telhas de fibrocimento sobre lajes pré-fabricadas, ora aparentes, ora posteriores à platibanda. Na falta do telhado, a laje era impermeabilizada e se estendia em forma de marquise de acesso e proteção de entradas e circulações externas.” (FDE, 1998a). “Nos ambientes internos, os pisos eram tacos de madeira; ladrilhos cerâmicos para os sanitários e circulações; escadas de concreto revestidas de granilite; o galpão era cimentado; as janelas eram de caixilhos metálicos (ferro) e, para a ventilação cruzada nas salas de aula, tubos circulares de cimento amianto embutidos nas paredes, do lado

oposto às janelas; as portas eram de madeira do tipo embuia envernizadas” (FDE, 1998a). Os prédios educacionais apresentavam qualidades espaciais imponentes, uma vez que além de se preocuparem com as características de cada espaço que seria projetado, proporcionavam uma diferenciação na implantação dos blocos a fim de criar espaços e circulações mais abertos e, consequentemente, mais fluidos. Como exemplo de instituição paulista a Escola Estadual de Itanhaém, projetada por João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, em 1959, representa um dos maiores exemplos de arquitetura moderna do período. O edifício abriga sete salas de aula e poucos equipamentos de apoio. A fileira contínua de salas de aula voltadas para o sudeste define o comprimento do prédio, enquanto a cobertura, estruturada por pilares triangulares, amplia a área útil além da largura das salas ao mesmo tempo em que promove o sombreamento das fachadas longitudinais. “Artigas consegue conferir leveza a essa caixa grandiosa apoiando-se sobre pilares, continuidade das empenas laterais que sempre terminam ancorando-se no solo em ângulos agudos” (BUFFA; PINTO, 2002, p.141)


FIGURA12: Escola de ItanhaĂŠm, Vilanova Artigas.


71 Algumas dessas características são levadas ao projeto da Escola de Guarulhos, também projetada por Artigas e Cascaldi em 1962. Esta por sua vez, se destaca entre demais por ser organizada em diferentes blocos (salas de aula, setor administrativo, galpão para atividades de lazer e socialização, auditório e biblioteca), que circundam um pátio coberto central, além de mostrar uma preocupação com vagas de estacionamento que antes não apareciam nos projetos de tal caráter. Além disso, as plantas dos edifícios locados pelo terreno se consolidam de forma assimétrica, demarcando certo distanciamento dos padrões de implantação de épocas anteriores. A estrutura independente de vedação que atendia os arranjos espaciais admitiam diferentes possibilidades construtivas para os mesmos, como o apoio da cobertura, que, por acontecer em poucos pilares, permitiu uma maior articulação dos ambientes no interior do prédio, uma vez que criou vãos maiores. Para os arquitetos envolvidos nesse trabalho, o partido arquitetônico a ser tomado era claro: uma ação moderna FIGURA 13: Implantação Escola de Guarulhos (atual EE Conselheiro Crispiniano).

com materiais contemporâneos e que atendesse funcionalmente às atividades a serem desenvolvidas no edifício. Porém, o distanciamento dos profissionais ligados às áreas pedagógicas permitiu o surgimento de certas idiossincrasias na articulação dos espaços internos dessas escolas. Assim, se por um lado, os edifícios exteriormente fossem imponentes e se apresentassem em toda plenitude moderna estampada nas formas geométricas simples e no concreto aparente, por outro lado, interiormente, apesar da proposta moderna evidenciada pelas ruas e pátios internos, certos detalhes importantes foram negligenciados, exatamente, entendemos nós, por essa distância entre arquitetos e pedagogos no momento da definição do programa das escolas. (...) Da mesma maneira, quesitos como conforto térmico e acústico e iluminação muitas vezes eram preteridos em função da forma. Assim, encontramos belas escolas extremamente


FIGURA 14 : Escola de Guarulhos (atual EE Conselheiro Crispiniano).


FIGURA 15: Escola de Guarulhos (atual EE Conselheiro Crispiniano).


74 frias no inverno e quentes no verão, com zonas importantes mal iluminadas e com áreas onde o fluxo de ventilação é sem controle. (BUFFA; PINTO, 2002, p.141)

Com a nova Lei de Diretrizes e Bases, em 1971, a responsabilidade pelo ensino fundamental foi transferida inteiramente para o Estado, o que acarretou em um novo sistema de construções simplificado, já que a demanda escolar era cada vez maior enquanto a verba destinada para esse fim se apresentava limitada. A preocupação com uma produção rápida e econômica caracterizou as edificações do pós-moderno por meio de um grande corredor que dá acesso às dependências escolares, vedados com paredes de alvenaria de blocos de concreto aparente, teto de laje pré-moldada, cobertos com telhas de fibrocimento. Com a atribuição de planejar, projetar, construir, ampliar e manter a rede pública de ensino foi criado o Fundo Estadual de Construções Escolares (FECE) em 1966, o qual foi substituído dez anos mais tarde pela Companhia de Construções de São Paulo (CONESP), responsável por sintetizar e elencar FIGURA 16: Esquemas de alguns ambientes para os projetos escolares administrados pela FDE: (a) Biblioteca; (b) Refeitório; (c) Sala de aula com layout; (d) Sanitários de alunos.

as principais informações necessárias para a elaboração dos projetos estabelecendo normas para cada etapa do mesmo, como também definiu diretrizes para apresentação das ideias e para a composição da estrutura funcional das escolas. Dessa maneira, os programas arquitetônicos determinavam a quantidade dos ambientes e as respectivas áreas construídas embasados em números pré-estabelecidos pela Companhia, considerando o conforto ambiental e a avaliação do clima local em relação à insolação e ventilação. Mais tarde, tais especificações e diretrizes foram padronizadas pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e os fatores de acessos e fluxos do


75 entorno e no interior da escola em relação à infraestrutura urbana e às vias urbanas passaram a ganhar importância, bem como os estudos especiais para a implantação de um projeto considerando a topografia local. Diante do momento histórico vivido pelo país, a falta de escolas no Rio de Janeiro, na década de 1980, foi suprida em boa parte com a criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), estes, além de defender a educação no período integral, mantinham suas portas abertas durante os fins de semana para receber a população. Projetados por Oscar Niemeyer, todos os CIEPs apresentam semelhança em seus elementos de composição e a disposição de seu programa acontece de forma padronizada através de blocos que se organizam funcionalmente. O bloco principal, estruturado em três pavimentos, acomoda no térreo, serviços como refeitório, recepção, gabinete médico/dentário e cozinha, além das áreas de apoio e recreação, enquanto os dois pavimentos superiores são compostos por 20 salas de aula para 30 alunos, instalações administrativas, sanitários, auditório e salas especiais. Nos outros dois blocos, enquanto um abriga o ginásio FIGURA 17, 18 e 19: FDE – Escola Várzea Paulista / FGMF.


76 polivalente coberto com arquibancadas e vestiários, onde, além de atividades físicas, também acontecem apresentações teatrais, musicais ou com algum vínculo artístico; o outro configura a biblioteca e, sobre ela, as moradias para alunos-residentes. Como exemplo de tal arquitetura, o CIEP Tancredo Neves foi inaugurado em 1985 na cidade do Rio de Janeiro. Aparentemente simples, com a predominância do concreto aparente e o uso quase inexistente de cores, o projeto retrata em seu partido o uso constante de arcos na composição do bloco principal e no ginásio, além de enfatizar o traçado de formas volumétricas básicas, sustentadas por uma estrutura modulada responsável pela sequência de formas e redução de custos.

FIGURA 20: CIEP Tancredo Neves.




[ O ensino brasileiro e o novo paradigma capitalista 1990 a 2015 ]


80

O

s anos ditatoriais vividos pela sociedade até 1980 representaram uma forte mudança no país. Ao mesmo tempo em que a democratização generalizada aconteceu, houve a ascensão de importantes movimentos sociais. Nesse contexto, a abertura política brasileira situou-se em uma realidade influenciada por políticas internacionais, como a revolução tecnológica da época, responsável por criar novas bases para a expansão do capital, favorecendo assim, o processo da globalização, que permitiu a ocupação de amplos espaços no globo terrestre e direcionou, mais tarde, a produção e reprodução das relações sociais. Dessa maneira, um novo ciclo de

expansão do capital foi desenvolvido, abrindo espaço para a ideologia neoliberalista que incentivava a redução dos gastos sociais, a fim de adequar a educação ao novo paradigma da acumulação capitalista, criar mecanismos de controle (avaliação e autonomia) do ensino e da produção científica e, tornar a forma de organização e gestão do ensino apto a converter-se em campo de domínio do capital e da produção de mercadorias. No campo educacional, a liberdade concedida ao capital traduziu-se na continuidade e ampliação da tendência privatizante da Ditadura Militar, promovendo a consagração de uma nova tendência: legislar de forma fragmentada, sem tratar de grandes questões num mesmo processo, como por exemplo, a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB de 1996), a qual, embora tenha sido elaborada durante longos oito anos, deixou importantes lacunas para serem preenchidas por uma legislação complementar, se configurando em uma lei minimalista e enxuta. A correspondência das transformações do processo produtivo na educação e


81 formação profissional através das mudanças na forma de produção exigiram alterações no delineamento do trabalhador. Ou seja, o processo produtivo à medida que modifica e evolui o mecanismo de produção mecânica para tecnológica, exige modificações também na formação do trabalhador quanto a seus conhecimentos e técnicas para atender esse processo produtivo. (GALVANIN, 2005, p.2)

A expansão do setor privado utilizouse de diferentes meios para direcionar volumes crescentes de recursos do fundo público para o mercado privado da educação. Dentre tais recursos, o Banco Mundial, o FMI, a UNESCO, entre outros, passaram a desempenhar o papel de portavozes dos interesses do capital internacional presente no país, estimulando e orientando as reformas educacionais voltadas à reestruturação da reprodução social. Assim, as relações capitalistas de produção incorporaram o cotidiano escolar ao determinar conceitos de empregabilidade e competência a partir de critérios como a eficiência, eficácia e produtividade, conduzindo a escola na preparação do indivíduo para o mercado de trabalho, como também disseminaram algumas diretrizes

de seus interesses: focalizar o gasto público no ensino básico; descentralizar o ensino fundamental através da municipalização do ensino e; estimular a privatização dos serviços educacionais, garantindo ao governo central maior controle e poder de intervenção sobre os níveis de instrução. Nesse panorama, o Estado, através de incentivos financeiros externos, se transformou no autor dos investimentos e planejamento educacional em nome do desenvolvimento da nação. Para o Banco Mundial, [...] elevar as economias dos países em desenvolvimento a um novo patamar de competitividade, refere-se à [...] segurança de um projeto econômico de cunho universal. Mudam-se as estratégias, reformulam-se as práticas, reconstroem-se os discursos, mas a essência do projeto de subordinação das economias em desenvolvimento aos interesses do capital internacional continua inalterada. (MARONEZE & LARA, 2005, p. 3285).

Nesse movimento, a educação cumpriu uma função ideológica e econômica, servindo para revitalizar os argumentos que sustentavam as reformas nacionais proclamadas amplamente pelos neoliberais.


82 De tal modo, a Comissão Economia para a América Latina e Caribe (Cepal), passou a indicar a educação como o principal fator promovedor do desenvolvimento social e sustentável, enfatizando o fortalecimento da cidadania e igualdade, além de tornar possível elevar o padrão de competitividade no mercado internacional. Dessa maneira, o Brasil acabou expandindo seus benefícios sem ampliar as despesas públicas, uma vez que só se preocupou em formar indivíduos para o mercado de trabalho, desvalorizando o conhecimento em outros horizontes, “Isso quer dizer que as reformas não visavam aumentar os investimentos no campo educacional, mas introduzir sistemas mais flexíveis, com uma nova racionalidade para a utilização eficiente dos recursos disponíveis”. (MARONEZE & LARA, 2005, p. 3289) As mudanças recomendadas pela Cepal convergiram para modelos descentralizados que permitiam uma maior autonomia das escolas. Assim, por meio de um sistema participativo, as comunidades podiam colaborar com a captação de recursos financeiros e processos decisórios. Em 1993, a fim de cumprir as disposições determinadas pela Conferencia

Mundial sobre Educação para Todos, o Estado brasileiro elaborou o “Plano Decenal de Educação para Todos”, priorizando os investimentos na educação básica, ao mesmo tempo em que concedia espaço para novas reformas educacionais. Entre 1993 e 1996, foi organizada a Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI com o objetivo de analisar a educação mundial e identificar os problemas particulares de cada país a fim de elaborar um relatório que sustentasse as reformas necessárias. Nesse momento, tal relatório esclareceu que a educação promove paz, desenvolvimento econômico, democracia, entre outras vantagens, colaborando para a tentativa do ingresso de todos os países no campo da ciência e da tecnologia, enquanto uma adaptação das sociedades e das culturas a era da informação se tornava imprescindível. Desse modo, através de programas e projetos na educação, o MEC implantou modificações no âmbito da gestão educacional, financiamento, currículos escolares (PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais), legislação, planejamento, avaliação, entre outros, como também,


83 em 1996, por meio de uma centralização dos recursos financeiros em nível federal, criou a FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental) voltado para o ensino fundamental. Dentre tais programas, surgiu o “Acorda Brasil, está na hora da escola”, que difundiu a educação no país e adotou algumas medidas, como a distribuição de verbas diretamente para as escolas, a fim de diminuir o desvio dos recursos destinados para as mesmas; a melhoria da qualidade dos livros didáticos com informações mais atualizadas e; a formação de professores por meio de instrução à distância. Contudo, apesar de muitas reformas “ganharem nome” nesse período, as mesmas foram concebidas de forma muito acelerada, fazendo com que o governo tomasse decisões isoladas em sua regência, ignorando o posicionamento das instituições brasileiras. Assim, ao serem avaliadas, tais medidas não apresentaram bons resultados, uma vez que não supriam o número de vagas necessárias e não proporcionaram uma melhoria salarial dos professores, gerando insatisfações. Ao chegar à presidência do país em 2002, Inácio Lula da Silva trouxe a ideia da

“escola do tamanho do Brasil” baseada na preparação para a cidadania, expandindo o sistema educacional. Dessa maneira, a nova proposta de ensino foi sustentada por três diretrizes: democratização do acesso e garantia de permanência na instituição escolar; qualidade social da educação, sendo fundamental a valorização e formação do professor, a infraestrutura e a inclusão do aluno e, por ultimo; a instauração do regime de colaboração e democratização da gestão, aproximando o MEC da sociedade. Nesse contexto, o Fórum Nacional da Educação foi criado, e mais tarde formalizado pelo MEC, com a finalidade de discutir assuntos relacionados à instrução do ensino brasileiro que subsidiaram as políticas educacionais, como também propor, avaliar e acompanhar a execução do Plano Nacional da Educação (PNE). No mesmo período, houve a ampliação do FUNDEF, o qual se transformou em FUNDEB e passou a atender o ensino básico além do fundamental. Na segunda gestão do governo Lula, em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi apresentado como uma política educacional de Estado e ganhou espaço no cenário brasileiro, direcionando


84 os investimentos para a instrução básica, profissional e superior. A partir desse momento o ProUni e o FIES foram criados e se tornaram os responsáveis pela transferência de renda governamental para a instituição privada sem antes, fortalecerem as públicas. Nos anos seguintes, o governo Dilma deu continuidade ao plano de educação estabelecido no mandato anterior, criou um novo PNE e, em 2009, instituiu uma emenda constitucional que ampliou a obrigatoriedade do ensino gratuito, situando a matrícula a partir dos quatro anos a fim de fornecer uma formação mais completa à sociedade. A transformação e redefinição na configuração da instituição escolar, bem como a natureza e as funções da reorganização capitalista que configura um novo modelo econômico, faz com que o Estado deixe de ser o principal executor e passe a constituir uma instância coordenadora e controladora através de mecanismos como Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), os quais estão em vigor até os dias atuais.


85

[ Edificações Escolares: Projetos contemporâneos ]

A

s edificações escolares até os anos 2000, na maioria dos Estados, expuseram uma disposição de programa bastante padronizada, constituindo, em geral, prédios de três pavimentos em um bloco monolítico. Porém, ao serem desenvolvidas por escritórios terceirizados, apresentaram certa originalidade no tratamento dos fechamentos externos. Contudo, falhas projetuais foram identificadas em tal composição escolar, como por exemplo, a inclusão da quadra ao volume, promovendo muitas vezes, uma interferência no desenvolvimento acústico dos ambientes, devido ao fato de exigir um isolamento de qualidade construtiva das vibrações das atividades esportivas, nem FIGURA 21: Planta 1 Pavimento - Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB. FIGURA 22: Corte - Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB.

sempre atingido em contratos de obras públicas. Tal arquitetura escolar pode ser exemplificada pela escola do EE Conjunto Habitacional Campinas F1, estruturada a partir de espaços internos fechados com alvenaria e elementos vazados de concreto e com a topografia do terreno constituída de pequeno desnível, contribuindo para a criação de dois grandes pisos: um para o convívio e a administração, incluindo a quadra esportiva, outro para as salas de aula;


FIGURA 23: Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB.


FIGURA 24: Escola de Ensino Fundamental FDE Campinas F1 / MMBB.


88 enquanto o resto do programa é distribuído em um piso intermediário. No entanto, alguns projetos escolares contemporâneos do Estado de São Paulo apresentam aspectos arquitetônicos diferentes que fogem do convencional estabelecido. Alguns deles alteram significativamente o partido arquitetônico do projeto, agregando valor ao novo espaço concebido, como a aproximação da quadra esportiva aos ambientes de vivência, cozinha, refeitório, cantina e sanitários, permitindo que as atividades de jogos, festas e reuniões sejam constantes; como também propõem novos fechamentos por venezianas industriais translúcidas e telas metálicas. Assim, pela leitura dos projetos, identificam-se quatro tipologias escolares predominantes, dentre elas, escolas compactadas e verticais; escolas horizontais com a quadra em seu centro; escolas dispostas em mais de um volume, e escolas longitudinais (FDE, 2006). Com a finalidade de integrar a escola à comunidade, além de levar infraestrutura para as regiões da capital paulista desprovidas da mesma, surgem os Centros Educacionais Unificados (CEUs), que reúnem as ações educativas em um só local, ao mesmo tempo

em que aperfeiçoa equipamentos e serviços. Elaborados pelos arquitetos Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza, os projetos dos CEUs são embasados no modelo escolar idealizado por Anísio Teixeira na década de 1950, as escolasparque. Em geral, esses conjuntos assumiam a configuração de blocos volumétricos dispostos das mais diversas formas em terrenos amplos e ajardinados, interligados por marquises abertas, buscando identificar uma pureza formal aos volumes principais, tencionada apenas por pequenos volumes agregados, que acentuavam os acessos e as circulações. Também participam do conjunto duas torres cilíndricas de caixa d’água, conferindo um contraponto vertical à horizontalidade dominante e marcar o acesso principal. Conformando um complexo educacional, esportivo e cultural, os centros são caracterizados como espaço público múltiplo, compreendendo em seu programa quadra poliesportiva, teatro, playground, piscinas, bibliotecas, tele centro e espaço para oficina, ateliês e reuniões, além das salas de aula, refeitórios, padaria-escola, creches e áreas para exposições e convivência. FIGURA 25: CEU Rosa da China.


89 Estruturado por meio de programas pedagógicos bastante abrangentes, atendem todos os níveis de ensino, da pré-escola ao ensino profissionalizante e, é inicialmente planejado em período integral, em que a criança passa o dia todo na escola e tem acesso a refeições saudáveis, atendimento médico e atividades culturais e sociais após as aulas.

Como exemplo de tal arquitetura, destaca-se o CEU Rosa da China, localizado no bairro Jardim São Roberto, na Zona Leste de São Paulo. “A declividade da área induziu uma disposição alinhada dos volumes da grelha de salas de aula e do paralelepípedo do teatro. Abandona-se assim qualquer referência às tipologias tradicionais de praças ou pátios. Pelo contrário, os autores


90 optaram por alinhar também o nível da cobertura resultando em uma horizontal que serve de referência para variação da superfície do território montanhosa da região.” (ANELLI, 2004). Outro exemplo é o CEU Jambeiro, localizado em Guainazes, também na Zona Leste paulistana, que precisou lidar com a ocupação descontrolada das periferias ao implantar os edifícios, uma vez que o espaço disponível para a construção de equipamentos sociais era limitado e à margem de um rio. “Assim, os autores do projeto procuraram redesenhar essas margens transformando as praças esportivas e as piscinas em terraços à beira d’água. Invertem assim o procedimento usual de voltar as costas para os rios, hoje altamente poluídos, ou de canalizá-los entre duas avenidas marginais”. (ANELLI, 2004) Dessa maneira, “acompanhadas de ações de implantação de infraestrutura viária e de saneamento básico nas suas imediações, as intervenções pontuam os setores mais pobres de São Paulo. Seguindo a experiência brasileira de equipamentos escolares como ponta da ação do Estado em regiões carentes, a arquitetura dos CEU procura gerar uma nova urbanidade onde forma e programa se encontram em um projeto de sociabilidade.” (ANELLI, 2004)

FIGURA 26 e 27: CEU Jambeiro.




[O projeto - Complexo Escolar ]


94

[ O tema ]

N

os dias atuais, considera-se a educação um dos setores mais importantes para o desenvolvimento de uma nação. A ascensão de um país está diretamente atrelada à sua produção de conhecimento, uma vez que esta permite o aumento de sua renda e, consequentemente, a qualidade de vida da sociedade. Embora o Brasil tenha avançado neste campo nas últimas décadas, ainda não atingiu a excelência na instrução educacional. É nesse contexto que a escola torna-se um dos locais mais relevantes para ser estudado. Nesse panorama, Doris C. C. K. Kowaltowski, em “Arquitetura Escolar: O projeto do ambiente de ensino” eleva a

educação pública como prioridade nacional, exigindo assim um esforço cuidadoso, sensível e, ao mesmo tempo, técnico e preciso das áreas envolvidas na sua constituição e desenvolvimento: sua relevância social e cultural é central para a construção de uma sociedade mais igualitária e para a formação de indivíduos cidadãos. Através da análise da arquitetura escolar a partir do século XVI, a evolução dos edifícios educacionais é esclarecida ao relacioná-lo às questões políticas, econômicas e sociais de cada momento histórico. Com a finalidade de promover um melhor entendimento do sistema presente atualmente, torna-se indispensável considerar os moldes escolares e a forma de pensar de cada período. Após uma sequência de modelos e construções educacionais, como os Grupos Escolares, as Escolas Normais, as EscolasParque, as FDEs, os CIEPs e, finalmente os CEUs, a ideologia agregada às escolas do século XXI buscam promover uma integração entre a comunidade e o equipamento inserido em determinado território. Isto posto, a valorização de tal integração enfatiza a importância de uma arquitetura


95 mais dinâmica capaz de criar espaços que oferecem as condições necessárias para promover um aprendizado de maior qualidade. É a partir desse ponto que o complexo escolar que contempla o ensino infantil, fundamental e médio se desenvolve.

[ O território ]

A

escolha do território se deu a partir de uma pesquisa realizada em terrenos destinados pela prefeitura de São Paulo para a construção de edificações de caráter instrutivo, como os Centros de Educação Infantil (CEIs) e Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs), justificando a demanda do equipamento para a área. A princípio, a proposta se efetivaria na Penha, Zona Leste da capital, no entanto, após a análise de alguns estudos de casos, como a escola “Amstelveen College”, na Holanda; a “Escola Infantil Municipal de Berriozar”, na Espanha e; a “Escola Várzea Paulista”, em São Paulo, foi possível notar que o terreno escolhido não teria metragem suficiente


96 e dimensões favoráveis para comportar o programa escolar sugerido. Então, iniciou-se uma nova busca por um espaço adequado

FIGURA 28: Penha – Zona Leste. Área: 5140,95m².

para a edificação. No entanto, antes disso, a determinação de um programa fezse necessária para, em meio a tantas possibilidades de territórios, escolher o mais adequado para a implantação do edifício de apoio à comunidade. Além de ter como base os colégios frequentados em toda a minha vida acadêmica, as principais referências utilizadas para a criação do programa (do ensino infantil ao médio) foram as escolas da Fundação de Desenvolvimento Escolar (FDEs), as quais padronizam os ambientes

com base em estudos que identificam as necessidades de um prédio escolar. Fora isso, conversas com professores e pedagogos da cidade de Piracicaba também deram suporte para listar as exigências de cada modalidade de ensino. Isto posto, tais especulações tinham por objetivo facilitar o entendimento referente a complexidade dos conteúdos e ações pedagógicas presentes na construção de uma escola e, assim, projetar ambientes mais sensíveis às demandas educacionais e sociais, a fim de qualificá-lo como escola, instituição e arquitetura.


97

[ Programa de necessidades ]


98

C

om o programa definido e dimensionado, dois terrenos ofereciam características viáveis para a efetivação do projeto. Ambos apresentavam proximidade com o transporte público, pouca arborização e um formato marcado no sentido longitudinal, além de estarem inseridos em comunidades mais carentes. Porém, um deles permitia a entrada por uma única rua, enquanto o outro possibilitava o acesso pelas quatro ruas que o circundava, o que facilitou a decisão entre os dois. A área de implantação com a disponibilidade de mais acessos configurou-se na melhor opção.

FIGURA 29: Vila Jacuí – Zona Leste. Área: 6200,56m² FIGURA 30: Vila Curuça – Zona Leste. Área: 8896,48m²


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[ O terreno ]

L

ocalizado na Vila Curuça, bairro residencial da Zona Leste de São Paulo, o terreno escolhido ocupa uma quadra e é delimitado pelas ruas: Jorge Jonas, Alice Dilon Braga, Rui Barbosa Lima e Pedro Meira. Com 8896,48m², apresenta um desnível de onze metros em sua extensão, os quais são distribuídos ao longo de cento e noventa metros no sentido longitudinal. O perfil natural do terreno é bastante característico uma vez que, além do desnível citado, concentra suas curvas de nível nas extremidades das ruas Pedro Meira e Rui Barbosa Lima, demarcando taludes de aproximadamente seis metros de altura, os quais, junto à localização do ponto de representaram questões fundamentais para a determinação do partido arquitetônico do projeto, condicionando os fluxos e os acessos.

FIGURA 31: Localização da área de intervenção

FIGURA 32: Levantamento do terreno e entorno

FIGURA 33: Foto panorâmica do terreno


100

[ Diretrizes ]

A

configuração do terreno proporcionou o direcionamento de algumas diretrizes. Desde o início, a principal intenção era promover a implantação do edifício de maneira que o mesmo não criasse barreiras físicas e ideológicas perante a comunidade no qual estava sendo inserido. Alguns eixos e condicionantes foram traçados e, a partir deles, os equipamentos dispostos. Assim, a área de implantação foi setorizada em três partes: Ensino Fundamental e Médio, Ensino Infantil e apoio às instituições de ensino e à comunidade (quadra, auditório, praça e bicicletário). • Blocos independentes para Ensino Infantil, Fundamental e Médio • Acesso independente para equipamentos de apoio (somente essa área será aberta aos finais de semana) • Acesso do Ensino Infantil com espaço favorável à espera dos pais que buscarão as crianças (configurado por meio de uma praça) • Único acesso para o Ensino Infantil a fim de facilitar o controle de entrada e saída das crianças • Acesso por todas as ruas que circundam a quadra

FIGURA 34: Esquema de Fluxos

FIGURA 35: Setorização do Terreno


101

[ Primeira Proposta ]

A

priori, a área de apoio estava locada próxima ao ponto de ônibus(setor 1), o edifício do ensino primário e secundário ao centro (setor 2) e o ensino infantil à leste (setor 3). Tal disposição pretendia favorecer o acesso direto às áreas comuns e promover a comunicação entre as instituições escolares concentrando as entradas em um grande hall entre elas. No entanto, tal proposta não criava a união dos módulos projetados uma vez que impedia uma conexão pertinente entre o edifício infantil e os equipamentos de apoio, assim, não proporcionava uma integração entre as instituições escolares e o espaço público.

FIGURA 36: Acessos - Primeira Proposta

FIGURA 37: Croqui - Primeira Proposta


102

[ Proposta Final ]

A

o longo das discussões com o professor orientador, novas diretrizes foram determinadas provocando alterações na organização do espaço. • Estabelecer acessos distintos entre o edifício do Ensino Infantil e o edifício do Ensino Fundamental e Médio. • Realocação da Zona de apoio de maneira que facilitasse o acesso de todos os ciclos do complexo escolar sem que houvesse grandes deslocamentos

A partir das novas intenções de projeto, o prédio do ensino fundamental e médio

foi transferido para o setor 1, aproximando-o da rua de maior movimento (Rua Pedro Meira). O acesso a tal edifício está voltado para o ponto de ônibus, o que proporciona certo controle e segurança dos alunos, que em sua maioria vão sozinhos para o colégio, uma vez que estarão sendo observados por funcionários da escola na maioria do tempo. A zona de apoio foi deslocada para o setor 2, no centro do terreno, com a finalidade de trazer a comunidade para dentro do projeto. A área é acessada em nível pela Rua Jorge Jones e pela cobertura do auditório, que vence o desnível de seis metros do terreno, pela rua Rui Barbosa Lima. A cobertura do auditório configura uma praça seca que, através de uma escadaria, permite a chegada à outra praça arborizada no térreo, responsável pela união das edificações projetadas. Por fim, o prédio do ensino infantil permanece à leste da área de implantação, admitindo a criação de ambientes para a recreação iluminados pelo sol da manhã.


FIGURA 38: Acessos - Proposta Final

FIGURA 39: Locação dos edifícios projetados no terreno.


104

[ Memorial Descritivo ]

D

imensionado em 3 pavimentos modulados por pilares em concreto armado que configuram vãos de 7,20m, o programa do edifício do Ensino Fundamental e Médio é disposto sobre laje maciça em torno de um átrio central ocasionando uma constante troca de conhecimento e experiências por meio da conexão visual. Além disso, o átrio auxilia o conforto ambiental permitindo a entrada de luz natural por meio de uma cobertura de vidro fixada por treliças metálicas, ao mesmo tempo em que favorece a exaustão do ar quente proveniente dos ambientes. A vedação externa é feita a partir de uma composição de alvenaria, caixilhos metálicos

e vidros. Já a vedação interna dá espaço para as divisórias em gesso acartonado revestidos com lã mineral de densidade média. No térreo locam-se as infraestruturas voltadas para áreas de entretenimento e recreação, como: cantina, despensa, refeitório, depósito de limpeza, depósito de lixo, enfermaria, sala de atendimento médico, grêmio, sala poliesportiva e vestiários, seguindo os mesmo padrões construtivos. Os vestiários dispostos no térreo do setor 1, também servirão de apoio para a quadra e para o auditório, de modo que possam ser acessados tanto em dias letivos, quanto aos finais de semana, período em que somente os equipamentos do setor 2 estarão abertos para a comunidade. A cobertura da quadra, composta por telhas metálicas com miolo de poliuretano, são estruturadas por treliças metálicas fixadas em pilares de concreto armado. A proteção contra a insolação será realizada por meio de brises metálicos dispostos em toda sua lateral, permitindo uma boa ventilação. Em contrapartida, a estrutura do auditório é concebida por meio de uma caixa de concreto. Paredes de alvenaria, pilares em concreto armado e laje em grelha ocupam o cenário.


105 Por fim, ao considerar que a qualidade do desempenho escolar está diretamente ligada às instalações, foi tomado certo cuidado com a disposição do programa do ensino infantil. Onde o contexto tem como foco a criança, a primeira decisão de projeto foi a criação de um único pavimento que abrangesse todos os ambientes, eliminando o uso de escadas. Na tentativa de proporcionar espaços que favorecessem a supervisão das crianças, as 6 salas de aula; a brinquedoteca; os 2 berçários, auxiliados pelo fraldário e lactário e a sala multiuso foram voltadas para um pequeno pátio interno coberto por uma estrutura formada por montantes e vidros fixados em treliças metálicas, semelhante à cobertura do edifício do ensino primário e secundário. Nesse prédio, os pilares em concreto armado e a laje maciça também foram utilizados. O bloco de salas que envolvem o pátio interno se divide do setor de apoio e administrativo do edifício por meio de um vazio descoberto responsável pela ventilação e iluminação de todos os ambientes que estão voltados para ele. No subsolo da edificação do ensino infantil encontra-se o estacionamento que

atende todo o complexo. Controlados por uma guarita, somente os funcionários têm passe livre para o espaço. Para a ventilação do mesmo, foi criado um foço inglês em uma de suas laterais, proporcionando uma boa circulação do ar.


[ O Complexo Escolar ]


[ Dados do projeto ]

TO: 60,9% CA: 0,75 Taxa de permeabilidade: 17,2%






[ Edifício Ensino Fundamental e Médio ]


[ Edifício Ensino Fundamental e Médio ]


[ Edifício Ensino Fundamental e Médio ]





[ Ampliação 1 ]


[ Ampliação 2 ]


120

[ Conforto ambiental ]

Diante da preocupação com o conforto ambiental das edificações, o programa estabelecido para cada prédio escolar atrelado à topografia do terreno, resultou em uma variação de altura dos blocos pertinente à ventilação dos mesmos, uma vez que ficam mais altos conforme o desnível. Assim, a predominância do vento sudeste na cidade de São Paulo, faz com que todas as construções sejam bem ventiladas. O controle da insolação também foi estudado. Brises verticais foram dispostos ao redor de todas as unidades visando diminuir a intensidade de radiação solar nos ambientes escolares e, consequentemente, proporcionar um melhor conforto interno capaz de auxiliar no aprendizado do aluno.

FIGURA 40: Simulação da ação do vento no edifício projetado


121

[ Estudo da Ventilação: FLOW DESIGN ]

A

o inserir o modelo 3D no programa Flow Design e ajustar as configurações com as características do vento predominante da cidade de São Paulo (vento sudeste / velocidade: 3m/s), pode-se concluir que o complexo escolar foi favorecido pela topografia estabelecida no terreno (criação de 3 patamares principais que acompanham o nível da rua), pelo entorno estritamente residencial que não apresenta edificações com alturas elevadas e, principalmente, pela variação das alturas de cada bloco proposto na área de intervenção, uma vez que sofrem variação vertical crescente do sentindo Leste para Oeste, fazendo com que uma edificação não prejudique a ventilação da outra. Embora tenha sido identificada uma redução da velocidade do vento conforme ele se desloca do Leste para o Oeste do terreno, em nenhum momento pode-se notar a ausência de ventilação nos blocos estabelecidos.

FIGURA 41: Implantação dos edifícios pelo térreo adicionada à análise (considerando volumes e alturas) feita pelo programa Flow Design


122

FIGURA 42: Vista aérea (volume completo) – Análise FLOW DESIGN

FIGURA 43: Vista aérea (volume completo) – Análise FLOW DESIGN

FIGURA 44: Perspectiva (auditório / quadra / fund. e médio) – Análise FLOW DESIGN

[ análise do volume ] FIGURA 45: Perspectiva (ensino infantil) – Análise FLOW DESIGN


123

[ análise dos pavimentos:

Ensino Fundamental e Médio ] FIGURA 46, 47 e 48: 1º, 2º e 3º pavimento (Ensino Fundamental e Médio) – Análise FLOW DESIGN


124

[ Considerações Finais ]

Originada no período colonial através da Companhia de Jesus, a educação no Brasil representou, no início, um instrumento de dominação da metrópole portuguesa sobre a colônia recém-descoberta por meio da catequese. Fundamentado em ideias humanísticas, o ensino jesuítico instruiu, de maneiras distintas, indígenas e filhos de colonos até meados de 1750 quando, Marques de Pombal, foi enviado para as terras brasileiras e os expulsou, implantando novas medidas administrativas que visavam à melhoria condições de Portugal. A política educacional de Pombal era lógica, prática e centrada nas relações econômicas anglo-portuguesas. Contudo, a reforma proposta por regentes da metrópole constituiu um sistema disperso e fragmentando, destruindo o único sistema de ensino presente na colônia. O cenário brasileiro somente foi alterado em 1808 com a chegada da família real, a qual proporcionou um desencadeamento de transformações estruturais e, consequentemente, criou um contexto de contradição entre a política econômica portuguesa e internacional, favorecendo a conquista da autonomia da colônia. A partir da elaboração da Constitui-


ção de 1824, a educação brasileira seguiu rumos diferentes. Além da criação das primeiras Escolas Normais, foi identificada uma descentralização da responsabilidade do ensino, dividindo-a entre Estado e províncias. Mais tarde, o liberalismo ganhou espaço entre as discussões educacionais e implantou a ideia de valorização das necessidades da sociedade como um todo, possibilitando o surgimento de colégios protestantes e positivistas, que vieram acompanhados por diversas reformas. Em paralelo as reformas, experiências anarquistas, influenciadas pelo surto industrial europeu ocorrido após a Primeira Guerra Mundial, chegaram ao Brasil visando à implantação de uma educação que não estivesse atrelada aos interesses capitalistas. No entanto, esse momento histórico foi marcado pela ação de alguns republicanos preocupados em defender a escola primária assim como estabelecer uma formação de qualidade para os professores. Nesse contexto surgem os Grupos Escolares e atrelado a ele, o movimento Escola Nova que passou a identificar as diversidades e a individualidade de cada ser humano ao colocar o aluno em primeiro plano, distanciando-se cada vez

mais do ensino tradicional. Alguns anos depois, diante de uma política baseada no populismo e no nacionalismo, associada ao capital externo e crescente urbanização das capitais do Estado, a discussão de leis de diretrizes e bases da educação nacional foi polemizada e deu início as especulações sobre os conceitos de Escola-Classe e Escola-Parque (1950) que simulam a integração entre o ensino básico e a comunidade, configurando uma rede de equipamentos voltados para a educação, lazer, cultura e saúde. Durante o período ditatorial, as questões educacionais não foram deixadas de lado, porém sofreram modificações. Através da Lei de Diretrizes e Bases de 1971, a responsabilidade pelo ensino fundamental foi transferida inteiramente para o Estado, o que acarretou em um novo sistema de construções simplificado. Com a finalidade de sintetizar e elencar as principais informações necessárias para a elaboração dos projetos, a Companhia das Construções de São Paulo (CONESP) entra em cena e fica responsável pela definição das principais diretrizes e especificações das construções escolares que mais tarde serão padronizadas pela Funda-


126 ção de Desenvolvimento da Educação (FDE). Na década de 1980, a carência de instituições escolares apresentada pelo Rio de Janeiro promoveu a criação dos famosos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), caracterizados por defenderem a educação no período integral e manterem suas portas abertas durante os finais de semana com o intuito de receber a população. A ideologia de tais centros foi fortemente influenciada pelas ideias desenvolvidas na concepção das Escolas-Parque nos anos de 1950, e também servirá de base para a instituição dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), no Estado de São Paulo. Assim, ao analisar o sistema educacional brasileiro a partir do século XVI, foi possível identificar a presença de um forte vínculo estabelecido entre a arquitetura escolar e os fatores políticos, econômicos e sociais de cada época, uma vez que as edificações buscavam valorizar e atender as necessidades da sociedade de acordo com cada momento histórico, se tornando, portanto, um importante ramo de estudo para a compreensão da história e entendimento do valor atribuído à educação no Brasil. Dessa maneira, a escola, como insti-

tuição de ensino atualmente conhecida, é resultado de um longo processo histórico, cuja evolução pode explicar o modelo aplicado (KOWALTOWSKI, 2014, p.12). Isto posto, a proposta de um edifício de caráter instrutivo é desenvolvida a partir de análises dos aspectos pedagógicos atrelados ao projeto arquitetônico, buscando criar as condições físicas necessárias para que a escola seja um lugar de participação, debate e construção do conhecimento, por meio de ambientes que ampliem as possibilidades de interação entre alunos e comunidade.



128

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