Revista Cultura do Automóvel

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cultura do No 23 – maio 2021

automóvel

automóveis e motocicletas

O dia em que Fangio pilotou o esportivo brasileiro

mercedes-benz 300sl

www. marazzi.com.br

lançamentos - impressões - história

Willys Interlagos MG: a história da marca


E DI TOR I

AL

História, histórias...

Q

uando os dois significados da palavra acima se combinam, temos mais do que um simples bate-papo de mesa de bar, sobre automóveis. Ser apaixonado por carros não se resume em pilotá-los ou admirá-los, mas também conhecê-los, o que inclui a sua origem. E a história dos automóveis está aí para todos. Nestes tempos de iso-

lamento, a mesa do bar foi substituída pelos grupos de amigos pela internet, que trocam informações em um saudável bate-papo. nnn

Dessa forma, esta edição é dedicada aos amigos do MG Club, cujas apaixonantes histórias contadas me incentivaram a recontá-las nas páginas da revista Cultura do Automóvel.


23 NESTA EDIÇÃO

sumário

No 23 - maio 2021

04 Pelo Mundo

O que acontece no mundo dos automóveis clássicos

06 Mercedes-Benz 300SL

Um dos automóveis esportivos mais importantes da história

10 Shelby Cobra Kirkham

A melhor réplica do Cobra já feita

14 Willys Interlagos

O dia em que o campeão mundial de Fórmula 1 pilotou o carrinho

20 Hollywood Star Cars

Em um museu na Califórnia, alguns automóveis estrelas do cinema

24 A história do MG

Como uma estratégia de vendas se transformou em marca de automóveis

28

As celebridades e seus automóveis A fama está bastante ligada à ostentação. Aí entram os automóveis


pelo mundo O Aston Martin Lagonda Drophead 1954. Na sequência de três fotos, o Triplex Scimitar GTS

Os carros Do príncipe Os automóveis eram uma de suas paixões, assim como pilotá-los

Apesar de pertencer à família real britânica, o Príncipe Philip foi mais comentado, pelo menos ao redor do mundo, após a sua morte, no mês passado. Mas já era sabido que uma das suas maiores paixões eram os automóveis. Tanto é que ele mesmo projetou o veículo que o levaria em seu funeral, no Castelo de Windsor, uma picape Land Rover adaptada. Ele gostava muito de dirigir, apesar de seus 99 anos de idade, o que 4 Maio 2021 Cultura do Automóvel

fazia, nos últimos tempos, apenas nas dependências de suas propriedades. Alguns de seus carros foram feitos sob encomenda, conforme o Acima, em um Jaguar D-Type XKSS, abaixo, um Aston Martin seu gosto, como é o caso do Aston Martin Lagonda Drophead de 1954 Em 1939, Philip levava a princesa Elizabeth em passeios com seu MG. Casaram-se em 1947 e ele renunciou ao seu cargo na Marinha Britânica quando ela se tornou rainha, em 1952.


pelo mundo O mercedes da rainha do jazz

Essa é rainha do jazz, a americana Ella Fitzgerald, que vendeu mais de 40 milhões de álbuns e ganhou 14 prêmios Grammy. E vejam só o seu bom gosto: em 1959, ela encomendou esse Mercedes-Benz 300 D em um revendedor autorizado nos Estados Unidos. O automóvel foi entregue na sua casa em Los Angeles, Califórnia, em 9 de novembro de 1959. O Mercedes-Benz 300D, maior que os modelos A, B e C, é um carro luxuoso de quatro portas, fabricado entre agosto de 1957 e março de 1962. Foram produzidos 3.100 unidades e só 65 cabriolés como esse da cantora. Tinha motor de seis cilindros em linha, transmissão automática de três marchas e atingia velocidade de 160 km/h. Ella pediu a cor Blue Grey, código DB 166, com estofamento vermelho código DB 1088, direção hidráulica, rádio Becker

México, encosto de cabeça para passageiros do banco de trás e pneus Goodyear de faixa branca. Ela tinha bom gosto sim! O custo total incluindo despesas de envio foi de 35.541 marcos alemães ou 8.500 dólares americanos. Atualizados para o tempo atual, cerca de 76.000 dólares. A Sra. Fitzgerald usou o carro durante 37 anos. Ela morreu aos 79 anos em 1996. O carro foi leiloado e quem o comprou foi o colecionador alemão Rolf Meyer em 1997. Em seguida, Meyer o vendeu para uma coleção particular na Alemanha em 2003. Depois, quem comprou foi o Dr. Gottfried Gothe em 2006. O automóvel foi posto a venda recentemente. Tem todos os registros de compra e serviços realizados pela Mercedes-Benz. Um exemplar e tanto. (texto e fotos enviados por Luiz Antônio Albuquerque).

Um aston martin para crianças Para crianças muito especiais, bem entendido. Foram feitos apenas cinco desse brinquedo, um mini-Aston Martin de acionamento elétrico, para crianças. Na foto, Ian Heggie, o filho de sete anos do vice-diretor administrativo da Aston Martin, faz um teste de direção de um Aston Martin DB5, na Embaixada do Irã em Londres em dezembro de 1966. O carrinho era chamado de DB5 Junior e era um presente da Aston Martin para o Xá da Pérsia, ou, o Príncipe Herdeiro do Irã. (texto enviado por L. C. Pereira) Cultura do Automóvel Maio 2021 5


clássicos

Mercedes-Benz 300SL O esportivo clássico, em duas versões

É

difícil não gostar de um conversível. Com a capota aberta, o vento circulando por todas as direções e o sol batendo no rosto, a sensação é de liberdade. Mas há situações em que um hard-top, ou seja, um automóvel de capota de aço, é mais conveniente. Para contentar todos os gostos, então, escolhemos os dois. Só que, quando o veículo em questão é um Mercedes-Benz 300SL, ter os dois na garagem pode ser considerado um tanto difícil, principalmente sabendo-se que existem apenas sete exemplares desse esportivo alemão. São três conversíveis, ou Roadsters, e quatro cupês, ou Asa de Gaivota, como esse modelo é conhecido, devido à forma com que suas portas são abertas. 6 Maio 2021 Cultura do Automóvel

As portas abrindo para cima era uma novidade, ne época

O motor de seis cilindros em linha oferecia 240 cv de potência

Texto e fotos Gabriel Marazzi

Em sua época - o 300SL foi fabricado de 1954 a 1963 - era ainda mais difícil ter esses dois carros ao mesmo tempo, já que eles nunca foram fabricados simultaneamente. Em março de 1957 terminava a produção do Asa de Gaivota, depois de 1.400 unidades fabricadas, e começava a fabricação do Roadster, que até 1963 teve uma produção total de 1.858 unidades. Pode-se dizer até que o roadster foi uma evolução do cupê. O Mercedes-Benz 300SL foi o automóvel de série mais rápido de seu tempo, até hoje considerado um prodígio quando se relaciona a potência de 240 cv a 6.100 rpm com a velocidade que ele pode atingir, 267 km/h. Suas origens vêm das pistas: o MercedesBenz 300SL derivou


clássicos de um protótipo de competição, que vencia todas as provas na Europa, como a Mille Miglia, Targa Florio, Tourist Trophy e Le Mans. Não foram apenas as portas abrindo como asas de uma gaivota que revolucionaram a indústria e as mentalidades da época. O chassi tubular, em estrutura espacial, e a injeção direta de gasolina na câmara de combustão eram inovações extraordinárias. O motor do Mercedes-Benz 300SL é um seis cilindros em

linha, longitudinal, montado na dianteira e com uma inclinação de 40 graus à esquerda, para abaixar a linha do capô e melhorar a aerodinâmica do carro. O sistema de injeção direta, com bomba de gasolina Bosch de alta pressão, permitia que o motor desenvolvesse facilmente seus 240 cv de potência, com o incrível torque de 32,3 kgf.m e 4.800 rpm. Com tamanho desempenho, pilotar o Asa de Gaivota não era tarefa para qualquer um. Isso porque ele tinha dois problemas

congênitos: um eixo traseiro que não permitia mudanças bruscas de trajetória, como frear “dentro” da curva, por exemplo, e quatro freios a tambor pouco eficientes. Essas características fizeram com que muitos “pilotos” respeitassem mais suas próprias limitações que aquelas oferecidas pelo automóvel. Sob o aspecto estético, o Asa de Gaivota agradou muito. Mas havia o lado prático da questão: entrar no carro obrigava o piloto e o passageiro a primeiro sentar na lateral

do carro (bem alta, devido à estrutura espacial do chassi) e depois escorregar para dentro. Se fosse uma mulher, isso, logicamente, ficava mais difícil. De saia, ou vestida para a noite, era pior. Isso já eliminava o automóvel dos meios essencialmente sociais. Ele era um esportivo mesmo. Outro senão era a falta dos vidros que abrissem normalmente: as janelas laterais só podiam ser retiradas. Vários casos de rejeição ao automóvel eram causados por claustrofobia!

O Mercedes-Benz 300SL Roadster pode ser considerado uma evolução do cupê Asa de Gaivota, por ter sido produzido depois Cultura do Automóvel Maio 2021 7


clássicos O Mercedes-Benz 300SL Roadster veio solucionar todos esses problemas. As portas agora abriam normalmente, apesar de ainda manterem uma boa altura do chão, por causa do chassi tubular espacial. A estrutura do carro teve que ser reforçada também, devido à supressão do teto rígido. O eixo traseiro passou a ser articulado, resolvendo de vez a sua tendência a jogar nas curvas mais fortes. E, a partir de 1961, os quatro tambores de freio foram substituídos por quatro discos. O interior do automóvel pouco mudou com a sua transformação. O painel de instrumentos ganhou um aspecto mais americanizado, já que foram os norte-americanos os que mais influíram na aparência de todos os Mercedes-Benz. O volante, que no Asa de Gaivota tinha uma dobradiça para

mercedes-benz 300sl facilitar o acesso do motorista, no Roadster ganhou um aro de buzina. Externamente, o Roadster tinha uma traseira mais baixa e comprida, os faróis dianteiros “em pé”, como ficou depois caracterizada a marca, e, a partir de 1958, o teto rígido basculante. O 300SL, então, já estava ficando muito parecido com o 230SL que surgira em 1963 e que fez estrondoso sucesso, mesmo sem ter uma ascendência esportiva. O Mercedes-Benz 300SL estava agora bem fácil de ser pilotado, principalmente devido aos freios a disco e à nova suspensão traseira. Mas já não tinha o apelo esportivo do Asa de Gaivota. Os dois modelos, Roadster e Asa de Gaivota, tornaram-se clássicos. Um por ter uma ascendência e temperamento puramente esportivo,

O interior do Mercedes-Benz 300SL não era muito sofisticado

outro pela elegância e capacidade de fornecer “status”. Mas ambos, principalmente, por serem Mercedes-Benz. A origem do Mercedes-Benz 300SL foram mesmo as competições. No fim de 1951, a Daimler-Benz resolveu voltar às pistas, depois de algum tempo afastada, e decidiu que participaria da Mille Miglia, em maio de 1952. Apesar do pouquíssimo tempo,

terminou o primeiro protótipo do 300SL, que passou a dominar todas as competições mais importantes, batendo inclusive o famoso Jaguar Tipo C dos ingleses. Esse carro tinha motor de seis cilindros e três carburadores e era o mais rápido nas longas retas das pistas européias. Dois anos depois, era apresentado em Nova Iorque um protótipo

mercedes-benz 300sl

Ficha técnica Motor: 6 cil. em linha Cilindrada: 2.996 cm3 DiâmxCurso: 85x88mm Combustível: gasolina Potência: 240 cv Torque: 32,3 kgfm Câmbio: manual, 4 m Tração: traseira Rodas: 5Jx15” (cupê) 5,5x15” (roadster) Pneus: 6,50-R15 Compr. : 4.210 mm Largura: 1.780 mm Entre-eixos: 2.380 mm Tanque: 130 litros Peso: 1.295 kg

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O Asa de Gaivota oferecia desempenho e o Roadster oferecia elegância e status


mercedes-benz 300sl

clássicos

O Roadster trouxe evoluções técnicas e estéticas ao modelo, como os faróis “em pé” e os freios a disco nas quatro rodas

de pré-produção do carro, que imediatamente chamou atenção e provocou muitos pedidos para ser colocado à venda. Isso aconteceu no mesmo ano, surgindo assim o Mercedes Benz 300SL. Ironicamente, o carro de série era mais potente que o de corrida, devido à injeção direta de gasolina. O peso do carro também foi fator decisivo para seu bom desempenho: o chassi tubular de estrutura espacial pesava apenas 82 kg e havia a opção por uma carroceria inteiramente de alumínio com peso

158 kg menor que a original, de chapa. Era grande o número de opcionais para esse carro, desde um comando de válvulas de competição, caixa de câmbio especial, motor com bloco de alumínio e até rodas de cubo rápido do tipo “Rudge”. Para o conforto, havia a opção de um jogo de malas para viagens, esguicho elétrico para o limpador de pára-brisa, estofamento de couro e rádio Becker AM/FM. O Roadster tinha também todos esses opcionais e mais a capota rígida a partir de 1958, mas,

O cubo rápido só podia ser oferecido com os freios a tambor

quando ele ganhou freios a disco nas quatro rodas deixou de ter, como original, as rodas de cubo rápido (não havia compatibilidade). Em compensação, todos os conversíveis

já saíam de fábrica com o comando de válvulas de competição. Esta reportagem foi fotografada e escrita há trinta anos, o que explica alguns números aparentemente irreais.

Produção do mercedes-benz 300sl 1954 - 166 unidades 1955 - 830 unidades com carroceria de aço, 26 unidades com carroceria de alumínio 1956 - 305 unidades com carroceria de aço, 3 unidades com carroceria de alumínio 1957 - 70 unidades (últimas Asa de Gaivota), 618 unidades (primeiras Roadster) 1958 - 267 unidades 1959 - 200 unidades 1960 - 241 unidades 1961 - 256 unidades 1962 - 182 unidades 1963 - 91 unidades 1964 - 3 unidades TOTAL - 3.258 unidades (1.400 Asa de Gaivota e 1.858 Roadster) Cultura do Automóvel Maio 2021 9


réplica

shelby kirkham

A

história do Shelby Cobra é bem conhecida. Para desafiar os Chevrolet Corvette, Carrol Shelby solicitou à inglesa AC que adaptasse um de seus Ace para receber um motor Ford V8. Assim nasceu o primeiro Shelby Cobra. Com motores cada vez maiores, o Shelby Cobra fez sua fama. E daí vieram as cópias. 10 Maio 2021 Cultura do Automóvel

Um Cobra original é muito valioso, difícil de se ver pelo mundo todo, mas suas réplicas estão por todos os lugares, bem feitas e, na maioria das vezes, não. Há uma réplica, no entanto, que, mesmo se parecendo igual a todas as outras, é muito especial. Trata-se do Kirkham, um kit importado dos Estados Unidos e montado aqui mesmo no Brasil.


réplica

cobra

Quem viu um Cobra viu todos. Mas não é bem assim, esta réplica é muito fiel ao carro original, em alguns pontos, até melhor Texto e fotos gabriel Marazzi Cultura do Automóvel Maio 2021 11


réplica

shelby cobra kirkham

Os instrumentos são idênticos aos do Cobra original e o acabamento interno seguiu o gosto do dono

Depois de terminar a montagem de um kit nacional do Cobra, o dono deste Kirkham ficou muito insatisfeito com o resultado, mesmo que tivesse se empenhado nos mínimos detalhes. O carro não tinha as dimensões do modelo original e ainda por cima era inguiável, inseguro até. Mas uma coisa ele conseguiu nessa empreitada: experiência. Aí resolveu importar um kit Kirkham dos Estados Unidos, talvez o melhor de todas as marcas vendidas lá, mas que fornece apenas carrocerias de alumínio. A opção foi então por uma carroceria de fibra de vidro da John’s Cus-

12 Maio 2021 Cultura do Automóvel

O motor veio completo, um Ford 428 V8 com carburador Holley quadrijet

toms Fabrications, empresa indicada pela própria Kirkham – também de excelente qualidade e incrivelmente fiel ao Cobra original, . Vieram o kit e praticamente todos os componentes necessários para montar o

carro, incluindo motor e câmbio. Apenas os pneus não foram permitidos que fossem importados, de forma que ele comprou aqui mesmo os Yokohama 15x325 (as rodas são Vintage Wheels de cubo rápido, 15 x 9,5).

A empresa americana fabrica quase tudo desse carro, chassi tubular de aço, painéis de alumínio, supensões de alumínio, diferencial, radiador, toda instalação elétrica, os bancos e o escapamento.


shelby cobra kirkham

réplica

Bancos do tipo concha e cintos de cinco pontos

As rodas são Vintage Wheels de cubo rápido

A fidelidade está nos detalhes: faróis ingleses da Lucas

O escapamento é feito pela própria Kirkham

O motor veio completo, montado, um Ford 428V8 FE com cabeçote de alumínio e carburador Holley 850 quadrijet, acoplado a um câmbio de quatro marchas. Depois de seis meses de montagem, a pintura. O carro foi enviado ao ateliê do Sid Mosca e, vinte dias mais tarde o carro estava voltando para montagem final e acerto fino. Foi a parte mais demorada, mas também a mais empolgante.

Os instrumentos do painel são Smith’s, iguais aos do Cobra original, inclusive com o velocímetro reverso, e o acabamento interno foi seguiu o gosto do dono. Dirigir esse Shelby Cobra é um prazer inenarrável, mas a melhor parte foi a montagem. O resultado é um automóvel digno de figurar nos mais sérios desfiles de clássicos. Por sinal, a marca Kirkham já é clássica entre as réplicas. l

A dirigibilidade do Kirkham nem se compara à das réplicas Cultura do Automóvel Maio 2021 13


nacional

willys interlagos

O esportivo brasileiro

foto Gabriel Marazzi

POR expedito marazzi

No primeiro teste com a novidade, nos anos 60, o pequeno esportivo foi pilotado pelo campeão mundial de Fórmula 1 14 Maio 2021 Cultura do Automóvel


nacional

E

u trabalhava na revista Quatro Rodas, como redator técnico. Fui levado a essa profissão por causa da minha paixão por automóveis, especialmente os então chamados carros esporte. Tive alguns MG’s, um Jaguar, um Allard e alguns outros exemplares curiosos, que hoje estariam em um museu. Por isso, quando a indústria nacional ganhou seu primeiro carro esporte de verdade, o Willys Interlagos, eu fiquei aceso. Não via a hora de experimentar um deles. Tanto “enchi” a paciência do então diretor da revista Quatro Rodas, Mino Carta, que ele acabou pautando um teste com o Interlagos, fabricado no Brasil pela Willys, sob

licença da francesa Alpine. Quando fui buscar o carro no departamento de competição da Willys, em Santo Amaro, quem me atendeu foi o Bino. Seu nome verdadeiro era Christian Heins e eu o conhecia desde garoto, porque, como eu, ele frequentava uma oficina de preparação de motocicletas, com sua Bown, uma mini-moto de 98 cm3 que ele mesmo havia “envenenado”. Agora, porém, Bino era o gerente daquele departamento de competição e um dos melhores pilotos da época. A Berlineta estava prontinha para o teste, era cinza prata, com motor de 998 cm3, bem “envenenado”. Bino me disse: “O carro é todo seu. Cuidado que é bastante veloz!”.

Cultura do Automóvel Maio 2021 15


nacional

willys interlagos

Que a Berlineta era veloz todo mundo já sabia. Mas que era assim tão veloz, eu confesso que ainda não era do meu conhecimento. Assim, foi uma agradável surpresa pisar no acelerador e sentir o carro andar tão bem. Aliás, o difícil foi entrar no pequeno carro, coisa que somente após alguma ginástica eu consegui. O velocímetro tinha mania de grandeza, marcando alto. É preciso voltar um pouco à época, quando os carros nacionais mais comuns eram o Volkswagen 1.200, o DKW, o Dauphine, o Aero-Willys etc. Todos com velocidades máximas muito pequenas. A verdade é que eu gamei na Berlineta.

Meu estado de espirito, naturalmente, se traduziu na reportagem que escrevi e que saiu publicada na revista Quatro Rodas. Havia três motores para serem escolhidos, quando se comprava um Willys Interlagos: o de 845 cm3, o de 904 cm3 e de 998 cm3, este último reservado para as competições. Quem vendeu os segredos da preparação destes carros para a Willys foi o francês Jean Rédélé, que transformava o motorzinho de quatro cilindros traseiros em uma “mini-usina de força”. A verdade é que eu não tive dinheiro suficiente para comprar uma Berlineta e o desejo de ter uma, criado depois do teste, jamais se

realizou. O departamento de competição da Willys, gerenciado pelo Bino, fazia uma verdadeira coleção de vitórias em todas as pistas brasileiras. Tanto assim que Jean Rédélé convidou Bino para correr nas 24 Horas de Le Mans e ele, naturalmente, aceitou. Infelizmente, um acidente tirou a vida daquele que poderia ter sido um campeão na Fórmula 1. Christian Heins bateu com seu Alpine em um carro que derrapou à sua frente, pegando fogo. Aqui no Brasil, Luiz Antônio Greco, que era assistente do Bino, acabou assumindo a gerência do departamento, e eu fui convidado para correr naquela equipe.

Aliás, em muito boa companhia: Wilson Fittipaldi, Luiz Pereira Bueno, José Carlos Pace, Bird Clemente, Chiquinho Lameirão e outros campeões. O Bird Clemente se identificou de tal forma com as berlinetas, dirigindo de uma forma tão caracteristica, aproveitando seu sobresterço (saída de traseira), que até hoje muita gente se lembra do binômio Bird-Berlineta. O nome Berlineta significa “sedanzinho”, porque berlina, em italiano, é o termo que identifica os automóveis com carroceria sedã. Aliás, um tipo de automóvel americano, com a traseira caída, era conhecido como sedanete, também uma

O Willys Interlagos teve uma carreira vitoriosa nas pistas, em especial na Equipe Willys, oficial de fábrica 16 Maio 2021 Cultura do Automóvel


willys interlagos espécie de diminutivo carinhoso. O Willys Interlagos era oferecido ao público em três versões de carroceria, o cupê, o conversível e a Berlineta. Mas esta última, sem dúvida, foi a versão de maior sucesso. Posteriormente, os três motores deram lugar a um único, o motor 1093. Mas eu me lembro também de um cupê, que me foi cedido já com o novo motor, para que eu fosse receber o Fangio, no aeroporto de Viracopos, em uma das vezes em que ele veio ao Brasil para entregar o Prêmio Victor aos melhores pilotos do ano. O prêmio Victor, para quem não lembra, era um troféu que a

nacional

No Salão do Automóvel de 1961, o Interlagos foi a grande atração

Cultura do Automóvel Maio 2021 17


nacional

willys interlagos

A produção artesanal do Willys Interlagos, sua estréia no Salão do Automóvel de 1961 e fazendo bonito nas pistas

revista Quatro Rodas concedia aos melhores pilotos do ano em cada categoria. Tinha este nome porque Victor significa “vitorioso” e, além disso, porque era também uma homenagem ao “seu” Victor Civita, o “dono” da Quatro Rodas, que topava tudo quanto era loucura que eu inventasse, como esse prêmio, que copiei do Oscar do cinema. “Seu” Victor, aliás, foi a único patrocinador na minha vida que veio me procurar, já que todos os outros eu é que tive que correr atrás. Ele soube, certa vez, que eu estava sem patrocinador e resolveu me patrocinar por sua conta, mesmo eu sendo seu funcionário. Fangio sentou-se ao volante do cupê Inter18 Maio 2021 Cultura do Automóvel

lagos e veio guiando de Viracopos a São Paulo, seguido por cerca de 70 pilotos e seus carros de corrida brasileiros, que eu havia convidado para fazer uma homenagem ao único pentacampeão mundial de Fórmula 1. Fangio, guiando o cupê, comigo do lado, enxugou uma lágrima e me disse: “Marazzi, nunca tive em toda minha carreira uma recepção tão calorosa nem tão autêntica como essa”. A Willys acabou doando aquele Interlagos para o Fangio e eu mais uma vez fiquei com água na boca. Quem mandou eu não ser um Fangio? Quem nunca andou em um Willys Interlagos está convidado a dar uma voltinha comigo. Imaginamos

aquela Berlineta que eu testei. Para começar, o carro é muito baixinho, de modo que a melhor maneira de se conseguir entrar é de costas, tomando cuidado para não bater a cabeça na porta. Agora veja como o banco é anatômico, procure regulá-lo conforme a sua altura, pois ele é fixado em um trilho longo, que permite sempre achar a melhor posição. Não há cinto de segurança: naquela época, eles não eram utilizados. O ronco é gostoso, o volante esportivo é fácil de ser segurado, o grande conta-giros é bem visível. E o carro acelera muito bem. Faz curvas de forma fácil e tem uma tendência de sair de traseira bem pro-

nunciada, mas que se pode corrigir facilmente no contra-esterço. Os freios param bem e, com apenas dois lugares, o carrinho se revela um verdadeiro esportivo. A carroçeria é de fibra de vidro, com aquele cheirinho característico. Hoje em dia, muitos carros são assim, mas naquela época ainda não eram muito comuns. A verdade é que a gente vai se apaixonando pelo Willys Interlagos e, quando se chega ao destino, a vontade é de voltar ao ponto de partida apenas para guiar mais um pouquinho. Fiquei muito triste quando tive que levar o carro de volta à Willys, no mesmo local onde eu havia apanhado uma semana antes. l


willys interlagos

nacional

O Willys Interlagos não era apenas bonitinho, era competente. Vencia quase tudo nas pistas

Acima e nas fotos menores, Expedito e Águia nos 500 km da Guanabara de 1968, correndo com uma Berlineta. Abaixo, Fangio examina o motor da Berlineta, com Expedito Marazzi, Carol Figueiredo e Luiz Pereira Bueno

Cultura do Automóvel Maio 2021 19


museu

texto e fotos gabriel marazzi 20 Maio 2021 Cultura do Automóvel


museu

Veja alguns veículos que ficaram famosos no cinema, em exposição Cultura do Automóvel Maio 2021 21


museu

museu petersen

Na sala do Batman, o Batmóvel dos anos 80 e a Batcicleta do seriado dos anos 60

S

e for à Califórnia, não deixe de visitar o Peterson Automotive Museum, em Los Angeles. É lógico que eu não preciso dizer a nenhum amante de automóveis clássicos que procure os museus automotivos por onde viaje, mas este pode ser considerado um daqueles “imperdíveis”. Estive lá pela última vez há quase dez anos, e o acervo pode estar um pouco diferente agora, mas a seção de carros do cinema, apesar de pequena, era bem representativa. Veja aqui algumas das “estrelas” do cinema. 22 Maio 2021 Cultura do Automóvel

Nas páginas anteriores, um lugar especial para o Ford 1946 que John Travolta customizou no filme Grease, de 1978. Difícil seria reconhecê-lo por causa dos enormes tailfins, mas a grade dianteira é inconfundível. Na sala do Batman, o Batmóvel de 1989 até destoa da Batcicleta que o herói encapuzado usava no seriado dos anos 60. Trata-se de uma Yamaha YDS3 de 1966 com side-car. Ao fundo, um carro inusitado, que certamente encantou moleques como eu em 1965, ao assistir no cinema

“A Corrida do Século”. O carro que sobe-edesce era do Professor Destino, personagem interpretado por Jack Lemmon.

Da sequência de filmes do James Bond, um Jaguar XK-R equipado com uma minigun M134 até chegava a assustar.

O Ford 1946 ficou quase irreconhecível após a customização


museu petersen

museu

Jack Lemmon era o Professor Destino em “A Corrida do Século”, de 1965. Ele dirigia essa carro estranho, o Hannibal 8

A Batcicleta era uma Yamaha YDS3 de 1966, com side-car. O Jaguar com a metralhadora foi usado para perseguir o 007

O carro foi usado pelo vilão Zao, interpretado pelo ator Rick Yune, em “Um Novo Dia Para Morrer”, de 2002. Já em “Uma Corrida de Loucos”, de 1976, um Ferrari 365 GTS/d Daytona Spyder era o carro usado pelo ator Raul Julia nessa comédia na qual os “loucos” cruzam o país atrás do prêmio oferecido pelo milionário que criou a corrida clandestina Gumball Rally. No museu, 300 modelos que representam a história do automóvel poderão ser mostrados em uma outra ocasião. Este Ferrari 365 GTS/4 era pilotado por Raul Julia, em “Uma Corrida de Loucos”, de 1976 Cultura do Automóvel Maio 2021 23


história

MG: uma história de sucesso Dos anos 20 aos 70, a marca inglesa produziu esportivos apaixonantes

Por gabriel marazzi

À esquerda, o MG TD, o mais popular dos modelos daquela época. Foi produzido de 1949 até 1953. Abaixo, o criador da MG, Cecil Kimber, com seu Old Number One, protótipo feito para corridas baseado no primeiro automóvel da nova marca, o 14/28 de 1924. Na outra página, a fábrica da MG em Abingdon, UK

24 Maio 2021 Cultura do Automóvel


história

T

udo começou com a ideia de William Richard Morris, o criador da Morris, de alavancar as vendas de seus carros, por meio de centro de vendas e serviços chamado de Morris Garages. E foi o gerente do negócio, Cecil Kimber, que ousou trocar a carroceria de alguns carros por outras mais leves e esportivas, que ele mesmo havia projetado. Cecil chamou sua criação de Morris Garages e usou as iniciais MG apenas para simplificar. Ainda não havia a intenção de transformar o nome em marca de automóveis.

O primeiro MG foi vendido em 1923 e, no ano seguinte, 15 outros foram encomendados. Esse modelo era montado sobre o chassi do Morris Oxford Tourer e ficou conhecido por Super Sports 14/28. Assim, em 1924, começou a saga MG. O 14/28 MG ainda não tinha o símbolo octogonal no radiador, que apareceu pela primeira vez só nos anúncios. A moldura do radiador do 14/28 era arredondada e o primeiro MG a ter o logotipo foi o 4/40 Mk IV de 1928.

O radiador dividido, no entanto, detalhe que identifica um MG de longe, apareceu pela primeira vez no mesmo ano, no 18/80 Mk I/II. Esses primeiros MG eram de quatro lugares e usavam o chassi do Morris Oxford. O primeiro MG pequeno, com chassi e motor do Morris Minor, foi o M-Type Midget, de dois lugares, acessível o suficiente para iniciar uma história de sucesso que duraria décadas. O Midget custava apenas 185 libras e tinha um excelente desempenho.

Do seu início até fins dos anos 20, a trajetória da MG Motors foi rápida. Com a depressão, a primeira metade dos anos 30 viu muitos MG, grandes e pequenos, do tipo D ao tipo P, incluindo o SA de seis cilindros, mas foi o TA de 1936 que marcou a história. O primeiro MG com freios hidráulicos tinha ainda mais espaço no cockpit que os modelos maiores. O TB Midget de 1939, que tinha ainda mais espaço interno, foi o último sob os auspícios de Cecil Kimber. Cultura do Automóvel Maio 2021 25


história

a história do mg

O MG TA foi produzido de 1936 a 1939

O MG TB de 1939 foi o último modelo pré-guerra

O MG TC de 1945 era basicamente o mesmo TC pré-guerra

O MG B de 1962 foi produzido até o final dos anos 70

O mg nos dias de hoje A MG parou de fazer carros bacanas em 1979 e parou definitivamente de fazer carros em 2005. A chinesa SAIC comprou a marca e a reativou, lançando seus dois primeiros modelos em 2011. Eram dois sedãs comuns, parecidos com qualquer japonês da época, mas que tinham um detalhe especial: o logotipo octogonal da MG. Nesse mesmo ano fui convidado para experimentar os carros em uma pista. Achei até que eram bons carros, mas nem de longe traziam consigo qualquer resquício do que já havia sido a MG. A marca continuou na China, mas não vingou por aqui. O grande pecado dessa revitalização da marca foi não ter mantido a produção na Inglaterra, como fizeram os atuais proprietários de marcas inglesas icônicas, como Jaguar, Land Rover, Mini ou Aston Martin. (G.M.)

26 Maio 2021 Cultura do Automóvel


a história do mg Ao fim do conflito, a MG precisava retomar a produção sem Cecil, que havia falecido em 1945 em um acidente ferroviário mas estava fora da empresa desde 1941. Sem um novo projeto, o TB foi revisto e se tornou o TC, com poucas alterações. Dois anos depois, o YA saloon se tornou o MG da família. Sua versão aberta era o YT de 1947, uma evolução do VA de 1937, também conhecido como Tourer. NOTA DO REDATOR: foi com esse carro que meu pai, Expedito Marazzi, estreou em Interlagos, em 1955 (história contada na edição anterior da revista Cultura do Automóvel). O novo Midget veio apenas em 1949, com muita evolução. O MG TD, provavelmente o modelo mais popular desse período, adotava, do Tourer, a suspensão dianteira independente e a direção por cremalheira. A BMC, no entanto, a empresa que havia assumido o controle da marca (British Motor Corporation), demorou para atualizar o modelo, que começou a declinar em vendas. Apenas em 1953 é que chegou seu sucessor, o MG TF Midget. Essa demora custou caro para a MG. O TF não foi bem recebido, porque, apesar da evolução em relação ao TD, já não tinha o visual de modernidade da concorrência Em compensação, o sedã Magnete, ZA, do mesmo ano, fez grande sucesso.

O MG ZA Magnette de 1953 era um sedã com muita agilidade

O MG A, de linhas modernas, foi lançado em 1955. Este é um 1958

O MG TF de 1953 não foi bem aceito, por manter o estilo antigo

história Também um pouco tardio, em 1955 veio o MG A, compensando a demora com um visual bem esportivo, assim como o desempenho. Uma versão do MG A, de 1.600 cm3 e duplo comando no cabeçote, de 1958, agitou as pistas de corrida, mas, devido ao excesso de ruido e de consumo de óleo, não emplacou no uso normal. Um protótipo com esse motor, reduzido a 1.500 cm3, superou os 394 km/h em Utah, pilotado por Stirling Moss. O MG A foi produzido até 1962, substituído pelo MB B, bem mais moderno, visual e mecanicamente. Uma belíssima versão cupê, o MG B GT de 1965, era mais pesado porém mais veloz, devido à melhor aerodinâmica. Um MG C chegou a ser produzido, era um MG B com motor de três litros, mas que saiu de linha antes mesmo do MG B, que durou até 1975. Em 1973, uma versão com motor Rover, o MG B GT V8, foi destinada ao mercado norte-americano. O ano de 1979 foi o fim dos MG roadsters e derivados, pois a partir daí vieram os carros “normais”, típicos dos insossos anos 80. Nos anos 90 ainda surgiram uns roadstes, mas sem o apelo dos clássicos antecessores. Em 2005, a fábrica fechou e a produção acabou. A volta foi em 2008, absorvida pela chinesa Shaic Motor. l Cultura do Automóvel Maio 2021 27


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