Revista Cultura do Automóvel - ed. 36 - junho/22

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No 36 – junho 2022

cultura do

automóvel

automóveis e motocicletas

lançamentos - impressões - história

Por que gostamos da Vespa? marcas de carros

o homem do rio

1000 milhas históricas


E DI TOR I

AL

Porque gostamos de carros e motos

H

á muito tempo, mais precisamente em 1963, a revista Quatro Rodas publicou uma avaliação do Willys Interlagos, estampando a foto do carro na capa com a chamada “Porque gostamos do Interlagos”. Não era uma pergunta, mas uma afirmação. Na época, eu não entendi a dúvida, já que o carrinho era um bom conhecido meu, pois ficou guardado por um bom tempo no quintal da minha casa, e eu achava que todos gostavam mesmo dele. O Interlagos era o esportivo por excelência, uma vez que seu novo rival, o Volkswagen Karmann Ghia, era tão bonito quanto, mas sem o mesmo desempenho. Então fiquei com essa frase na mente, até agora, quando resolvi plagiála pelos mesmos motivos, para caracterizar um outro veículo que, sei, realmente todos gostam. A Vespa. Mesmo que não a pilotem. Neste caso,

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usei a interrogação: “Por que gostamos da Vespa? É uma pergunta. E a resposta está aí em cima, no título. nnn

Um dia desses, em um papo virtual, um amigo perguntou alguma coisa sobre quais as marcas de automóveis eram de qual grupo, uma salada que, atualmente nos deixa confusos quanto à propriedade de cada uma delas. Não só atualmente como na história. Daí veio a ideia de relacionar as antigas marcas, suas junções e separações. nnn

O filme desta edição é francês mas foi rodado no Brasil. Eu assisti com meu pai em 1964 e tenho certeza de que ele foi ao cinema só para ver os carros, os franceses e os brasileiros.


NESTA EDIÇÃO

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No 36 - Junho 2022

sumário

04 Pelo Mundo

O que acontece no mundo dos clássicos

06 Por que gostamos da Vespa?

Conheça a história da Vespa e descubra o porquê

16 Você conhece as marcas dos carros?

Conheça as empresas que juntaram as diversas marcas

26 A Esquina do Veneno

Há muito tempo, São Paulo tinha a rua dos preparadores

30 O Karmann Ghia faz aniversário

Há 60 anos, os brasileiros ganhavam um VW esportivo

36 1000 Milhas Históricas Brasileiras Os clássicos vão para a estrada

44 Carros no cinema

Um filme francês rodado no Brasil mostra nossos carros

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pelo mundo

vespa é o assunto da vez O museu Piaggio conta a história da Vespa. Conheça

Assim como acontece com o VW Fusca, o Pontedera, itália, deve ser o principal. Além assunto parece ser inesgotável quando das Vespas, ele mostra outras marcas que falamos de Vespa. Com uma história longa e têm, ou tiveram, ligação com a Piaggio, como interessante, como as italianas Gillera, veremos nas páginas Aprilia e Guzzi. seguintes, é natural Visitar esse museu que existam muitas certamente seria uma referências ao scooter, viagem no tempo, que até pode ser assim como conhecer chamado assim nos os modelos por meio dias atuais, mas, para de fotografias tiradas nós, sempre será “a” no local, mas no site motoneta. oficial da Piaggio Saguão do Museo Piaggio, em Pontedera, Itália Devem existir pelo (museopiaggio.it) há mundo muitos museus que contam a história um interessante tour virtual que, quase, vale da Vespa, mas o oficial, o Museo Piaggio, em como uma visita presencial. Experimente.

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A Vespa é uma tela em branco...

Cafeteria ao estilo Vespa

Sabia que a Vespa também fabricou carros?

Os triciclos Vespa são mais conhecidos

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pelo mundo

vespa de madeira

Como já disse ao lado, a Vespa é como uma tela em branco. Quem quiser, pode usá-la para fazer suas pinturas. Mas um artesão português resolveu fabricar a sua própria tela e criou uma Vespa inteiramente de madeira. As imagens falam por si. Cultura do Automóvel Junho 2022

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história

O vôo da Vespa A história da mãe do scooter atual

O primeiro protótipo, de 1943, era o MP5, mas ficou conhecido como Paperino, o nome do Pato Donald, na Itália

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ão há como contar a história da Vespa sem lembrar que, logo após o término da segunda guerra, a Itália estava falida e destruída. Entre outros problemas, havia também a questão do transporte pessoal. Foi quando Enrico Piaggio resolveu utilizar um pouco da tecnologia aeronáutica de sua empresa, que fabricava, entre outras coisas, aviões e motores, para ajudar na recuperação de seu país, incluindo a reconstrução da sua 6

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fábrica, bombardeada pelos aliados. Enrico Piaggio tinha ascendência industrial: seu avô tinha uma madeireira e seu pai, Rinaldo Piaggio, fundou a Piaggio & Co., em 1884, para fabricar locomotivas e vagões de trem. Em 1917, durante a primeira guerra, passou, então, a produzir veículos militares. Com a morte de Rinaldo, em 1938, seu filho Enrico assumiu a empresa e mudou a estratégia, dedicando-se, a partir daí, aos veículos populares.


história O primeiro protótipo de uma motoneta surgiu em 1943, projetado por Corradino Ascanio, aquele mesmo que criou o helicóptero moderno. Batizada de MP5 (Moto Piaggio no 5) e apelidada de Paperino (que era o nome do Pato Donald, na Itália), o veículo não

ficou ao gosto de Piaggio, que pediu para Ascanio remodelá-la. Foi em 1946, então, que surgiu a versão final da motoneta, agora chamada de MP6, mas que foi imortalizada com o seu nome oficial, Vespa, dado pelo próprio Piaggio. O veículo já tinha as linhas que o consagraram.

A MP6, Moto Piaggio número 6, lançada em 1946, foi a primeira motoneta a ter o nome oficial de Vespa

A primeira versão, que tinha o nome de Vespa 98, tinha motor monocilíndrico de dois tempos de 98 cm3 com 3,5 cv e câmbio de três marchas, podendo atingir a velocidade de 60 km/h. Para provar as qualidades do veículo, em 1947 foi criada a Vespa 98 Corsa, para demonstrações em corridas de estradas. A aventura proporcionou melhorias na Vespa destinada ao público, que, no mesmo ano de 1947, já vinha com o famoso estepe, para minimizar os problemas causados pelo piso dos rudimentares caminhos daquela época pós-guerra.

A Vespa 98 Corsa era baseada na Vespa de 1947 Cultura do Automóvel Junho 2022

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história

vespa

Novamente, em 1949, nasceu outra Vespa para corridas, desta vez com motor de maior cilindrada, de 125 cm3. E, com ela, mais melhorias na Vespa destinada aos compradores. A estratégia de demonstrar o desempenho da motoneta em corridas foi utilizada até o início dos anos 50, com vários protótipos, um deles específico para recorde de

velocidade. Em 9 de fevereiro de 1951, a Vespa Siluro, termo italiano que significa torpedo, atingiu a velocidade de 171,1 km/hora, utilizando um motor especial de dois cilindros e 17,2 cv. No mesmo ano, uma Vespa comum, com pouca preparação, ganhou nove medalhas de ouro na prova “International Six Days”, que durou seis dias.

A Vespa Siluro atingiu a velocidade de 171,1 km/h com um motor de dois cilindros de 17,2 cv

No alto, a Vespa “U”, mais simples, e embaixo, a Vespa 150 GS. Paul Newman também era um “vespeiro” 8

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vespa

história

Depois das cenas com Gregory Peck em A Princesa e o Plebeu, Audrey Hepburn passou a pilotar sua própria Vespa

A partir daí, a Piaggio passou a utilizar uma nova forma de divulgação de seus produtos, focado menos no desempenho e mais na funcionalidade. Com um papel de destaque no filme “A Princesa e o Plebeu”, de 1951, com Gregory Peck e Audrey Hepburn, a Vespa realmente começou a ficar popular. Em 1953, a Vespa “U”, de “utilitária”, ganhou farol no guidão (até então ele ficava no para-lama dianteiro) e era vendida por um

valor bem mais acessível, para enfrentar a forte concorrência da Lambretta. Isso fez com que, em 1955, a nova Vespa 150 GS, com motor aumentado para 150 cm3, mais potente e silencioso, câmbio de quatro marchas, rodas de 12 polegadas e banco inteiriço, se firmasse definitivamente no mercado. Assim, como a sua concorrente Lambretta, a Vespa se tornou o veículo dos jovens. Cultura do Automóvel Junho 2022

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história

vespa

Vespa Dalí

Vespa 50

Vespa 90 Super Sprint

Vespa Rally 200

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A imagem popular da Vespa 150 era constantemente alimentada por várias ações de marketing. Em 1960, ela foi destaque durante os Jogos Olímpicos de Roma e, no ano seguinte, o mestre do surrealismo, Salvador Dalí, usou uma Vespa como tela e a decorou com alguns pinceladas, seu nome e de sua esposa Gala. Essa Vespa hoje faz parte do acervo do Museu Piaggio. Decidida a emplacar seu produto definitivamente no mundo dos jovens, em 1963 a Piaggio lançou a Vespa 50, aproveitando uma nova regra do Código da Estrada, que permitia pilotar uma motoneta sem placa, sem carteira de motorista e com apenas 14 anos. Sucesso total: mais de 3 milhões de Vespa 50 foram vendidas. Baseada na Vespa 50, a 90 Super Sprint talvez seja a mais criativa das versões de série: tinha o estepe no meio das pernas do piloto e, sobre este, um porta-objetos, parecido com um tanque de combustível de motocicleta. Com poucas unidades produzidas, a Vespa 90SS é hoje um item muito raro e valioso, entre os colecionadores. Nesse período, houve muitas versões diferenciadas da Vespa, com basicamente três tamanhos de estruturas, para três tamanhos de motores, 50 cm3, 125 cm3 e 180 cm3, este último que depois se tornou a base para aquele que conhecemos muito bem nos anos 80, de 200 cm3, na Vespa PX 200. O site da Vespa Brasil mostra estas e muitas outras variações de modelos de Vespa.


vespa

história

Algumas Vespas curiosas

Vespa 150 com side-car A versão com carrinho lateral é de 1948 Vespa 150 T.A.P. O exército francês encomendou, em 1956, essa Vespa equipada com uma arma de 75 mm. Foram produzidas 600 unidades dessa Vespa

Vespa 50 com pedais Foi vendida na França em 1970, para se adequar a uma legislaçãoda época

Vespa 100 Sport A grande lanterna traseira foi necessária para a Vespa entrar no mercado norte-americano

Vespa 50 Special Revival Em 1991, uma edição especial de 3.000 unidades revivendo a Vespa de 1963

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história

vespa

Linha de montagem da Vespa na fábrica de Pontedera, na Itália, no início dos anos 50

Antes dessa Vespa brasileira mais famosa, no entanto, a Piaggio já havia estado no país por outras duas vezes, a primeira em 1958, fabricando os modelos M3 e M4, de três e de quatro marchas, pela empresa fluminense Panauto, até 1964, e a segunda vez pela B. Forte, empresa sediada em Manaus, AM, produzindo a Vespa 150 Super, a Vespa 50, a Vespa Primavera 125, a Vespa 150 Sprint e a Vespa Rally 200, de 1974 até 1981. Só então é que a Caloi se associou à Piaggio para fabricar a linha PX 200, de 1986 até 1990. Depois disso, algumas Vespas do modelo PX, que já conhecíamos, chegaram ao Brasil importadas da 12

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Índia pela Brandy e produzidas pela Bajaj. Algumas delas ainda rodam por aí e quase não se nota a diferença em relação às brasileiras. A partir do ano 2000, algumas Vespas modernas, com motores de quatro tempos e transmissão automática – ou seja, a cara dos scooteres atuais que a maioria já conhece bem –, foram importadas de forma independente, mas a Piaggio voltou ao Brasil oficialmente em 2016, justamente para voltar para esse segmento que cresce a cada ano. Atualmente a Piaggio tem em sua linha Vespa os modelos de 125 cm3 e 150 cm3 Club, Notte, Classic e uma versão comemorativa de 75 anos, completados no ano passado. l


vespa

história

A partir de 1958, a Vespa M3 e a M4 eram montadas pela Panauto, no Rio de Janeiro. Abaixo, o anúncio da época

Vespa PX 200 brasileira

Vespa 75 Anos Cultura do Automóvel Junho 2022

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história

vespa minha história com a vespa

Aquela Vespinha italiana foi boa companheira na estrada, apesar da chuva intensa. Na cidade, só a passeio

Ainda criança, eu era apaixonado por carros e motos. Corridas, também. Mas ficava incomodado quando via fotos de corridas de motonetas. “Isso é só para padeiros”, eu pensava, lembrando do simpático português que vinha em minha casa todos os dias trazendo sonhos e pães doces. Ele tinha uma Lambretta com um cesto enorme na frente. Nenhum tipo de motoneta não era tão bacana quanto uma motocicleta, mas pensávamos assim porque não conhecíamos a história. Nem os veículos. Comecei a ver melhor Lambrettas e Vespas quando fui ver uma prova de rua de motocicletas em Araraquara, em 1969. O mecânico da Ducati com a qual meu pai corria, o sisudo Cataldi, nos acompanhou na estrada com uma Lambretta, pois não cabia mais um na cabine de nossa picape Ford F-100 Twin-I-Beam. “Corajoso”, ouvi comentários. Fui dar importância para aquele gesto muitos anos depois, quando a Piaggio estava chegando ao Brasil pela terceira vez. Em 1985, antes de começar a fabricar a Vespa PX 200 em Manaus, em parceria com a Caloi, eles me enviaram uma versão italiana, para avaliação.

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Na manhã em que a Vespa chegou na redação, estávamos, como de costume, planejando onde fazer as fotos. Tinha que ser em um local bem legal, afinal, a Vespa era a novidade e iria para a capa. Ibirapuera, Cidade Universitária, precisávamos de um lugar diferente. Foi quando, em tom de brincadeira, o fotógrafo disse bem alto: “Pão de Açúcar!” Topei na hora, mesmo com a recusa do próprio autor de ideia, dizendo que não falava a sério. Azar dele, teve que me acompanhar com uma simplória Agrale SXT 16.5 até o Rio de Janeiro, enquanto eu ia na frente com a rainha daquela edição. Foram 440 km de chuva torrencial. Saímos na hora do almoço, jantamos uma bem carioca pizza com ketchup em Copacabana, dormimos e voltamos. E mais chuva. A sorte é que a foto com o Pão de Açúcar ao fundo foi feita com sol. A Vespa virou minha amiga. Veio a versão nacional e eu sempre estava com uma. Até comprei uma Vespa M4 1963, daquelas primeiras, montadas no Rio de Janeiro. O triste fim dessa Vespa foi triste mesmo: um dia, desmontei para pintar e nunca mais montei. Quinze anos depois, a vendi, em caixas, para o Tio Josias.


vespa

história

A Vespa virou minha amiga, sob sol ou sob chuva. Mas nunca consegui terminar aquela Vespinha M4 de 1963

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marcas

Qual é a marca do teu carro? Com fusões e aquisições, as marcas mudam de dono e de sobrenome, mas não perdem a sua identidade

U

m conhecido me disse, uma vez, que tinha dois automóveis ingleses, mas que passou a ter, de uma hora para outra, dois carros norte-americanos, e agora tinha dois chineses. Não, ele não trocou de carro, eram sempre os mesmos dois modelos originalmente ingleses, cujas marcas haviam trocado de donos por, pelo menos, duas vezes. E, com isso, de nacionalidade. Brincadeiras e pequenos exageros à parte, a história tem fundamento, uma vez que os carros ingleses em questão eram das marcas Jaguar e

Land Rover, que foram compradas em 1999 pela norte-americana Ford e vendidas à indiana Tata Motors em 2008. E tem mais: antes de ser da Ford, a Land Rover pertenceu ao grupo alemão BMW. No caso dessas duas icônicas marca inglesas, apesar de pertencerem atualmente à holding indiana, elas mantêm todas as características de suas marcas originais e seus modelos continuam a ser produzidos em sua terra natal, a Inglaterra, sob o chapéu de uma subsidiária local de nome Jaguar Land Rover.

As marcas inglesas Jaguar e Land Rover passaram pela Ford e agora são propriedade da indiana Tata Motors 16

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marcas

Se essa historinha pareceu ser complicada, vamos conhecer histórias de mudanças de controle de outras grandes empresas de automóveis, no decorrer do tempo. A começar pela mais antiga de todas, a Daimler, dona da marca MercedesBenz. Começou em 1886, com Karl Benz, que se juntou a Gottlieb Daimler em 1926, formando a Daimler-Benz. O nome Mercedes já era usado por Daimler desde a virada do século e passou a ser MercedesBenz desde a fusão das duas empresas, em 1926. Em 1998, a Daimler comprou as marcas pertencentes ao grupo norteamericano Chrysler, formando a DaimlerChrysler, que durou até 2007, quando a empresa repassou essas marcas para o grupo italiano Fiat. Em 2002, a Daimler criou a marca Smart, em parceria com a fabricante de relógios Swatch (SMART = Swatch + Mercedes-Benz + Art) e passou a fabricar os pequenos automóveis de dois lugares na França, em parceria com a

também francesa Renault. A partir deste ano de 2022, a Daimler AG mudou seu nome para MercedesBenz Group AG.

O símbolo mais conhecido da Mercedes-Benz Cultura do Automóvel Junho 2022

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marcas As grandes marcas norteamericanas de automóveis também têm seu vai-e-vem de grupos, parcerias e fusões. Ford e General Motors são os maiores grupos e também os mais conhecidos. Começamos com a Ford, que tem uma longa e interessante história, porém mais fácil de entender do que a da General Motores, bem mais complexa. Henry Ford já havia construído alguns protótipos com seu nome desde 1896, mas foi em 1903 que ele criou a Ford Motor Company. Além dos carros com a marca Ford, o grupo mantinha também as marcas de maior luxo Mercury e Lincoln.

Outras marcas foram incorporadas ao grupo nos anos 80 e 90, como a japonesa Mazda, a inglesa Aston Martin, a Jaguar e a Land Rover. Aqui no Brasil a Ford comprou a marca brasileira Troller e, finalmente, adquiriu a sueca Volvo. A Ford era, então, um grande grupo com muitas marcas icônicas que iam, aos poucos, perdendo a sua identidade, enquanto a empresa perdia dinheiro. Os carros da Jaguar, por exemplo, não passavam de modelos comuns da Ford com a marca inglesa. Foi quando eles resolveram se livrar de todas essas marcas e focar nos modelos Ford e Lincoln. O grupo Ford já teve muitas marcas, mas agora está apenas com a Lincoln

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marcas

As diversas marcas que pertenceram à General Motors

Já a General Motors tem uma história bem complicada, inclusive com confusões nos nomes e nos responsáveis pelo grupo. A GM foi fundada em 1908 por William Durant, que era presidente da Buick, que, em pouco tempo, incorporou ao grupo as marcas Oakland, que foi rebatizada de Pontiac, Rapid Motor Vehicle Company, atual GMC, a Oldsmobile e a Cadillac. Apenas dois anos depois, ele foi demitido de sua própria empresa e se associou a Louis Chevrolet, criando a marca mais conhecida do grupo, atualmente. Com o sucesso da Chevrolet, Durant comprou a General Motors, em 1916, e, quatro anos depois, foi novamente demitido de sua empresa. Mas aí a GM

acabou se tornando a maior fabricante de automóveis do mundo, ultrapassando a Ford em 1931 com as marcas Chevrolet, Oldsmobile, Buick, Pontiac, Opel, Vauxhall e Cadillac. Em 1984, é criada a marca Saturn, para tentar concorrer com as marcas japonesas que começavam a dominar o mercado norteamericano com seus modelos compactos. Em tempos mais recentes, a General Motors incorporou muitas outras marcas, como a sueca Saab, em 1989, e a Hummer, em 1999, e encerra a produção das marcas Oldsmobile, em 2004, e Pontiac, em 2008. Em 2017, a GM vendeu a Opel e a Vauxhall para o grupo PSA, que já reunia Peugeot e Citroën. Cultura do Automóvel Junho 2022

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marcas

Paralelamente, o grupo Fiat se juntou com o grupo Chrysler e formou a FCA. E, finalmente, em 2020, a FCA se juntou com a PSA, que já reunia as marcas Peugeot, Citroën, Opel e Vauxhall, formando a Stellantis, com as marcas Fiat, Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, DS, Dodge, Jeep, Ram, Opel, Citroën, Lancia, Maserati e Vauxhall. A Chrysler também tem sua história. Walter Chrysler fundou a sua empresa em 1925 e incorporou as marcas Dodge, DeSoto e Plymouth. Nos anos 70, a Chrysler comprou a American Motors, que era dona da marca Jeep. 20

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marcas O maior grupo, no entanto, é o Volkswagen, cuja principal marca, a própria Volkswagen, merece uma edição inteira para contar a sua história. Depois de se firmar com o Sedan, que depois passou a chamar Fusca (no Brasil), e com as variações de carroceria utilizando o icônico motor refrigerado a ar, a Volkswagen cresceu verticalmente e, em 1964, adquiriu o grupo Audi/Auto-Union, que também tem a sua própria e interessante história. Isso forneceu à VW a tecnologia dos motores refrigerados a água que ela tanto precisava para crescer ainda mais.

As marcas que atualmente compõem o Volkswagen Group AG são a Audi, a Porsche, a NSU (sem produtos atuais), a espanhola Seat, a tcheca Škoda, a inglesa Bentley, a italiana Lamborghini e a francesa Bugatti. Também faz parte do grupo a Ducati, tradicional marca italiana de motocicletas. A Audi é outra das marcas que merece uma história à parte, uma vez que ela representa a atualização da Auto-Union, que, por sua vez, era a união de quatro outras grandes marcas alemãs, a Horch, a NSU, a Wanderer e a antiga Audi (daí o símbolo dos quatro anéis).

Todos os braços do grupo Volkwagen, com marcas que começaram antes mesmo da criação do Fusca Cultura do Automóvel Junho 2022

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marcas Finalmente, o grupo Renault, que reúne as marcas Renault, Nissan e Mitsubishi, trazendo, de quebra as marcas Dacia, da Romênia, Datsun, do Japão, e Infinity, uma subsidiária que produz modelos de maior luxo, à semelhança do que faz a Lexus, do grupo Toyota, a Acura, da Honda, e a Genesis, da Hyundai. Podemos notar que a maioria dessas transações, principalmente as mais recentes, juntam e separam empresas, mas mantém as marcas praticamente preservadas. São poucas as exceções, como, por exemplo, a MG, cuja bonita história já contamos aqui, na edição no 23, mas que foi comprada por um grupo chinês que passou a produzir modelos atuais na China, com pouca ligação com a sua tradição. Diferente da marca Volvo, que foi comprada por um grupo chinês mas seus modelos continuam a ser produzidos na Suécia, ou da Mini e da RollsRoyce, que hoje pertencem ao grupo

BMW mas mantém suas unidades fabris na Inglaterra. A brincadeira de relacionar as nossas tão conhecidas marcas de automóveis vai longe, podendo ser acrescentadas famosas marcas e empresas que já não existem mais nessa relação. Mas aí já é assunto para uma outra edição. l 22

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marcas

As parcerias brasileiras

Também tivemos várias formas de fusões e associações Além das compras e vendas de marcas entre as grandes empresas do ramo automobilístico, há também as diversas formas de parcerias, as vezes apenas trocando tecnologias, às vezes misturando componentes de cada marca e compartilhando plataformas. Ou carros inteiros, até. É o caso da nossa Autolatina, que, nos anos 80, uniu, no Brasil, as grandes rivais Ford e Volkswagen, em um tipo de casamento até então inimaginável. Daí saíram automóveis Ford com motor VW e versa-vice, e novos modelos que compartilhavam carroceria e parte mecânica, mas com marcas separadas e acabamentos diferenciados, como o VW Santana e Ford Versailles ou o Volkswagen Apolo e o Ford Verona. As uniões, no entanto, começaram muito antes, anteriores, até, à nossa indústria nacional. A Simca do Brasil, por exemplo, fabricou por aqui, desde 1959, um automóvel originalmente produzido pela Ford francesa, o Vedette. Aqui, ficou famoso como Simca Chambord.

A Willys Overland do Brasil fabricou aqui o Jeep Universal, que depois passou a ser propriedade da American Motors e, absorvida pela Chrysler, mudou de sobrenome. Aqui, o Jeep foi fabricado pela Ford, que comprou a Willys, que, para não perder o domínio do nome, passou a chamar sua picape Pampa, derivada do Ford Corcel, de Jeep. No fim, o tão querido utilitário ficou mesmo com a Chrysler.

Símbolo da Autolatina, união entre VW e Ford, nos anos 80 Cultura do Automóvel Junho 2022

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marcas Nos anos 60, a Willys passou a fabricar no Brasil o Renault Dauphine, sob licença dessa marca francesa, assim como o Willys Interlagos, um dos nossos mais queridos carros esporte. E o Aero Willys, sedã da marca norteamericana, passou a ser produzido aqui depois que a matriz norteamericana desistiu do modelo. Em 1963, o Aero Willys passou a ter uma carroceira moderna, projetada por designeres brasileiros. Há, ainda, o caso da Fábrica Nacional de Motores, empresa estatal que fabricava, no Rio de Janeiro, os caminhões FNM (conhecidos por FêNêMê) e passou a produzir um Alfa Romeo italiano com o nome JK.

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marcas

O ano de 1967, no Brasil, foi marcado pelas aquisições. A Volkswagen comprou a Vemag, que fabricava o DKW, e encerrou a produção de seus modelos, que tinham motor de três cilindros dois tempos e tração dianteira. A Simca foi comprada pela Chrysler, que ainda manteve os modelos Esplanada e Regente em produção, até lançar aqui a linha Dodge (Dart e Charger). Logo depois, com a compra da Chrysler pela Volkswagen, o Dodge Polara saía, na Argentina, com a marca VW e os caminhões Dodge abriram mercado para os caminhões Volkswagen. E, finalmente, nesse mesmo ano, a

Ford comprou a Willys, encerrando a produção dos modelos Renault e trocando o sobrenome dos outros modelos, que viraram Ford Aero, Ford Rural e Jeep Ford. A picape derivada da perua Rural passou a chamar Ford F-75, entrando para a tradicional família “F” de picapes da. Os veículos originalmente Willys sobreviveram até 1972, convivendo com os produtos Ford, e o caso mais interessante dessa fusão foi o do Ford Corcel, lançado em fins de 1968: era um projeto Renault, para suceder o Gordini, que veio “de presente” para a Ford na compra da Willys. Não parecia, mas tornou-se um enorme sucesso. l

Chrysler e Ford mantiveram os produtos das marcas absorvidas, Simca e Willys, por algum tempo, antes de encerrar a sua produção, mas a Volkswagen tirou o DKW do mercado imediatamente. Isso mesmo tendo feito uma campanha dizendo que faria com que o DKW ficasse ainda melhor. Manteve o motor traseiro refrigerado a ar e acabou com o dianteiro a água, mas acabou voltando a essa configuração poucos anos depois, com o VW Passat Cultura do Automóvel Junho 2022

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história

Lá na esquina A Esquina do Veneno é das motos. Sempre foi

A loja do Edgard Soares nos anos 70, na esquina da rua General Osório com a alameda Barão de Limeira

S

e alguém precisa de uma peça para sua motocicleta, onde vai procurar primeiro? Se quer comprar um equipamento de segurança, tipo capacete, ou mesmo uma trava de disco, onde tem? Ou se apenas quer encontrar alguns amigos das antigas, para um café, no sábado pela manhã, onde eles podem estar? A resposta para todas essas questões pode ser uma só: na Esquina do Veneno. A região próxima ao velho centro paulistano, no tradicional bairro dos Campos Elíseos, já muito chique, com algumas mansões onde vivia a 26

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alta sociedade e onde, também, estava situado o Palácio do Governo do Estado, que mudou dali para o novo e mais sofisticado bairro do Morumbi. E foi nessa áurea época que surgiu a primeira oficina de motocicletas na esquina da rua General Osório com a alameda Barão de Limeira, criada pelos amigos Felipe Carmona e Paco Soares em 1932. Lá, eles vendiam e consertavam as motocicletas mais conhecidas, como as inglesas BSA, Norton, Ariel e Triumph, e também as americanas Harley-Davidson e Indian, entre outras.


história As motocicletas italianas ficaram a cargo do novo vizinho Luiz Latorre, que abriu sua loja, alguns anos depois, a alguns metros da pioneira, e vendia Ducati, Guzzi e Laverda, Já nos anos 50, para completar a origem da Esquina do Veneno, Edgard Soares criou sua própria loja, também na esquina, passando a ser concorrente do antigo sócio de seu pai Paco. Além de rivais, amigos: Edgard Soares, Felipe Carmona e Luiz Latorre eram os nomes a serem conhecidos por quem queria comprar uma motocicleta, ou apenas “envenenar” a sua, termo usado quando se mexia nos motores para render maior desempenho. Isso acontecia, geralmente, para poder participar de corridas.

Foi assim com meu pai, que tinha motocicleta desde os seus 11 anos de idade mas começou a correr com elas apenas aos 30. Frequentador da Esquina do Veneno, me levou para lá também bem pequeno. E aprendi a gostar e respeitar a região. Foi quando chegaram as japonesas, que, mesmo descentralizando os pontos de venda e reparos, com suas concessionárias oficiais, colaboraram com o aumento da procura pelas oficinas naquela região tradicional. O fechamento das importações de motocicletas, em 1976, meio que separou as duas correntes, a das motos novas, fabricadas no Brasil, e as “velhas senhoras” importadas, que sempre acharam abrigo e peças de reposição na velha esquina.

Interior da loja de Luiz Latorre, abarrotada de motocicletas de várias marcas Cultura do Automóvel Junho 2022

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história

esquina do veneno

A Esquina do Veneno, então, passou a ser mais que uma esquina, abrangendo vários quarteirões, atualmente abrigando centenas de lojas, oficinas e boutiques de equipamentos, como capacetes, luvas, botas e casacos. Reservar um sábado, melhor se for de manhã, para circular pela Esquina do Veneno, ainda é muito gostoso. Na famosa esquina, Latorre, Soares e Carmona não estão mais lá, mas a primeira parada, pelo menos para mim, é na loja dos Latorre, onde o filho do velho Luiz – que conheci pessoalmente na corrida de rua “Duas Horas de Ribeirão Preto”, em 1969, quando eu tinha dez anos de idade – me recebe com muitas boas histórias daquele tempo. Luiz Carlos Latorre ainda está lá e faz questão de abrir suas enormes portas todos os dias, como fazia o seu pai, lembando de quando aquele grande salão ficava abarrotado de Ducati, Moto-Guzzi, Ural, Morini, Laverda e Zündapp (a minha K100 saiu de lá). Passadas breves em outros locais, estabelecimentos que, mesmo não tendo fincado raízes na mesma época dos desbravadores, estão lá há

décadas e certamente fazem parte da história, garantem o cafezinho. São eles a Recar, na rua dos Gusmões, com o sempre sorridente Zezé – é preciso abrir caminho de facão entre as motocicletas que lá estão, para achar o anfitrião –, e a Silverstone, do mais compenetrado Sylvestre, dentro do Shopping Aventura. Esse shopping, especializado em motocicletas e tudo mais que as cerca, era, até os anos 70, uma grande loja do Mappin. Até há algum tempo atrás, a via sacra das lojas e oficinas incluía a Belikar do Adilson, que mudou para uma grande loja no bairro da Mooca. Outro que se mandou da região e que garantia um bom cafezinho de coador era o mago dos motores dois tempo Renato Gaeta, também hoje atendendo em sua oficina na zona sul da cidade. Se, um dia, você quiser conhecer o que já foi a Esquina do Veneno, dê uma passadinha por lá. Ainda é possível sentir os ares motocilísticos dos tempos de outrora, em algumas lojas, muitos prédios antigos e, como eu contei aqui, conhecer alguns personagens que jamais se desligarão dessa bela história. l

Edgard Soares nos anos 50 e Luiz Latorre em sua loja, lembrando a época em que ela era cheia de motocicletas 28

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esquina do veneno

história

o general

Quem era, afinal, o General Osório? O General Manoel Luís Osório, na verdade, terminou sua carreira militar como marechal-de-campo, tendo participado de diversas batalhas nos anos 1800, sendo, inclusive, considerado herói na Guerra do Paraguai. Nasceu na Vila de Nossa Senhora da Conceição do Arroio, no Rio Grande do Sul, localidade que, por sua causa, passou a se chamar Osório. Recebeu o título de Marquês do Herval,

foi eleito senador por seu estado e, finalmente, foi nomeado Ministro da Guerra do Partido Liberal. Mas, e as motocicletas? Osório fazia parte do Regimento da Cavalaria e, certamente, nunca pilotou uma motocicleta. Mas um dia, eu passando pela Esquina do Veneno, vi as “motos” da nossa polícia montada estacionadas em frente a uma loja, lembrei dessa história e achei que essa fotografia tinha tudo a ver com a rua General Osório. Cultura do Automóvel Junho 2022

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60 anos

karmann Ghia faz 60 anos

O pequeno esportivo já pode estacionar na vaga de idoso

O

tão querido Karmann-Ghia, o esportivo que não era nada esportivo, já comemorou sua entrada no privilegiado grupo dos sexagenários pelo menos outras três vezes. Se fosse uma pessoa, poderia estacionar em uma vaga de idoso. Seu projeto foi iniciado em 1952 e a sua primeira aparição pública foi no Salão de Paris de 1953, mas o lançamento oficial do modelo só aconteceu em 1955, na França. O nome do carro é a união do nome do idealizador, Wilhelm Karmann, que dirigia a empresa Karmann Karosseriewerk, com o nome do estúdio italiano que ele contratou para projetá-lo, a Carrozzeria Ghia, de Turim. A produção ficou a cargo da 30

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Volkswagen, com a qual Wilhelm já tinha ligações, por ter participado do projeto da versão conversível do Fusca, em 1949. O Karmann Ghia conversível foi lançado em 1957. No Brasil, a Karmann abriu uma fábrica em São Bernardo do Campo, ao lado da fábrica da Volkswagen, e começou a estampar a carroceria do Karmann Ghia brasileiro em 1962. A base mecânica era feita na fábrica da Volkswagen e depois levada à Karmann Ghia, para colocação da carroceria e montagem final. Com a mesma mecânica do Fusca da época, o Karmann Ghia era tudo de bom, lindo e confiável, mas o motor de 1.200 cm3 de apenas 36 cv era fraco e não o tornava um esportivo de verdade.


60 anos

O Mini era visto como um carro “maior por dentro do que por fora”, graças ao excelente aproveitamento interno

Os primeiros Karmann Ghia alemães, de 1955, tinham os faróis mais baixos e as gradinhas frontais menores Cultura do Automóvel Junho 2022

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60 anos

karmann ghia

Expedito Marazzi avaliou o novo Karmann Ghia na ocasião de seu lançamento no Brasil e elogiou alguns pontos

Mesmo assim, e mesmo custando o mesmo que um automóvel grande de luxo, como um Simca ou um Aro Willys, o carro foi um sucesso, com fila de espera de quase um ano para alguém conseguir comprar um. Expedito Marazzi avaliou o Karmann Ghia em fevereiro de 1963, considerando-o como um esportivo de aparência, uma vez que lhe faltava motor. No Autódromo de Interlagos, no entanto, elogiou tanto a estabilidade quanto a firmeza de direção, o mesmo dizendo sobre os freios a tambor e o trambulador do câmbio, bastante preciso. O desempenho, porém, deixava a desejar, principalmente para um piloto de competição. Mal chegando 32

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à velocidade máxima de 130 km/h, pior mesmo era a aceleração, que demorava mais de 30 segundos para chegar nos 100 km/hora. Os brasileiros receberam a segunda versão do Karmann Ghia, já com os faróis mais altos e as gradinhas frontais maiores, bem mais bonito que o original alemão. O Karmann Ghia brasileiro melhorou muito em 1967, quando ganhou o motor de 1.500 cm3 igual ao da Kombi (o Fusca ainda se contentaria com o 1.300 cm3), o que representou um acrescimo de 12 cv na potência. Foi em 1967, também, que o sistema elétrico passou de 6 para 12 volts e surgiu a versão conversível do Karmann Ghia.


karmann ghia

60 anos

O Karmann Ghia sempre foi uma das grandes atrações nos salões de automóveis, tanto no Brasil quanto na Europa

Maxwell Smart, o Agente 86, tinha um Karmann Ghia

Protótipo do Karmann Ghia Typ 34 fastback

Quem é que não ficou com essa imagem marcada na mente, sempre que ia para a praia, pela Via Anchieta? Cultura do Automóvel Junho 2022

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60 anos

karmann ghia

O karmann Ghia conversível foi lançado em 1957, ne Europa, e em 1967, no Brasil

Um Karmann Ghia, em especial na versão conversível, está muito bem cotado no mercado internacional de antigos

A maior mudança aconteceu em 1970. Visualmente, os parachoques passaram a ser mais largos e de lâmina única, sem as garras e os tubos auxiliares, e a lanterna traseira ficou maior. Naquele tempo, todos o acharam mais bonito, mas, como é comum acontecer, atualmente os primeiros KG têm maior valor emocional, principalmente para quem viveu a sua época. Na parte mecânica, o Karmann Ghia ganhou freio dianteiro a disco e as rodas ficaram iguais aos do Fuscão, de quatro furos. E o melhor: motor 1.600 de 52 cv. 34

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Mesmo nunca tendo sido um esportivo de verdade, o Karmann Ghia tinha tinha todos os elementos que o distinguiam dos carros normais, familiares, e, por causa disso, sempre foi considerado um modelo especial. Quem dirigia um KG era, da mesma forma, considerado um motorista diferente. O Karmann Ghia foi produzido até 1972, sendo substituído pelo Karmann Ghia TC, que tinha certa semelhança em suas linhas com o Porche 911. Apesar do mesmo nome, não era o mesmo carro, nem de aparência e nem de alma. l


karmann ghia

60 anos

karmann ghia tc Em 1972 foi encerrada a produção do Karmann Ghia e seu substituto, pelo menos no nome, foi o Karmann Ghia TC, que significava Touring Coupé. Realmente, se o KG original era um esportivo – menos na potência – pelo menos o nome oficial do novo carro era perfeito: um carro de turismo, de quatro lugares, e cupê, como se convencionou chamar os modelos de duas portas naquela época. Bem diferente do anterior, que tinha bastante restrições quanto ao uso cotidiano ou familiar. O novo Karmann Ghia TC já seguia a concepção dos Volkswagen cotemporâneos, diga-se Variant e TL, que tinham o famoso motor “deitado”. Na verdade, a arquitetura do motor era a mesma do Fusca, do Karmann Ghia e da Kombi, e mesmo do Volkswagen 1600 de quatro portas, apenas tinha a ventoinha e seus apetrechos horizontais, para que o conjunto motor ficasse bem baixo. Para isso, esses componentes ficavam bem compactados no compartimento

traseiro. O Karmann Ghia TC não fez o mesmo sucesso da versão anterior, mesmo tendo um “quê” de Porsche 911, por duas razões, estava no meio do caminho entre um esportivo e um carro de passeio e o público interessado nesse tipo de carro agora tinha mais opções, a exemplo do Pume e seus concorrentes esportivos semelhantes. Um outro ponto foi descoberto tempos depois: os Karmann Ghia TC tinham uma enorme propensão para se desmanchar de ferrugem, mesmo mantendo a parte mecânica excepcionalmente robusta. Essa foi a razão de Expedito Marazzi ter escolhido esses carros, bem acessíveis, porque sempre estavam corroídos até quase o final, para fornecer a mecânica de seus Fórmula Vê, no início dos anos 70. Motor 1.600 e freios dianteiros a disco eram alguns dos componentes que os Fusquinhas, que forneciam componentes para os primeiros F-Vê, não tinham.

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antigomobilismo

1000 Milhas

Históricas Brasileiras

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este último mês de maio, entre os dias 18 a 22, foi realizada mais uma prova das 1000 Milhas Históricas Brasileiras, que estreou, neste ano de 2022, um novo formato. Desta vez, os 1.600 quilômetros a serem percorridos pelos 27 participantes foram divididos em quatro percursos distintos, com base no hotel Santa Clara Eco Resort, em Dourados, interior de São Paulo. Cada etapa teve um percurso diferente, largando e chegando no hotel. Cada dia teve, ainda, um passeio integrando a programação. Para adequar os resultados ao novo formato, MG Club do Brasil, organizador da prova, elaborou um novo regulamento, no qual os quinze melhores colocados de cada etapa, classificados pelo menor número de pontos perdidos nos postos de controle, marcaram, respectivamente, 25, 20, 16, 13, 11, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 e 1 ponto. Ao final das quatro etapas, venceu quem somou mais pontos. Em caso de empate, venceria a dupla que marcou mais pontos no último dia.

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antigomobilismo

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antigomobilismo 1000 milhas históricas Persistindo o empate, seriam apurados outros critérios, como o ano de fabricação do veículo e, por fim, a cilindrada do motor. Para tornar a competição ainda mais justa, foram adotados critérios de handicap: carros até 1950 têm fator zero, de 1951 a 1957, o número de pontos perdidos na estrada é acrescido em 15%, de 1958 a 1964, 20%, de 1965 a 1971, 25%, de 1972 a 1978, 30%, de 1979 a 1985, 40%, de 1986 a 1992, 55%, e de 1993 a 1999, 70%. Carros de 2000 em diante participam apenas da categoria Turismo, não entrando na classificação oficial das 1000 Milhas Históricas Brasileiras. O evento começou na quarta-feira, 17 de maio, com vistoria e exposição

dos carros participantes no boulevard do Shoping Center Iguatemi, em São Paulo. Lá, pilotos e navegadores aproveitaram para adesivar seus veículos com os seus números de competidores e de seus patrocinadores. A largada foi na manhã seguinte, em um posto de abastecimento no km 34 da Rodovia dos Bandeirantes. As demais largadas aconteceram no Santa Clara Eco Resort. Cada dia de prova teve uma parada de interesse histórico ou turístico. No primeiro dia, houve uma visita ao museu Mario Fava, em Bariri, SP; no segundo dia, foi a vez do museu Agromen, em Orlândia, SP; terceiro dia, passeio de barco pelas eclusas do rio Tietê, em Barra Bonita, SP.

O próprio poster de divulgação já mostrava bem quais seriam os quatro percursos das 1000 Milhas Históricas 38 Junho 2022 Cultura do Automóvel


1000 milhas históricas antigomobilismo

No dia anterior à largada, exposição e adesivagem dos carros participantes das 1000 Milhas Históricas Brasileiras

Ao fim do primeiro dia, venceu a etapa a dupla uruguaia Andres Buela e German Pagadizabal, com um Alfa Romeo Spider 1972. Nesse dia, os competidores percorreram 310 km, saindo de Caieiras, na rodovia dos Bandeirantes, cruzando Piracicaba, Águas de São Pedro, São Pedro e Jaú, terminando em Bariri.

Em Bariri, o grupo visitou o Museu Mário Fava e conheceram a história de Mário Fava, Leônidas Borges de Oliveira e Francisco Lopes da Cruz, três amigos que, em 1928, saíram do Rio de Janeiro com um Ford Modelo T, chegaram em Nova York, dez anos depois, e foram a Detroit conhecer Henry Ford.

O Museu Mário Fava em Bariri e uma foto tirada em 1937com os três brasileiros, o Ford Modelo T e Henry Ford Cultura do Automóvel Junho 2022

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antigomobilismo 1000 milhas históricas

O segundo dia de cronometragem foi vencido pela dupla Fernando Leibel e Adriano Braz, com um Mercedes-Benz 450 SL 1974, empatando com a dupla vencedora do primeiro dia. Eles passaram por Araraquara, Sertãozinho, Ribeirão Preto e Orlândia, onde almoçaram no museu Agromen. Com nova largada, passaram por Boa Esperança do Sul e fecharam o dia percorrendo 403 km até voltar a Dourado. 40 Junho 2022 Cultura do Automóvel

No terceiro dia, venceu a prova a dupla José Luiz Gandini e Luiz Durval Brenelli, a bordo de um Jaguar Mk II de 1967. O percurso de 236 km passou por Ribeirão Preto, São Carlos, Itirapina, Brotas e Torrinha, terminando em Barra Bonita. Nessa cidade, eles fizeram um passeio de quatro horas no navio mercante Homero Kränenbühl pelo rio Tietê, passando pela eclusa de Barra Bonita.


1000 milhas históricas antigomobilismo A última parte do rali 1000 Milhas Históricas Brasileiras foi vencida pela dupla Sydnei Marcos Savi e Meriele Cristine Haas Savi, com um BMW 2002 tii Competition 1974. O último trecho foi de 288 km, passando por Araraquara e Ribeirão Preto, onde todos visitaram uma grande coleção de automóveis históricos. No final do grande evento, fixou em primeiro lugar a dupla Fernando Leibel e Adriano Braz, com um Mercedes-Bens 450 Sl de 1974. Em segundo lugar ficou a dupla dos uruguaios, Andres Buela e German Pagadizabal, que participaram das 1000 Milhas Históricas Brasileiras representando o Montevideo Classic Club. O Alfa Romeo Spider 1972 foi emprestado por um membro do Clube do Alfa Romeo do Brasil

José Luiz Gandini e Luiz Durval Brenelli ficaram em terceiro lugar, com um Jaguar Mk II de 1962, e em quarto lugar ficou a dupla Marcos Savi e Mariele Haas Savi, com um BMW 2002 tii Competition 1974. No momento da premiação, foi entregue um premio especial, o troféu Nassin Kalili, ao carro mais antigo da prova, o Jaguar Mk IV 1948 de Gerolamo Ometto Nardim. A dupla Andres Buela e German Pagadizabal receberam um prato de prata comemorativo pela amizade formada pelo MG Club do Brasil e o Montevideo Classic Car Club, que começou com a participação de um membro do clube brasileiro em uma prova no Uruguai. Eles receberam também o troféu Francisco Corazza, por serem a dupla que veio de mais longe para participar da prova. l

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antigomobilismo 1000 milhas históricas

Classificação final

Conheça os dez primeiros colocados nas 1000 Milhas Históricas 2022

1º - Fernando Leibel e Adriano Braz - Mercedes-Benz 450 SL 1974

2º - Andres Buela e German Pagadizabal - Alfa Romeo Spider 1972

3º - José Luiz Gandini e Luiz Durval Brenelli de Paiva – Jaguar Mk II 1967 42 Junho 2022 Cultura do Automóvel


1000 milhas históricas antigomobilismo

4º - Sydney Marcos Savi e Mariele Savi - BMW 2002 tii Competition

5º - Jorge da Rocha Cirne Filho e Wagner Classer de Brito - MG 1974

6º - Leandro Mazzoccato e Lizandra Mazzoccato - Ferrari 308 GTS 1978

7º - Auro Moura Andrade e Camila Andrade - Mercedes-Benz 500 1980

1º - Fernando Leibel e Adriano Braz - Mercedes-Benz 450 SL 1974

8º - Manoel Feliz Cintra Neto e Manoel Alfredo Cintra - MGB1963

9º - Luiz Esteves Caldas Neto e Vera 10º - Gilmar Zanini e Joicer Rosso Ligia Caldas - Volkswagen SP2 1972 Zanini - Mercedes-Benz 190e 1990 Cultura do Automóvel Junho 2022

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carros no cinema

OUmHomem do Rio passeio pelo Brasil dos anos 60 N a edição anterior da revista, relembramos os automóveis que participaram do filme Roberto Carlos a 300 km por Hora, uma pérola cinematogáfica e automobilística de 1970 – para quem gosta de automóveis, é claro. O primeiro filme do Rei, Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, de 1968, também tem muita ação com automóveis, mas há um filme anterior, muito parecido, que certamente deve ser lembrado. E assistido.

Trata-se de O Homem do Rio, de 1964, filme francês com Jean-Paul Belmondo, rodado em sua maior parte no Brasil, no Rio de Janeiro e em Brasília. Assisti esse filme no cinema com meu pai, nesse mesmo ano e, na época, não dei muita importância a ele. Mas fiquei com as imagens das cenas de perseguição na minha mente por muitos anos, até poder assistí-lo novamente. Eu ainda não sabia, mas me tornaria fã do Belmondo, do Rio de Janeiro e de Brasília.

Jean-Paul Belmondo persegue um Peugeot 404 1961 com a Triumph TRW 1948 roubada da polícia 44

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carros no cinema

O Simca Vedette Chambord 1958 passou a ser produzido no Brasil no ano seguinte, 1959. Sem o nome Vedette

O belo Morgan Plus 4 1962 é o carro da mocinha do filme, que é sequestrada. Mas ele não aparece em muitas cenas Cultura do Automóvel Junho 2022

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carros no cinema

o homem do rio

Os vilões usaram e abusaram dos Aero-Willys brasileiros no filme. De todos os anos. O da foto acima é um 1962

Depois de ter assistido com maior atenção – claro, eu tinha apenas cinco anos de idade, da primeira vez –, pude, então, dizer que trata-se de um filme muito interessante, além de ser um fabuloso documento histórico. Não faltam cenas em nossas cidades preferidas e automóveis de todos os tipos. Tem até a carcaça de um JK, que é jogada do penhasco, pintada na mesma cor e fingindo ser o Aero Willys do enredo, aos 56m12s. Ver como era o Rio de Janeiro nos anos 60, além de conhecer a capital do país ainda em construção, é uma experiência muito educativa. Fui conhecer o Rio alguns anos depois, em 1968, em uma viagem para testar o novo Simca Esplanada GTX, mas para Brasília só fui pela primeira vez nos anos 80. 46

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Um Aero-Willys 1960 e um Aero-Willys 1963

A carcaça do JK na cena em que o Aero-Willys explode


o homem do rio

carros no cinema

Jean-Paul Belmondo e a mocinha, interpretada por Françoise Dorléac, vão a Brasília em um Chrysler 75 de 1929

O filme começa com um Morgan Plus 4 de 1962, ainda em Paris, que é o carro da namorada de Belmondo, sequestrada e trazida para o Rio. Ele vê o rapto e persegue os bandidos em uma motocicleta Triumph TRW de 1948, roubada de um policial. Entra no avião e vem, como clandestino, para o Brasil. As cenas de perseguição no Rio de Janeiro e Brasília mostram alguns de nossos carros, ainda no início da indústria nacional de automóveis, a maioria Aero-Willys. Um detalhe interessante é o Chrysler Tipo 75 de 1929 cor-de-rosa, que o casal rouba no Rio para ir a Brasília. De Brasília, ele persegue a mocinha e vai parar no Amazonas, em um avião roubado. Lá, as cenas são mais com barcos do que com carros, e eles saem de lá de carona na caçamba de um caminhão International Harvest AC 170 1957.

A Triumph TRW 1948 roubada de um policial

Fim do filme: carona em um International Harvest 1957 Cultura do Automóvel Junho 2022

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carros no cinema

o homem do rio

Um pouco de turismo brasileiro O filme mostrou um Brasil bem interessante para estrangeiros

Com muitas cenas de perigo, Belmondo mostrou um Brasil muito bonito. Como essa, de Copacabana nos anos 60

O Brasil era diferente há 60 anos e os europeus sempre tiveram uma certa atração por alguns de nossos pontos turísticos mais famosos. E o Rio de Janeiro era o mais conhecido de todos, sem dúvida. O filme O Homem do Rio mostra um pouco dessa nossa exuberância. A primeira cena no Rio mostra um dos nossos orgulhos da época, uma aeronave da companhia aérea Panair. E uma cena de perseguição, com um trator roubado (outra vez?), um Hannomag R55 1950. Relíquia. Outra cena, para os saudosistas, mostra Copacabana antes do aterro 48

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e da duplicação da avenida Atlântica, obra que seria iniciada no ano seguinte ao filme. Há, também, cenas com o Cristo Redentor ao fundo e com o Pão de Açúcar, visto do morro. Chegando em Brasília, a cena com os edifícios da Praça dos Três Poderes ao fundo já podia dar uma idéia do que seria a nova capital, ainda em obras, aos estrangeiros, em especial aos europeus. Em muitas cenas com Belmondo, perseguindo ou fugindo dos vilões, vemos a belacap ainda na terra crua. Muito ainda estava por fazer. l


o homem do rio

carros no cinema

Na primeira cena em Brasília, a visão dos icônicos edifícios da Praça dos Três Poderes

Visão privilegiada de Brasília, ainda em obras Cultura do Automóvel Junho 2022

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carros no cinema

o homem do rio

Bela visão do Pão de Açúcar, visto do morro. Abaixo, o morro do Corcovado e uma cena no aeroporto

A foto utilizada na divulgação do filme mostrava o Aero-Willys desenhado por brasileiros 50

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