Revista Cultura do Automóvel - Ed. 31 - Janeiro/2022

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No 31 – janeiro 2022

cultura do

automóvel

automóveis e motocicletas

lançamentos - impressões - história

Kawasaki 900 A história

kawasaki gp-z Killinger&freund

moto major

yamaha yds-5

n e r-a-c ar

ferrari, moto ?

ducati 250

moto maserati


E DI TOR I

AL

É a vez das motocicletas

M

ais uma vez estamos aqui falando sobre motocicletas, que é a segunda paixão de muitos automobilistas. E a primeira de alguns deles. Sejam elas clássicas, raras, novas ou não, ou apenas protótipos jamais produzidos, as motocicletas guardam uma infinidade de boas histórias, que, aos poucos, vamos conhecendo. Entre as muitas histórias interessantes que já ouvi, escolhi a da Kawasaki 900, que fez a cabeça de alguns

adolescentes dos anos 70, inclusive a minha. A Yamaha YDS-5, ainda nos anos 60, teve um efeito ainda maior, assim como aconteceu com a italiana Ducati 250 Mark 3. nnn

São essas mesmas histórias que motivam cada um dos apaixonados por motocicletas clássicas, que, por sua vez, movimentam esse mundinho tão interessante quanto envolvente.


31 NESTA EDIÇÃO No 31 - Janeiro 2022

sumário

04 Pelo Mundo

O que acontece no mundo das motocicletas clássicas

08 A história da Kawasaki 900

Saiba porque essa motocicleta desbancou a rainha

16 O Super Homem e a Kawasaki GPz- 1100 Uma história de dupla identidade

22 Moto Major, a futurista retrô

Em 1947, a Fiat quis entrar no ramo das motocicletas

26 Maserati, também uma fábrica de motocicletas

A famosa marca italiana produziu motos nos anos 50

28 Scuderia Ferrari, departamento de motos

A Ferrari nunca fabricou motos, mas correu com elas

30 Parecida com um automóvel

Uma motocicleta com ideias automotivas. Em 1921

34 Yamaha YDS-5, das ruas para as pistas A motocicleta que fez a fama da Yamaha

38 A macchina italiana

Antes das japonesas, a Ducati era a motocicleta da vez

42 Mais algumas celebridades posando em motos

Só que desta vez eles escolheram mini motocicletas

48 Killinger & Freund, estilo e técnica

Alguém já viu uma motocicleta com motor dianteiro?

51 Anúncios antigos

Como as motocicletas desta edição eram divulgadas


pelo mundo

Valongo Moto Classic

As motocicletas clássicas voltam a se encontrar em Santos

M

otocicletas antigas, em sua maioria japonesas dos anos 60 e 70, voltaram a dividir o espaço que, normalmente, só é ocupado pelo tradicional bonde santista. O Valongo Moto Classic, em sua nona edição, voltou a reunir modelos clássicos, em uma bela e ensolarada manhã de sábado. 4

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O encontro anual, que acontece na antiga Estação do Valongo, no município de Santos, litoral sul de São Paulo, já é tradicional entre os colecionadores de motocicletas e atrai motociclistas de várias partes do estado, com modelos antigos ou não. As motocicletas estacionadas criam uma exposição à parte. l


pelo mundo

A jóia do evento foi esta Lambretta Modelo A de 1947 com side car, a primeira a ser produzida, na Itália

Modelos que trazem muitas lembranças dos anos 60 e 70, como a Yamaha 180, a Honda 65 e a Suzuki GT 750

Uma galeria de motores de quatro cilindros, as Honda CB 750 e a Kawazaki Z1. Ao lado, uma Yamaha RD 350 Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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pelo mundo

uma triumph de 1901 O protótipo descoberto e restaurado pelo principal colecionador da marca é exibido na fábrica de Hinckley

A Triumph está completando 120 anos de existência, mas este protótipo é anterior ao início das suas atividades

A Triumph nasceu em 1902. Prestes a comemorar 120 anos de existência, a empresa anuncia um incrível achado histórico, descoberto e restaurado pelo principal colecionador vintage da Triumph, Dick Shepherd. Trata-se de um protótipo de 1901, que reescreve os livros de história, adicionando um novo capítulo antes do início das vendas oficiais da Triumph, em 1902. Com rumores de longa data de sua existência, com referência em anúncios e análises que surgiram em 1901, este primeiro protótipo da Triumph foi desenvolvido a partir de uma moto Triumph padrão, com motor fornecido 6

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pela fabricante belga Minerva, para gerar interesse e medir a demanda do público por uma motocicleta Triumph. Dick Shepherd disse: “Ao ser abordado por um amigo de um colecionador, que havia recentemente falecido, para avaliar uma Triumph antiga, fiquei incrivelmente animado ao descobrir que a motocicleta apresentava detalhes únicos que não estavam presentes nas primeiras Triumph produzidas. Junto com a motocicleta, o colecionador recebeu também uma carta da Triumph, datada de 1937, descrevendo as origens únicas da moto e fornecendo muitos detalhes importantes”.


pelo mundo “Com um número de motor consistente com as referências nos registros de motores da Minerva de um primeiro contrato com a Triumph, em 1901, o significado histórico desta motocicleta tornou-se incrivelmente claro. Como um fã apaixonado pela história e pelas conquistas desta incrível marca britânica, ter descoberto esta sobrevivente e tê-la restaurado à condição gloriosa de quando foi exibida pela primeira vez, em 1901, me deu uma satisfação imensa”, afirmou ele. Apresentado pela primeira vez na feira Motorcycle Live, do Reino Unido, o protótipo de 1901 é também exibido em uma exposição no espaço Factory Visitor Experience, junto à fábrica da Triumph em Hinckley, na Inglaterra, a partir de 14 de dezembro. Lá, esta máquina foi pilotada em público pela

primeira vez em mais de 100 anos. Esta incrível motocicleta histórica estará em exibição ao lado da milionésima Triumph fabricada em Hinckley desde 1990, em uma nova exibição em comemoração ao aniversário de 120 anos da marca.

A motocicleta tinha detalhes que não estavam presentes nas primeiros modelos produzidos em série pela marca Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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história

A história

N

os anos 60, motocicletas com motores de quatro cilindros não eram novidade: em 1912, os ingleses da Henderson produziam uma motocicleta com motor de quatro cilindros em linha instalado londitudinalmente. Mas essa moto e os outros modelos contemporâneos que tinham essa configuração, no entanto, não eram fáceis de serem pilotadas, pois o comprimento do motor tornava a moto muito longa. E isso foi até os anos 60, quando, em 8

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1967, a Kawasaki iniciou o projeto N600, uma motocicleta com motor de quatro cilindros em linha, quatro tempos, com cilindrada de 750 cm3 e duplo comando de válvulas no cabeçote. O diferencial era a posição do motor, montado transversalmente no quadro, tornando a motocicleta especialmente compacta. O nome do projeto era “New York Steak”, uma referência ao principal mercado que a Kawasaki pretendia com sua nova motocicleta, o norte-americano.


história

A motocicleta estava praticamente pronta para ser finalizada e lançada, quando uma “bomba” caiu sobre a equipe responsável pelo projeto: sem que eles desconfiassem do que estava acontecendo, a Honda apresentou a sua motocicleta, no Salão de Tóquio de 1968. Era a Honda CB 750 Four, que foi considerada, posteriormente, o “divisor de águas” da indústria motociclística. Trinta anos depois, foi eleita “a motocicleta do século”. Mereceu? Sim, mas por ter sido lançada antes, uma vez que a moto da Kawasaki seria mais avançada, tecnologicamente. Não só a Honda CB 750 Four conquistou o mundo como também obrigou a Kawasaki a parar seu projeto e voltar atrás nas especificações. Apesar de ser mais potente, devido ao motor DOHC (a Honda 750 tinha motor SOHC), a Kawasaki não poderia enfrentar a novidade com tão pouca vantagem. Voltando às pranchetas, o objetivo agora era fazer uma motocicleta muito melhor do que a Honda, com motor maior, mais potente e mais avançado. Para tanto, a equipe de projetistas da Kawasaki tinha um prazo de apenas 24 meses para entregar o projeto, que então passou a chamar T103. Os testes dos protótipos foram feitos nas rodovias

norte-americanas, com as motos disfarçadas de Honda CB 750 Four. O esforço foi recompensado, a Kawasaki Z1 foi oficialmente lançada no Salão de Colônia, na Alemanha, em setembro de 1972. Na Europa, a nova motocicleta ganhou o nome de Kawasaki 900 Super 4. De uma forma um pouco diferente do que aconteceu com a sua grande rival, a Kawasaki Z1 atingiu fama e popularidade incríveis vencendo a prova de 250 milhas de Vaca Valley, na Califórnia, apenas uma semana após seu lançamento. Para enfrentar as motocicletas já consagradas em corridas, a Z1 foi para a pista com apenas um freio dianteiro duplo e radiador de óleo adicionais, itens que não equipavam a motocicleta que estava sendo vendida, mas faziam parte da lista de opcionais para o mercado norte-americano.

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história

kawasaki 900

A revista semanal norte-americana Motorcycle News elegeu a Kawasaki Z1 como a Máquina do Ano, em 1973, desbancando a Honda CB 750 Four de seu confortável trono de “rainha das motocicletas”. Título merecido, mas pouco usual, já que a “Sete-Galo” é atualmente uma das motos mais famosas do mundo, enquanto que poucos conhecem a verdadeira história da Kawasaki 900. No meu caso, as duas vieram para a minha vida no momento certo. A Honda CB 750 Four era o maior desejo do meu pai, desde que foi lançada, em 1968, e ele acabou comprando uma K2, zero km, em 1974. É claro que eu também dava minhas “roubadas” nessa moto. Nessa mesma época, ele revendia motocicletas da Kawasaki em seu posto de gasolina, na rua Heitor Penteado. Antes da Z1, tínhamos lá as icônicas Kawasaki H1 e H2, com motores dois tempos de três cilindros (todas “endiabradas”, a 350, a 500 e a 750), e a enorme W1 650, cópia descarada das bicilíndricas inglesas dos anos 60. Já a Kawa Z1, eu passei a respeitar pela fama, pois, no colégio que eu estudava, o Instituto Mackenzie, ela era a motocicleta da vez. Só não vendeu mais que a grande rival porque custava muito mais. Na escola, eu ouvia as garotas elogiando, nas rodinhas da turma, o tal rapaz que tinha uma “Kawasaki 900”. Na pista, as poucas Kawasaki 900 que se aventuravam sempre faziam bonito. Já a Honda CB 750 Four era pesadona e desengonçada, “tomando 10

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pau” no miolo de Interlagos de sua irmã menor, a Honda CB 500 Four, menos potente porém muito mais “guiável”. A Kawasaki Z1 permaneceu sem alterações significativas até 1975, quando veio a versão Z1-B, com pequenas alterações, passando a ter o nome de Z900 em 1976 (em alguns mercados, KZ900). Em 1977, ela foi substituída pela Z1000 (ou KZ1000), que tinha a mesma aparência, mas trocava os quatro escapamentos por um quatro-em-um. A Kawasaki Z1000 foi produzida até o início dos anos 2000, mas sem o apelo que os anos 70 proporcionava e também sem a modernidade das motocicletas do terceiro milênio. Foi quando a Kawasaki “ressuscitou” a família Z, como ela mesma se referiu à nova Z1000 de 2003, chamando a motocicleta de Super Naked. Daí em diante veio a evolução da linha como a conhecemos, até a Z1000 atual, incluindo a edição retrô Z900RS, uma naked supermoderna mas com o visual da primeira Kawasaki Z1. A Kawasaki Z1 original, que está completando 50 anos desde sua criação, é atualmente uma das motocicletas mais procuradas por colecionadores e restauradores de motocicletas japonesas dos anos 70.


história

kawasaki 900

Linha do Tempo da Kawasaki Z 1972 - Kawasaki Z1 Com tecnologia avançada, a Kawasaki Z1 redefiniu o mundo das motocicletas de alto desempenho. Durante seu desenvolvimento, seu nome-código era New York Steak. A letra Z foi escolhida porque era a última letra do alfabeto e representava o extremo, enquanto que o número 1 significava a primeira do mundo. A Kawasaki Z1 foi a primeira motocicleta esportiva de grande produção a ter motor de quatro cilindros em linha DOHC, tecnologia apenas encontrada em

motocicletas oficiais de competição ou esportivas de produção limitada. Com cilindrada de 903 cm3, a Z1 não era apenas a mais veloz motocicleta de produção de sua época, sua confiança e durabilidade eram igualmente impressionantes. Quatro escapamentos acentuavam o visual esguio, sexy e suave da Z1. A Kawasaki Z1 se tornou um sucesso de vendas nos Estados Unidos e na Europa, com igual sucesso nas pistas de corrida. Isso iniciou a lenda “Z”, que continua até os dias atuais. Cultura do Automóvel Janeiro 2022 11


história

kawasaki 900

1978 – Kawasaki Z1300 As motocicletas da Série Z estabeleceram a popularidade do motor de quatro cilindros em linha refrigerados a ar. No entanto, a série continuou a evoluir. A Kawasaki Z1300 foi equipada com um revolucionário motor de seis cilindros em linha refrigerado a água com cilindrada de 1.268 cm3, o maior de seu tempo. Para suportar a enorme potência desse motor, foi desenvolvido um robusto eixo de manivelas. Esta icônica motocicleta tinha componentes estruturais, como o chassi e suspensões, da mais 12

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alta qualidade e desempenho. Apesar de seus 300 kg de peso, ela era tão ágil que vários jornalistas foram vistos fazendo wheeling durante a sessão de pilotagem no evento de lançamento para a imprensa especializada. Uma motocicleta de turismo esportivo projetada para diversão, a Kawasaki Z1300 tinha tanta potência que não podia ser comercializada na Alemanha, devido às restrições de potência para motocicletas daquele país. A lenda Z estava agora fortemente estabelecida.


história

kawasaki 900

1977 – Kawasaki Z1-R Durante os anos 70, as café racers com visual inspirado em modelos de competição estavam em alta. A Kawasaki Z1-R, sucessora da poderosa Z1, foi uma versão especial café racer da Z1000. A Z1-R foi projetada nos Estados Unidos, o principal mercado da Série Z. Conhecida em alguns países também como Z1000 ou KZ1000, ela teve como cor de lançamento um deslumbrante prata “libré”, em um estilo nunca antes visto em uma

moto esportiva de grande cilindrada. O tanque de combustível de linhas retas acentuou o grande motor preto e a carenagem frontal anunciava o elevado desempenho do modelo R. A Kawasaki Z1-R foi também a primeira motocicleta esportiva a ter rodas de liga de alumínio. No lugar dos quatro escapamentos da Z1, a Z1-R tinha um escape quatro-emum. A Kawasaki ZR-1 influenciou fortemente o futuro das motocicletas da Série Z.

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história

kawasaki 900

1981 – Kawasaki Z1100GP Baseada na tecnologia de superbike de competição da marca, a segunda geração da Série Z começou com a Z1100GP, em 1981. Em alguns mercados, ela levava o nome de GPz-1100. A Kawasaki Z1100GP, baseada na Z1000, tinha motor com 1.089,9 cm3 de cilindrada e oferecia conforto bastante superior. Seu farol retangular com o motor e os escapamentos pintados de preto davam uma aparência bastante esportiva à motocicleta. Ela tinha também um painel de instrumentos retangular. A Kawasaki Z1100 foi uma das primeiras motocicletas a ter

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injeção de combustível (K.E.F.I. – Kawasaki Electronic Fuel Injection) – tecnologia disponível na época apenas nas motocicletas de produção da Kawasaki. Comparada com os carburadores, esse sistema permitia gerenciamento mais preciso do motor, ajustando a entrega de combustível de acordo com as mudanças atmosféricas de pressão e temperatura. O resultado era mais potência e economia de combustível. Em 1982 surgiu sua sucessora, a Kawasaki Z1100GP B2 (com isso a versão anterior passou a ser chamada de B1), com muitas melhorias, tanto estéticas quanto mecânicas.


história

kawasaki 900

1982 – Kawasaki Z1000R Na América do Norte, o principal mercado para motocicletas esportivas de grande cilindrada, provas de superbike usando motocicletas de produção modificadas eram mais populares do que o MotoGP e atraiu alguns dos melhores pilotos do mundo. Em 1981, Eddie Lawson venceu o campeonato pela Kawasaki com uma Z1000S de fábrica. O Z1000R foi construída para comemorar a

vitória e a “Eddie Lawson réplica” foi pintada na mesma cor verde limão da moto de corrida. Como a Kawasaki Z1000S, a Z1000R tinha escapamento Kerker 4-em-1, assento escalonado e amortecedores traseiros equipados com reservatório auxiliar.

2003 - Kawasaki Z1000 A Kawasaki Z1000 de 2003 representou um retorno às raízes da família Z. Em vez de priorizar desempenho e o máximo de potência, a Z1000 voltou às virtudes tradicionais das Z-bikes, como a diversão acima da esportividade. O motor de 953 cm3 da Z1000 passou a ser refrigerado a água, derivado da esportiva Ninja ZX-9R porém calibrado para mais torque em médios e baixos regimes de rotação.

As quatro ponteiras de escapamento eram reminiscências da Z1 original e o modelo passou a ser chamado de SuperNaked.

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história

O Super Homem e a Kawasaki GP-z 1100

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história

Experimentando a Kawasaki GP-z 1100 1981 do meu amigo Pupo

O

ano era 1982. Eu havia acabado de me formar em engenharia e dava início à minha dupla jornada de trabalho, acumulando as funções de jornalista, que havia começado em 1976, com o trabalho da minha nova profissão. Alguns amigos brincavam dizendo que eu tinha vida dupla, como os super heróis ou os agentes secretos de filmes, mas isso era um pouco de exagero. O fato é que isso durou por muito tempo, até os meus últimos dias como engenheiro. Meu primeiro emprego de verdade como engenheiro, sem contar alguns estágios e uma primeira experiência de apenas um mês, foi na construtora do Chiquinho, um empresário da noite que também era engenheiro. Chiquinho era outro personagem de vida dupla, que mais tarde se

tornaria meu amigo. Certa vez, ele me contou qual foi a razão de ter escolhido o meu currículo, entre centenas de outros (estávamos atravessando a pior crise do setor, os engenheiros que se formavam iam, em peso, trabalhar em bancos): Chiquinho havia feito o primário e o ginásio no Liceu Coração de Jesus, tradicional colégio salesiano no bairro paulistano do Bom Retiro. Assim como eu. Fiquei algum tempo trabalhando na construtora do Chiquinho como Clark Kent, escondendo o alter ego de Super Homem, para que meu novo chefe não me mandasse embora. Sim, testar motocicletas, para um jovem como eu, naquela época, poderia muito bem ser comparado a voar por aí de colant azul e capa vermelha. E com a cueca pra fora da calça. Cultura do Automóvel Janeiro 2022 17


história

kawasaki GP-z 1100

Enquanto isso, do outro lado da cidade, o setor de motocicletas nacionais ainda estava começando e não tínhamos nada mais empolgante do que a Honda CB 400 para testar. As revistas gringas e os folhetos de motocicletas estrangeiras que chegavam à redação nos deixavam ainda mais frustrados com essa realidade. Esse material me fez conhecer, entre outras maravilhas, a novíssima Kawasaki GPz 1100, super motocicleta que inaugurava a era das injeções eletrônicas de gasolina confiáveis. Eu faria qualquer coisa para experimentar uma motocicleta como essa, até arrumar outro emprego. E foi o que aconteceu, um dia, no meu ooooooooutro trabalho: Chiquinho, que sempre desfilava com automóveis bacanas e alguns nacionais recém-lançados (o primeiro Chevrolet Monza hatch que eu vi na rua foi o dele), chegou no escritório com uma reluzente Kawasaki GPz 1100. Reluzente era apenas forma de expressão, já que a moto esbanjava outra novidade, o cromo preto. Essa era a GPz 1100 II, pois a primeira versão, de 1981, ainda tinha os componentes escurecidos pintados com tinta preta, como o motor e os escapamentos). Como fazer para andar nessa motocicleta? A turma da revista iria pirar (e olha que esse termo nem existia, na época). Não poderia simplesmente dizer “chefe, me empresta tua moto pra uma voltinha? Ou, quem sabe, uma 18

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A Kawasaki GP-z 1100 B2 de 1982, com carenagem

voltona, com direito a sessão de fotos pra uma revista?”. Era hora de revelar minha verdadeira identidade, mostrando a carteirinha de jornalista vinda do planeta Krypton. Deu certo. Surpreso, Chiquinho não só gostou da ideia, afinal, a sua motocicleta iria aparecer na revista Duas Rodas, como se tornou meu amigo. E lá fui eu com meu macacão vermelho e branco (só faltou a capa azul) fazer uns cliques com o Mario Bock. A reportagem foi publicada no Planeta Diário de abril de 1983.

Painel de instrumentos da Kawasaki GP-z 1100 1982


kawasaki GP-z 1100

história

Depois de revelar minha verdadeira identidade, consegui testar a Kawasaki GP-z 1100 1982 do Chiquinho

A motocicleta

A grande sacada da nova Kawasaki GPz 1100 era a injeção eletrônica de gasolina, algo impensável para nós, brasileiros, inclusive para automóveis. Diferentemente do que se propagou, essa não foi a primeira motocicleta a ter injeção eletrônica, já que no ano anterior, em 1980, a Kawasaki produziu as últimas versões da Z1000, modelo de grande sucesso da marca, com exatamente esse sistema analógico de injeção eletrônica, da Bosch. A importância da Z1000 foi enorme, pois foi a sua antecessora, a Z900, que desbancou a Honda CB 750 Four de seu lugar no mais alto pedestal das motocicletas. A Z900, mais conhecida entre nós como “Kawasaki 900”, foi produzida de

1972 a 1976, sendo substituída pela Z1000 em 1977, que durou até 1980, esta última já com injeção. E você já viu essa moto por aí: era a motocicleta pilotada pelo policial australiano Goose, do primeiro filme do Mad Max, uma Kawasaki Z1000.

A Kawasaki Z1000 1977 do policial Goose, em Mad Max Cultura do Automóvel Janeiro 2022 19


história

kawasaki GP-z 1100

Painel de instrumentos da Kawasaki GP-z 1100 1981

Bem, voltemos à Kawasaki GPz. A GPz 1100 B1, de 1981, tinha motor e outros componentes pintados de preto fosco e injeção eletrônica analógica. A moto do Chiquinho era a GPz 1100 B2, de 1982, que ganhou muitas melhorias, a começar pela injeção eletrônica digital, que trocou o medidor de fluxo de ar mecânico anterior por sensores eletrônicos, incluindo um sensor de posição do acelerador. A potência não aumentou muito por causa disso, passou de 108 cv para 109 cv, o que já era muito para a época, mas o funcionamento da injeção ficou mais preciso. No visual, a GPZ 1100 B2 também evoluiu, em relação à B1. Motor e escapamentos ganharam o moderno tratamento de cromo preto e uma pequena carenagem cobriu o farol e 20

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o painel de instrumentos. Este, por sua vez, ficou mais elegante e passou a ter marcador de combustível de cristal líquido, para acompanhar a injeção digital. Os relógios do painel de instrumentos também mostravam um pouco da nova tecnologia que surgia na época. Na B1, o voltímetro era convencional, analógico, com um ponteiro magnético, enquanto que a B2 tinha um segredinho: um botão no painel transformava o conta-giros em voltímetro. Naqueles tempos, as pequenas baterias das motocicletas não eram tão confiáveis, de forma que essas novas motocicletas equipadas com sistemas eletrônicos podiam deixar o usuário “na mão”, caso elas apresentassem um defeito inesperado. Por isso o voltímetro era tão importante.


kawasaki GP-z 1100 Na minha avaliação para a revista Duas Rodas, de abril de 1983, o tom é de entusiasmo com a bela GPz 1100, inclusive na descrição de detalhes que hoje são corriqueiros, mesmo em motocicletas populares

história

de baixa cilindrada. É que essa Kawasaki, para aquele momento, realmente era o supra-sumo das motocicletas, mesmo em relação às melhores motocicletas disponíveis no mercado mundial.

A Kawasaki GP-z 1100 de 1981 inha motor e escapamentos pintados de preto fosco

Quarenta anos depois Aqueles longínquos anos 80 foram cruéis para quem gostava de boas motocicletas. Com as importações proibidas, eram bem poucas as motos que conseguiam entrar no país, legalmente ou não. Por isso o entusiasmo, todas as vezes que tínhamos acesso a uma delas. Ainda hoje, esses modelos dos anos 80 são mais raros, pelo mesmo motivo, mas a atual onda retrô, que também chegou às motos, faz com que algumas raridades perdidas por aí voltem aos olhos do público. É o caso da Kawasaki GPz 1100 B1 de

1981 do colecionador Ricardo Pupo, que me emprestou sua motocicleta para umas fotos. É claro que não foi possível fazer um teste com a moto, por se tratar de um item de 40 anos, e também porque o dono estava “de olho”. Mas foi possível relembrar o passado, da época em que tudo era menos tecnológico e mais empolgante. Não cabe aqui uma comparação com as motos atuais, afinal, passaram-se 40 anos de evolução, mas ainda dá para sentir, na pilotagem, que se tratava de uma motocicleta muito especial. l Cultura do Automóvel Janeiro 2022 21


raridades

Motocicleta do futuro projetada pela Fiat nos anos 40 é arte sobre rodas

A

lguns fabricantes de carros também fazem motos. E viceversa. A alemã BMW é o mais patente dos exemplos, mas a inglesa Triumph, que também fez excelentes automóveis esportivos e agora nos oferece algumas das melhores motocicletas que existem, não deve ser esquecida. A marca de maior volume, sem dúvida, é a Honda, e a também japonesa Suzuki segue seus passos. Marcas como NSU, DKW e Peugeot, historicamente, também se enveredaram nos dois caminhos, sem mencionar algumas motocicletas ou automóveis especias, como Maserati ou KTM, ou mesmo Dodge e Aston Martin. Esqueci alguém? Pode ser.

A Audi nunca produziu motos, mas atualmente é a dona da Ducati, a italiana que também tem uma orgulhosa história, e pertence ao grupo Volkswagen, cujo nome figura em um curioso exemplar artesanal, a motocicleta Von Dutch XAVW. Ah! E também na bem sucedida marca brasileira Amazonas, que utilizou, nos anos 80, motores VW para produzir suas enormes motocicletas. O que dizer, então da Fiat? A gigante italiana quis, por duas vezes, entrar para o apaixonante mundo dos veículos de duas rodas, sem sucesso. Da primeira vez o resultado foi um scooter, em 1938, bonitinho, até, e depois veio a pura arte.

A Moto Major tinha uma estrutura monobloco de chapa de aço que incluía as peças de cobertura e acabamento 22

Janeiro 2022 Cultura do Automóvel


raridades

O motor monocilíndrico refrigerado a ar da Moto Major, de inspiração aeronáutica, ficava totalmente escondido

Em 1947, com investimentos bem substanciais, surgiu a Moto Major, um verdadeiro ensaio aerodinâmico e artístico em forma de motocicleta, fruto da criatividade do engenheiro italiano Salvatore Maiorca. Além do visual futurista, em especial para a sua época, a Moto Major é tecnicamente inovadora. A estrutura é exatamente o que se vê, um monobloco de chapas de aço que envolve a mecânica, escondendo um motor monocilíndrico de 350 cm3 com tecnologia aeronáutica. A refrigeração a ar é forçada por uma ventoinha, o câmbio tem quatro marchas e a partida é feita por um pedal removível. Um motor de dois cilindros refrigerado a água também foi projetado, mas não construído.

A primeira “moto” da Fiat foi esse scooter, em 1938

Na Moto Major em corte, vê-se a mecânica escondida Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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raridades

moto major

O guidão, ao virar, corre dentro da carenagem, que cobre também o farol, o velocímetro e o bocal de abastecimento

A traseira “rabo duro” tinha amortecimento por rodas elásticas. O mesmo foi aplicado na roda dianteira 24

Janeiro 2022 Cultura do Automóvel


moto major

raridades

A Moto Major é considerada uma autêntica obra de arte

Apenas um dos escapamentos é funcional

Esse é o sistema de suspensão por rodas elésticas

O melhor da moto Major, no entanto, eram as suspensões. Ou a falta delas. O amortecimento de impactos era feito por um sistema conhecido por rodas elásticas, ou seja, as rodas da Moto Major estão ligadas ao chassi por meio de borrachas dentro dos cubos. Esse sistema, convenientemente adequado para uma época anterior aos garfos dianteiros e aos braços oscilantes traseiros, era muito melhor do que os “rabos duros”. Dizia-se, também, que o funcionamento do sistema, sob o ponto de vista de absorção de choques e estabilidade direcional, era bastante satisfatório. A motocicleta da Fiat não passou da fase protótipo e um deles, ainda em sua forma original, sem restauro, pertence ao Hockeihein Museum e costuma ser exposto em encontros de veículos clássicos e em alguns outros museus. l Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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raridades

Marca famosa Maserati, a marca de autos de luxo, já fez motos

E

ra uma vez um fabricante de automóveis, velas e baterias, na cidade italiana de Bologna. Em 1937, a marca foi adquirida por um grupo empresarial de Modena, que transferiu a produção para sua cidade e passou a fabricar também lâmpadas e... motocicletas. A Fabbrica Candele Accumulatori Maserati S.p.A. lançou sua primeira motocicleta em 1953, comprando uma fábrica de motos e rebatizando a Italmoto 160T4 como Maserati. A segunda motocicleta foi L/T2, uma

cópia da alemã DKW 125 RT, a mesma que iniciou a história da Yamaha, dois anos depois. A Maserati de maior sucesso, no entanto, foi a T2/SS, uma pequena esportiva de 50 cm3 que caiu no gosto do público jovem, devido ao visual de competição. A motocicleta vinha até com number plate. Todos os modelos da Maserati, até mesmo a cinquentinha, participaram ativamente de competições, durante o tempo em que as motocicletas ficaram em produção, até 1961.

Apresentação da pequena esportiva Maserati T2/SS, de 50 cm3. Ela já vinha com number plates para corridas 26

Janeiro 2022 Cultura do Automóvel


raridades

A primeira Maserati, uma Italmoto 160T4 rebatizada

As Maserati de competição, nos anos 50

A marca famosa gravada no bloco do motor da Maserati

Uma Maserati 50/T2/U de 1956

A Maserati 50 T2/SS já vinha com os number plates

Um protótipo Maserati com propulsão elétrica

Maserati 125 T2

Os automóveis continuaram até o presente, mas um protótipo de moto elétrica futurista criado por Tomáš Kleca, da República Tcheca, foi apresentado recentemente e leva esse famoso nome em logotipos nas laterais. Seria um indício de que a marca italiana pode – ou deseja – voltar às motocicletas? l Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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raridades

Outra marca famosa A Ferrari não construiu motocicletas, mas já teve uma equipe de competição, com nomes famosos

D

epois de saber que existiam motocicletas fabricadas pela Maserati, só faltava mesmo uma moto Ferrari. Ela não existe, apesar de a marca ter aprovado um projeto independente com esse nome – incluindo o uso do emblema do “cavallino rampante” –, mas existiu, sim, uma equipe de motocicletas dentro da Scuderia Ferrari. A Scuderia Ferrari foi criada em 1929, utilizando carros Alfa Romeo, e o jovem piloto Tazio Nuvolari era um dos membros da equipe. Três anos depois, Enzo Ferrari, que havia sido piloto de motocicletas, expandiu 28

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as atividades da Scuderia e criou um departamento de motocicletas. Os pilotos da equipe, Aldo Pigorini e Giordano Aldrighetti, corriam com uma Norton International e uma Rudge TT Replica. O departamento de competição de motocicletas da Scuderia Ferrari, que era chamado de Scuderia Moto, ficou em atividade até o início dos anos 50, quando Enzo passou a construir seus próprios carros, abandonando o projeto. A Scuderia Ferrari de motocicletas foi, em sua época, a maior equipe privada de competição na modalidade. l


raridades

O galpão da Scuderia Ferrari de motocicletas. A maioria das motos é da marca inglesa Rudge

Enzo Ferrari ao lado da motocicleta Rudge. O piloto é Giordano Aldrighetti Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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Parece um carro Há cem anos, a Ner-a-car introduziu soluções para conforto e dirigibilidade

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ais de cem anos depois de sua criação, quando já foram aplicadas todas as ideias sobre como seriam as motocicletas do futuro, a Ner-a-car continua um objeto estranho. A começar pelo nome: Ner-a-car se assemelha a “near a car”, que em inglês, em uma tradução livre, seria “parecida com um carro”. Mas essa não é a origem do nome, já que o criador dessa estranha motocicleta chamava-se Carl Neracher. Certamente, o senhor Neracher fez um trocadilho com seu próprio nome. 30

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Alguns detalhes técnicos da Ner-acar assemelham-se aos de um automóvel, como o chassi de aço estampado e o sistema de direção e suspensão dianteira de braço oscilante. Esse sistema era – e ainda é – muito bem sacado, a exemplo da icônica Yamaha GTS 1000 que aplicou o mesmo princípio, muito tempo depois. E não se trata de um protótipo, ou uma motocicleta de pequena produção, já que foram fabricadas cerca de 10 mil delas, nos Estados Unidos e na Inglaterra, entre 1921 e 1927.


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As mulheres eram um dos grupos de usuários que a Ner-a-car pretendia conquistar com seu produto

As primeiras Ner-a-car tinham selim para o condutor. Depois surgiu uma versão com banco e para-brisa Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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ner-a-car

As últimas versões produzidas tinham banco similar ao de um automóvel, para-brisa e painel de instrumentos

Esta Ner-a-car foi fotografada no Museu Peterson, de Los Angeles 32

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ner-a-car

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A estrutura era bastante simples, apenas uma longarina unindo o motor e os dois eixos

Alguns detalhes do projeto, como a posição sentada do piloto e o baixo centro de gravidade, conferiam ao Ner-a-car conforto e estabilidade. Outra característica do veículo era ser uma alternativa barata aos automóveis, sem alguns dos inconvenientes de uma motocicleta comum, como estar sujeito à poeira da estrada e ao vazamento de óleo nas partes mecânicas. Dessa forma, com os usuários podendo circular com o Ner-a-car com as mesmas roupas utilizadas no dia a dia de

trabalho, por exemplo, houve um grande interesse das mulheres. Até mesmo as campanhas publicitárias do Ner-a-car aproveitaram esse fato para divulgar o novo produto. Nos Estados Unidos, o Ner-A-Car era oferecido em três versões, o Tipo A, com assentos individuais, um farol e uma lanterna traseira, o Tipo B, com dois assentos e dois faróis, e uma versão comercial, o Tipo CB, com um par de faróis, um par de freios a tambor na roda traseira e uma caixa de aço para transporte. l Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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A nova geração A Yamaha YDS-5 puxou a onda das motos modernas

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Yamaha existe há muito tempo, desde 1888 fabricando instrumentos musicais, mas a primeira motocicleta foi produzida apenas em 1955. Era uma cópia da alemã DKW RT 125, que também inspirou a inglesa BSA Bantan e a Maserati L/T2. Ok, estavam apenas começando na arte das motocicletas. O bacana é que a motocicleta que viria na sequência, a YD1 de 1956, já era uma autêntica Yamaha, dotada de um excelente motor bicilíndrico dois tempos. Mais um ano, apenas para a chegada da YDS1, a motocicleta que iniciava a saga YDS, vitoriosa nas pistas e elogiada nas ruas. A série culminou na YDS-5 de 1967, que ganhou um novo motor bicilíndrico 34

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dois tempos, lubrificação automática e sistema elétrico de 12 volts, para alimentar a partida elétrica, também uma grande novidade na família. Foi justamente essa motocicleta que deu origem aos consagrados motores de dois cilindros da linha RD 350. A Yamaha YDS-5 ainda mantinha o visual arredondado que marcou os anos 60, com as laterais do tanque cromadas e com apliques de borracha para os joelhos, mas as versões para competição não tinham nada de careta. Eram elas a TD, a TR e, posteriormente, a famosa TZ 350. A protagonista desta história, no entanto, é a Yamaha YDS-5, a vermelhinha aí em cima, responsável pela minha paixão pelas japonesas.


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Essa Yamaha YDS-5 eu fotografei no Museu da Yamaha, na cidade de Iwata, região de Hammamatsu, sul de Tóquio

A nossa Yamaha YDS-5 em uma produção fotográfica totalmente inconsequente, o que era comum nos anos 60 Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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yamaha yds-5

Como já contei em várias outras ocasiões, eu descobri as motocicletas em meados dos anos 60, quando meu pai voltou a ter algumas em casa. Várias. As primeiras ainda eram as européias, como BMW, Jawa, HRD Vincent, Zündapp e Ducati, mas ele também descobriu as japonesas nessa época. E a Yamaha YDS-5 vermelha 1967 foi a primeira dessa nova fase. A Yamaha YDS-5 tinha até nome, Mônica, e era uma das motos que eu roubava para dar umas voltinhas, quando consegui alcançar um pé no chão. No quintal de casa, a Mônica e o Fumacinha, nosso Fórmula Vê. Ainda criança, e com amigos da rua da mesma idade, sábado era o dia de fazer fila e, um por vez, ir dar uma voltinha na garupa da Mônica. Ou no cockpit do Fumacinha.

Com a Mônica e o Fumacinha, no quintal de casa

Sei que um dia levaram a Mônica para uma produção fotográfica, e o resultado foi assustador. Modelos semi-nus, na praia, posando com a motocicleta na água salgada do mar.

Essa era a nossa Yamaha YDS-5, a Mônica. O guidão mais alto era um modismo da época 36

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yamaha yds-5

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A Yamaha YDS-5 foi realmente marcante. Motorzinho 250 suave ao extremo, tinha o único relógio de painel na carcaça do farol. E era uma obra de arte, um velocímetro tipo meia-lua ocupando metade do círculo e um conta-giros menor. A Yamaha YDS-5 também foi famosa na telinha, apesar de quase ninguém a reconhecer, devido ao disfarce. É que ela é a motocicleta da Batgirl, do seriado Batman da televisão, nos anos 60. O Batman também tinha uma, mas a dele era uma YDS-3 Catalina de 1966. l

A Yamaha YDS-5 da Batgirl, do seriado da televisão. Irreconhecível Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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Macchina italiana A Ducati fez bonito até os anos 60

O grande conta-giros Veglia, acionado por cabo, era a marca registrada das “macchinas” da Ducati

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marca italiana Ducati tem, atualmente, ardorosos fãs, devido à agressividade que suas “macchinas” não têm como esconder ou mesmo amenizar. Isso em termos de desempenho, de tecnologia e, até, de marketing. Só que nem todos esses jovens “ducatisti” conhecem as origens de sua marca preferida, já que, mesmo com o seu atual sucesso, um hiato o separou de seu glorioso passado. O primeiro produto da Ducati Meccanica SpA foi a pequena Cucciolo de 50 cm3, que era, na 38

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verdade, uma bicicleta motorizada. As motocicletas seguintes foram aumentando gradativamente para 100, 125, 175 e 250 cm3, chegando à cilindrada de 350 cm3 no início dos anos 60. Em 1962, surgiu a Ducati Diana 250 Mach 1, uma motocicleta de passeio mas com uma inegável dose de esportividade. Ficou conhecida, com algumas variações, como Ducati Diana, simplesmente, Ducati Diana Mach 1, Ducati Mark 3 e Ducati Super Sport, estas para o mercado norte-americano.


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A Ducati 250 Mach 1 era uma das versões da motocicleta

Foi no Salão de Colônia, na Alemanha, em setembro de 1967, que a Ducati mostrou pela primeira vez o novo motor monocilíndrico de 435,7 cm3, incorporado à família Mark 3. Assim, as Ducati 250, 350 e 450 ficaram visualmente idênticas, apenas com a diferença nos motores e, logicamente, nos desempenhos. A Ducati 450 foi a motocicleta que permitiu a Fabio Taglioni a realização de seu sonho, que era incorporar o sistema desmodrômico em seus modelos de série, o que aconteceu em 1969. É claro que a Ducati 450 é o modelo mais cobiçado da família, mas, devido aos desempenhos muito parecidos desta com a 350 (que tinha, entre outras coisas, carburador de menor fluxo e taxa de compressão mais baixa), muitos preferiam a menor, que era mais leve e mais ágil, e também tinha a opção do comando de válvulas desmodrômico. Com freios precários em toda a gama, a 350 era

também a mais segura. A Ducati 250 era considerada um tanto fraca e a 450 vibrava demais. Nos anos 50 e 60, o nome Ducati era muito respeitado nas pistas, principalmente na categoria 125. Em 1957, a Ducati forneceu uma motocicleta a Mike Hailwood, com a qual ele venceu seu primeiro GP, e, em 1959, se retirou das pistas, mas fornecendo motores desmo para Hailwood até 1961. A Ducati voltou a competir em 1966, com Roberto Gallina, e ficou nas pistas até 1970.

Na Mark 3 o tanque de combustível tinha dois bocais Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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ducati 250

Expedito Marazzi estreando como piloto de motos com uma Ducati nas Duas Horas de Ribeirão Preto, em 1969

No Brasil, as corridas de motocicletas eram dominadas pelas marcas europeias nos anos 60 e a Ducati fazia bonito nas categoria em que participava. Uma experiência memorável para mim foi a corrida “Duas Horas de Velocidade”, em um circuito de rua de Ribeirão Preto, em 1969. Meu pai, Expedito Marazzi, tinha uma Ducati 250 Mach 1 e uma Ducati 250 Mark 3, com as quais ele revezava nas provas e também me levava em passeios pela Cidade Universitária, que naquela época ainda era praticamente deserta. Uma verdadeira pista de corrida. Suas Ducati tinham escapes tipo “megáfono”, de saída direta, e não tinham pedaleiras para o garupa. Nas curvas, eu ia arrastando os pés no asfalto. 40

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Com nove anos de idade, fui a Ribeirão Preto para vê-lo correr. As motocicletas japonesas já estavam bem representadas por aqui, principalmente as Yamaha TD dos Carmona, mas quem dava o espetáculo era o Latorre com sua Ducati 350 Desmo e as motocicletas inglesas. Nessa corrida de rua, lembro que todas as japonesas quebraram ou caíram e as duas Ducati cruzaram a linha de chegada nas primeiras posições: vitória de Luiz Latorre e Expedito Marazzi em segundo. Fiquei muito orgulhoso naquele dia. A característica mais marcante de todas as Ducati monocilíndricas é o tamanho. Com porte de uma 125 atual e com peso de apenas 116 kg, é fácil imaginar que, qualquer que seja a versão, é uma motocicleta rápida e


ducati 250

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A Ducati Mark 3 com quadro e acabamentos pretos era a versão “lusso”. A standard tinha quadro vermelho

Na Ducati Mark 3, o pedal do câmbio fica na esquerda

extremamente e ágil, principalmente para os padrões da época. A posição do piloto, com o guidão do tipo tomazeli original (dois semiguidões presos diretamente às bengalas, extremamente baixos), favorece a pilotagem esportiva. Como quase todas as motocicletas européias até os anos 60, o pedal do câmbio ficava do lado direito, trocado com o pedal do freio, que ficava do lado esquerdo. Uma deficiência das Ducati era o sistema elétrico de 6 volts, que mal alimentava o farol principal. Os comandos elétricos, com chaves no corpo do farol, também não eram nada cômodos de serem manuseados. E nada para o garupa: nem um banco decente nem pedaleiras. Era uma motocicleta para uso individual. l Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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Celebridades Motocicletas sempre foram excelentes vitrines...

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ais do que nunca, as pessoas, nos dias atuais, buscam seus 15 minutos de fama. Claro, querendo sempre que esse tempo se perpetue. Esse, no entanto, não é um privilégio das redes sociais que, em um piscar de olhos, catapultam uma pessoa comum ao nível de celebridade. Muito antes disso, a motocicleta ajudou a fortalecer a imagem de algumas pessoas e, mesmo aquelas já consideradas celebridades, a usaram para aparecer 42 Janeiro 2022 Cultura do Automóvel

em público. Pilotando ou não. O nem sempre bonachão Hoss certamente não pilotava motocicletas no seriado Bonanza, de 1959, que retratava o velho oeste exatamente cem anos antes, mas Dan Blocker não deixou passar a oportunidade de circular com uma mini bike pelos estúdios. Provavelmente um golpe de publicidade, já que o nome dessa mini bike de 1969 era Bonanza. Na mesma época, a Yamaha tinha uma Bonanza de 180 cm3 no line up.


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David Letterman, o famoso apresentador de TV, fugindo da multidão em uma Harley customizada

Charles Bronson, com o filho e sua mini bike

As celebridades mais adeptas às grandes motocicletas, volta e meia figuravam na mídia com suas posses, como o apresentador de talk show David Letterman e sua reluzente Harley-Davidson ricamente customizada. Seria, por acaso, uma forma de divulgar o trabalho de alguma outra celebridade da TV que finge customizar motos? Já os menos chegados à pilotagem de grande desempenho, no entanto, preferiam as mini bikes, geralmente para sua diversão pessoal, diversão essa que acabava sendo divulgada pelos paparazzi de plantão. Bom para a imagem dos retratados e bom para as finanças dos fotógrafos, mas melhor ainda para os negócios dos vendedores de mini bikes. Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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celebridades

John Wayne trocou o cavalo pela mini bike e Hervé Villechaize, o Tatto da Ilha da Fantasia, vai de Honda ST 70

Mickey Dolenz, de Os Monkees, com uma Honda Monkey e Ryan O’Neal com uma Bonanza 44 Janeiro 2022 Cultura do Automóvel


celebridades

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John Lennon rodava em uma Honda Monkey e Paul Newman preferia uma mini bike esportiva

Robert De Niro e seu filho em uma Velosolex

Nesta página vemos alguns dos mais famosos astros do cinema e da música brincando com mini bikes. A mais conhecida delas era a Honda Monkey, um tanto esquecida por algumas décadas, mas voltando à fama agora que as motocicletas clássicas estão na moda. A Honda ST 70 também se popularizou, principalmente por ser facilmente transportada, mas muitas outras surgiram, como a própria Bonanza, o modelo escolhido para que Ryan O’Neal também desfilasse pelos bastidores dos estúdios de cinema. Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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celebridades

Outra febre, em uma época anterior às mini bikes, foi a das motonetas, ainda não conhecidas pelo termo atual, scooter. Após a Segunda Guerra, a Europa estava em ruínas e alguns países, como Alemanha e Itália, passaram a produzir veículos pequenos e baratos para a locomoção das pessoas. As motonetas mais famosas foram as italianas Lambretta e Vespa. Logo as motonetas começaram a aparecer por todos os cantos, inclusive em importantes cenas do

cinema. Então era comum que astros como Charlton Heston, Antony Quinn, Henry Fonda, Angie Dickinson e Gary Cooper fossem vistos, nos estúdios ou nas ruas, pilotando uma Vespa. O filme A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, 1953) usou e abusou de uma Vespa pelas ruas de Roma, com o casal Gregory Peck e Audrey Hepburn se revezando ao guidão. Outro casal, Rock Hudson e Gina Lollobrigida, escolheu a Lambretta para seus passeios.

Gregory Peck e Audrey Hepburn, no filme A Princesa e o Plebeu, aprontando pelas ruas de Roma, com Vespa 46 Janeiro 2022 Cultura do Automóvel


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Ficaria difícil caracterizar um chimpanzé como celebridade, mas no seriado cômico Lancelot Link, de 1970, os protagonistas são macacos muito bem treinados, que dirigem carros e até pilotam mini bikes. No caso, Kawasakis Coyote de 1970. l

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Os detetives Mata Hairi e Lancelot Link

Henry Fonda de Vespa, Antony Quinn de Vespa, Angie Dickinson de Vespa

Rock Hudson e Gina Lollobrigida posam de Lambretta, Gary Cooper de Vespa, Charlton Heston de Vespa Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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Técnica inusitada U

A Killinger & Freund inovou no visual e na técnica

m dos modelos mais curiosos do mundo das motocicletas é a alemã Megola, cuja mais marcante característica é a posição do motor: dentro da roda dianteira. A Megola tinha um motor radial de cinco cilindros de quatro tempos de 640 cm3 que impulsionava a roda dianteira diretamente, sem caixa de câmbio ou embreagem. Foram 2.000 unidades produzidas de 1921 a 1925. Uma década depois, um grupo de cinco engenheiros alemães projetou uma versão simplificada da Megola, que acabou não se concretizando, devido ao início da Segunda Guerra. A motocicleta Killinger & Freund foi uma grande evolução em relação à Megola, mesmo com o motor

também instalado na roda dianteira. Era um motor dois tempos de três cilindros com cilindrada de 600 cm3, mas com câmbio de duas marchas, embreagem e suspensões mais próximas das convencionais, o que lhe atribuía conforto de manuseio. Era mais leve, também, mais fácil de ser pilotada e com melhor estabilidade do que o modelo da qual derivou. O destaque, no entanto, era o projeto visual, com linhas fluidas e simplificadas no estilo Art Decô, que a tornariam uma motocicleta muito especial, mesmo décadas depois. A Killinger & Freund nunca passou de um protótipo, que foi encontrado após o fim do conflito e vendido aos Estados Unidos como sucata. l

Com o motor instalado dentro da roda dianteira, o resto da motocicleta era só inspiração artística 48

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O protótipo da Killinger & Freund, modelo que não teve produção devido ao início da Segunda Guerra

Mesmo para os dias atuais, a Killinger & Freund é uma bela motocicleta, criada sob o estilo Art Decô Cultura do Automóvel Janeiro 2022

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killinger & Freund

Acima, a motocicleta Megola original, de 1922, com seu motor de cinco cilindros de quatro tempos. Ao lado detalhes do motor de três cilindros dois tempos da Killinger & Freund, de 1935

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