Territorialidades em confronto: o caso da expansĂŁo do Aeroporto de Viracopos na cidade de Campinas/SP Thiago Aparecido Trindade
Orientador: Prof. Dr. Eliseu SavĂŠrio Sposito
Presidente Prudente 2006
Territorialidades em confronto: o caso da expansão do Aeroporto de Viracopos na cidade de Campinas/SP
Monografia apresentada ao Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Tecnologia – Campus de Presidente Prudente, para obtenção do título de Bacharel em Geografia.
Orientando: Thiago Aparecido Trindade Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito
Presidente Prudente 2006 2
Agradecimentos Agradeço inicialmente ao meu orientador, professor Eliseu, que desde o ano de 2002 vem contribuindo com minha formação acadêmica e me incentivando a continuar o trabalho como pesquisador na Universidade Pública. Ao professor Everaldo, que desempenhou um papel importante no desenvolvimento deste trabalho como Co-orientador, e contribuiu imensamente com o debate em torno do tema, sobretudo no que se refere à dimensão política do objeto de estudo (dimensão que foi priorizada por mim no desenvolvimento desta pesquisa, sem ficar me questionando se o que eu estava fazendo era Geografia). À FAPESP, pelo financiamento concedido. Aos bons professores que tive, porque me mostraram como um bom profissional deve ser: sério, responsável, e acima de tudo comprometido com a coisa pública. Aos maus professores que tive, porque também me deram um grande exemplo: um exemplo de como eu não devo ser e agir profissionalmente. Agradeço à Juliana, minha namorada, pelo carinho e pela companhia. Sem dúvida, uma das pessoas mais capazes, inteligentes e determinadas que eu já conheci na minha vida. A lista de pessoas que eu gostaria de agradecer é muito grande. Graças a Deus, fiz muitos amigos ao longo desses 5 anos de faculdade, pessoas que realmente foram importantes para mim, tanto no que se refere à formação acadêmica como no que se refere à formação pessoal, à formação do caráter. Como os nomes são muitos, vou evitar citá-los para que eu não cometa nenhuma injustiça deixando alguém de fora. Além do mais, as pessoas que foram importantes para mim e fizeram diferença na minha vida sabem disso, pois a convivência do dia-a-dia, as palavras proferidas e os bons e maus momentos vividos falam por si. No entanto, não quero cometer a maior das injustiças: não agradecer aos meus pais. Meus pais, pessoas de origem humilde que tiveram que lutar para conseguir tudo que têm hoje, que fizeram todo o possível para que eu chegasse até aqui, e que me ensinaram as coisas mais importantes da vida: caráter, respeito ao próximo e a importância de lutar por uma sociedade mais justa, seja através de nossas atitudes cotidianas, no âmbito da nossa vida pessoal, seja através de nossa atuação como profissional. A vocês dois, eu dedico este trabalho, pois vocês são meus maiores
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modelos de comportamento, ĂŠtica, coragem e dignidade. Espero que um dia eu possa retribuir tudo o que fizeram por mim.
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Resumo O objetivo deste trabalho foi analisar os conflitos entre as diferentes instâncias do poder público em suas três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal), como entre estas e os moradores dos arredores do Aeroporto Internacional de Viracopos, localizado na zona sudoeste do Município de Campinas. A área localizada no entorno do aeroporto seria desapropriada para a construção de uma segunda pista de pousos e decolagens, necessidade decorrente especialmente do dinamismo de Viracopos no setor cargueiro. A referida área, que seria alvo de desapropriação, caracteriza-se como a mais pobre do Município de Campinas, abrigando uma população de baixa renda e apresentando uma grande carência no que se refere à existência de infra-estrutura e equipamentos coletivos. Os moradores, sobretudo aqueles residentes no Jardim Campo Belo I e II, organizados em torno de associações de bairro, ofereceram resistência ao projeto de remoção do poder público, afirmando sua posição contrária à saída do local e reivindicando do poder público municipal investimentos nos bairros. O projeto de ampliação do aeroporto sofreu uma alteração no início do ano de 2006, e os conflitos entre as diferentes instâncias do poder público envolvidas na questão ganharam uma dimensão muito maior do que o conflito entre moradores e poder público. Para a realização desta pesquisa, nos utilizamos dos seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa bibliográfica, levantamento e análise de material jornalístico, trabalho de Campo no Jardim Campo Belo I, entrevistas com lideranças dos bairros e com lideranças políticas envolvidas na expansão do aeroporto, e análise dos indicadores socioeconômicos do IBGE. Palavras-chave: Aeroporto de Viracopos; Poder Público; Espaço Urbano; Bairros; Territorialidades.
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Sumário Lista de mapas............................................................................................................
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Lista de figuras..........................................................................................................
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Lista de fotos..............................................................................................................
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Lista de gráficos.........................................................................................................
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Lista de quadros.........................................................................................................
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Introdução................................................................................................................... 9 1. Globalização e uso do território: a expansão de Viracopos............................... 13 1.1 Alguns dados sobre Viracopos............................................................................ 16 2. Caracterização da área de estudo........................................................................
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2.1 Análise dos indicadores....................................................................................... 29 3. Considerações sobre os movimentos sociais urbanos......................................... 40 4. Global x Local: a resistência dos moradores....................................................... 45 4.1 Campo Belo I e II: os grandes focos de resistência........................................... 51 5. A expansão de Viracopos e os conflitos entre as esferas de poder.................... 54 5.1 A reviravolta no processo de ampliação do aeroporto..................................... 57 5.2 Os motivos da mudança nos planos de expansão de Viracopos...................... 63 6. A ação civil e os interesses na remoção das famílias........................................... 74 6.1 O julgamento da ação e os embates no âmbito do judiciário..........................
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6.2 O início das obras................................................................................................. 86 7. Considerações finais.............................................................................................. 91 8. Referências bibliográficas..................................................................................... 94 9. Apêndices................................................................................................................ 96
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Lista de mapas Mapa 1 Delimitação territorial das macrozonas do Município de Campinas – Plano Diretor antigo.................................................................................................. 21 Mapa 2 Localização da área de estudo e do Jardim Campo Belo I no Município de Campinas............................................................................................
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Mapa 3 Campinas/SP - Setores censitários analisados..........................................
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Lista de figuras Figura 1 Visualização do Aeroporto Internacional de Viracopos e do Jardim Campo Belo I no Município de Campinas............................................................... 25 Lista de fotos Foto 1 Casa de alvenaria inacabada no Jardim Campo Belo I............................. 26 Foto 2 Casa de madeira (barraco) no Jardim Campo Belo I................................
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Foto 3 Lote vazio no Jardim Campo Belo I............................................................. 27 Foto 4 Rua em péssimo estado de conservação no Jardim Campo Belo I............ 28 Foto 5 Ligações clandestinas de energia elétrica no Jardim Campo Belo I......... 28 Foto 6 Placa de anúncio de obras nos bairros do entorno de Viracopos.............. 88 Foto 7 Placa de anúncio de obras nos bairros do entorno de Viracopos.............. 88 Foto 8 Novos pontos de iluminação pública no Jardim Campo Belo I................. 89
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Lista de gráficos Gráfico 1 Pessoas responsáveis por domicílios com renda de meio até um salário mínimo, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP 31 Gráfico 2 Pessoas responsáveis por domicílios com renda superior a 20 salários mínimos, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP................................................................................................................................. 32 Gráfico 3: Pessoas responsáveis por domicílios sem instrução e menos de 1 ano de estudo , de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP......... 33 Gráfico 4: Pessoas responsáveis por domicílios com 17 anos ou mais de estudo, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP............................ 34 Gráfico 5: Domicílios com esgotamento sanitário - fossa rudimentar, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP................................. 35 Gráfico 6: Domicílios com destino do lixo - coletado por serviço de limpeza, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP................................. 36 Gráfico 7: Abastecimento de água - rede geral, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP................................................................................. 37 Gráfico 8: Abastecimento de água – outra forma, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP........................................................... 38
Lista de quadros Quadro 1 Movimento Operacional do Aeroporto Internacional de Viracopos... 16 Quadro 2 Movimento Operacional do Aeroporto de Cumbica............................. 16 Quadro 3 Relação de loteamentos que seriam atingidos pela expansão de Viracopos.................................................................................................................... 22
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Introdução Esta monografia de bacharelado é resultado da pesquisa de iniciação científica desenvolvida junto ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP de Presidente Prudente, sob a orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito, coordenador do GAsPERR1, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A pesquisa foi realizada entre outubro de 2005 e setembro de 2006, sendo que foram desenvolvidos dois relatórios ao longo desse período. O relatório parcial foi concluído e entregue à FAPESP em março, e o relatório final foi entregue em setembro. O objetivo principal deste trabalho de iniciação científica foi analisar os conflitos entre as diferentes instâncias do poder público em suas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) como entre estas e os moradores do entorno do Aeroporto Internacional de Viracopos, localizado na zona sudoeste do Município de Campinas. O fator propulsor dos conflitos foi o projeto de ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos, que vem sendo discutido desde o ano de 1979, quando o governo do Estado de São Paulo emitiu o primeiro decreto de desapropriação. Na área que estava prevista para ser desapropriada, atualmente vivem mais de 16 mil pessoas de acordo com números oficiais, mas as lideranças dos moradores afirmam que existem mais de 40 mil habitantes no local, em um conjunto de cerca de 17 bairros. A referida área, considerada a mais pobre do Município de Campinas, caracteriza-se pela ocupação rarefeita, de baixo padrão habitacional e população de baixa renda, além de uma carência significativa de infra-estrutura provedora de serviços, como saneamento básico e energia elétrica. Torna-se um agravante desta situação o fato de que essa população está distante 14 quilômetros do centro principal de Campinas. A partir do ano de 2001, as discussões referentes à ampliação de Viracopos ganharam novo fôlego e passaram a fazer parte definitivamente da agenda do poder público municipal. Isso aconteceu porque o prefeito que tomou posse em 2001, Antônio da Costa Santos, do Partido dos Trabalhadores, tinha como uma das prioridades de sua gestão agilizar a ampliação do aeroporto.
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Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais
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No entanto, os moradores dos bairros localizados nos arredores, que eram alvos do decreto desapropriatório, eram contrários ao projeto de remoção apresentado pelo poder público. Os moradores, sobretudo aqueles residentes no Jardim Campo Belo I e no Jardim Campo Belo II, chegaram a realizar manifestações em algumas ocasiões, afirmando sua posição contrária à saída do local e exigindo do poder público investimentos em infra-estrutura e equipamentos coletivos nos bairros. No entanto, os conflitos não se restringiam apenas ao enfrentamento entre poder público e moradores: havia sérias divergências entre as esferas de poder envolvidas na questão. Ao longo de todo o processo, os conflitos e divergências entre a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (esfera federal), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (esfera estadual) e a Prefeitura de Campinas (esfera municipal) foram se tornando cada vez mais evidentes e importantes. O interessante é observar que os conflitos que envolviam as três esferas de poder eram redesenhados a partir da correlação de forças estabelecidas. Em um primeiro momento, Infraero e governo do Estado atuavam de modo convergente, entrando em atrito com a prefeitura de Campinas. Em um segundo momento, com as eleições presidenciais de 2003, Infraero e prefeitura de Campinas passam a atuar de forma coordenada, sobretudo a partir das eleições municipais de 2005, submetendo o governo do Estado a um isolamento nas discussões referentes à ampliação de Viracopos. Com o assassinato do prefeito Antônio da Costa Santos, em setembro de 2001, a vice-prefeita de Campinas, Izalene Tiene, também do PT, assume a prefeitura e até o final de sua gestão não consegue dar uma solução definitiva para a questão de Viracopos. Os maiores problemas giravam em torno da questão dos moradores: como e para onde remover uma população tão grande? Além disso, muitos moradores eram contrários à remoção. Em 2005, assume a prefeitura de Campinas Hélio de Oliveira Santos, do Partido Democrático Trabalhista. Logo que assumiu, o prefeito já dava sinais de que queria encontrar uma solução rápida para o problema de Viracopos. No início de 2006, surpreendendo a todos, o prefeito anuncia uma mudança nos planos de expansão do aeroporto. As obras seriam direcionadas para o sentido oposto do inicialmente previsto, e com isso iriam atingir uma área rural. Os moradores permaneceriam nos bairros onde estavam, e além disso o prefeito anunciou um pacote de investimentos de quase 100 milhões de reais nos bairros 10
que estavam ameaçados de desapropriação. Com isso, o prefeito Hélio atendia praticamente a todas as reivindicações dos moradores, que nortearam a resistência destes ao longo de todos esses anos. Ao longo deste trabalho, procuramos entender os principais aspectos deste conflito a partir de 2001, quando a expansão de Viracopos voltou a ser discutida com ênfase. Os procedimentos metodológicos utilizados para a realização desta pesquisa foram: a) pesquisa bibliográfica; b) levantamento e análise de material jornalístico, de 2001 até os dias atuais; c) análise dos indicadores socioeconômicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; d) trabalho de campo no Jardim Campo Belo I, principal bairro dentre aqueles que estavam ameaçados de desapropriação; e) entrevistas como lideranças dos moradores e com lideranças políticas e pessoas envolvidas no projeto de expansão do aeroporto. Foram realizadas entrevistas com Edson Santana, presidente da associação de moradores do Jardim Campo Belo I, Justino, primeiro tesoureiro da associação de moradores do Jardim Campo Belo I, Vereadora Leonice da Paz, presidente da comissão da Câmara Municipal criada para resolver o impasse
envolvendo a expansão de
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Viracopos, José Clóvis Moreira , Superintendente da Infraero para Viracopos e com o promotor público José Roberto Albejante. No capítulo 1, apresentamos uma breve discussão sobre a globalização e o uso do território, mostrando o significado da expansão de Viracopos, fazendo ainda uma descrição do projeto de ampliação. No capítulo 2, realizamos uma caracterização da área de estudo e também fazemos a análise de indicadores socioeconômicos do IBGE da área de estudo e de uma área ao norte do Município de Campinas, onde está situado o Distrito de Barão Geraldo, a fim de estabelecer uma análise comparativa. No capítulo 3, realizamos uma breve discussão teórica sobre os movimentos sociais urbanos, mostrando qual a relação que essa discussão possui com o nosso objeto de pesquisa. No capítulo 4, discutimos as causas da resistência dos moradores frente ao projeto oficial do poder público, que previa a remoção dos mesmos. No capítulo 5, explicamos de maneira mais aprofundada os conflitos que envolveram as três esferas de poder no que se refere às discussões em torno da ampliação do aeroporto.
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A entrevista com Clóvis Moreira não se encontra transcrita nesta monografia porque ela foi concedida por telefone, o que dificulta muito sua transcrição precisa. As demais entrevistas se encontram transcritas nos apêndices.
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No capítulo 6, fazemos uma análise sobre um tema que assumiu uma dimensão importante nos últimos meses na realidade estudada: a ação civil movida pelo Ministério Público para impedir a prefeitura de investir nos bairros. Por fim, no último capítulo, apresentamos nossas considerações finais a respeito dessa pesquisa.
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1. Globalização e uso do território: a expansão de Viracopos A globalização da economia, característica do período histórico atual, provoca uma série de impactos na estruturação interna das cidades, especialmente nas grandes, justamente pela importância que estas possuem no conjunto de relações que orientam o sistema econômico e político de um país. Com isso, podemos afirmar que as cidades que se constituem em alvo preferencial das grandes empresas tendem a sofrer transformações bastante significativas na configuração de seu território, com a finalidade de atender aos interesses dos chamados atores hegemônicos da economia, articulados em escala global. O projeto de expansão do Aeroporto Internacional de Viracopos em Campinas, cidade mais importante do interior do Estado de São Paulo do ponto de vista econômico, faz parte do processo descrito acima. Assim que as obras estiverem concluídas, Viracopos deve se tornar o maior terminal cargueiro da América Latina. É evidente que uma obra desse porte provoca mudanças significativas na configuração do território urbano, mudanças essas que atendem a interesses de atores específicos, e pelo menos diretamente não beneficiam amplos setores da sociedade. Santos e Silveira (2001) afirmam que, com a globalização, o “(...) território ganha novos conteúdos e impõe novos comportamentos, graças às enormes possibilidades da produção e, sobretudo, da circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens” (p. 52-53). Com isso, abrem-se novas possibilidades de uso do território para as grandes corporações, que são os chamados atores hegemônicos do mundo globalizado. Ao mesmo tempo, essas grandes corporações exigem e procedem a alterações nos usos do território, adequando-o às suas novas e mais imediatas necessidades. De acordo com Santos e Silveira (2001), “o uso do território pode ser definido pela implantação de infra-estrutura, (...) mas também pelo dinamismo da economia e da sociedade” (p. 21). Em um contexto mais específico, podemos entender a questão do uso do território a partir da explicação de Santos (1994) sobre o que seria a economia política da urbanização, de um lado, e o que seria a economia política da cidade, do outro. O autor afirma o seguinte: Uma coisa é a economia política da urbanização, que levaria em conta uma divisão social do trabalho, que dá, com a divisão territorial do
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trabalho, a repartição dos instrumentos de trabalho, do emprego e dos homens na superfície de um país. A economia política da cidade seria outra coisa diferente, porque seria a forma como a cidade, ela própria, se organiza, em face da produção e como os diversos atores da vida urbana encontram seu lugar, em cada momento, dentro da cidade (SANTOS, 1994, p. 118).
A partir dessa idéia, pode-se dizer que o projeto de ampliação do Aeroporto de Viracopos faz parte do processo denominado por Santos como economia política da cidade. O mesmo autor, referindo-se à produção do espaço necessário à reprodução dos grandes capitais no meio urbano, na fase do capital monopolista, afirma que “(...) é preciso dotar as cidades de infra-estruturas custosas, indispensáveis ao processo produtivo e à circulação interna dos agentes e dos produtos” (1993, p.102). Portanto, apenas com a criação de determinadas condições materiais o capital se reproduzirá em larga escala, possibilitando dessa maneira a reprodução do sistema. No que se refere à ampliação do aeroporto de Viracopos, a construção de uma segunda pista de pouso e decolagem, como prevê o projeto de expansão, é fundamental para que as empresas voltadas para o mercado externo e atuantes na região continuem a usufruir das vantagens proporcionadas pelo aeroporto, especialmente no que concerne à velocidade na circulação de seus produtos, já que este é um dos principais fatores que determinam a capacidade de uma empresa de concorrer com as demais no mercado global. Sobre a articulação da economia nacional com o mercado externo, Santos e Silveira afirmam o seguinte: O peso do mercado externo na vida econômica do país acaba por orientar uma boa parcela dos recursos coletivos para a criação de infraestruturas, serviços e formas de organização do trabalho voltados para o comércio exterior, uma atividade ritmada pelo imperativo da competitividade e localizada nos pontos mais aptos para desenvolver essas funções (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.21-22).
O município de Campinas e, mais especificamente, o Aeroporto de Viracopos, podem ser considerados territórios aptos para desenvolver as funções que o autor se refere. Quanto maior a importância de uma cidade no âmbito nacional, mais propícia ela está a sofrer reorganizações na sua configuração territorial. As grandes cidades são, potencialmente, territórios de interesse dos atores hegemônicos.
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Na etapa atual da globalização e, em países periféricos como o Brasil, esta reorganização territorial é voltada para atender a lógica do mercado externo e, geralmente, não corresponde aos interesses da maioria da população do país. Com base nisso, Santos e Silveira observam que: De modo geral, e como resultado da globalização da economia, o espaço nacional é organizado para servir às grandes empresas hegemônicas e paga por isso um preço, tornando-se fragmentado, incoerente, anárquico para todos os demais atores (2001, p. 258).
Conforme uma reportagem da imprensa local3 (EPTV – Emissora Paulista de Televisão), divulgada em março de 2003, o então presidente da Infraero, Carlos Wilson Campos, afirmou que o aeroporto de Viracopos será, em breve, o principal aeroporto de São Paulo. De acordo com a reportagem, Campos afirma que os aeroportos da capital não têm mais para onde crescer e estarão saturados no curto prazo. De acordo com as informações disponíveis no site4 da Infraero, é possível fazer uma breve descrição do projeto de ampliação do aeroporto. O projeto de expansão de Viracopos visa transformar o terminal aéreo campineiro no maior terminal de cargas da América Latina. As obras que estão previstas no Plano Diretor de Viracopos têm como objetivo, em longo prazo, atender a uma demanda de 55 milhões de passageiros por ano e um total de 470 mil operações de pouso e decolagem. Essa meta seria atingida a partir da construção da segunda pista. Os terminais de logística terão capacidade de processar até 720 mil toneladas por ano. Na primeira fase de implantação do Plano Diretor, que compreende o período que vai de 1995 até 2002, a infraero investiu cerca de R$ 87 milhões em obras de readequação e modernização do aeroporto. Vale lembrar que todas essas obras foram realizadas dentro do atual sítio aeroportuário. Para a próxima etapa, no período que vai de 2003 a 2007, a Infraero pretende investir R$ 201 milhões em novas obras, além de disponibilizar R$58 milhões para o processo de desapropriação. Segundo a Infraero, um dos principais objetivos dessa infra-estrutura que será construída é desconcentrar o tráfego aéreo, atualmente concentrado nos Aeroportos de Congonhas (São Paulo) e Cumbica (Guarulhos). Essas obras deverão possibilitar às empresas aéreas ampliarem suas rotas a partir do Aeroporto de Viracopos. 3 4
Disponível em www.eptv.com Disponível em www.infraero.gov.br
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1.1 Alguns dados sobre Viracopos No site da Infraero, há algumas informações disponíveis a respeito do movimento operacional do Aeroporto de Viracopos. Consideramos relevante expor esses dados e compará-los com os dados de outro grande aeroporto, o de Cumbica, na cidade de Guarulhos, para que dessa forma possamos ter uma idéia mais concreta da importância do aeroporto campineiro. Pelo menos em um primeiro momento, quando comparamos os dados de Viracopos com Cumbica, percebemos que o aeroporto de Campinas ainda está muito atrás no que se refere ao movimento operacional. Através dos quadros abaixo, podemos visualizar esses dados. Quadro 1 Movimento Operacional do Aeroporto Internacional de Viracopos
Aeronaves Carga Aérea Passageiros 2002
40.551
173.158.361
787.161
2003
26.997
235.895.566
654.768
2004
24.584
169.634.591
717.362
Fonte: Infraero
Quadro 2 Movimento Operacional do Aeroporto Internacional de Cumbica
Aeronaves Carga Aérea Passageiros 2002
160.451
390.084.973 11.902.990
2003
139.038
418.927.438 11.581.034
2004
149.497
435.593.673 12.940.193 Fonte: Infraero
Se tomarmos como base apenas a diferença entre o número de aeronaves, vemos que Cumbica teve um movimento cerca de 4 vezes maior que Viracopos no ano de 2002, número que foi ainda maior nos dois anos seguintes. 16
A comparação dos dados referentes aos dois aeroportos deixa claro que o Aeroporto de Viracopos, por mais importância que tenha, ainda possui um movimento bastante inferior ao Aeroporto de Cumbica. Pelo que está sendo divulgado pela imprensa, o intuito da Infraero é justamente equilibrar esses índices, fazendo com que, após a expansão, Viracopos seja capaz de absorver parte desse movimento do Aeroporto de Cumbica e também do Aeroporto da capital, o de Congonhas. É importante fazermos esse tipo de comparação, pois, se trabalharmos apenas com os dados referentes à Viracopos, não teremos uma noção mais abrangente acerca do verdadeiro papel que o aeroporto desempenha no transporte aéreo (tanto civil como comercial) do Estado de São Paulo. De qualquer forma, outros dados da Infraero, divulgados em reportagens no Jornal Correio Popular, nos permitem verificar que Viracopos vem se destacando grandemente no transporte de cargas aéreas. Segundo reportagem publicada no dia 8 de julho de 2004, no mês de junho daquele ano, o Aeroporto de Viracopos tinha ultrapassado o Aeroporto de Cumbica em 7% no volume cargas exportadas. Enquanto Viracopos havia exportado cerca de 11.890 toneladas, Cumbica exportou 11.115. Em relação a junho de 2003, o terminal campineiro teve um crescimento de 104% no volume de cargas exportadas. No mesmo ano, no mês de outubro, foi noticiado que de janeiro a agosto de 2004 Viracopos havia exportado 75.729 toneladas, valor 52% maior que o mesmo período de 2003. No que se refere às importações, o aumento havia sido de 35% em relação ao ano passado. Essa reportagem não fornece dados comparativos com outros aeroportos. De acordo com a reportagem, esse aumento no movimento foi provocado pelo bom momento que a economia nacional passava no período. Em julho de 2005, no entanto, foi noticiado que nos meses de maio e junho daquele ano o movimento de exportações sofreu uma queda. Em maio de 2005, foram exportadas 9.314 toneladas contra 11.390 toneladas no mesmo mês do ano passado. No mês de junho, foram exportadas 8.840 toneladas contra 11.880 em junho de 2004. Apesar disso, de janeiro a junho de 2005, Viracopos havia tido um crescimento de 6% nas exportações em relação ao mesmo período do ano passado. De qualquer forma, podemos concluir que mesmo que Viracopos tenha uma grande relevância para o setor de transporte aéreo no Estado de São Paulo e mesmo no Brasil, ainda falta muito para os índices do aeroporto campineiro se equipararem aos índices do Aeroporto de Cumbica. 17
Como vem sendo colocado pela Infraero, a intenção é que isso seja concretizado a longo prazo. A desconcentração do movimento operacional dos aeroportos de Cumbica e Congonhas em direção à Viracopos será um processo feito passo a passo, de maneira gradativa, e não de uma hora para outra.
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2. Caracterização da área de estudo Atualmente, o Plano Diretor do Município de Campinas está passando por um processo de reformulação. Algumas modificações importantes foram feitas, como por exemplo o macrozoneamento municipal. No Plano Diretor antigo, havia sete macrozonas delimitadas, enquanto que no atual esse número passou para nove. Optamos por trabalhar com o Plano Diretor antigo porque na época em que realizamos a pesquisa ainda era este que se encontrava em vigência. O referido Plano Diretor (Lei Complementar nº 4 de janeiro de 1996) divide o território municipal em sete macrozonas, como já foi mencionado. Os principais critérios para as definições das macrozonas foram a questão ambiental, através da identificação de áreas com restrições à ocupação urbana, e a estrutura urbana, por meio da análise das diferentes realidades do tecido urbano com relação à instalação de infraestrutura e pelas tendências de crescimento dos diferentes setores da cidade. De acordo com a definição do Plano Diretor, as macrozonas se definem e se caracterizam pelas seguintes características: • Macrozona 1: Área de Proteção Ambiental - APA; • Macrozona 2: Área com Restrição à Urbanização - ARU; • Macrozona 3: Área de Urbanização Controlada Norte – AUC-N; • Macrozona 4: Área de Urbanização Consolidada - ACON; • Macrozona 5: Área de Recuperação Urbana - AREC; • Macrozona 6: Área de Urbanização Controlada Sul – AUC-S; • Macrozona 7: Área Imprópria à Urbanização – AIU. A área de estudo localiza-se na Macrozona 7, uma área que é definida como imprópria à urbanização devido à presença de mananciais hídricos. Além dos mananciais, verifica-se também a presença de matas e cerrados, sendo que as diretrizes do Plano Diretor estabelecem uma política de preservação desses bens naturais. Na macrozona 7 destaca-se a presença do Rio Capivari Mirim, sendo que a oeste deste rio nasce o Ribeirão Viracopos. Este, por sua vez, é interceptado pela Rodovia Santos Dumont (SP 79) e atravessa o Aeroporto de Viracopos, desaguando no médio Capivari Mirim. A referida macrozona também é cortada por duas importantes rodovias paulistas. Além da Santos Dumont, que dá acesso ao Aeroporto de Viracopos, a rodovia
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Bandeirantes (SP 348) também atravessa a área. A rodovia Santos Dumont possui um entroncamento com a SP 324, rodovia que dá acesso ao Município de Vinhedo, ao Jardim Campo Belo e também à grande maioria dos bairros que estavam ameaçados de desapropriação pela expansão do aeroporto. No mapa 1 podemos visualizar a divisão dos municípios a partir da delimitação territorial das macrozonas, bem como a especificação do uso do solo em cada uma.
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Mapa 1
Do ponto de vista do uso e ocupação do solo, no que se refere à área que seria afetada pela expansão de Viracopos, a grande maioria dos imóveis existentes no local é destinada para fins residenciais. De uma maneira geral, as ocupações são de
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baixa qualidade habitacional, do tipo unifamiliar. A atividade comercial existente no local é de subsistência, constituída por bares, padarias e pequenos mercados. Na Secretaria de Habitação da Prefeitura de Campinas, conseguimos obter um documento com a relação de todos os bairros que seriam atingidos pela expansão do aeroporto, de acordo com o projeto de ampliação anterior (ver quadro abaixo). Quadro 3 Relação de loteamentos que seriam atingidos pela expansão de Viracopos Loteamento
Aprovação Nº lotes
Situação
Cidade Singer
1956
1422
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. São João
1952
265
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. Campo Belo
1953
446
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. Campo Belo
1955
986
Atingido pela expansão do aeroporto
1957
121
Atingido pela expansão do aeroporto
Vl. Palmeiras
1948
276
Parcialmente atingido pela expansão
Jd. SãoDomingos
1952
1623
Parcialmente atingido pela expansão
Jd. Marisa
1956
908
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. Itaguaçu (1ª gleba)
1955
1425
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. Itaguaçi (2ª gleba)
1956
1328
Parcialmente atingido pela expansão
Jd. Columbia
1956
391
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. São Jorge
1956
515
Parcialmente atingido pela expansão
Jd. Cid. Univ.
1956
453
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. Novo Itaguaçu
1958
1241
Parcialmente atingido pela expansão
Jd. Interland Paulista
1958
195
Atingido pela expansão do aeroporto
Vl. Congonhas
1951
63
Atingido pela expansão do aeroporto
Jd. Internacional Rural
1953
304
Atingido pela expansão do aeroporto
(2ª gleba) Jd. Campo Belo (3ª gleba)
Fonte: Secretaria de Habitação da Prefeitura de Campinas
Dos 17 loteamentos que constam na relação, apenas 5 deles seriam parcialmente atingidos com a expansão do aeroporto, ou seja, cerca de 30%. A maioria, 70%, seria completamente atingida. Neste documento estão explicitadas também as áreas de ocupação irregular. As ocupações estão concentradas nas três glebas do Jardim 22
Campo Belo, nas duas glebas do Jardim Itaguaçu, no Jardim Marisa, no Jardim Fernanda e no Jardim Palmeiras. O mapa 2 mostra a localização da área de estudo e do Jardim Campo Belo I na malha urbana de Campinas, sendo que a figura que vem a seguir mostra a localização exata do Aeroporto de Viracopos e do Jardim Campo Belo I.
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Mapa 2
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Figura 1 Visualização do Aeroporto Internacional de Viracopos e do Jardim Campo Belo I no Município de Campinas
No trabalho de campo realizado no Jardim Campo Belo I no dia 5 de fevereiro de 2006, foi possível percorrer uma boa parte do bairro para que pudéssemos conhecer de perto a realidade socioeconômica da área que se constitui como nosso objeto de estudo. O acesso ao Jardim Campo Belo se dá pela rodovia SP 324, que leva ao Município de Vinhedo. A realidade do bairro mostra um lado da Cidade de Campinas que pouca gente conhece. Uma cidade que, ao mesmo tempo em que possui centros de pesquisa e universidades de ponta, um parque industrial diversificado e centros de compras voltados para as classes de médio e alto padrão, possui também uma área completamente abandonada e esquecida pelo poder público, bem como pelo restante da sociedade.
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A situação dos bairros que estavam ameaçados de desapropriação em decorrência das obras de expansão de Viracopos é uma situação típica dos bairros periféricos das grandes cidades brasileiras, isto é, de uma enorme carência de infraestrutura e serviços básicos. Para se ter uma idéia, uma grande parte dos bairros não possui nem água encanada, sendo que o abastecimento desses locais é feito com caminhão-pipa, o que faz com que algumas pessoas se refiram àquela área como o “nordeste campineiro”. Na verdade, essas são áreas ocupadas irregularmente dentro de loteamentos regularizados. A área do Jardim Campo Belo I possui todas as características gerais dos bairros daquela região da cidade no que se refere ao padrão habitacional e ao nível de renda da população local. A grande maioria das residências são precárias do ponto de vista da construção, sendo que muitas delas são construções inacabadas (Foto 1). A maioria das casas é de alvenaria, mas há também casas de madeira, que são mais precárias ainda (Foto 2). Foto 1: casa de alvenaria inacabada no Jardim Campo Belo I
Fonte: Trabalho de Campo (05/02/06)
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Foto 2: casa de madeira (barraco) no Jardim Campo Belo I
Fonte: Trabalho de Campo (05/02/06)
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que o Jardim Campo Belo I não é um bairro completamente ocupado. Há um número significativo de lotes vazios. De acordo com Edson
Santana, presidente da associação de moradores do bairro, a
existências desses lotes vazios se deve ao fato de que os proprietários têm receio de construir no local devido à ameaça de desapropriação do bairro por causa da expansão do aeroporto (Foto 3). Foto 3: lote vazio no Jardim Campo Belo I
Fonte: Trabalho de Campo (05/02/06)
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O estado de conservação das ruas do bairro é bastante precário. A foto 4 mostra a situação de abandono e descaso das autoridades para com a população do bairro. O lixo acumulado nas ruas traz uma série de problemas para a população local, principalmente por ser um vetor de transmissão de doenças. Além disso, segundo os moradores do bairro, a poeira das ruas provoca enormes problemas respiratórios nas crianças. Outra evidência desse abandono a que o bairro está submetido são as ligações clandestinas de energia elétrica, através dos famosos “gatos” (Foto 5). Foto 4: rua em péssimo estado de conservação no Jardim Campo Belo I
Fonte: Trabalho de Campo (05/02/06)
Foto 5: ligações clandestinas de energia elétrica no Jardim Campo Belo I
Fonte: Trabalho de Campo (05/02/06)
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No tópico seguinte, realizamos uma análise comparativa entre indicadores socioeconômicos da área de estudo e uma área de Campinas onde a maioria dos habitantes é de médio e alto padrão aquisitivo. 2.1 Análise dos indicadores A partir da base de dados do IBGE e da divisão territorial de Campinas por setores censitários, ambos contidos no CD-ROM do ESTATCART, realizamos a coleta de indicadores socioeconômicos de setores da macrozona 7, onde está localizada a área de estudo, e de setores da macrozona 3, onde está situado o distrito de Barão Geraldo. A partir desses indicadores, elaboramos gráficos para que os mesmo pudessem ser melhor visualizados, e os contrastes entre as duas áreas ficassem mais nítidos. Procuramos selecionar indicadores que são importantes parâmetros para analisar as desigualdades socioeconômicas e espaciais. Vale ressaltar que, para esta análise, escolhemos cinco setores da macrozona 7 e cinco setores da macrozona 3. Não fizemos a análise das macrozonas inteiras pelo seguinte motivo: a macrozona 7 é uma área bastante heterogênea, sendo que a população mais pobre está concentrada nas proximidades do Jardim Campo Belo I e II. Portanto, para que os indicadores refletissem a realidade que estamos estudando de uma maneira mais precisa, optamos por analisar cinco setores próximos do Jardim Campo Belo I e II, que incluem os dois bairros. Para compararmos com a macrozona 3, selecionamos cinco setores da referida macrozona que, juntos, possuem um número de habitantes semelhante aos setores selecionados da macrozona 7. Os cinco setores da macrozona 7 possuem ao todo 5.294 habitantes e 1393 domicílios, enquanto que os setores analisados da macrozona 3 possuem 5.334 habitantes e 1.465 domicílios. Na macrozona 7, os setores analisados foram os seguintes: 1121, 1123, 1124, 1125 e 1146. Na macrozona 3, analisamos os setores 0032, 0031, 0014, 0015 e 0030. No mapa a seguir, podemos visualizar os setores que foram analisados nas duas macrozonas.
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Mapa 3
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Em seguida, apresentamos a análise dos gráficos que foram elaborados a partir dos indicadores do IBGE. O primeiro indicador selecionado foi sobre as pessoas responsáveis por domicílios com renda de meio até um salário mínimo.
Gráfico 1: Pessoas responsáveis por domicílios com renda de meio até um salário mínimo, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP
107 120
100
72 80
60
40
20
0 Macrozona 7
Macrozona 3
Apesar de haver um número significativo de pessoas nos setores da macrozona 3 na faixa de renda pesquisada, fica evidente a diferença e o contraste entre as duas áreas. Existem 35 pessoas a mais nos setores da macrozona 7 que ganham entre meio e um salário mínimo em relação aos setores da outra macrozona. Em termos de porcentagem, esse total representa 7,68% nos setores da macrozona 7, sendo que nos setores da macrozona 3 esse total corresponde a 4,91% dos responsáveis por domicílios. Pelos índices de porcentagem, o contraste não fica muito visível. Por isso optamos por trabalhar com números absolutos. De qualquer forma, fica explícita a desigualdade existente entre as duas zonas. O próximo gráfico mostra o outro lado da moeda: os responsáveis por domicílio que possuem renda superior a vinte salários mínimos.
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Gráfico 2: Pessoas responsáveis por domicílios com renda superior a 20 salários mínimos, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP 50
50 45 40 35 30 25 20 15
2
10 5 0 Macrozona 7
Macrozona 3
A partir desse gráfico, a desigualdade de renda entre as duas áreas fica bastante evidenciada. Nos setores da macrozona 3, 48 pessoas a mais do que nos setores da macrozona 7 possuem uma renda superior a vinte salários mínimos. Neste gráfico, o contraste entre as duas áreas fica mais evidente, mostrando que nos setores da macrozona 3 reside uma expressiva quantidade de pessoas que se enquadram na faixa de renda pesquisada, pelo menos em relação aos setores da macrozona 7. Os próximos gráficos mostram indicadores que se referem ao nível de escolaridade dos responsáveis por domicílio nos setores pesquisados.
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Gráfico 3: Pessoas responsáveis por domicílios sem instrução e menos de 1 ano de estudo , de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP
182 200 180 160
105
140 120 100 80 60 40 20 0 Macrozona 7
Macrozona 3
Novamente, percebemos que há um número significativo de pessoas nos setores da macrozona 3 que se enquadram na variável pesquisada. Os setores da macrozona 7 possuem 77 pessoas a mais sem instrução e com menos de 1 ano de estudo em comparação com os setores da macrozona 3. Em que pese o fato de os números dos setores referentes à macrozona 3 serem
significativos,
mais
uma
vez
constatamos
a
diferença
em
termos
socioeconômicos entre as duas áreas analisadas. O gráfico seguinte revela mais um indicador referente à escolaridade.
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Gráfico 4: Pessoas responsáveis por domicílios com 17 anos ou mais de estudo, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP
54 60
50
40
30
20
1 10
0 Macrozona 7
Macrozona 3
O contraste se evidencia bastante quando o indicador possui um aspecto qualitativo maior. Em termos de renda e escolaridade, quando o indicador se refere a patamares elevados, a diferença entre os setores das diferentes macrozonas torna-se mais nítida. A exemplo do que aconteceu nos indicadores de renda, os indicadores referentes a um alto padrão de escolaridade também apresentam grande contraste entre os setores da macrozona 3 e os setores da macrozona 7, sendo que a primeira apresenta números bem maiores que esta última. Os próximos gráficos se referem mais à questão da infra-estrutura urbana, mostrando o contraste em termos de condições habitacionais existentes entre as duas áreas. O gráfico abaixo mostra um indicador bastante utilizado para analisar as condições sanitárias do local de moradia da população urbana.
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Gráfico 5: Domicílios com esgotamento sanitário - fossa rudimentar, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP
1112 1200
1000
800
600
258 400
200
0 Macrozona 7
Macrozona 3
Através deste indicador, tem-se uma noção clara das desigualdades socioespaciais que caracterizam os setores analisados das diferentes macrozonas. A fossa rudimentar, vale lembrar, é uma variável negativa em todas as situações. Esse indicador mostra as péssimas condições sanitárias existentes na área de estudo. A fossa rudimentar, também chamada de fossa ou vala negra, é uma escavação que recebe os dejetos e não realiza nenhum tipo de tratamento dos mesmos, podendo contaminar o solo e o lençol freático. Em termos absolutos, esse indicador é um dos mais representativos da desigualdade existente entre as duas áreas no que se refere aos demais indicadores abordados. O próximo gráfico mostra um indicador referente a um serviço público, o serviço de coleta de lixo, outro indicador que também está bastante ligado às condições habitacionais.
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Gráfico 6: Domicílios com destino do lixo - coletado por serviço de limpeza, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP
1455 1600 1400
1023
1200 1000 800 600 400 200 0 Macrozona 7
Macrozona 3
Apesar das diferenças entre os dois setores não serem tão brutas em números absolutos, considerando que existem 1393 domicílios no setores analisados da macrozona 7, há um número significativo de residências que não são atendidas pelo serviço de coleta de lixo. Por outro lado, apenas dez residências dos setores referentes a macrozona 3 não são atendidas. Nos trabalhos de campo realizados no Jardim Campo Belo I ao longo desta pesquisa, podemos perceber que em algumas vias do bairro o lixo se acumula ao longo das mesmas, o que pode transmitir graves doenças para a população. Os gráficos que seguem referem-se a outro indicador que diz respeito à infraestrutura urbana, mais especificamente o abastecimento de água, um dos problemas mais graves dos moradores da área de estudo.
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Gráfico 7: Abastecimento de água - rede geral, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP
1451 1600 1067
1400 1200 1000 800 600 400 200 0 Macrozona 7
Macrozona3
O gráfico acima mostra o número de domicílios que estão diretamente ligados à rede de abastecimento de água. Como pode-se constatar, nos setores da macrozona 7 o número de domicílios é menor do que nos setores da macrozona 3. Nestes, quase 100% dos domicílios estão ligados à rede de água. Vale lembrar que nos setores da macrozona 7 existem 1393 domicílios, o que possibilita afirmar que há um número significativo de residências que não são ligados ao sistema de abastecimento de água. A seguir, apresentamos o gráfico que mostra o número de domicílios que são abastecidos por água de outra forma.
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Gráfico 8: Abastecimento de água – outra forma, de acordo com as Macrozonas do Município de Campinas, SP
229 250
200
150
100 4 50
0 Macrozona 7
Macrozona3
De acordo com Censo Demográfico de 2000, do IBGE, a definição de abastecimento de água da residência por outra forma é quando o domicílio, ao invés de estar ligado à rede geral, é servido de água de reservatório ou caixa, abastecido com água das chuvas, carro-pipa, ou ainda por poço ou nascente, localizados fora do terreno da propriedade onde está construído. Os dados acima mostram a enorme diferença existente entre as duas áreas. Fica mais do que evidente que os setores da macrozona 7 possuem uma carência muito maior em relação à infra-estrutura urbana do que os setores analisados da macrozona 3. No primeiro trabalho de campo que realizamos, em março de 2006, Edson Santana, presidente da associação de moradores do Campo Belo I, nos relatou que uma parte dos bairros que seriam atingidos pela expansão de Viracopos é abastecida com caminhão-pipa. Há também um número significativo de residências que são abastecidas por poços. O abastecimento por poço não é, em si mesmo, um indicador de má qualidade de vida. O problema é que como não existe rede de esgoto em muitos domicílios há o risco 38
da contaminação do lençol freático pelos dejetos domésticos, uma vez que estes são lançados em fossa rudimentar, o que pode causar muitas doenças na população local. Em suma, os dados apresentados na forma de gráficos comprovam a desigualdade socioespacial existente entre as duas áreas. Foi importante a realização dessa comparação porque este exercício nos permite enxergar com mais nitidez e profundidade a realidade do nosso objeto de pesquisa. A partir do capítulo seguinte, será realizada a discussão a respeito da resistência dos moradores ao projeto de remoção e os principais conflitos envolvendo a expansão do Aeroporto de Viracopos.
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3. Considerações sobre os movimentos sociais urbanos O movimento de resistência dos moradores que habitam os bairros do entorno de Viracopos é uma reação ao projeto de ampliação do aeroporto, que previa a remoção destes do local em que vivem para que a obra se concretizasse. Nas diversas ocasiões em que se manifestaram, os moradores não se limitavam a afirmar sua posição contrária ao projeto oficial de ampliação, enfatizando que desejavam permanecer no local, mas também exigiam que o poder público realizasse investimentos nos bairros em infra-estrutura (asfalto, rede de luz, rede de água e esgoto) e equipamentos coletivos (escolas, creches e postos de saúde). Portanto, pode-se afirmar que as manifestações dos moradores e o conflito entre estes e as três esferas do poder público, envolve uma problemática mais ampla que a questão da desapropriação da área: as precárias condições habitacionais da classe trabalhadora nos grandes centros urbanos. A produção do espaço urbano no capitalismo, que se faz de maneira desigual e contraditória, acaba criando as condições necessárias para o surgimento de movimentos sociais urbanos reivindicatórios oriundos das classes mais empobrecidas. Em países periféricos como o Brasil, a desigualdade existente nos grandes centros é ainda mais evidente do que nos países centrais do capitalismo. Não que nestes últimos não existam pobreza e desigualdade; a questão é que nestes países o abismo entre ricos e pobres é bem menor do que nos países do chamado terceiro mundo. Dessa forma, nos países centrais a paisagem urbana não possui um contraste tão grande entre pobreza e riqueza. O espaço da cidade se organiza, portanto, conforme as relações sociais que regem uma determinada sociedade. Entretanto, não se pode dizer que o espaço é apenas um mero reflexo das relações sociais: a produção e a organização do espaço são fatores que interferem na dinâmica das relações sociais, estabelecendo-se uma relação dialética entre espaço e sociedade. O espaço, entendido dessa forma, seria um reflexo mas também um condicionante das relações sociais. A cidade capitalista se caracteriza basicamente pelo fenômeno denominado por muitos autores como segregação. De acordo com Villaça, “(...) a segregação é um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar
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cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjunto de bairros da metrópole5” (2001, p. 142). O conceito de segregação, portanto, não se refere apenas às classes de baixa renda, mas também às classes de médio e alto poder aquisitivo. Villaça ressalta que uma das características “(...) mais marcantes da metrópole brasileira é a segregação espacial dos bairros residenciais das distintas classes sociais, criando-se sítios sociais muito particulares” (2001, p. 141). Há, dessa maneira, a segregação das classes populares, que seria uma segregação forçada, e há também a segregação das classes de alta renda, que seria uma segregação opcional, voluntária. De fato, como Villaça aponta, a metrópole brasileira é fortemente marcada pelo fenômeno da segregação. Para se entender o porquê disso, deve-se fazer uma análise do processo de urbanização brasileiro, que aconteceu basicamente a partir da segunda metade do século XX. Caiado (1997) analisa o padrão de urbanização brasileiro relacionando-o com o modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo país. Segundo a autora, o desenvolvimento que ocorreu no período entre o final da Segunda Guerra Mundial e o início da década de 1980 se definiu por algumas características, dentre as quais se destacam: expansão do mercado interno, elevadas taxas de crescimento, acelerado processo de industrialização e urbanização, que teve como efeito mais imediato grandes deslocamentos populacionais, alterando profundamente a estrutura demográfica do país. Contudo, apesar de todo esse dinamismo, Caiado lembra que: (...) o modelo é extremamente concentrador, de renda e população, e bastante excludente, gerando um contingente de trabalhadores subempregados, extremamente mal remunerados, inseridos em formas de organização de produção intensiva e em trabalhos de baixa capacidade de acumulação e produtividade (1997, p. 458)
Como conseqüência disso: (...) a expansão urbana se apóia numa sociedade com uma distribuição de renda bastante desigual, tendo como resultado a concentração de renda e população nas grandes cidades, surgindo uma estrutura social urbana fragmentada e segregada espacialmente, com a generalização das periferias urbanas, principalmente, mas não só, nos grandes centros urbanos (CAIADO, 1997, p. 459).
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Grifo do autor
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A análise de Piquet (1991) caminha nessa direção: “A industrialização não foi capaz de incorporar ao mercado parcela expressiva da população, nem se fez acompanhar de uma melhoria na distribuição de renda interna” (p. 33). O resultado, portanto, é uma cidade fragmentada, onde a desigualdade socioespacial é nítida. Nesse contexto de produção de uma cidade desigual, onde os interesses particulares dos capitalistas se sobrepõem aos interesses coletivos, surgem os movimentos sociais urbanos reivindicatórios, que se organizam de diversas maneiras para lutarem por condições mais dignas de vida para as populações de baixa renda, impossibilitadas de se apropriarem adequadamente do espaço urbano. Devido à complexidade desta temática, é necessário fazermos algumas considerações a respeito dos movimentos sociais urbanos. Esses movimentos se diferenciam de outros por uma série de questões, que são fruto de um intenso debate entre os estudiosos do assunto. De acordo com Gohn, Os movimentos sociais urbanos não são um todo homogêneo. Eles diferem, em primeiro lugar, de uma série de outros movimentos sociais, tais como os feministas, os ecológicos, dos negros, dos homossexuais etc., os quais também têm sido tratados, erroneamente, como movimentos sociais urbanos. Os movimentos sociais urbanos propriamente ditos assim devem ser qualificados por conterem uma problemática urbana, que tem a ver com o uso, a distribuição e a apropriação do espaço urbano. Portanto, são movimentos sociais urbanos as manifestações que dizem respeito à habitação, ao uso do solo, aos serviços e equipamentos coletivos de consumo (1991, p. 34).
Assim, os movimentos sociais urbanos devem ser tratados a partir de um ângulo específico. Na realidade, são aqueles movimentos cuja atuação irá interferir diretamente na lógica de produção do espaço urbano e nas formas de uso do solo. Movimentos como os ecológicos, por exemplo, tem sua esfera de atuação voltada para outras dimensões da sociedade. Outra consideração importante feita por Gohn se refere à composição de classes desses movimentos. De acordo com a autora, os movimentos sociais urbanos não são uma manifestação específica e exclusiva das classes populares, já que também podem surgir movimentos urbanos reivindicatórios oriundos das classes médias e altas (1991, p. 34). Há, portanto, segundo Gohn, os movimentos sociais urbanos das classes populares, mas há também os movimentos sociais urbanos das classes de mais alto poder aquisitivo. 42
Por último, a autora ressalta que os movimentos sociais populares também não são homogêneos em diversos aspectos. Esses movimentos possuem diferentes pontos-de-vista referentes aos processos de mudança e transformação da sociedade, e também quanto ao papel dos próprios movimentos nesse processo, como por exemplo em pontos que dizem respeito à articulação base-liderança, papel da liderança, das assessorias e das relações com o Estado, a Igreja, partidos e facções políticas e com o próprio movimento sindical. Em suma, os movimentos populares urbanos comportam projetos políticoideológicos e culturais diferenciados segundo a articulação de forças que contêm (GOHN, 1991, p. 34-35).
Outra abordagem importante sobre este tema pode ser encontrada em Souza (2004). Este autor faz uma distinção entre ativismo e movimento social, explicando que esta diferenciação exige um esforço no nível teórico bastante difícil, mas necessário. De acordo Souza (2004), esses movimentos se organizam de duas maneiras principais: em ativismos e movimentos sociais. Para este autor, há uma distinção entre esses dois modos de organização, já que todo movimento é um ativismo social, mas nem todo ativismo é um movimento (SOUZA, 2004, p. 83). Os ativismos puramente reivindicatórios seriam aqueles que visam conseguir melhorias para uma rua, um bairro ou até mesmo uma favela, mas sem levar em conta o conjunto da cidade nem questionar os alicerces estruturais da sociedade, ou seja, não lutam por transformações radicais na estrutura social dominante (SOUZA, 2004, p. 83). Já os movimentos sociais caracterizam-se por ser um tipo diferenciado de ativismo. Segundo o referido autor, esses movimentos (...) representam um grau razoavelmente elevado (ou até bastante elevado) de organização e de contestação da ordem social vigente (capitalismo, racismo ou qualquer forma de opressão). Estão voltados para transformações mais ou menos profundas da sociedade, têm o horizonte de luta ampliado, ou seja, não fazem reivindicações puramente pontuais (...) (2004, p. 83).
Os movimentos e ativismos urbanos são, portanto, formas de organização que as classes desfavorecidas da população encontram para lutarem por melhores condições de vida, participando de maneira mais ativa do processo de produção do espaço urbano. A classe trabalhadora, na luta cotidiana por sua sobrevivência na cidade, entra em conflito com os interesses do capital e procura construir sua resistência com
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base na organização política, seja em movimentos sociais propriamente ditos ou em ativismos de bairro, mais localizados e pontuais. Souza (1999) ressalta que o “(...) ativismo de bairro é o ativismo social urbano por excelência” (p. 140). No período relativamente curto que compreende o final dos anos 70 a meados da década de 80, (...) organizações que, muitas vezes, tiveram origens em lutas pontuais em torno de comitês de moradores mobilizados pelo saneamento básico, pela preservação ambiental, etc., chegaram a protagonizar verdadeiros movimentos sociais, organizados em escala supralocal (estadual e, mesmo, nacional), politizados e aguerridos (SOUZA, 2000, p. 140).
Neste caso em que estudamos, a população se organizou através das diversas associações de bairro existentes na região que estava prevista para ser desapropriada para a expansão de Viracopos. As reivindicações dos habitantes dos bairros próximos do aeroporto eram muito claras: permanecer no local onde estavam e receber investimentos do poder público em infra-estrutura e equipamentos coletivos. De acordo com a idéia proposta por Souza (2004), não se pode dizer que a população protagonizou um movimento social, já que suas reivindicações se limitavam a um horizonte específico e restrito. No capítulo seguinte, discutimos de maneira mais aprofundada como se deu a resistência dos moradores e quais as principais razões que faziam com que estes entrassem em conflito com o poder público.
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4. Global x Local: a resistência dos moradores A necessidade que os diferentes lugares possuem de reorganizar o território em função da dinâmica da economia globalizada implica em uma série de conflitos entre o global e o local, com o primeiro buscando impor seu caráter homogeneizador sobre este último. Há, portanto, uma relação dialética entre essas duas escalas, sendo que a lógica global interfere na vida de todos que habitam o local, direta ou indiretamente, e o local, o espaço já constituído e pré-existente, acaba por condicionar, em certo nível, determinadas ações globais. A partir disso, Santos explica que Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidos para servi-los (1996, p. 18).
A reportagem publicada pelo Jornal Correio Popular no dia 24 de junho de 2006 mostra que a Região de Campinas e o Aeroporto de Viracopos se constituem em importantes atrativos para o capital transnacional, fazendo com que determinadas parcelas do território urbano sejam suscetíveis de sofrer transformações em sua configuração: Viracopos (...) é lembrado pelo gerente geral da Borg Warner, empresa de capital norte-americano fabricante de autopeças, Sergio Castione Veinert, como fator atrativo para as empresas estrangeiras. "Há mais facilidade de desembaraço de produtos aqui do que em Cumbica", compara. Soma-se a facilidade de escoamento da produção o fato de a região ter mão-de-obra especializada, universidades, boas estradas, bom clima e estar próxima a São Paulo, afirma (CORREIO POPULAR, 24/06/06).
O Aeroporto de Viracopos, portanto, representa um meio importante de reprodução ampliada do capital na cidade de Campinas, contribuindo para garantir os interesses de atores articulados em escala global. No entanto, o projeto de ampliação do aeroporto, que visa atender a um conjunto de atores que possuem objetivos e interesses específicos, entrava em conflito com os interesses dos moradores do entorno de Viracopos, que por determinadas razões não queriam deixar o local.
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No decorrer da primeira etapa da pesquisa, sobretudo a partir do levantamento do material jornalístico e da entrevista com Edson Santana, constatamos que os principais motivos pelos quais os moradores resistiam ao projeto de desapropriação eram o apego ao lugar, ou seja, ao seu espaço de vivência cotidiana e à falta de confiança no poder público. De fato, os moradores tinham poucos motivos para acreditar no discurso das três esferas de governo no que se refere à questão da remoção das famílias, de que elas sairiam de lá e seriam levadas para um complexo habitacional com toda a infra-estrutura a que nunca tiveram acesso. Aqueles bairros haviam sido quase que totalmente ignorados pelo poder público ao longo desses anos, situação que foi agravada a partir de 1979, quando começou a se discutir a desapropriação dos bairros para ampliação de Viracopos. O depoimento de Edson Santana em uma reportagem no início de 2001, quando as discussões sobre a ampliação de Viracopos ganharam novo fôlego, resume essa situação: Aqui, desde meados da década de 70, tudo parou. Não recebemos benfeitorias, como qualquer outra região e ainda vivemos sobressaltados com a idéia de que, qualquer dia, cheguem uns homens, nos tirem das nossas casas e nos levem para um lugar que nem sabem se queremos ir (Correio Popular, 18/02/01).
O poder público municipal sempre alegou que não podia investir nos bairros porque eles seriam desapropriados, haja vista que havia um decreto estadual que tornava aquela área de utilidade pública para fins de expansão do aeroporto. Portanto, todos aqueles bairros foram praticamente ignorados pelos governos municipal, estadual e federal ao longo desses anos. Esta ausência do Estado pode ser confirmada no seguinte trecho da reportagem publicada no dia 31 de janeiro de 2006: (...) a enlameada linha do ônibus coletivo só é recuperada quando a concessionária contrata os serviços da motoniveladora. Prefeitura, por ali, ninguém nunca ouve falar. O lixo se acumula nos terrenos baldios. E os descalços e desnutridos dependem da ajuda de voluntários de grupos religiosos que peregrinam por lá (Correio Popular, 31/06/06).
Dessa forma, fica evidente que os moradores se sentiam desamparados pelo governo e, portanto, dificilmente acreditariam na promessa do poder público de removê46
los de lá para um lugar melhor. Até mesmo porque uma das principais reclamações dos moradores era de que não havia um projeto de remoção definido, concreto. Segundo eles, a discussão em torno da remoção ficava muito no nível da especulação. No trecho da entrevista que realizamos com Justino em setembro de 2006, primeiro tesoureiro da associação do Campo Belo I, isso fica bastante evidente: (...) essa questão da desapropriação nunca foi um fato concreto. A única coisa que eles tinham era puramente um decreto de 79. Mas de ações concretas do poder público municipal, do poder público estadual e poder federal mesmo, eles não tinham nada com relação à remoção das famílias. (...) Nós nunca concordamos que seríamos removidos exatamente pela falta de projeto, pela falta de uma definição clara, com relação a como que ia, sem contar que é uma população em torno de 9 mil famílias. Então isso não se remove, essa quantidade de pessoas, de uma hora pra outra, sem um projeto (...).
Não é por acaso que, em algumas ocasiões, os moradores chegaram a realizar manifestações exigindo do poder público esclarecimentos maiores sobre o processo de desapropriação. No dia 9 de julho de 2001, cerca de 200 moradores do Campo Belo I e II fizeram uma passeata pela Rodovia Campinas-Vinhedo, para cobrar mais garantias do poder público em relação ao processo de desapropriação. De acordo com a reportagem, os moradores exigiam a presença do prefeito Antonio da Costa Santos nos bairros para uma conversa direta. Além disso, havia outro ponto muito polêmico e complicado: o desejo de permanência dos moradores no local, pelo simples fato de que aquele era o lugar onde eles haviam construído suas casas, suas vidas e suas famílias. Na entrevista da vereadora Leonice da Paz, o apego dos moradores aos seus respectivos locais de residência aparece com bastante clareza. Questionada sobre quais os principais fatores que teriam levado o governo municipal a articular a mudança do plano de expansão de Viracopos junto a Infraero, a vereadora ressaltou que (...) o que mais pesou na decisão da prefeitura foi que as famílias residentes no entorno não tinham interesse em deixar suas casas, que a tanto custo demoraram construir, isso sensibilizou o Governo Municipal e a Comissão que, junto com a Infraero e o Governo Federal, concluíram ser mais viável a não desapropriação.
Em reportagem publicada no dia 8 de julho de 2001, o depoimento de uma moradora do Bairro Dom Gilberto, um dos que estavam ameaçados de desapropriação, 47
comprova a afirmação da vereadora: “Essa casa é a realização de um sonho antigo. Sacrificamos nossa família para assentarmos cada tijolo e cada porta. Apesar de saber que vamos ter que sair daqui eu estou sofrendo” (Correio Popular, 8/07/01). Essa relação emocional que os moradores possuem com o lugar só pode ser compreendida por eles próprios. Para o poder público e para os demais interessados na expansão de Viracopos, aqueles bairros representavam mais uma simples etapa nas obras de ampliação do aeroporto. Era apenas mais um obstáculo a ser removido para que Viracopos se tornasse, definitivamente, o maior terminal cargueiro da América Latina. Mas para os moradores dos diferentes bairros, naquele lugar estava contida toda a história de suas vidas e de seus familiares. Em diversas reportagens que analisamos no decorrer do nosso trabalho, essa questão da relação emocional dos moradores com os bairros era ressaltada. Os depoimentos eram muito semelhantes: apesar de todos aqueles problemas que os moradores tinham que enfrentar no seu cotidiano, era muito bom viver ali porque estavam próximos dos seus parentes e amigos e, além disso, cada um tinha construído a sua casa do seu jeito. No trecho retirado da reportagem “Entre a lama e a poeira, miséria traça destinos”, temos um exemplo concreto dessa situação: Uma gente que pisa no barro e anda na chuva para chegar ao posto de saúde, a quilômetros. E o mais tocante é que os moradores amam aquele lugar.6 (...) Valderez da Costa, tem 43 anos. Há 20 anos, não sabe o que é um emprego com carteira assinada. Vive construindo casinhas e limpando terrenos (Correio Popular, 31/06/06).
Sobre estas relações emocionais que os indivíduos possuem com o lugar de vivência, Leite se referencia em dois importantes autores para explicá-las: Como afirma Relph (1979), os lugares só adquirem identidade e significado através da intenção humana e da relação existente entre aquelas intenções e os atributos objetivos do lugar, ou seja, o cenário físico e as atividades ali desenvolvidas (...) Tuan (1975) afirma ainda que há uma estreita relação entre experiência e tempo, na medida em que o senso de lugar raramente é adquirido pelo simples ato de passarmos por ele. Para tanto seria necessário um longo tempo de contato com o mesmo, onde então houvesse um profundo envolvimento (LEITE, 1998, p. 10).
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Grifo nosso
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A partir dessa contribuição, podemos afirmar que as relações de apego que as pessoas mantêm com o lugar onde vivem não se dão de uma hora para outra. Elas são construídas ao longo dos anos. É um processo, na realidade, e não um elemento dado, que se estabelece automaticamente. Conforme as pessoas constroem seu cotidiano, o lugar de moradia vai adquirindo significado e importância na vida de cada um. Nas palavras de Edson Santana, presidente da associação de moradores, essa relação dos habitantes do Campo Belo com o bairro fica bastante evidente: “... muitos nasceram aqui, se criaram, estudaram e trabalharam aqui nessa região. Então, num sentido mais humano, o pessoal gosta daqui, plantaram, criaram seus animais, tem uma afinidade familiar aqui na região”. Souza (1988, p. 54) enfatiza a importância da dimensão subjetiva no estudo e compreensão do bairro: “Um olhar fenomenológico sobre a constituição dos bairros evidencia que o bairro corresponde a uma certa parcela da cidade que, por força de relações sociais, constitui para o indivíduo um espaço vivido e sentido”. Haveria, a partir disso, uma simpatia dos indivíduos em relação ao espaço de vivência, que neste caso é o bairro. “À simpatia, que se realiza como afeição pelo bairro, apego ao bairro, sugiro chamarmos bairrofilia, recordando a idéia geral de Tuan (topofilia)” (Souza, 1988, p. 55). Ao que parece, esta discussão elaborada por Souza encontra respaldo na realidade em que estamos estudando, uma vez que os moradores estavam muito mais preocupados em permanecer nos bairros e lutar por investimentos públicos para os mesmos ao invés de se mudarem para outro local. A convivência dos moradores em um mesmo bairro e, portanto, em um mesmo espaço, é um fator que potencializa as lutas e reivindicações dessa população perante o poder público. Souza, ao analisar o ativismo de bairro, afirma que este é um fenômeno que possui estreita vinculação com o espaço: No caso do ativismo de bairro, o espaço não é simplesmente um referencial indireto e secundário para as lutas, pouco indo além da condição de suporte material. Ele é um referencial direto e decisivo, pois: define territorialmente a base social de um ativismo, de uma organização, aglutinando grupos e por vezes classes diferentes; catalisa e referencia simbólica e politicamente o enfrentamento de uma problemática com imediata expressão espacial: insuficiência dos equipamentos de consumo coletivo, problemas habitacionais,
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segregação socioespacial, intervenções urbanísticas autoritárias7, centralização da gestão territorial, massificação do bairro e deterioração da qualidade de vida urbana (SOUZA, 1988, p. 42).
A aglutinação das pessoas já constitui um fator inicial importante para a mobilização coletiva. Carlos destaca o seguinte: “O contato cotidiano com o outro implica na descoberta de modos de vida, problemas e perspectivas comuns. Por outro lado, produz junto com a identidade, a consciência da desigualdade e das contradições nas quais se funda a vida humana” (CARLOS, 1999, p. 87). Na entrevista, Justino mencionou que a aglomeração de pessoas ao longo dos anos nas proximidades do Campo Belo I agravou os problemas vividos pelos moradores, na medida em que a demanda por serviços e equipamentos públicos foi aumentada. O representante dos moradores explicou que cerca de oito bairros existentes naquela região são áreas de ocupação, sendo que a maioria das pessoas que lá vivem, vieram de outras cidades na esperança de conseguir uma casa ou dinheiro quando a desapropriação da área para a expansão de Viracopos se concretizasse. Se por um lado os problemas aumentaram, Justino afirmou que a ida daquela população para lá fortaleceu o movimento de resistência dos moradores: (...) são pessoas que vieram de outras cidades, a maioria de São Paulo, de Indaiatuba, e vieram se aglomerando. Como essa história de desapropriação não se definia, e se comentava que as pessoas iriam receber outra casa, as pessoas vieram na perspectiva de ganhar uma casa e sair. E como a situação não saía, o problema social nosso aumentava, porque não tinha posto de saúde, não tinha escola para atender à demanda da população, então a situação social ficava ainda mais complicada. Então o problema ficou maior, e a resistência também ficou maior. Por um lado nós tivemos um problema social maior, mas por outro lado a vinda da população nos fortaleceu no sentido de nos mobilizar .
O espaço do bairro possibilita, dessa forma, esse contato cotidiano e o conseqüente reconhecimento da existência de problemas comuns entre os seus moradores. Ramos enfatiza que “... o bairro é o locus de uma sociabilidade intermediária, baseada em larga medida no compartilhamento de referenciais espaciais
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Vale ressaltar que o termo “intervenções urbanísticas autoritárias”, citado pelo autor, se encaixa perfeitamente na realidade que estamos estudando
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comuns, como o espaço do encontro, construído no nível da vida cotidiana” (RAMOS, 2002, p. 66). Com base nesses referenciais espaciais comuns, a partir do momento em que os moradores tomam essa consciência e se organizam politicamente para reivindicar do poder público melhores condições de vida, estabelece-se um conflito direto que tem como objetivo se contrapor à lógica capitalista de reprodução do espaço urbano. Devemos ressaltar, no entanto, que o fato de as pessoas conviverem no mesmo espaço e partilharem das mesmas dificuldades cotidianas, apesar de ser importante, e de certa forma um fator propulsor para o ativismo de bairro, não é, por si só, suficiente para que haja uma mobilização política. Sem lideranças dispostas a organizar a população, contribuindo para a construção de uma consciência coletiva, dificilmente essa população irá constituir-se em uma força política com capacidade reivindicatória. 4.1 Campo Belo I e II: os grandes focos de resistência Como havíamos constatado na primeira etapa da nossa pesquisa, os moradores do Jardim Campo Belo I e do Jardim Campo Belo II apresentaram uma resistência muito mais forte e aguerrida que os demais bairros ameaçados de desapropriação. A maior evidência disso é que todas as manifestações realizadas pelos moradores dos bairros tanto no sentido de cobrar do poder público garantias no processo de desapropriação como investimentos na área, eram encabeçadas pelos moradores do Campo Belo I, mais especificamente por Edson Santana, presidente da associação do bairro. Outro exemplo da resistência mais consistente destes dois bairros é a reportagem publicada no dia 22 de julho de 2001. De acordo com a reportagem, os recenseadores da empresa contratada pela prefeitura para realizar o cadastro socioeconômico dos moradores iriam suspender os trabalhos no Campo Belo I e no Campo Belo II. A reportagem relatava o seguinte: Diante do clima de hostilidade, (...) a assessoria de imprensa da Cohab8 informou que o cadastramento será suspenso nos dois bairros e que os 8
Companhia de Habitação Popular de Campinas
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presidentes das duas associações serão convidados, no início dessa semana, para conhecer a importância do levantamento mais uma vez. (Correio Popular, 22/07/01)
Na entrevista com Justino, questionamos o representante do Campo Belo I sobre o porquê dessa resistência diferenciada nos dois bairros. De acordo com o líder comunitário, as duas associações, do Campo Belo I e II, sempre foram as mais atuantes de todas. Justino afirmou que o motivo principal dessa atuação mais forte era decorrência do trabalho que ele e Edson, em conjunto com demais membros das duas associações, realizaram nos últimos anos. O trabalho a que Justino se refere é justamente o de organizar e mobilizar a população para que esta lutasse pelos seus interesses perante o poder público. Justino afirmou que tanto ele como Edson são filiados ao PT, e conseguiram, no decorrer dos últimos anos, construir uma boa base de filiação partidária nos dois bairros, o que, segundo ele, contribuiu significativamente para que a população se organizasse em torno dos seus interesses. Além disso, ele e Edson participam do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comdema), o que os possibilitou ampliar a discussão em torno da desapropriação das famílias e envolver outros setores da sociedade. Justino frisou que sempre foram essas duas associações que bateram de frente com o governo municipal, mesmo na gestão do PT: (...) quando o Toninho assumiu, na gestão do PT em Campinas, tinha uma grande esperança da população que finalmente ia ter os investimentos. Mas também o Toninho adotou uma postura de remoção das famílias, trouxe o assunto à tona, começou a chamar a responsabilidade. Infelizmente, aconteceu o que aconteceu9. Daí a Izalene assumiu, e ela manteve a postura de que as famílias seriam removidas, mas sempre houve uma resistência de duas associações, a do Campo Belo I, onde eu resido, e a do Campo Belo II, onde a Dilva é presidente.
É interessante observarmos que, de acordo com o depoimento de Justino, não houve um processo de cooptação das lideranças do bairro pelo partido. Mesmo os dois sendo filiados ao PT, fica claro, a partir do depoimento de Justino, que o sentimento de pertencimento ao bairro e a identificação enquanto morador do Campo
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Justino se refere ao assassinato do prefeito, no dia 10 de setembro de 2001
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Belo I prevaleceu sobre a filiação partidária. Nos termos propostos por Souza (1988), essa atitude demonstra um sentimento de apego ao bairro bastante forte e significativo. Diversas reportagens que analisamos também comprovam esse fato. Ainda que a posição da administração municipal, sob o comando do PT fosse a remoção das famílias, tanto Justino como Edson sempre mantiveram sua posição contrária, organizando a população para lutar pelos seus direitos. Souza (2004), em uma obra mais recente, aponta que a cooptação de líderes comunitários por partidos políticos foi uma das causas da decadência do ativismo de bairro nos últimos anos. Mas, pelo menos nesse caso do Campo Belo I, não foi isso que aconteceu. A partir das entrevistas com Edson e Justino, e da pesquisa jornalística, verificamos que ocorreu um processo inverso: os líderes comunitários bateram de frente com o partido a que eram filiados em nome dos interesses da população do bairro. A oposição dos moradores do Campo Belo I e II ao projeto oficial de remoção das famílias foi, portanto, bastante significativa. Sem dúvida alguma, esta oposição exerceu influência na mudança dos planos e no redirecionamento das obras de expansão de Viracopos, ainda que não tenha sido o principal fator motivador da referida mudança. Afinal, se os moradores nunca tivessem oferecido nenhum tipo de resistência e “colaborassem” incondicionalmente com o poder público, provavelmente já teriam sido removidos, ou pelo menos o processo de remoção já estaria em curso.
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5. A expansão de Viracopos e os conflitos entre as esferas de poder A expansão do Aeroporto Internacional de Viracopos é um projeto que envolve responsabilidade das três esferas de poder, ou seja, das esferas federal, estadual e municipal. Como pudemos observar no transcorrer da primeira fase do nosso trabalho de pesquisa, houve um conflito bastante significativo entre essas três esferas do início de 2001 até os dias de hoje. Este conflito “intra -poder público” variou de intensidade a o longo dos anos, ficando ora mais intenso e evidente, ora menos intenso e camuflado. Na realidade, nos últimos meses, mais especificamente após o anúncio da mudança no plano diretor da expansão do aeroporto por parte da administração municipal e da Infraero, o conflito entre as esferas de poder assumiu uma dimensão muito maior na questão de Viracopos do que o conflito entre o poder público e os moradores da área de estudo, que nos anos anteriores tinha sido muito mais acirrado, especialmente no ano de 2001. O interessante, como já ressaltamos na introdução desta monografia, é verificar como as alianças e divergências entre as três esferas de poder no processo de ampliação de Viracopos se refazem e se recompõem conforme o arranjo das forças político-partidárias se modifica. Em um primeiro momento, Infraero e Governo do Estado de São Paulo atuavam conjuntamente, estabelecendo-se um conflito entre estas duas esferas com a Prefeitura de Campinas. Posteriormente, Infraero e Prefeitura de Campinas passam a trabalhar de maneira articulada, isolando o governo estadual das discussões referentes à ampliação. Nos anos de 2001 e 2002, quando o Partido da Social Democracia Brasileira ainda estava na presidência da república, as esferas federal e estadual entraram em desacordo várias vezes com a esfera municipal sobre a ampliação de Viracopos. As divergências começaram a ocorrer na época em que Antônio da Costa Santos ainda era o prefeito. O petista havia colocado uma série de condições para a Infraero no tocante ao processo de desapropriação das famílias para a expansão do aeroporto. Na reportagem publicada no dia 14 de março de 2001, afirmava-se que as condições do prefeito eram basicamente as seguintes: 1) a área que abrigará as famílias que terão seus imóveis desapropriados terá infra-estrutura urbana planejada e compatível; 2) a
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expansão tem que evitar impactos ambientais negativos; 3) é preciso levar em conta o novo modelo urbano resultante da expansão, já que a cidade ganhará um novo eixo de crescimento (Correio Popular, 14/03/01).
De acordo com a mesma reportagem, a Infraero informou que concordava com todas as exigências do prefeito e que achava bastante plausível a agenda de discussão definida pela prefeitura para que o assunto fosse discutido. A princípio, tinhase a impressão de que haveria um trabalho coerente e coordenado entre Infraero e Prefeitura no processo de ampliação e remoção das famílias. Até mesmo porque o prefeito tinha muita vontade política para concretizar esse projeto. Contudo, no dia 6 de junho, uma outra reportagem afirmava que o prefeito, em visita aos bairros da área prevista para desapropriação, prometeu apoio incondicional aos moradores e afirmou que estes não iriam ser removidos sem que seus direitos fossem assegurados. A matéria ressaltava que o prefeito ameaçou entrar na justiça caso o governo estadual ou a Infraero tomassem qualquer decisão referente à desapropriação da área sem antes consultar a prefeitura e os moradores. A partir daí, já se tinha uma idéia de que as discussões referentes à ampliação de Viracopos seriam permeadas por um certo grau de tensão e divergência política, não apenas por se tratar de uma questão muito complexa, já que implicava uma obra de grande porte e portanto uma reorganização no território urbano de grande magnitude. Além disso, havia a questão da remoção das famílias que, certamente, era a etapa mais complicada de todo o processo. Como se não bastassem todos esses fatores, o processo todo exigia um trabalho coordenado e simétrico entre duas forças políticopartidárias adversárias. No segundo semestre de 2001, depois de muitas demonstrações de descompasso por parte das três esferas, a Infraero ameaçou desistir de investir na ampliação de Viracopos. De acordo com o presidente da empresa, Fernando Perrone, a prefeitura de Campinas estaria fazendo pouco caso do projeto de ampliação e dificultando o andamento do mesmo. Vale lembrar que, nesta época, Toninho não era mais o prefeito de Campinas, tendo assumido seu posto a vice-prefeita do município Izalene Tiene. Perrone frisou, inclusive, que com Toninho as negociações referentes a Viracopos
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estavam indo muito bem, mas desde a morte do prefeito o processo havia regredido10. O curioso é que, para que o processo de ampliação fosse definitivamente efetivado, era necessária a assinatura de um convênio entre Infraero e governo do estado, que vinha sendo protelado há vários meses pelo governador. Mas o presidente da estatal afirmou que o convênio ainda não tinha sido assinado por questões que cabiam ao município resolver, e que portanto o andamento do processo dependia da ação da esfera municipal. Aliás, fato muito semelhante estava ocorrendo no município de Guarulhos que, coincidentemente ou não, também era administrado pelo PT. O pano de fundo político da divergência fica mais do que evidente no seguinte trecho da reportagem: (...) o presidente da Infraero afirmou que suas declarações não visam atingir o governador Geraldo Alckmim11, mas sim mobilizar os prefeitos para a ampliação de Viracopos. Perrone intimou Elói Pietá (PT), prefeito de Guarulhos, e Izalene Tiene (PT) de Campinas, para encamparem a ampliação, como fez o prefeito assassinado Antônio da Costa Santos, com quem as negociações vinham correndo muito bem, informou o presidente (Correio Popular, 22/11/01).
A divergência de natureza política entre as três partes envolvidas na questão de Viracopos era, portanto, nítida. Como havia interesses divergentes no processo, o resultado só poderia ser este. Com base nessa idéia, podemos fazer uma breve análise a respeito da natureza do Estado e do papel que este desempenha na sociedade capitalista que, por sua vez, é fracionada em classes sociais. Os conflitos envolvendo a expansão de Viracopos constituem um exemplo bastante ilustrativo de que o Estado não deve ser entendido, de forma alguma, como um agente homogêneo, isento de relações conflituosas e contraditórias. A atuação do Estado não se fará apenas em único sentido, atendendo única e exclusivamente os interesses das classes dominantes. É certo que, em uma sociedade de classes, como a sociedade capitalista, a ação do Estado tende a reproduzir as condições necessárias para a manutenção do status quo, beneficiando a classe dominante. Souza (2001), analisando o papel desempenhado pelo Estado na formulação de políticas de planejamento urbano, faz uma relevante observação: 10 11
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O Estado não é ‘neutro’ e nem pode sê-lo. O Estado é, antes, uma ‘condensação de uma relação de forças entre classes e frações de classe’, para usar uma sugestiva expressão de Nicos POULANTZAS (1985:147). O Estado tende a reproduzir, como vetor resultante em termos de ações, intervenções conformes aos interesses dos grupos e classes dominantes, que dispõem de mais recursos e maior capacidade de influência (SOUZA, 2001, p. 326).
De acordo com Vieira (2000, p. 24), “As políticas do Estado reproduzem dinamicamente uma determinada correlação de forças entre as diversas classes e frações de classe”. Como o Estado tende a reproduzir, portanto, a correlação de forças existente na sociedade, teoricamente vai beneficiar as classes que dispõem de mais recursos e capacidade de influência, como mencionou Souza. Entretanto, isso não significa que, por meio da ação do Estado, outros setores da sociedade não possam ser beneficiados. Justamente por não ser imune às relações contraditórias inerentes à sociedade capitalista, deve-se ter em mente que o Estado é passível de sofrer influência dos setores mais desfavorecidos da sociedade, redirecionando sua atuação para outro sentido. Como veremos no tópico seguinte, os conflitos acerca da expansão de Viracopos nos fornecem elementos interessantes para pensarmos algumas questões referentes à ação do Estado na sociedade. Mostraremos, a partir da análise da realidade estudada, como o Estado está sujeito a sofrer influências de diferentes grupos sociais, e não apenas dos grupos dominantes. 5.1 A reviravolta no processo de ampliação do aeroporto Quando o presidente Lula tomou posse, no dia 1º de janeiro de 2003, havia uma grande esperança de amplos setores da sociedade brasileira de que estivesse se iniciando, naquele momento, um governo que teria suas preocupações voltadas em primeiro lugar para a área social. Havia, de fato, um forte desejo de mudança em relação ao que tinham sido os oito anos de Fernando Henrique Cardoso. Pelo menos no que se refere ao relacionamento das três esferas de poder envolvidas na ampliação de Viracopos, algumas mudanças significativas puderam ser verificadas. Com a mudança de governo no nível federal, o relacionamento da Infraero com a Prefeitura de Campinas mudou bastante.
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Nos dois anos seguintes de gestão do PT na prefeitura de Campinas, não houve nenhum desentendimento grave entre a estatal e o município, como tinha ocorrido nos anos de 2001 e 2002, com mais ênfase no primeiro do que neste último. Na verdade, os anos de 2003 e 2004 foram marcados por muitas discussões e entraves burocráticos no processo de ampliação de Viracopos, o que acabou “esfriando” um pouco os conflitos concernentes à expansão. Na realidade, a partir das notícias analisadas, parece mesmo que a administração municipal queria evitar encarar o problema de frente, para não correr o risco de enfrentar, digamos, um desgaste político com as famílias residentes no entorno de Viracopos. Além disso, remover aquela quantidade de famílias, que era uma das tarefas do município no acordo firmado entre as três esferas para viabilizar a expansão do aeroporto, não era uma questão que seria resolvida rapidamente. Há também um ponto que merece ser ressaltado: ficou claro, para todos os que estão envolvidos no processo de ampliação de Viracopos, que o prefeito assassinado Antonio da Costa Santos (Toninho do PT) tinha muito mais vontade política e empenho de concretizar a expansão, vontade essa que sua companheira de partido, Izalene Tiene, parecia não compartilhar. Toninho possuía uma motivação pessoal para realizar a expansão de Viracopos e resolver o problema dos moradores: como arquiteto e urbanista, o prefeito queira provar que era possível ampliar o aeroporto e remover as famílias sem causar impactos negativos na estruturação do espaço urbano de Campinas. Toninho queria mostrar que era possível e viável a concretização de um projeto urbanístico decente, e que a administração municipal podia construir uma verdadeira “cidade -vitrine” para abrigar as famílias removidas, dotada de toda a infra-estrutura necessária. Voltando à questão dos conflitos envolvendo as três esferas, apesar de estes terem sofrido um refluxo nos anos de 2003 e 2004, no início de 2005, quando o pedetista Hélio de Oliveira Santos assume a Prefeitura de Campinas, as disputas políticas envolvendo Infraero, governo estadual e governo municipal voltam a se acirrar. Lembrando que, de um lado, estavam a Infraero e o governo municipal, e do outro, o governo estadual. Convém fazermos uma breve explicação sobre um fato importante. Nas eleições municipais de 2004, Hélio havia derrotado o candidato do PSDB Carlos Sampaio, mesmo candidato que havia sido derrotado por Toninho em 2000. O
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Candidato do PT, Luciano Zica, acabou ficando em terceiro lugar e não foi para a disputa do segundo turno. Nesta disputa, o PT se aliou ao PDT de Hélio para derrotar Sampaio, pedindo para que os eleitores que votaram em Zica no primeiro turno agora apoiassem Hélio. Um fato marcante foi que o próprio presidente Lula chegou a aparecer no programa de Hélio, pedindo votos para o pedetista no segundo turno, o que deixa claro a grande disputa envolvendo PT e PSDB na política nacional. Para o PT, era fundamental que o PSDB não chegasse à vitória. Com a eleição de Hélio, as discussões referentes à ampliação de Viracopos “esquentaram” novamente. Já no começo de 2005, o jornal Correio Popular publicava uma reportagem divulgando que Hélio havia pedido para o então presidente da Infraero, Carlos Wilson Campos, “... g estão junto ao governador Geraldo Alckmin (PSBD) para que seja dada rapidez ao licenciamento ambiental necessário às obras de ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas” (Correio Popular, 07/01/05). Tudo indicava que o atual prefeito estava disposto a acelerar a ampliação do aeroporto. Quarenta e cinco dias depois, no dia 22 de fevereiro, o jornal publicava uma reportagem com o título “Licença ambiental emperra SuperViracopos” 12, expondo que as licenças necessárias para a continuidade das obras de ampliação ainda não haviam sido emitidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente. O prefeito já estava ficando impaciente e preocupado: Ontem, em entrevista por telefone, Hélio reiterou as críticas à morosidade para a concessão das licenças ambientais. O prefeito pontuou que, sem os documentos exigidos por lei, não há o que conversar sobre Viracopos, que vem perdendo investimentos por causa da dificuldade encontrada junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Correio Popular, 22/02/05).
Com Hélio na prefeitura, as discussões sobre Viracopos ganharam novo fôlego, o que acabou evidenciando as divergências existentes entre Infraero e prefeitura, de um lado, e governo do estado, de outro. O foco da divergência que, anteriormente, tinha sido a questão da remoção das famílias, agora havia mudado um pouco: passou a ser a emissão das licenças ambientais pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
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SuperViracopos é uma espécie de nome fantasia. É a forma com que a imprensa e as lideranças empresariais e políticas de Campinas se referem ao aeroporto que, com a ampliação, deve se tornar o maior terminal cargueiro da América Latina.
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No início do ano de 2006, mais especificamente no dia 30 de janeiro, o prefeito Hélio fez um anúncio que surpreendeu a todos: as remoções das famílias para a ampliação de Viracopos estavam descartadas, e a Infraero iria, a partir de agora, elaborar um novo plano diretor de expansão do aeroporto. Além disso, o prefeito anunciou um investimento em infra-estrutura e equipamentos coletivos na ordem de 100 milhões de reais, em parceria com o governo federal. Com isso, o prefeito praticamente atendia todas as reivindicações dos moradores residentes nos arredores do aeroporto: eles permaneceriam nos bairros e receberiam investimentos públicos. Esse anúncio foi uma grande surpresa. Ninguém estava esperando uma reviravolta como essa no projeto de ampliação do aeroporto campineiro, que desde 1979 previa a desapropriação da área onde as famílias residem. Para se ter uma idéia do impacto que o anúncio provocou, nem mesmo o vice-prefeito de Campinas sabia que a mudança seria anunciada. O trecho abaixo, retirado da reportagem do dia 31 de janeiro esclarecia que o prefeito Hélio havia feito (...) o anúncio dos investimentos foi feito ao lado de todos os secretários e presidentes de autarquias do município. O único ausente foi o vice-prefeito e secretário da Indústria, Comércio e Turismo, Guilherme Campos Júnior (PFL) 13. ‘Não tenho conhecimento do projeto de melhorias nos bairros que seriam desapropriados’, disse à tarde, constrangido, o vice-prefeito, um dos defensores da ampliação do aeroporto com a remoção das famílias no entorno para núcleos residenciais (Correio Popular, 31/01/06).
Outro importante elemento a ser explorado é a reportagem publicada no dia seguinte, dia 1º de fevereiro. A matéria afirmava que o governo estadual havia siso excluído das discussões sobre as mudanças no plano de expansão de Viracopos. Aparentemente, o governo municipal vinha já há algum tempo articulando junto à Infraero a possibilidade de mudança no plano diretor de Viracopos. De acordo com a reportagem, a assessoria de imprensa do Secretário dos Transportes, Dário Rais Lopes, alegou que ele não tinha conhecimento da mudança que estava em curso: A assessoria de imprensa do secretário (...) informou que ele não tinha conhecimento do projeto de investimentos na área que seria desapropriada para a expansão aeroportuária. A assessoria informou ainda que não houve convite da prefeitura pra que o Estado participasse 13
Partido da Frente Liberal
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do anúncio oficial que descartou a remoção das famílias no entorno do aeroporto (Correio Popular, 1/02/06).
Isto mostra que a mudança foi articulada entre a esfera municipal e a esfera federal, excluindo o governo estadual das negociações, que estava envolvido na expansão por meio da Secretaria dos Transportes e da Secretaria do Meio Ambiente. Essa articulação nos bastidores revela de uma forma bastante clara a natureza conflituosa do Estado. A reportagem publicada no dia 7 de abril, quando o presidente Lula esteve em Viracopos para lançar o edital do aeroporto-indústria e afirmar pessoalmente que as remoções das famílias não iriam acontecer, traz uma informação bastante interessante: Sobre a mudança no projeto de ampliação no Aeroporto de Viracopos, que durante mais de 27 anos previa a desapropriação de diversos bairros residenciais, Lula afirmou que ‘o Hélio (de Oliveira Santos), assim que ganhou as eleições (municipais), foi à Brasília e reivindicou muitas coisas, entre elas o Hospital Ouro Verde e outra era em relação à população próxima de Viracopos’. ‘Eu disse para o companheiro Hélio: eu vou conversar com a Infraero e você pode dizer para o povo de Campinas, que se for preciso fazer um aeroporto redondo, a gente faz. Mas a gente não tira o povo do bairro onde está’, relatou o presidente (Correio Popular, 7/04/06).
Neste caso específico de Viracopos, o governo municipal se utilizou de sua influência política e apoio do presidente da república para alterar um projeto em benefício dos moradores que, há anos, vinham sendo ameaçados de desapropriação. É um exemplo concreto de uma ação do Estado que beneficia um grupo social excluído. A grande questão é que a construção dessa articulação entre as esferas municipal e federal que acabou beneficiando os moradores, acentuou ainda mais o conflito entre as duas esferas e a esfera estadual. Não é por acaso que, no dia 10 de julho, o Correio publicava uma reportagem dizendo o seguinte: Pelo menos três obras importantes, duas licitadas e uma em processo de contratação da empreiteira, incluídas na primeira fase de ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos estão impedidas de sair do papel por falta de Licença de Operação do atual sítio aeroportuário. Passado mais de um ano e meio das primeiras discussões para a emissão do documento entre a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), a situação continua a mesma: sem a licença novas obras não podem ser executadas no aeroporto (Correio Popular, 10/07/06).
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No entanto, o superintendente da Infraero para Viracopos, Clóvis Moreira, na entrevista que nos concedeu por telefone, afirmou não haver divergência entre as três esferas de poder no que se refere a Viracopos. Segundo Clóvis, todos têm interesse de que a ampliação se concretize o mais rápido possível e, portanto, as três partes estão trabalhando de maneira coordenada para agilizar o processo. Definitivamente, não é o que parece. Na entrevista com Justino, o representante do Campo Belo afirmou que a disputa entre PT e PSDB é o que vem norteando, nos últimos anos, a discussão em torno da ampliação de Viracopos: (...) essa disputa PT e PSDB é o que sempre travou nesses últimos tempos a questão de Viracopos, e o que tá travando nesse momento a questão da ampliação pro lado de lá. Porque a Infraero ta necessitando do EIA-RIMA pra ampliar o aeroporto pro lado de lá e algumas licenças ambientais, e o Daesp e a Secretaria de Meio Ambiente lá em São Paulo ainda não liberou essas ações, meramente, quase certeza, que é questões políticas na disputa mesmo.
Justino afirmou ainda que, se o governo do estado estivesse nas mãos do PT ou de algum outro grupo aliado, as licenças ambientais necessárias para a continuidade das obras de expansão certamente já teriam sido emitidas. Costa (1998) menciona que “Rueschemeyer & Evans (1985) tratam o Estado como ‘expressão simultânea de inúmeras tendências contraditórias’ (...)”. No nosso objeto de estudo, podemos verificar com bastante clareza a manifestação dessas tendências contraditórias nas relações das esferas de poder envolvidas na questão. A mudança nos planos de expansão de Viracopos, na realidade, mostra as possibilidades de ação que podem ser efetivadas a partir do próprio aparelho de Estado. Possibilidades de ação que, neste caso, atenderam às demandas e reivindicações de um grupo social pertencente à chamada classe dominada e subordinada aos interesses das classes dominantes. Hofling (2001) menciona as diferenças de abordagem sobre o Estado no âmbito da tradição marxista. A autora afirma o seguinte: A tradição marxista desdobra-se num amplo espectro de tendências e mesmo teorias - aliás coerente com seus pressupostos referentes à construção histórica de conceitos. Enraizadas nas clássicas formulações de Marx em relação ao Estado e às ações estatais - as quais estariam, em última instância, voltadas para garantir a produção e reprodução de condições favoráveis à acumulação do capital e ao desenvolvimento do
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capitalismo -, outras se desdobram na análise da complexa questão da autonomia e possibilidade de ação do Estado capitalista frente às reivindicações e demandas dos trabalhadores e dos setores não beneficiados pelo desenvolvimento capitalista (HOFLING, 2001, p. 32).
Nesse contexto, é necessário procurar entender quais teriam sido os principais motivos que levaram o governo municipal a articular a mudança do plano diretor de Viracopos junto à Infraero e ao presidente da república, decisão que beneficiou os moradores residentes nas proximidades de Viracopos, atendendo às principais reivindicações dos mesmos. 5.2 Os motivos da mudança no plano de expansão de Viracopos No relatório parcial entregue à Fapesp em março de 2006, havíamos proposto realizar uma análise mais aprofundada a respeito dos motivos que teriam levado o governo municipal a articular a mudança no plano diretor do aeroporto junto à Infraero e ao presidente Lula. A princípio, continuamos trabalhando com a hipótese de que a mudança foi articulada, principalmente, visando benefícios político-eleitorais para ambas as esferas, tanto nas eleições desse ano de 2006, como nas próximas eleições municipais, que serão realizadas daqui a dois anos. O objetivo da mudança no plano de expansão do aeroporto teria sido, na verdade, construir uma sólida base de apoio eleitoral junto àquela população tanto para o presidente Lula, candidato à reeleição em 2006, como para o prefeito Hélio e seus aliados políticos nas eleições de 2008. Porém, analisando a questão com mais cautela e acuidade, chegamos à conclusão de que a mudança no plano diretor do aeroporto não deve, e nem pode, ser entendida apenas a partir dos benefícios eleitorais que ela certamente traria, tanto para o presidente Lula como para o prefeito Hélio. Havia sim, outros fatores envolvidos, e fatores de extrema relevância, que não podem ser desconsiderados. Podemos afirmar que, na realidade, foi um conjunto de fatores que motivou a prefeitura de Campinas e a Infraero a buscarem uma alternativa para a expansão que evitasse atingir os bairros da região do Campo Belo. Na reportagem que anunciou a mudança dos planos inicialmente previstos para Viracopos, o prefeito Hélio dava a seguinte justificativa para a reviravolta: Quando o primeiro plano diretor da ampliação foi feito, a realidade dos bairros próximos era outra. Tivemos um adensamento populacional
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muito grande naquela área. É o momento de mostrarmos sensibilidade com aquelas pessoas que vivem aflitas há mais de 30 anos sem saber qual será o futuro daqui dois anos (Correio Popular, 31/01/06).
O discurso oficial foi esse. A Infraero, através do censo realizado com a população residente nas imediações do aeroporto, havia constatado um “inchaço populacional” na área, o que teria influenciado diretamente na opção por mudar o sentido das obras de expansão e direcioná-las para a zona rural no sentido oposto aos bairros. O superintendente da Infraero, Clóvis Moreira, na ocasião em que nos concedeu a entrevista, fez questão de enfatizar que a revisão no plano diretor que estava sendo feita agora era resultado das mudanças verificadas no adensamento populacional nas imediações de Viracopos. Segundo Clóvis, o primeiro plano diretor de expansão do aeroporto havia sido feito em 1987 e aprovado pelo Ministério da Aeronáutica. Em 1998, foi feita a primeira revisão do plano diretor de Viracopos, trabalho que foi feito por uma empresa contratada pela Infraero. Agora, neste ano de 2006, estava em curso a segunda revisão do plano diretor, motivada pelos fatores mencionados acima. De acordo com Clóvis, a decisão foi tomada pela prefeitura e pela Infraero depois dos resultados preliminares do censo realizado pela estatal no ano de 2005, ou seja, foi tomada com base em critérios estritamente técnicos. Que houve, de fato, um adensamento populacional na área, houve. Isso nunca foi segredo para ninguém. O próprio Justino afirmou, na entrevista, que a população ao redor do aeroporto havia crescido ao longo dos anos, e que isso, inclusive, fortaleceu a mobilização dos moradores na luta por seus direitos no processo de desapropriação. No dia 8 de janeiro de 2006, a Infraero divulgou os dados preliminares do censo realizado com as famílias e apresentou um resultado importante: a quantidade de imóveis residenciais e comerciais no entorno do aeroporto havia sofrido um aumento de 16,4% entre 2001 e 200514. O estudo da Infraero foi comparado com o estudo realizado pela Cohab em 2001, sob a coordenação do prefeito Antonio da Costa Santos, assassinado em setembro de 2001. Naquele ano, o levantamento realizado pela Cohab apontava a existência de 5.635 unidades. Já o estudo realizado pela Infraero, no ano de 2005, mostrou a
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existência de 6.245 imóveis, um aumento de 880 imóveis ao longo dos cinco anos. Isso corresponde a uma média de aumento de 176 imóveis por ano. É evidente que o número é significativo. Mas, pensando bem, será que 880 imóveis a mais seriam um empecilho e um obstáculo tão intransponível para a desapropriação? Supondo, evidentemente, que já havia um plano para se realizar tal ação. Mas a grande questão é: se já se sabia, em 2001, que o número de imóveis e pessoas era alto, por que se continuou trabalhando com a idéia de desapropriar as famílias? Será que 880 novos imóveis inviabilizavam de fato a remoção? Se esse número tivesse saltado para 10 mil ou 12 mil imóveis, a história seria outra. Um número desse seria, sem dúvida, um motivo mais do que suficiente para se pensar em uma alternativa para a ampliação. Essa questão do adensamento populacional remete-nos a uma discussão mais ampla: a falta de moradias para atender as demandas das camadas excluídas da população. A omissão do poder público perante a questão do adensamento populacional nos arredores de Viracopos foi levantada por vários especialistas e lideranças envolvidas no projeto de ampliação do aeroporto. Há, de fato, uma omissão do poder público em relação a ocupações clandestinas por parte da população de baixa renda, e isso é um fato de abrangência nacional, que atinge especialmente os grandes centros urbanos. Caiado explica o seguinte: A ocupação ilegal do solo pelas classes pobres urbanas é normalmente consentida como uma forma de garantir o acesso à moradia, mas não à propriedade, desde que essas se localizem em áreas não valorizadas da cidade. Caso contrário, a legislação passa a valer e a norma volta a vigorar (CAIADO, 1997, p. 461).
A omissão do poder público seria, portanto, uma forma de garantir e assegurar à população de baixa renda o acesso, ainda que informal e irregular, ao solo urbano. Isso ocorreria em razão da incapacidade, mas também da falta de vontade política, por parte do poder público, de atender as demandas habitacionais da população empobrecida das cidades. O que podemos, a partir das questões discutidas acima, concluir? Ou, pelo menos, quais considerações podem ser feitas a respeito do “discurso oficial” sobre as
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mudanças no plano diretor de Viracopos, que teve como base a questão do adensamento populacional e imobiliário em volta do aeroporto? Acreditamos que, realmente, o adensamento populacional na área e o número de famílias e imóveis que teriam que ser desapropriadas foi um fator relevante na decisão. Mas o fato é o seguinte: acreditamos que a mudança já estava decidida antes mesmo da conclusão do censo, isto é, que ela foi costurada pelo prefeito Hélio, setores da Infraero e o próprio presidente da república ao longo de 2005. Isso contraria as afirmações das autoridades de que a mudança no plano de expansão foi decidida após a apresentação dos dados preliminares do censo de 2005. A própria fala do presidente Lula a que fizemos referência no tópico anterior, na ocasião em que o presidente esteve em Viracopos para lançar o edital do aeroporto-indústria, comprova esse fato. O presidente foi muito claro ao dizer que o prefeito, logo depois de eleito, foi procurá-lo para que fosse discutido, junto a Infraero, a mudança nas obras de expansão. Se essa articulação começou logo que o pedetista Hélio foi eleito, não sabemos, mas que ela existiu, existiu, o que nos permite afirmar que a alteração nos planos já vinha sendo programada. O colunista Ricardo Alécio, do Jornal Correio Popular, afirmou, no dia 1º de fevereiro, que a mudança nos plano de expansão de Viracopos já havia sido combinada. O colunista escreveu o seguinte: O acordo com a Infraero para a alteração no projeto de Ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos já vinha sendo costurado pelo prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), desde maio do ano passado. Foram mais de 25 reuniões com a direção e técnicos da empresa que administra os aeroportos no país, controlada pelo governo federal (Correio Popular, 1/02/06).
Como o colunista obteve essa informação, e até que ponto ela é verídica, não sabemos. Mas o que se sabe é que jornalistas costumam ter suas fontes de informação que, obviamente, não podem revelar suas identidades. As declarações de Justino na entrevista que este nos concedeu também comprovam que houve uma articulação prévia. Justino comentou uma das ações do prefeito Hélio quando o pedetista assumiu a prefeitura, em janeiro de 2005: A primeira coisa que ele se colocou foi em defesa dos moradores, que ele não mexeria no povo, acontecesse o que acontecesse. Assim que ele levou o assunto pro presidente da república, colocou os fatos como
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eram, também houve uma decisão do presidente de alterar esse projeto, de intervir na Infraero pra mudar o projeto.
Acreditamos, portanto, que o discurso oficial foi preparado como uma “desculpa” pelas autoridades para ser utilizada a partir do dia dos anúncios para justificar a reviravolta no caso de Viracopos. Mas, como já ressaltamos, consideramos que, de fato, o adensamento na área influenciou na decisão de mudança dos planos. Mas em que sentido? No sentido de que, para o governo municipal, seria um desgaste político muito grande junto à população residente no entorno do aeroporto, já que eram muitas famílias para serem removidas. Além disso, havia o fato de que essa remoção exigiria uma grande intervenção urbana no Município de Campinas. Quem pagaria o preço político de um projeto de reassentamento mal-sucedido? O maior responsável seria, sem dúvida, o governo municipal. Caso isso ocorresse, o chefe do executivo municipal forneceria extraordinária munição política para seus adversários nas eleições municipais de 2008, além de ficar desgastado perante aquela população. Aliás, tanto Justino como Edson nos disseram que o número de habitantes na região que seria desapropriada é bem maior do que os números oficiais. Segundo os representantes do Campo Belo I, a população residente na área gira em torno de 40 mil pessoas. Outro fato interessante que Justino nos relatou é que, dentro da Infraero, havia resistência para se mudar o projeto de ampliação. Mas, entre se envolver em uma disputa política com a Infraero e uma disputa política com a população, Hélio teria optado pela primeira opção: (...) quando o Hélio assumiu, antes mesmo dele assumir, ele já havia se comprometido que ia defender a população, e realmente cumpriu as promessas de campanha, que ia defender a população. Até porque também ele não queria esse rojão na mão dele, porque isso é um problema que, se começasse a mexer, podia até começar, mas não sabia como terminava, e alguém ia pagar o preço político por um projeto mal sucedido né? (...) mais fácil comprar uma briga política interna na Infraero do que uma briga política com uma população desse tamanho.
Segundo o depoimento de Justino, “(...) o que havia era uma resistência da Infraero porque esse projeto veio dede a ditadura, então ninguém tinha coragem de mexer, então sempre houve muita resistência interna na Infraero (...)”. Isso teria exigido
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a intervenção direta do presidente Lula na estatal. De qualquer forma, essa resistência interna não era uma barreira impossível de ser derrubada, como mostrou Hélio. Com isso, verificamos que a questão do custo político e a própria dificuldade de se remover uma população que estava oferecendo resistência também pesou na decisão da prefeitura. Outro fato que, de uma forma ou de outra, era inegavelmente importante na discussão a respeito da ampliação de Viracopos era a questão do próprio custo financeiro da desapropriação das famílias. A reportagem divulgada no Correio Popular no dia 2 de fevereiro anunciava que o custo para a ampliação de Viracopos, com a mudança do projeto, havia caído cerca de 270 milhões de reais. Como a expansão será feita, agora, em uma área rural, a desapropriação irá custar para o caixa da Infraero 90 milhões de reais, ao invés dos 360 milhões anteriormente previstos. É até mesmo uma questão de bom-senso e respeito ao dinheiro público – ainda que isso não tenha sido levado em conta, o que não seria um fato de causar estranheza em decorrência do que estamos acostumados a ver no Brasil. Essa questão do custo financeiro da desapropriação foi um dos motivos mencionados pela vereadora Leonice da Paz para a mudança que teria ocorrido no plano diretor do aeroporto, mas a vereadora enfatizou que o que mais pesou na decisão da prefeitura e da Infraero foi mesmo o desejo das famílias de permanecerem no local. Podemos, a partir dos elementos destacados, levantar mais um fator que, de acordo com nossa avaliação, permitiu que a mudança no plano diretor de Viracopos fosse efetivada, atendendo, dessa forma, as reivindicações das famílias. Trata-se da própria posição política dos dois grandes responsáveis pela mudança: o prefeito de Campinas, Hélio de Oliveira Santos, e o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva. A partir da entrevista realizada com Justino e das leituras realizadas nesta segunda etapa da pesquisa, sobre a questão do Estado mais especificamente, temos condições de afirmar que a mudança no plano diretor de Viracopos foi, sem dúvida alguma, fortemente influenciada pela visão política e pelo próprio perfil dos dois chefes executivos. Vale ressaltar que acreditamos que a decisão de manter as famílias onde estavam foi tomada porque havia uma outra alternativa para a expansão. Se não houvesse, acreditamos que, cedo ou tarde, os moradores, mesmo com toda a resistência, seriam removidos.
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Mas a questão é a seguinte: como havia alternativa de mudar o projeto, ela foi discutida, pensada e articulada pelo prefeito Hélio e pelo presidente Lula. Queremos ressaltar que, do nosso ponto de vista, não é o que qualquer outro político teria feito. Provavelmente, se o governo federal ainda estivesse nas mãos do PSDB, dificilmente o prefeito campineiro teria conseguido apoio para a mudança. Não se trata de afirmar, e que isso fique bem claro, que Lula e Hélio são mais justos e mais preocupados com o bem-estar da população mais desfavorecida. Trata-se de afirmar, como já enfatizamos, que o Estado nem sempre irá agir para garantir e manter os interesses das classes dominantes, podendo, em determinadas circunstâncias, atender às reivindicações e demandas das classes trabalhadoras. Costa (1998) afirma que existem inúmeras evidências que autorizam “(...) uma crítica aos trabalhos que pensaram o papel do Estado na produção de políticas governamentais inteiramente condicionado pelas preferências das classes dirigentes” (COSTA, 1998, p. 25). Entendemos que, ao longo de suas trajetórias políticas, Lula e Hélio construíram relações com determinados setores da sociedade que lhes conferem alguns atributos e visões políticas específicas, que políticos do PSDB e do PFL (ao menos, em sua grande maioria), por exemplo, não possuem. É bem verdade que a postura de Hélio surpreendeu muita gente: até mesmo Justino disse que população do Campo Belo não esperava tamanho respaldo por parte do prefeito na questão da ampliação, e que isso acabou sendo uma agradável surpresa para os moradores. Justino fez um comentário bastante interessante a respeito dessa questão. Referindo-se ao prefeito, Justino afirmou o seguinte: (...) não tenho dúvida que ele será lembrado como o prefeito que acabou com a desapropriação em defesa da população dessa região. E olha que ele sempre foi um deputado federal da cidade que nunca teve voto nessa região, mas eu não tenho dúvida que nos próximos anos essa região vai se voltar pro Hélio porque ela terá uma dívida muito grande com o prefeito da cidade.
Com relação ao presidente Lula, Justino afirmou que já esperava que o presidente tivesse essa atitude (de intervir na Infraero para evitar a desapropriação das famílias) por conta da história do presidente:
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(...) tanto a postura do Hélio e a postura do presidente Lula em defender a população e apoiar a não remoção das famílias, foi a história, principalmente do presidente Lula, que ganhou uma eleição voltada para aqueles que mais precisavam. Então é questão de se trabalhar pensando nessas pessoas, e seria incoerente também por parte do presidente, que passou a história defendendo contra o capitalismo, e na hora que tem a oportunidade de fazer alguma coisa contra o capitalismo e em favor dos que mais precisam fosse tomar essa postura contrária. E a postura do prefeito Hélio foi uma grande surpresa pra nós, muito boa, porque teve uma grande sensibilidade com a região e a questão social.
Não que Lula esteja fazendo, ou vá fazer, algo contra o capitalismo. Mas é nítida e evidente a diferença existente entre seu governo e o que foi o governo de Fernando Henrique em alguns quesitos, especialmente na questão da distribuição de renda para os setores mais excluídos da sociedade. Não é por acaso que, mesmo com todas as denúncias de corrupção que abalaram seu governo no ano de 2005, que por sinal provocaram a queda de seus ministros mais importantes, o presidente Lula foi reeleito com mais de 58 milhões de votos, confirmando com isso sua forte popularidade junto aos setores mais desfavorecidos da população brasileira. O que aconteceu no caso de Viracopos é uma demonstração de que o aparelho de Estado sofre, em determinadas circunstâncias, influência de setores que não são diretamente beneficiados pelo sistema econômico, e que pertencem, portanto, à classe dominada. O Estado, entendido nesses termos, seria uma arena de conflito social (COSTA, 1998), onde os diferentes grupos se confrontam para tentar fazer valer os seus interesses: (...) a habilidade estatal em atuar de modo unitário é circunscrita pelo fato de ele também ser simultaneamente uma arena de conflito social. Os diferentes grupos sociais, dominantes ou subordinados, tentam usar o Estado como meio para realizar seus interesses particulares (COSTA, 1998, p. 24).
Quando Hélio assumiu a prefeitura de Campinas, com Lula na presidência da república, estabeleceu-se uma correlação de forças que permitiu que as reivindicações dos moradores fossem atendidas, isto é, de não serem removidos e ainda receberem investimentos em infra-estrutura, que esperavam há quase trinta anos. A análise de Souza se encaixa perfeitamente nesse contexto:
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Embora a lógica da ação do Estado, em uma sociedade capitalista, tenda15 a ser a da reprodução da ordem vigente, isso não precisa ser sempre uma verdade; aquilo que é verdade ‘no atacado’, ou estruturalmente, não é, necessariamente, sempre verdade ‘no varejo’, ou conjunturalmente. Contradições e conflitos, se bem explorados podem conduzir a situações bem diferentes de um simples reforço da dominação, perpetuamente renovado, por parte do Estado (SOUZA, 2001, p. 29).
A nosso ver, o prefeito de Campinas soube explorar muito bem essas contradições e conflitos que se faziam presentes naquela conjuntura. A vereadora Leonice da Paz também deixou claro, em sua entrevista, qual era a postura do governo municipal perante a questão de Viracopos. Questionada sobre quais os objetivos da Comissão da Câmara Municipal de Campinas para a questão de Viracopos, que ela preside, a vereadora nos deu a seguinte resposta: A comissão foi criada no dia 21/03/05 e tem como principais objetivos viabilizar a realização da expansão do aeroporto, já que a obra trará benefícios indiscutíveis para a cidade de Campinas e para a região, mas fundamentalmente levar em conta o desejo e a necessidade da população que habita o entorno do aeroporto, já que a princípio essas famílias são as mais influenciadas com a questão. A comissão tem como objetivo intermediar essa relação de debate entre a Infraero, o poder legislativo e as famílias que estarão sendo envolvidas no projeto. O objetivo é respaldar a população16.
Podemos perceber, a partir da fala da vereadora, que o governo municipal realmente tinha em mente outros planos para Viracopos, confirmando o que Justino nos relatou, de que, quando Hélio assumiu a prefeitura, comprometeu-se a não remover as famílias e buscar soluções alternativas para a questão. Consideramos que temos elementos suficientes para afirmar que, na realidade, o pivô central da mudança nos planos de Viracopos foi, realmente, o prefeito. Se o candidato do PSDB, Carlos Sampaio, tivesse vencido a disputa de 2004, mesmo com Lula na presidência da república, dificilmente o projeto sofreria essa alteração, porque de qualquer forma, tudo indica que foi Hélio que entrou em contato com Lula, apresentou o problema para o presidente e os dois, juntos, construíram uma alternativa. Se o candidato do PSDB tivesse vencido, não é nenhum absurdo supor que os moradores não teriam nenhum apoio por parte da administração municipal. Justino
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Grifo do autor Grifo nosso
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afirmou que algumas pessoas envolvidas na questão de Viracopos acreditavam que, se tivesse ocorrido uma vitória de Alckmin para a presidência e de Serra para o governo do Estado de São Paulo, o projeto de ampliação correria o risco de ser novamente alterado, voltando ao seu formato original e, conseqüentemente, removendo a população das proximidades do aeroporto. A vitória de Serra se concretizou já no primeiro turno, mas como Alckmin foi derrotado por Lula nas eleições presidenciais, tudo indica que a alternativa construída pelo presidente e pelo prefeito Hélio será mantida. Vale lembrar, mais uma vez, com relação aos fatores que provocaram a mudança nos planos de expansão de Viracopos, a questão da resistência e oposição dos moradores, articulada especialmente pelos líderes do Campo Belo I e II. Mantemos, entretanto, nosso posicionamento de que os moradores só não serão mais removidos porque há, de fato, uma outra alternativa para a expansão do aeroporto se efetivar. Caso não houvesse outra opção para a ampliação, acreditamos que, dificilmente, o presidente Lula e o prefeito Hélio barrariam a expansão para atender às reivindicações da população. Supondo que não houvesse outra opção para a ampliação, será que Hélio teria se comprometido a lutar pelos direitos das famílias desde o início? Mas o fato é que havia uma outra possibilidade. Acontece que, a partir do desejo de permanência dos moradores no local e da disposição política destes para lutarem por isso, tanto o prefeito Hélio como o presidente Lula tiveram a habilidade de resolver o problema e ainda conseguir uma sólida base de apoio junto à população. Na realidade, fizeram com que o problema existente se transformasse em uma situação política extremamente vantajosa para os dois: atenderam às reivindicações da população, construíram, junto à Infraero, uma alternativa para a expansão de Viracopos com uma economia de 270 milhões de reais para o caixa da estatal, e ainda conseguiram muitos votos para si e para seus aliados, tanto para as eleições deste ano, como para as próximas eleições municipais em 2008. Justino disse, na entrevista que nos concedeu, que é praticamente impossível encontrar alguém na região do Campo Belo que fosse votar em Alckmin neste ano, e que, a próxima vez que Hélio se candidatar, certamente terá o apoio de toda aquela população. O líder comunitário reconhece que a questão eleitoral teve um peso importante no andamento do processo, mas para ele, Lula e Hélio estavam de fato preocupados com o bem-estar da população:
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Eu acredito que tanto o Hélio como o presidente Lula estavam preocupados com o bem-estar da população, mas nós estamos falando em torno de 30 mil votos. 30 mil votos em política é 30 mil votos, e o que interessa na política é número.
De qualquer forma, foi um conjunto de fatores, e não apenas a questão eleitoral, que motivou a alteração nos planos de expansão do aeroporto campineiro. Acreditamos que, a partir das discussões realizadas neste tópico, enriquecemos um pouco mais o debate acerca da reviravolta no caso de Viracopos, o que abre novas possibilidades de análises e reflexões em um momento posterior. No próximo capítulo, discutiremos outra questão que ocupou várias páginas de jornais nos últimos meses: a ação civil pública movida pelo Ministério Público em fevereiro de 2006. A partir dessa ação, faremos uma discussão sobre a questão das territorialidades que atuam na produção do espaço urbano, buscando reproduzir novos territórios para a realização de seus interesses.
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6. A ação civil e os interesses na remoção das famílias No dia 15 de fevereiro de 2006, cerca de 15 dias depois dos anúncios do Prefeito Hélio sobre as alterações na ampliação do aeroporto e o redirecionamento das obras para uma área rural, no sentido oposto aos bairros, o promotor público José Roberto Albejante, do Ministério Público (MP) de Campinas, ingressou com uma ação civil para impedir os investimentos da prefeitura nos bairros que seriam desapropriados. A reportagem informava que a ação visava impedir os investimentos nos bairros até que fosse realizado o EIA-RIMA da nova área que seria, agora, alvo das obras de expansão de Viracopos. A reportagem trazia a seguinte declaração do promotor: A efetivação dos investimentos limitariam os debates e inviabilizariam, de uma vez por todas, as desapropriações que vinham sendo cogitadas, caso a discussão técnica das alternativas de localização do empreendimento revele que a desocupação dos bairros é, entre todas, a solução menos impactante e mais adequada ao caso, sob a perspectiva técnico-legal (Correio Popular, 15/02/06).
O promotor afirmava ainda, na mesma reportagem, que os investimentos da prefeitura eram precipitados e, dessa forma, contrários ao interesse público. O prefeito Hélio não se manifestou na ocasião afirmando que só o faria por meio da Secretaria de Negócios Jurídicos da prefeitura, mas informou, por meio da assessoria de imprensa, que respeitava a posição do MP, já que esta era legítima. Essa ação civil, a princípio, poderia ser vista como uma reação normal do poder judiciário à decisão do executivo, já que, de fato, é necessária a realização do chamado Estudo de Impacto Ambiental para obras desse porte. Mas o fato é que, em se tratando de uma questão tão complexa como a expansão de Viracopos, que envolve vários conflitos de interesse, é necessário olhar os fatos com bastante cuidado e atenção. Já no nosso relatório parcial, ao realizarmos a análise do material jornalístico referente ao ano de 2006, mencionamos que era muito difícil fazer qualquer comentário a respeito da ação movida pelo MP, até porque tudo que se tinha até aquele momento era uma simples notícia de jornal. De qualquer forma, mencionamos que não se poderia descartar a hipótese de que essa ação havia sido movida por setores do MP articulados ao PSDB ou a grupos aliados, já que o governo do estado estava, certamente, bastante irritado com a atitude
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do prefeito de Campinas, que junto com o presidente da república, excluiu o partido das negociações referentes a Viracopos. Temos alguns indícios que nos fazem crer que, de fato, existem interesses maiores por trás da ação movida pelo MP. Mas esses interesses não estariam articulados ao governo estadual e nem ao PSDB especificamente. Acreditamos que, na realidade, essa ação civil foi resultado de uma articulação no âmbito municipal entre o segmento empresarial da cidade ligado ao capital imobiliário e o MP de Campinas. Começamos a prestar mais atenção nessa ação na ocasião em que participamos da reunião da associação de moradores do Campo Belo no dia 19 de março de 2006. Nesta reunião, os líderes do bairro, em conjunto com dois advogados contratados pela associação de moradores e pela associação dos comerciantes do Campo Belo I, para prestar assessoria jurídica às duas entidades nas discussões referente à ampliação17, discutiram com bastante ênfase essa questão. O primeiro tesoureiro da associação, Justino, logo no início da reunião afirmou que a ação visava barrar os investimentos nos bairros porque havia muito interesse por parte dos especuladores imobiliários de Campinas e região que aquela população fosse removida. Antes da fala de Justino, um dos advogados da associação, em sua fala, afirmou que a ação do promotor não tinha nenhuma preocupação com a questão ambiental, e que na verdade o promotor pedia explicitamente para que não fossem levadas melhorias aos bairros. O promotor José Roberto Albejante, na entrevista que nos concedeu, fez o seguinte comentário a respeito da natureza e do objetivo da ação movida por ele: A propositura dessa ação foi muito mais de caráter preventivo. No início do ano, o prefeito, surpreendendo a todos, anunciou uma mudança de rumos na expansão do aeroporto, ao mesmo tempo em que ele anunciava investimentos maciços na área prevista para ser desapropriada pelo governo estadual para essa ampliação. Isso trouxe alguma preocupação quanto à segurança desses investimentos e quanto à possibilidade dessa medida administrativa eventualmente vir a comprometer a própria ampliação do aeroporto, porque até então não se tinha notícias quanto à elaboração dos estudos de impacto ambiental relacionados a uma obra desse porte. Então o MP procurou justamente adiar esses investimentos até que a questão ambiental estivesse estudada e tecnicamente definida. Foi esse o objetivo.
Justino, no entanto, na entrevista que nos concedeu, afirmou o seguinte: 17
Na entrevista, Justino mencionou que houve a contratação de “um bom corpo jurídico” pela associação.
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Olha, essa ação, eu não tenho a menor dúvida, primeiro que nós conhecemos o Albejante, o passado do Albejante como promotor público ambiental, e ele sempre foi um promotor bastante ligado à questão do setor imobiliário. Então nós sabemos que essa ação do promotor foi articulação de um setor da cidade, um setor que tava mobilizado com a questão imobiliária aqui do entorno, que houve uma grande especulação aqui nessa região, (...) a gente tem plena convicção disso. (...) Primeiro que ele formulou uma ação muito mal formulada, que ele não mencionava em nenhum momento na ação dele a questão ambiental, e sim só a questão da população, que tinha que preservar a área, caso a Infraero não conseguisse o EIA-RIMA. Em nenhum momento ele mencionava a questão ambiental.
A confrontação desses dois trechos das entrevistas de Albejante e Justino permite pensar que a ampliação de Viracopos envolve conflitos de interesses que não estão apenas no âmbito dos conflitos entre as esferas de poder, nem entre estas e os moradores. A questão da especulação imobiliária que vinha ocorrendo no entorno de Viracopos já tinha sido notícia do Correio Popular no ano de 2005. Na reportagem “SuperViracopos faz dobrar preço da terra”, podemos verificar como esse processo vinha ocorrendo: Nos últimos cinco anos, o metro quadrado da terra bruta em áreas próximas ao Aeroporto Internacional de Viracopos, que não estão previstas para serem desapropriadas, valorizou pelo menos 10%. De acordo com o mercado imobiliário, o custo médio da terra bruta é hoje de R$ 10,00 o metro quadrado. Mas há poucos anos não passava de R$ 5,00. E há quem esteja aproveitando para promover especulação imobiliária. Nesse caso, a terra bruta sobe para astronômicos R$ 20,00 a R$ 30,00 por metro quadrado (Correio Popular, 20/06/05).
A especulação imobiliária existente na região foi bastante mencionada por Justino na entrevista. Na ocasião em que entrevistamos Clóvis Moreira e a vereadora Leonice, perguntamos para os dois se eles acreditavam que a ação civil tinha maiores interesses por trás. Clóvis foi bastante evasivo, afirmando que não acompanha essa questão de perto, e portanto preferia não se pronunciar. Já a vereadora afirmou que não tem condições de afirmar que essa ação representa interesses maiores e frisou que tem muito respeito pelo promotor Albejante. Mas a vereadora afirmou também que essa hipótese, de que existem outros interesses envolvidos, não pode ser descartada. Vale lembrar que a vereadora é aliada do prefeito Hélio e teve importante participação no processo que redefiniu os rumos da expansão de
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Viracopos, já que é presidente da comissão da Câmara Municipal que foi criada para estudar a questão do aeroporto. Outro elemento que, de certa forma, respalda a fala de Justino sobre a especulação imobiliária é a reportagem publicada no dia 15/06/05. A matéria traz um trecho bastante interessante para ser analisado. Em um encontro promovido pelo Sindicato das empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo (Secovi), o diretor comercial da Infraero, Fernando Almeida, havia discutido com os empresários da construção civil presentes no encontro o conceito de “aeroporto -cidade”. Segundo Almeida, essa idéia era “(...) fundamental para o desenvolvimento do entorno de Viracopos” (Correio Popular, 15/06/05). O trecho abaixo explica um pouco melhor a idéia de Almeida: Para o diretor, é preciso que a sociedade local discuta e faça o planejamento urbano do entorno. (...) O conceito de ‘aeroporto-cidade’ agrega a visão de que nos arredores do sítio aeroportuário há um potencial para outros negócios como condomínios residenciais18, centros de educação e lazer trade centers (Correio Popular, 15/06/05).
As declarações de Justino e as reportagens mencionadas fornecem elementos para discutirmos algumas questões referentes aos conflitos que envolvem os diversos atores sociais em torno da apropriação do território. Este possui, para os diferentes grupos sociais, significados e valores diferenciados. Enquanto para uns o território possui um valor de troca, outros o enxergam a partir do seu valor de uso. Santos (2000) faz uma observção interessante sobre essa questão. De acordo com o autor: Para os atores hegemônicos o território (...) é um recurso, garantia da realização de seus interesses particulares. (...) Os atores hegemonizados têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares (SANTOS et al., 2000, p. 1213).
Em se tratando de uma sociedade desigual, onde existem atores hegemônicos e hegemonizados, para usar a expressão do autor, certamente haverá conflitos pela apropriação do território, que colocarão diferentes territorialidades em confronto. As 18
Grifo nosso
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disputas e conflitos se mostrarão com bastante ênfase nas cidades, sobretudo nas grandes. Haesbaert (2002), se referindo aos espaços metropolitanos, faz a seguinte afirmação: (...) o espaço metropolitano se constitui em um território complexo onde se mesclam e se separam diversas identidades. (...) Se o espaço é, como concebemos a princípio, fonte e condição indispensável para a constituição de determinados grupos, é natural que neste espaço haja constantes disputas (...) (HAESBAERT, 2002, p. 96).
O caso de Viracopos é bastante ilustrativo, pois nele podemos identificar as disputas envolvendo as três esferas de governo, federal, estadual e municipal, os moradores ameaçados de desapropriação, os empresários do setor industrial, sobretudo aquele mais voltado para o mercado externo, e também do setor empresarial ligado ao capital imobiliário. Esses são os atores que podemos, a princípio, identificar. São diversas territorialidades atuando a partir de uma questão específica, isto é, a ampliação do aeroporto. Nesse conflito, as diversas territorialidades manifestam-se com o objetivo de se sobrepor às demais e garantir a realização de seus interesses. Haesbaert (2004), analisando o conceito de territorialidade, faz seguinte afirmação: a territorialidade é definida por Sack como ‘a tentativa, por um indivíduo ou grupo, de atingir/afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos, pela delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica’ (HAESBAERT, 2004, p. 87).
Analisando a questão de Viracopos, não poderíamos afirmar que a definição de Sack se encaixa perfeitamente para este caso? Afinal, não é exatamente isso que está acontecendo? Diferentes grupos tentando influenciar os acontecimentos referentes ao processo de ampliação do aeroporto, tendo como referência de atuação aquela área? O que não podemos esquecer é que a ampliação de Viracopos é um fenômeno que faz parte do processo de produção do espaço urbano, onde estão envolvidos interesses de atores sociais de diferentes origens e naturezas. Corrêa (1989) entende o espaço da cidade como um conjunto de formas “(...) que são socialmente produzidas por agentes sociais concretos” (p. 10). Como estes agentes possuem interesses e objetivos diferenciados, a cidade se caracteriza também como um campo de lutas (Corrêa, 1989, p. 9) que reflete os conflitos de classes existentes na sociedade capitalista. Em tese elaborada junto ao
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Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Miranda (2002) analisa um tema bastante relacionado com os conflitos de interesses envolvidos na ampliação do aeroporto, que por sua vez estão ligados à questão da produção do espaço urbano. A tese, intitulada “A incorporação de áreas rurais às cidades: um estudo de caso sobre Campinas” discute, dentre outras ques tões, os conflitos de interesses envolvidos na questão da regulação do uso do solo pelo poder público, levando em conta a apropriação da máquina pública por determinados grupos ligados ao setor empresarial imobiliário. Miranda enfatiza, em seu estudo, a especulação imobiliária e a implantação de condomínios residenciais em áreas rurais convertidas em áreas urbanas através de alterações pontuais na lei de zoneamento urbano, por meio de manobras do legislativo municipal, que sofre forte influência do segmento empresarial. De acordo com Corrêa, os proprietários de terras atuam no sentido de obterem a maior renda fundiária de suas propriedades, interessando-se em que estas tenham o uso que seja o mais remunerador possível, especialmente uso comercial ou residencial de status. Estão particularmente interessados na conversão da terra rural em terra urbana, ou seja, têm interesses na expansão do espaço da cidade na medida em que a terra urbana é mais valorizada que a rural. Isto significa que estão fundamentalmente interessados no valor de troca da terra e não no seu valor de uso (CORRÊA, 1989, p. 16).
Por isso, os proprietários fundiários acabam exercendo pressões sobre o Estado, “(...) especialmente na instância municipal, visando interferir no processo de definição das leis de uso do solo e do zoneamento urbano” (CORRÊA, 1989, p. 16). As interferências dos proprietários fundiários no processo de definição de instrumentos para o planejamento urbano, no que se refere ao uso e ocupação do solo, acabam dificultando bastante o trabalho do poder público. Segundo Miranda: Os maiores problemas levantados por muitos membros de ONG’s e técnicos da Prefeitura consistem nas pressões de empreendedores e proprietários de terras, e as conseqüentes alterações pontuais de zoneamento, seja de rural para urbano, seja de residencial para comercial e de serviços, descaracterizando todo um esforço de planejamento e definição de diretrizes pelos planos e leis correlatas (MIRANDA, 2002, p. 199).
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Nos arredores de Viracopos, há muitas áreas rurais que certamente seriam alvos de empreendimentos imobiliários quando a ampliação do aeroporto estivesse concluída, com grandes possibilidades de serem convertidas em terras urbanas. Justino, na entrevista, deixou isso bem claro. O representante do Campo Belo enfatizou que, por trás do projeto de ampliação do aeroporto, havia muito interesse do setor empresarial de Campinas e região ligado ao capital imobiliário: O que havia realmente era um grande interesse pra remover essa massa de população do entorno de Viracopos, porque quem conhece a região, vê que Indaiatuba, a gente faz limite com Indaiatuba, Itupeva e Vinhedo. Tá crescendo de condomínios em volta dessa região, principalmente de Vinhedo e Itupeva pra cá, já ta quase encontrando o limite de Campinas com condomínios. Um novo Alphavile tá sendo criado ali logo na divisa de Campinas com Vinhedo. Então são coisas que a especulação imobiliária é muito grande, sem contá que os sítios aqui em volta, que faz divisa com Valinhos, tavam todos sendo vendidos pra grandes imobiliárias de São Paulo, todos contando com a remoção dessas famílias por causa da ampliação do aeroporto.
Um representante de uma entidade ambientalista de Campinas, entrevistado por Miranda (2002), fez o seguinte comentário a respeito da especulação imobiliária existente no município: A pressão imobiliária é muito grande sobre as áreas rurais, é muita especulação, um descalabro. (...) Nós do Fórum das Entidades Ambientalistas estamos muito preocupados. (...) A continuar este processo, Campinas não vai ter mais área rural nos próximos 10, 15 anos (MIRANDA, 2002, p. 176).
Um aspecto que a autora chama a atenção é para a articulação existente entre poder público e o segmento empresarial ligado à questão imobiliária em Campinas, o que acaba dificultando muito o controle da especulação imobiliária. Analisando as entrevistas das pessoas ligadas ao segmento empresarial, Miranda destaca o seguinte: Dentre as pessoas entrevistadas que compõem o grupo dos representantes do segmento empresarial, foi possível identificar pelo menos 4 que já haviam ocupado cargos de confiança em áreas correlatas do executivo municipal, e um caso específico, de uma pessoa que era, simultaneamente, funcionário de carreira da Prefeitura Municipal e sócio de empresa projetista de loteamentos, tendo, inclusive, ocupado cargo de Diretor do Departamento de Urbanismo, um dos órgãos responsáveis pela aprovação de empreendimentos imobiliários, numa época (1993/1996) em que consta do cadastro da
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prefeitura que sua empresa aprovou diversos loteamentos (MIRANDA, 2002, p. 201).
No caso de Viracopos, acreditamos que essa articulação entre público e privado teria se concretizado por meio da ação civil movida pelo MP. Justino afirmou que houve, de fato, uma articulação em âmbito municipal entre o setor empresarial ligado ao capital imobiliário e o MP na questão de Viracopos. Segundo o líder do Campo Belo I, os empresários, descontentes com a ação do prefeito, articularam-se ao MP para mover a ação na esperança de reverter o quadro: “(...) nós não temos a menor dúvida que era um setor da cidade que se organizou, procurou algum meio pra poder tentar barrar essa situação”. Com relação a essa articulação entre capital imobiliário e o promotor Albejante, a tese de Miranda traz outro elemento bastante interessante, que praticamente comprova tal articulação. A autora entrevistou também pessoas ligadas ao setor público sobre a questão da expansão urbana e da especulação imobiliária em áreas rurais, envolvendo loteamentos urbanos clandestinos voltados para a população de alta renda. A autora, no entanto, não mencionou o nome dos entrevistados. O trecho abaixo especifica o posicionamento de um promotor do MP entrevistado por Miranda, sobre a questão mencionada no parágrafo anterior: Com relação às pressões para expansão urbana nesta região, um dos entrevistados Promotor do Ministério Público lembrou que em 1994/95, quando da demanda do Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura para que sua promotoria atuasse nos processos de embargo e reversão de loteamentos urbanos clandestinos, (...) ele avaliou que não tinha competência legal para interferir, ainda que fosse em uma área de proteção ambiental legalmente constituída. Seu entendimento era, e ainda é, de que não havia instrumentos legais em matéria ambiental para tanto, e o caso deveria ser tratado pela Promotoria de Habitação e Urbanismo. Sua atuação na Promotoria do Meio Ambiente tem se restringido mais à questão do tratamento e disposição de esgotos e lixo, procurando fazer com que as Prefeituras da região assinem acordos se comprometendo num prazo de 5 a 10 anos a resolver estes problemas (MIRANDA, 2002, p. 198).
Analisando o trecho acima, parece que o promotor entrevistado não tem como prioridade a questão da especulação imobiliária em áreas rurais, ainda que sejam áreas de proteção ambiental. Mas, só para lembrar, Miranda não especificou o nome do mesmo. Portanto, seria precipitado afirmar que o entrevistado foi Albejante.
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Na entrevista que realizamos com este, questionamos o promotor sobre qual era a principal linha de atuação dele na questão ambiental, não só em Campinas, mas em toda a região. O promotor respondeu o seguinte: Como nós estamos em uma cidade grande, o promotor de meio ambiente tem que resolver as questões voltadas à ocupação urbana, tratar do meio ambiente urbano praticamente, muito mais do que só preservar a natureza. O nosso esforço todo vem no sentido de promover uma adequada destinação para o problema do lixo, para os resíduos em geral produzidos no município, a questão do tratamento dos esgotos, que foi algo que levou a um equacionamento através de um termo de compromisso de longo prazo, que vem sendo acompanhado seu cumprimento (...).
Para não deixar nenhuma dúvida, Albejante mencionou que está na promotoria do meio ambiente em Campinas desde 1993. A situação descrita por Miranda ocorreu entre os anos de 1994 e 1995. Pelas declarações de Albejante a Miranda, fica evidente que o promotor não tem muita preocupação em fiscalizar a atuação do capital imobiliário no Município de Campinas. Há, ainda, uma outra questão para ser levantada: de acordo com o próprio Albejante, não havia nenhum Estudo de Impacto Ambiental para a área onde residem as famílias. Durante todos esses anos, a discussão do projeto de ampliação de Viracopos girou em torno da desapropriação das famílias para a expansão do aeroporto, mas o promotor nunca se mobilizou para exigir da Infraero a elaboração do EIA-RIMA. O promotor fez a seguinte afirmação: “Na realidade, nem na outra área existia um EIA. Não é da tradição brasileira se preocupar com essas questões, é um esforço mais recente fazer cumprir a legislação nesse sentido”. Realmente, fica a impressão de que a ação civil foi impetrada para impedir as famílias de serem beneficiadas com investimentos públicos. Como será mostrado a seguir, no entanto, a ação civil movida pelo MP não conseguiu barrar os investimentos do poder público nos bairros anteriormente ameaçados de desapropriação, sendo que algumas obras já começaram a sair do papel. 6.1 O julgamento da ação e os embates no âmbito do judiciário Com a ação civil impetrada pelo MP, o foco do debate que tratava da ampliação havia sido novamente redirecionado. A questão da expansão dependia agora
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de um embate que seria travado no âmbito do judiciário entre o MP e o governo municipal. No dia 28 de março, o Correio Popular noticiava a decisão da justiça referente à ação civil impetrada pelo MP em fevereiro. De acordo com a matéria, o juiz havia concedido tutela antecipada ao pedido do promotor Albejante. O juiz Mauro Fukomoto decidiu que enquanto estivesse vigorando o decreto de utilidade pública do governo estadual, ou enquanto o EIA-RIMA da área onde a prefeitura e a Infraero pretendiam direcionar as obras de Viracopos não estivesse concluído e aprovado pelos órgãos ambientais competentes, o prefeito Hélio estava impedido de realizar os investimentos nos bairros. Ou seja, de acordo com a decisão do juiz, se apenas uma dessas condições fosse cumprida, a prefeitura estaria liberada para realizar os investimentos. O promotor Albejante não ficou satisfeito com a decisão do juiz. O promotor José Roberto Albejante, autor da ação, está recorrendo da decisão e o secretário de Negócios Jurídicos, Carlos Henrique Pinto, informou que a Prefeitura também vai recorrer. O promotor quer reformar a decisão para garantir que não haja investimentos nas duas situações (enquanto o decreto de utilidade pública não for revogado e enquanto não houver estudo de impacto ambiental, já que na decisão o juiz fala em uma ou outra situação). A Prefeitura vai recorrer porque, para o poder municipal, a área onde estão os bairros já foi descartada para a ampliação do aeroporto e a população que ali vive tem direito e necessidade de receber a infra-estrutura (Correio Popular, 28/03/06).
De qualquer forma, a decisão do juiz acabou facilitando o trabalho do governo municipal. Se a decisão tivesse acatado a vontade do MP, a prefeitura só poderia investir nos bairros quando as duas situações estivessem resolvidas, ou seja, quando o governo do estado revogasse o decreto, e quando o EIA-RIMA estivesse concluído. A decisão do juiz se pautou por uma lógica jurídica: se havia um decreto de utilidade pública para a área onde residem os moradores, ela não poderia ser alvo de investimentos públicos. O fato de não haver um EIA-RIMA para a outra área, para o juiz, não era motivo para impedir os investimentos. No entendimento de Fukomoto, portanto, bastaria o decreto estadual ser revogado para a prefeitura realizar os investimentos. A reportagem informava que Albejante já havia recorrido da decisão do juiz junto ao Tribunal de Justiça do Estado, o TJ. O secretário de Assuntos Jurídicos da prefeitura, Carlos Henrique Pinto, estava preparando o recurso à decisão do juiz. Para a administração municipal, a área onde as famílias residem já havia sido descartada para a ampliação do aeroporto. 83
O secretário de Negócios Jurídicos, Carlos Henrique Pinto, prepara recurso à decisão porque, para a Prefeitura, já não existe mais a opção de ampliar Viracopos na área onde estão os bairros. ‘Os loteamos estão aprovados e a Administração tem o dever legal de promover a execução das obras básicas de infra-estrutura, não lhe sendo permitido continuar inerte e assistir ao aumento dos índices de mortalidade infantil, bem como o expandir de doenças, tão somente sob o fundamento de que seria excluído do processo de estudos de ampliação do aeroporto uma das possibilidades’, afirma (Correio Popular, 28/03/06).
O recurso da prefeitura tinha uma espécie de apelo social. Na realidade, desde que o prefeito Hélio havia feito o anúncio das mudanças nos planos de expansão do aeroporto e dos investimentos nos bairros, o discurso girou em torno da “obrigação moral” que o poder público tinha com aquelas famílias, que há mais de trinta a nos estavam praticamente ignoradas pelas autoridades. No dia 9 de maio, o Correio publicou uma reportagem dizendo que o governador Cláudio Lembo (PFL) iria revogar o decreto estadual de utilidade pública. Mas, mesmo assim, isso não significava que a prefeitura poderia investir nos bairros, porque, de acordo com a reportagem, o TJ havia acatado recurso do MP de Campinas, e decidido que a prefeitura só poderia investir nos bairros assim que o EIA-RIMA definisse que a ampliação poderia ocorrer na área rural ao lado do aeroporto. A administração municipal havia entrado com recurso a essa decisão, e o desembargador do TJ, José Rabelo, iria submeter a decisão ao plenário no próximo dia 18. Lembo revogou o decreto no dia 10, e no dia 11 de maio, a matéria publicada pelo Correio dizia que o prefeito Hélio iria anunciar aos moradores, no próximo dia 10, o cronograma de investimentos nos bairros. De acordo com a matéria, o prefeito estava bastante otimista com relação ao julgamento do recurso da prefeitura no TJ. O prefeito quer dar início ao conjunto de obras em junho, mas isso só poderá se concretizar se o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) acatar o recurso da Prefeitura — o julgamento em plenário será dia 18 de maio — à ação civil pública impetrada pelo Ministério Público (MP) e que condiciona os investimentos anunciados à existência de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) aprovado. (..) O prefeito, segundo Lagos, não trabalha com a hipótese de perder o recurso. "Estamos certos que o TJ, depois de analisar amplamente a questão, vai derrubar a liminar e aquela população poderá, enfim, ser tratada como cidadã", afirma (Correio Popular, 11/05/06).
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Pelo visto, o otimismo do prefeito tinha fundamento. No dia 19 de maio, o Correio noticiava que o TJ, por três votos a zero, havia revogado a liminar que impedia a prefeitura de investir nos bairros. A ação civil, entretanto, ainda não havia sido julgada em primeira instância, mas a administração municipal estava confiante de que, quando a decisão saísse, também seria favorável à prefeitura. O fato é que, agora, a administração municipal estava liberada para investir nos bairros e, finalmente, atender às demandas daquela população. Como o governo do estado havia revogado o decreto que tornava a área de utilidade pública, a situação estava bastante favorável à prefeitura e aos moradores, evidentemente. Na entrevista realizada com Albejante, perguntamos para o promotor por que o governo do estado havia revogado o decreto. O promotor respondeu o seguinte: Com certeza por gestões do município né? A tese defendida pelo MP era quase que impossível de ser rebatida, existia realmente o decreto. O juiz no provimento liminar proibiu os investimentos justamente pelo fato do decreto prever essas áreas como áreas a serem desapropriadas, de modo que só restava ao município, diante da impossibilidade de se discutir juridicamente, fazer gestão política para que desaparecesse esse instrumento. Então foram feitas essas gestões que foram bem sucedidas, e com base nessa revogação, ele acabou sensibilizando também o TJ para autorizar os investimentos. Embora ainda seja uma questão de risco sob a minha análise, eu acho que a gente corre algum risco, mas o que o tribunal acabou entendendo é o seguinte: os riscos estão presentes, mas o município faz aquilo que acha que deve fazer correndo o risco de eventualmente de ter que voltar atrás lá no futuro. Então foi uma opção mais voltada à preocupação com o bem-estar das famílias que estavam com interesses nesses investimentos, do que propriamente uma solução técnica, pela legalidade.
De qualquer forma, a administração municipal tinha saído vitoriosa no embate judiciário que se arrastou por praticamente três meses. E, com essa vitória, os interesses dos moradores residentes na área próxima à Viracopos poderiam ser atendidos, o que reforça a discussão realizada anteriormente de que o Estado não age apenas em favor das classes dominantes. Além disso, neste caso específico, os interesses dos empresários ligados ao capital imobiliário foram prejudicados, tanto pela ação da prefeitura como pela decisão do TJ. Ou seja, os interesses dos moradores foram atendidos em detrimento dos interesses dos empresários. O Estado agiu em favor de uma camada desfavorecida em detrimento de um segmento pertencente à chamada classe dominante. Neste contexto, a idéia de Campos serve como um referencial importante: 85
No complexo e sofisticado cotidiano urbano, no qual coexistem múltiplos tipos de territórios, estes aparecem tanto como forma de expressão de domínio e poder, como também na forma de resistência às transformações impostas por grupos dominantes, às desigualdades e conflitos sócio-econômicos e culturais (CAMPOS, 2002).
A disputa pela área onde residem as famílias se constitui em um exemplo de conflito onde se verifica a coexistência de territórios “(...) como forma de expressão e poder como também na forma de resistência às transformações impostas por grupos dominantes (...)”, como enfatizou Campos. Outra questão que pode ser relacionada aos embates judiciários no caso de Viracopos é a idéia levantada por Costa (1998, p. 24), de entender o Estado como uma arena de conflito social, onde os diferentes atores, sejam eles dominantes ou subordinados, tentam usar o Estado para garantir a realização de seus interesses. De um lado, o segmento empresarial ligado ao capital imobiliário, que se articulou junto ao MP, e do outro, os moradores, que reivindicavam do governo municipal os investimentos nos bairros ameaçados de desapropriação. Os moradores, portanto, tiveram suas reivindicações atendidas, e seriam finalmente beneficiados com investimentos públicos, com verbas oriundas do governo municipal e do governo federal. As obras, inclusive, já começaram. No tópico seguinte, mostraremos algumas fotos que foram tiradas na ocasião em que realizamos a entrevista com Justino, que mostram as obras em andamento. 6.2 O início das obras Com a decisão do TJ de revogar a liminar que impedia o governo municipal de investir nos bairros, as obras começaram assim que possível. Como uma parte dos recursos que serão usados para levar infra-estrutura aos bairros é do governo federal, o prefeito Hélio decidiu iniciar as obras com dinheiro do próprio caixa da prefeitura. No dia 4 de agosto, o Correio noticiou que as obras de iluminação pública já nos bairros que antes estavam ameaçados de desapropriação já haviam começado. A população dos bairros estava, evidentemente, muito satisfeita com o início dos investimentos prometidos pelo prefeito no início do ano. A matéria do jornal trazia o seguinte texto:
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Quem mora em regiões escuras aguarda com ansiedade a chegada da luz ao bairro. Essa é a realidade de Maria da Silva, que reside na Cidade Singer. ‘As pessoas instalam luzes do lado de fora das casas e nas entradas dos quintais. Mas será muito bom quando todo o bairro tiver iluminação pública’, afirmou. Outro pedido urgente de Maria é a rede de água e esgoto. ‘A gente se vira com água de poço ou do caminhão-pipa’, lamentou (Correio Popular, 4/08/06).
Quando da data da realização da entrevista com Justino, no dia 3 de setembro, aproveitamos a ocasião para conferir pessoalmente o andamento das obras. Depois da entrevista realizada, Justino mostrou alguns lugares onde já se pode verificar a presença de novos pontos de iluminação pública. O representante do Campo Belo I havia dito na entrevista que existem moradores que ainda estão um pouco descrente nas obras, que elas iriam demorar demais e depois iam ser abandonadas com o tempo. Talvez isso seja um reflexo dos anos de abandono e descaso do poder público em relação à população daqueles bairros. Mas Justino estava otimista: Ainda existe algumas pessoas que ainda não acreditam, porque as obras às vezes demoram, porque até se elaborar projetos, fazer licitação, as obras demoram pra acontecer. Então a população ainda tinha dúvidas, mas agora as obras já iniciaram, tão iniciando a todo vapor, nós esperamos até 2008 estar com pelo menos 50% dos investimentos já concluídos.
Justino afirmou que, até o presente momento, apenas as obras de iluminação e implantação da rede de água e esgoto haviam começado, mas que no dia 15 de setembro a prefeitura daria início às obras de asfaltamento nas ruas que fazem parte dos itinerários dos ônibus. Nas fotos abaixo, podemos verificar o anúncio da prefeitura de que as obras estão em andamento.
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Foto 6: Placa de anĂşncio de obras nos bairros do entorno de Viracopos
Fonte: Trabalho de campo (03/09/06)
Foto 7: Placa de anĂşncio de obras nos bairros do entorno de Viracopos
Fonte: Trabalho de Campo (03/09/06)
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Na rua onde Justino reside, já haviam sido implantados novos postes, a exemplo de várias outras ruas do Jardim Campo Belo I e do Jardim Campo Belo II. A foto seguinte mostra os novos postes ao longo da rua onde Justino mora com sua família. Foto 8: Novos pontos de iluminação pública no Jardim Campo Belo I
Fonte: Trabalho de Campo (03/09/06)
No decorrer do segundo semestre, de acordo com Justino, terá início a construção de equipamentos coletivos, como postos de saúde, creches e escolas. Para o
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promotor Albejante, os investimentos nos bairros vão complicar a discussão referente à ampliação do aeroporto, já que será muito difícil desapropriar a área onde residem os moradores com a realização de tais investimentos por parte do poder público, caso essa área seja apontada pelos estudos ambientais como a alternativa locacional de expansão mais viável. O promotor deixou isso bem claro na entrevista: (...) a realização desses investimentos vai acabar corroborando aquilo que o MP tentou combater, que é a teoria do fato consumado. Uma vez que os técnicos se deparem com esses investimentos já realizados, a tendência vai ser eles desconsiderarem essa possibilidade de ampliação e optarem por outras alternativas locacionais para o empreendimento, que podem ou não se mostrar viáveis, isso só os técnicos de estudos que vão demonstrar.
Pelas declarações do promotor, pode-se dizer que os empresários do ramo imobiliário que estavam contando com a desapropriação das famílias terão que se conformar com a situação. O próprio Albejante reconheceu que, com o início dos investimentos, dificilmente aquela área seria desapropriada no futuro, caso fosse necessário. O processo de ampliação de Viracopos mostra, de uma maneira muito clara, como os interesses dos diferentes grupos e segmentos sociais envolvidos na produção do espaço urbano são conflituosos, fazendo com que haja constantes disputas e conflitos pela apropriação do território. Depois de anos sendo ameaçados de sofrerem um processo de desterritorialização (Haesbaert, 2004), os moradores conseguiram garantir que suas reivindicações fossem atendidas e, dessa forma, contrariaram interesses de setores que, na maioria dos casos, são diretamente beneficiados pelo poder público. Setores esses que, quando beneficiados, contribuem para a produção de uma cidade onde impera a lógica capitalista da produção do espaço, fazendo agravar o problema da segregação residencial e do acesso à terra urbana pelos grupos economicamente desfavorecidos.
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7. Considerações finais Este trabalho de iniciação científica teve como objetivo contribuir para os estudos a respeito dos conflitos sociais que se materializam no meio urbano, interferindo diretamente na configuração do território e na organização do espaço da cidade. A partir da metodologia adotada, foi possível avançar significativamente em relação aos objetivos que haviam sido propostos no projeto de iniciação científica que foi enviado à Fapesp em julho de 2005. Podemos verificar, com base nos estudos realizados, a complexidade e abrangência desta temática que possibilita várias abordagens a partir de diferentes áreas das ciências sociais. A variedade de atores e interesses presentes nos conflitos referentes à expansão do aeroporto fornece subsídios importantes para pensarmos a realidade das grandes cidades brasileiras nos dias atuais. Em primeiro lugar, podem ser feitas algumas considerações em relação aos atores que comparecem no cenário deste conflito. Como já foi ressaltado anteriormente, deve-se levar em conta, sobretudo, as divergências e conflitos de interesses inerentes ao próprio poder público, o que fez com que este atuasse de maneira contraditória na questão da ampliação do aeroporto. Podemos verificar que, além da Infraero, do governo do estado e do governo municipal, a partir de um determinado momento a figura do Ministério Público ganha destaque e direciona os debates em torno da expansão para o âmbito do poder judiciário. Portanto, o poder público não atuou em momento algum de maneira totalmente coordenada, o que impossibilita tratá-lo como se fosse apenas mais um ator presente no cenário deste conflito. Pode-se afirmar, seguramente, que através do poder público manifestaram-se os interesses de diferentes atores sociais envolvidos na ampliação do aeroporto. Aliás, os interesses dos empresários ligados ao capital imobiliário apareceram através do próprio poder público, uma vez que estes se articularam ao MP para garantir os seus interesses na questão da ampliação de Viracopos. Outro setor do segmento empresarial que possui interesses na ampliação do aeroporto é aquele ligado ao setor produtivo, sobretudo aquele voltado para o mercado externo. Por meio do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo de Campinas, os empresários tiveram um papel ativo nas discussões em torno da desapropriação das famílias em momentos anteriores. Interessados sobretudo no projeto do aeroporto91
indústria, que prevê uma área para abrigar empresas exportadoras que terão isenção fiscal, os empresários queriam resolver logo o problema das famílias, pois segundo eles a questão da desapropriação da área era o maior entrave para o andamento das obras. Mas, com a mudança do projeto, o papel dos empresários ficou mais restrito às discussões sobre a área que abrigará as empresas interessadas no projeto do governo. Evidentemente não podemos deixar de mencionar o papel dos moradores, organizados por meio das associações de bairro, sobretudo os residentes no Campo Belo I e no Campo Belo II. Como já foi colocado, os moradores tiveram um papel importante no processo e acabaram conseguindo que suas principais reivindicações fossem atendidas. Quando se fala, entretanto, dos moradores, deve-se deixar claro que, além do fato de que essa resistência era mais visível nos dois bairros mencionados no parágrafo anterior, deve-se destacar também o papel das lideranças. Sem a articulação dos representantes dos bairros, dificilmente aquela população teria conseguido se articular e lutar pelos seus interesses. Vimos que a falta de confiança que aquela população tinha no poder público e o apego que esta sentia em relação ao lugar de vivência constituíram-se nos principais fatores que motivaram a resistência das pessoas. Dessa forma, os moradores se constituíram também em um obstáculo aos interesses do capital imobiliário, que estava interessado na remoção daquela população. Com relação aos principais problemas enfrentados pelos moradores no que se refere à infra-estrutura dos bairros, são diversas as carências enfrentadas por aquela população no dia-a-dia. Difícil dizer qual seria o maior problema dentre tantos, mas talvez o mais urgente seja a questão da rede de água e esgoto, que faz com que muitas pessoas fiquem doentes devido às condições insalubres do ambiente. Por fim, podemos colocar a questão das propostas do governo municipal para a resolução do impasse que envolvia a desapropriação das famílias. Como mostramos nesta monografia, a administração municipal articulou junto à esfera federal uma alternativa para a ampliação do aeroporto que seria muito menos onerosa para o caixa da Infraero e muito mais viável para o governo municipal, tanto do ponto de vista político, como do ponto de vista técnico-urbanístico. Em linhas gerais, esses são as principais considerações que podem ser feitas sobre este trabalho. Deve-se ressaltar que temos plena convicção de que este tema não foi esgotado e as conclusões a que chegamos a partir de nossos estudos visam apenas 92
contribuir com um debate mais amplo. Esperamos que os resultados obtidos aqui possam contribuir com outros estudos preocupados em analisar a din창mica dos conflitos sociais que se materializam nas cidades, especialmente nas grandes.
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8. Referências bibliográficas CAIADO, M. C. S. O padrão de urbanização brasileiro e a segregação espacial da população na região de Campinas: O papel dos instrumentos da gestão urbana. IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP, 1997 CAMPOS, H. A. Refletindo sobre o papel das representações nas territorialidades urbanas: o exemplo da área central do Recife. Disponível em < http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/Geousp/Geousp11/Geousp11_Campos.H TM > Data de acesso: 11 de agosto de 2006. CARLOS. A. F. A. A Cidade. 4ª ed. Coleção Repensando a geografia. São Paulo: Contexto, 1999, 98 p. CORRÊA. R.L. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1989. 94p. CORREIO POPULAR, Disponível em <www.cpopular.com.br> Data de acesso: outubro de 2005 a setembro de 2006 COSTA. N. R. Políticas Públicas, Justiça Distributiva e Inovação: saúde e saneamento na agenda social. São Paulo: Hucitec, 1998, 173 p. GOHN, M. G. M. Movimentos sociais e lutas pela moradia. São Paulo: Loyola, 1991. HAESBAERT. R. O Mito da Desterritorialização: do “fim dos territórios”a multiterritorialização. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2004. ______. Territórios Alternativos. São Paulo: Contexto, Rio de Janeiro: EDUFF, 2002. HÖFLING, E. de M. Estado e políticas (públicas) sociais. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n55/5539.pdf > Data de acesso: 22 de agosto de 2006 LEITE, A. F. O lugar: duas acepções geográficas. Disponível em < http://www.anuario.igeo.ufrj.br/anuario_1998/vol21_09_20.pdf#search=%22leite%20tu an%20lugar%22> Data de acesso: 16 de junho de 2006. MIRANDA. Z. A. I. A Incorporação de Áreas Urbanas Rurais às Cidades: um estudo de caso sobre Campinas, SP. 2002. 300 f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. PIQUET, R. Descaminhos da moderna industrialização brasileira. In: PIQUET, R., RIBEIRO, A. C. T. (org). Brasil, território da desigualdade: descaminhos da modernização. Rio de Janeiro: J. Zahar: Fundação Universitária José Bonifácio,1991. RAMOS, A. W. Espaço-tempo na cidade de São Paulo: historicidade e espacialidade do "bairro" da Água Branca. Disponível em: <
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9. Apêndices
Entrevista – Promotor público José Roberto Albejante (05/09/06)
Há quanto tempo o Sr. está na promotoria? Albejante – Estou no MP há quase vinte anos, vim pra Campinas no final do ano de 1990, e trabalho com a promotoria do meio ambiente aqui em Campinas desde 1993, portanto há treze anos. Qual tem sido o seu principal foco de atuação dentro da questão ambiental, não só no município mas na região também? Como nós estamos em uma cidade grande, o promotor de meio ambiente tem que resolver as questões voltadas à ocupação urbana, tratar do meio ambiente urbano praticamente, muito mais do que só preservar a natureza. O nosso esforço todo vem no sentido de promover uma adequada destinação para o problema do lixo, para os resíduos em geral produzidos no município, a questão do tratamento dos esgotos, que foi algo que levou a um equacionamento através de um termo de compromisso de longo prazo, que vem sendo acompanhado seu cumprimento, e o novo desafio nosso tem sido evitar que o desenvolvimento urbano de Campinas se dê com aqueles mesmos equívocos verificados no desenvolvimento da RMSP. Nós queremos ver se a gente consegue, primeiro, averbar reservas legais que garantam mais áreas verdes pra região metropolitana como um todo no futuro, e por outro lado também nós estamos muito preocupados com a questão hidrológica, fazer com que haja uma política de macro drenagem para o município que evite que nós fiquemos reféns de cada chuva mais forte que desabe aqui por Campinas. Então nós estamos tentando isso, aprender com a experiência e fazendo um trabalho de conscientização para mudar a mentalidade do empresariado brasileiro, fazendo com que o desenvolvimento se dê sem perda da qualidade vida. Com relação à Viracopos especificamente, qual foi o motivo da propositura da ação civil pública movida pelo MP no início deste ano? A propositura dessa ação foi muito mais de caráter preventivo, no início do ano o prefeito, surpreendendo a todos, anunciou uma mudança de rumos na expansão do 96
aeroporto, ao mesmo tempo em que ele anunciava investimentos maciços na área prevista para ser desapropriada pelo governo estadual para essa ampliação. Isso trouxe alguma preocupação quanto à segurança desses investimentos e quanto à possibilidade dessa medida administrativa eventualmente vir a comprometer a própria ampliação do aeroporto, porque até então não se tinha notícias quanto à elaboração dos estudos de impacto ambiental relacionados a uma obra desse porte. Então o MP procurou justamente adiar esses investimentos até que a questão ambiental estivesse estudada e tecnicamente definida, foi esse o objetivo. Por qual motivo o Sr. acha que o governo do estado acabou revogando o decreto de desapropriação? Com certeza por gestões do município né? A tese defendida pelo MP era quase que impossível de ser rebatida, existia realmente o decreto, o juiz no provimento liminar proibiu os investimentos justamente pelo fato do decreto prever essas áreas como áreas a serem desapropriadas, de modo que só restava ao município, diante da impossibilidade de se discutir juridicamente, fazer gestão política para que desaparecesse esse instrumento. Então foram feitas essas gestões que foram bem sucedidas, e com base nessa revogação, ele acabou sensibilizando também o TJ para autorizar os investimentos, embora ainda seja uma questão de risco sob a minha análise, eu acho que a gente corre algum risco, mas o que o tribunal acabou entendendo é o seguinte: os riscos estão presentes, mas o município faz aquilo que acha que deve fazer correndo o risco de eventualmente de ter que voltar atrás lá no futuro. Então foi uma opção mais voltada à preocupação com o bem-estar das famílias que estavam com interesses nesses investimentos, do que propriamente uma solução técnica, pela legalidade. Mas o Sr. acha que o governo do estado acabou se precipitando, em não ter conversado talvez com o próprio MP de Campinas sobre essa possibilidade de revogar o decreto? É difícil a gente taxar o comportamento do Estado como precipitado ou não, a verdade é que provavelmente o Estado não tem muito interesse mais na manutenção desse ato normativo, que deve ter sido editado numa época em que toda essa área pertencia ao governo do estado e ele vinha gerenciando muito mais por ser uma área originariamente dele, do que propriamente por ter uma política estadual preocupada com Viracopos. 97
Então quando houve a gestão do município no sentido de que “olha, nós queremos tomar conta disso”, o Estado falou: “Tudo bem, pra mim é irrelevante. O que você quer? Que eu revogue? Tudo bem, então eu vou lá e revogo”. Eu acho que o Estado se preocupou com isso, quer dizer, eu vou dar pra você o que você está pedindo, e daí pra frente o problema passa a ser seu, ou seja, do município. O Sr. acha que existe risco da expansão do aeroporto não se concretizar, sobretudo pela mudança inesperada de rumo que o projeto tomou no início do ano? Se sim, por quê? Também é um pouco temerário a gente dizer qualquer coisa, sem que os estudos de impacto ambiental sejam elaborados. O MP se bate pela elaboração desses estudos, porque são os técnicos que vão analisar a questão como um todo, a melhor alternativa locacional para o empreendimento, agora sem dúvida, se chegar à conclusão que a melhor alternativa locacional é onde estão sendo realizados esses investimentos, se já era difícil desapropriar as famílias antes desses investimentos com a área com melhoramentos vai ser mais difícil ainda de ser desapropriada, mas tudo isso é um terreno hipotético que fica difícil a gente abordar. O risco existe, mas eu acho que tudo isso vai acabar passando por estudos e inclusive a realização desses investimentos vai acabar corroborando aquilo que o MP tentou combater, que é a teoria do fato consumado, uma vez que os técnicos se deparem com esses investimentos já realizados, a tendência vai ser eles desconsiderarem essa possibilidade de ampliação e optarem por outras alternativas locacionais para o empreendimento, que podem ou não se mostrar viáveis, isso só os técnicos de estudos que vão demonstrar. A partir dessa resposta, quais seriam os principais impactos da expansão do aeroporto nessa nova área, porque, pelo que a gente sabe, já havia um EIA da área onde vivem as famílias, ou seja, já havia um plano de expansão para aquela área. Portanto, quais seriam os principais riscos ambientais desse novo projeto de expansão? Na realidade, nem na outra área existia um EIA. Não é da tradição brasileira se preocupar com essas questões, é um esforço mais recente fazer cumprir a legislação nesse sentido. Os impactos, diz o legislador, prevê o EIA, com obras que causem grandes transformações, significativos impactos ambientais no dizer do legislador. E sem dúvida, um aeroporto, quer pela questão de ruído que ele implica, quer pela questão 98
de movimentação de terras, de uma obra de grande porte, com pistas quilométricas, com toda uma estrutura de apoio, com a necessidade do deslocamento de pessoas, é um pólo gerador de tráfego, etc, ele gera inúmeros impactos que tem que ser avaliados. Então, sempre a implantação de um aeroporto vai causar impactos, o que o estudo tem que mostrar ou procurar demonstrar é se é possível a mitigação desses impactos, ou se estaríamos diante de impactos não mitigáveis que desaconselham a realização dos investimentos, é isso que o estudo deve fazer. O Sr. acha que a eventual remoção das famílias teria impactos negativos na cidade, porque um dos argumentos da prefeitura é esse, é que esse processo implicaria num alto custo tanto para o caixa da Infraero quanto para a própria organização do espaço urbano da cidade, e realmente, a gente sabe que se isso não fosse feito da forma adequada, poderia causar um verdadeiro desastre urbanístico. De qualquer forma, o Sr. acredita que teria um impacto negativo? O que eu vou falar também é na base do achômetro. Eu acho que é muito difícil você fazer a realocação de famílias, qualquer que seja o número de famílias. Se for um número pequeno já é difícil, você mudar a vida de uma pessoa que está acostumada a viver numa determinada região pra outra que você não sabe que condições você vai preservar, isso sem dúvida mexe profundamente com a estrutura familiar, e não é um problema de fácil solução. O problema aí é uma questão de princípios jurídicos. O MP, ele é fiscal da lei, então ele tinha que se bater pela observância da legalidade desse processo. E a gente achava que o que estava acontecendo era isso, quer dizer, estava se passando a carroça na frente dos bois. Primeiro eu tinha que definir a questão da viabilidade do empreendimento, da melhor alternativa locacional, etc. Isso só o EIA é que vai trazer. Pra depois eu pensar em soluções práticas. Então, era essa extemporaneidade, uma certa precipitação da ação administrativa é que era objeto de questionamento, e não a facilidade ou dificuldade de se remover as famílias. E por outro lado nós estávamos questionando uma atitude da prefeitura, a questão do custo elevado ou não elevado era algo que não repercutia no patrimônio da cidade, mas sim no patrimônio da Infraero. Então como a gente está defendendo a cidade, a ordem urbana, a gente acha que o prefeito não tinha que se preocupar em trazer economia ou não para a Infraero, mas sim tratar bem a sua população, agora é óbvio que a administração pública trás desafios, e nem sempre o administrador pode ficar aguardando pela legalidade absoluta, sob pena dele ficar num imobilismo. Então, administrar é correr risco, então o 99
que o prefeito optou é por adotar uma providência que implicava num risco de ensejar um acionamento, como ensejou, e depois lutar pra reverter isso judicialmente, e ele acabou tendo um relativo sucesso, pelo menos até esse momento, na reversão disso, tentando mostrar que ele precisava resolver o problema dessas pessoas. Mas o MP tinha que cumprir o seu dever, assim como o prefeito está cumprindo o dever dele. A liminar que impedia os investimentos foi cassada, mas a ação civil ainda está em julgamento. Qual a sua expectativa com relação ao julgamento da ação? A última manifestação na ação o MP tentou demonstrar que houve uma mudança no foco de discussão. O TJ desconsiderou a questão da legalidade, para se valer muito mais por uma questão de justiça, da justiça social, vamos dizer assim. Esse passou a ser o fator relevante. O que o MP tem demonstrado é que sua preocupação, hoje, é que o movimento de Viracopos é subdimensionado, nós temos 30 vôos diários, cerca disso, e com a ampliação nós vamos elevar isso para um número muito maior. Só para se ter uma idéia, Congonhas, que é uma aeroporto nacional, que tem horário de funcionamento limitado ao período diurno, têm mais de 600 vôo diários. Então o que a gente sabe também que a vocação de Viracopos vai ser muito mais pra vôo de carga do que de passageiro, e o avião cargueiro normalmente ele é uma aeronave muito mais obsoleta, não existe uma regulamentação proibindo o uso de aviões russos de grande porte com alta emissão de decibéis, então o que o MP está defendendo é o seguinte: aquilo que está sendo visto como uma redenção pela população, amanhã vai ter nessa população a primeira pessoa batendo na porta do MP pra se queixar do ruído, do barulho, da qualidade de vida, de problemas de crise nervosa motivados pelo barulho constante das aeronaves. Então a gente sugeriu ao juiz, já que a preocupação é o bemestar da população, que ele proceda a uma prova técnica, uma prova pericial, tentando medir hoje quais são o volume de decibéis emitidos por esse tipo de aeronave, quais são as alternativas, houve até uma quesitação com esse objetivo, pra tentar produzir uma prova e tentar definir um limite mínimo de distância da fixação dessa população em relação à futura pista do aeroporto, pra com isso tentar garantir que a aeronave, quando sobrevoe essas áreas esteja a uma altura em que o limite de decibéis emitidos esteja o mais próximo do aceitável possível. Então essa passou a ser uma preocupação voltada à defesa do interesse dos próprios moradores, mas até hoje eu não tenho notícia sobre o deferimento dessa prova técnica ou mesmo indeferimento pelo juiz, faz um tempo que eu não dou uma olhada e que não recebo o processo de volta, mas a última manifestação 100
foi nesse sentido, então processo ainda pode dar uma certa reviravolta, o decreto municipal ainda está tendo discutida a sua validade ou anulação, foi pedida a anulação do decreto municipal, é algo que o juiz ainda vai decidir, pode ou não pode acolher, e acolha ou não acolha isso também pode ser objeto de recurso, vai depois pro tribunal definir, quer dizer, a indefinição ainda vai persistir por um certo tempo, o que vai ficar definido é a realização dos investimentos.
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Entrevista – Edson Santana (Presidente da associação de moradores do Jardim Campo Belo I) - 05/02//06 1. Edson, com a decisão da prefeitura de realizar investimentos de mais de R$ 100 milhões nos bairros e descartar a remoção das famílias, tudo mudou no que se refere ao processo de implantação do Plano Diretor da Infraero para a expansão do Aeroporto de Viracopos. Na sua Opinião, quais os principais fatores que motivaram essa decisão? Um dos principais fatores que motivou a decisão da prefeitura foi, em primeiro lugar, a luta do povo. Segundo, a consciência do próprio prefeito, já que passaram vários prefeitos por essa Cidade de Campinas e nenhum teve coragem de fazer o que ele fez. Então foi isso que motivou ele fazer, pelo menos, olhar a questão de um lado mais humano e não apenas econômico como outros prefeitos olharam. 2. Os moradores, organizados em torno da associação de bairro, possuíam algum tipo de projeto alternativo ao que a Infraero e a prefeitura apresentavam pra vocês? A gente vem discutindo esse projeto de ampliação do aeroporto desde 82, quando o superintendente da Infraero era o Alemão Mozart, nós apresentávamos alternativa pra ele. Que o aeroporto era uma área enorme, não precisava crescer depois da pista, da Santos Dumont, mas ele sempre dizia que tinha que crescer. Nós apresentávamos outras alternativas, que crescesse pra lá. Mas ele nunca nos ouviu. E agora felizmente, parece que havia a negociação entre o prefeito e a Infraero e Governo Federal, parece que essa alternativa que nós apresentamos no passado, eles pelo menos pensaram, repensaram e parece que vai colocar em prática. 3. Edson, qual vai ser o papel que a associação de moradores vai desempenhar daqui pra frente, já que a reivindicação foi, ao menos na teoria, atendida? Nossa associação de moradores, em conjunto com as demais associações, vamos manter pelo menos uma cobrança. Já que foi prometido que seja executado. Não que está tudo 100% resolvido, mas já deu o primeiro passo, a possibilidade de mudar o Plano Diretor pro aeroporto ser ampliado pro outro lado de lá, a área Sudeste ou a área Oeste, me
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parece. Mas nós da associação vamos continuar organizados, caso o prefeito não cumpra sua parte, nós vamos cobrar, que é o nosso papel. 4. Edson, caso a Infraero e a prefeitura tivessem dado todas as garantias para os moradores referentes ao processo de desapropriação, de que as indenizações seriam pagas de maneira correta e justa, os moradores aceitariam sair sem maiores contestações, ou eles não queriam sair daqui de qualquer forma, em nenhuma hipótese? Olha, é praticamente as duas respostas ao mesmo tempo. Muitos moradores, que vivem aqui ainda, outros que já morreram e outros que já mudaram, e outros que foram e voltaram de novo, porque o pessoal, em tese, o pessoal gosta do bairro. Afinal de contas, muitos nasceram aqui, se criaram, estudaram e trabalharam aqui nessa região. Então, num sentido mais humano, o pessoal gosta daqui, plantaram, criaram seus animais, tem uma afinidade familiar aqui na região. Nesse aspecto, muitos moradores, 70% dos moradores não queriam mudar. Esses mesmos 70 colocavam pra nós outras alternativas, como também pros prefeitos que ali passaram. Se tem que mudar, nós queremos saber para onde vamos, e 30% que tava desiludido, cansado com essa novela que nunca acabava, se a prefeitura desse uma indenização justa pra eles com certeza eles sairiam. Mas 70% da população tava mais a fim de ficar do que de mudar daqui.
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Entrevista – Justino (Primeiro tesoureiro da associação de moradores do Jardim Campo Belo I) - 03/09/06
Justino, você falou que você mora no Campo Belo I desde 1993. Por que você se mudou pra cá? Justino - Bom, na época, minha família, eu morava numa fazenda, e a casa não era propriedade nossa. Como só meu pai trabalhava na fazenda, os filhos queriam vir pra cidade né? Como a gente não tinha condições de comprar imóvel em um lugar com todos os serviços e infra-estrutura, acabamos encontrando essa casa onde eu resido hoje, foi vendida em parcelas na época, e viemos pra cá, já sabendo dessa história da desapropriação. Há quanto tempo você participa da associação? Eu me envolvi na associação no final de 95. Desde 95 pra cá, eu era coordenador da comunidade na igreja católica, logo consequentemente eu comecei a participar das coisas e das discussões do bairro, acabei me envolvendo com a associação de moradores, de lá pra cá nós viemos discutindo essa situação de Viracopos. Mesmo com todas essas condições precárias do bairro, houve uma resistência muito forte dos moradores em deixar o lugar. Por que você acha que, mesmo com todas essas dificuldades, as pessoas tinham tanta vontade de permanecer aqui e fizeram tanta oposição ao projeto do poder público de desapropriação? Olha, primeiro que essa questão da desapropriação nunca foi um fato concreto. A única coisa que eles tinham era puramente um decreto de 79. Mas de ações concretas do poder público municipal, do poder público estadual e poder federal mesmo, eles não tinham nada com relação à remoção das famílias. Eles tinham era muita discussão política e muito disse me disse que ia sair a população, mas de fato não existia a área, não existia um plano de remoção das famílias, e isso vinha se arrastando desde 79 com essa renovação dos decretos. Então isso causou na população, primeiro uma angústia muito grande, porque não sabia o que ia fazer no dia de amanhã, e segundo pela omissão do poder público em relação à investimento na região. Então a população desacreditou que ia ser removida, e as coisas
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acabaram caminhando a um ponto que logo quando o Toninho assumiu, na gestão do PT em Campinas, tinha uma grande esperança da população que finalmente ia ter os investimentos, mas também o Toninho adotou uma postura de remoção das famílias, trouxe o assunto à tona, começou a chamar a responsabilidade, infelizmente aconteceu o que aconteceu, daí a Izalene assumiu, e ela manteve a postura de que as famílias seriam removidas, mas sempre houve uma resistência de duas associações, a do Campo Belo I, onde eu resido, e a do Campo Belo II, onde a Dilva é presidente. Nós nunca concordamos que seríamos removidos, exatamente pela falta de projeto, pela falta de uma definição clara, com relação a como que ia, sem contar que é uma população em torno de 9 mil famílias, então isso não se remove, essa quantidade de pessoas de uma hora pra outra sem um projeto e de qualquer forma iria haver uma outra grande intervenção na cidade de Campinas pra recolocar toda essa população. Então como nós vimos que tinha essa indefinição nós construímos uma plataforma de discussão, tanto uma plataforma política, como uma plataforma jurídica, como uma plataforma de mobilização social da população de resistência. E acabamos colhendo esse fruto da situação, não foi porque a Infraero é boazinha, não foi porque o prefeito é bonzinho, porque o presidente é bonzinho, porque na realidade a população tava preparada e mobilizada pra enfrentar qualquer situação, pra resistir a essa questão de Viracopos. Você acha que a resistência da população se deu apenas por essa falta de projeto ou haviam outros motivos envolvidos? Não, com certeza existiam outros motivos, porque desde 79, são quase trinta anos, aqui muitas pessoas nasceram, cresceram, casaram, criaram filhos, viram eles casar, viram os netos nascer, então toda a sua história tá aqui, então é difícil você remover toda a história de uma pessoa, de uma família, e tirar de um lugar pro outro, e aqui é uma região que tem uma população muito idosa, então é difícil você tirar a história dessas pessoas, e ainda mais tirar uma história e não ter um projeto definido. Então a população aderiu muito rápido à idéia de resistir e construir um caminho alternativo, e graças a Deus nós conseguimos. E por que você acha que essa resistência se deu de maneira tão forte no Campo Belo I e no Campo Belo II e nem tanto nos outros bairros?
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Porque na região somos em 17 bairros, na realidade tem 14 presidente de bairros, mas na realidade sempre teve duas associações que mais atuaram, que é a associação do Campo Belo I e a associação do Campo Belo II, nós sempre trabalhamos, mobilizamos, organizamos, contratamos um bom corpo jurídico, procuramos conhecimento na área ambiental, somos conselheiros do Condema, tanto eu como o Edson, como mais duas pessoas, entramos no Conselho Municipal de Infra-estrutura, nós fomos fazer discussão política e nos organizamos politicamente, nós temos uma boa base de filiação partidária nessa região, as pessoas são mobilizadas politicamente, e tudo isso acho que nós conseguimos conquistar e dialogar com todos os setores da cidade, principalmente o setor político, uma parte do setor empresarial também era contra a remoção dessas famílias porque nós tínhamos toda uma área rural do lado de lá e não havia uma discussão. Essa grande virada se deu mais quando eu entrei na Infraero também, porque lá, quando eu entrei na Infraero em 99, a gente começou a perceber que o projeto não era tão definido assim, que existia alternativas, o que havia era uma resistência da Infraero porque esse projeto veio dede a ditadura, então ninguém tinha coragem de mexer, então sempre houve muita resistência interna na Infraero de alterar, mas como havia toda uma discussão e uma mobilização da população, o grande norte que definiu assim, não vai mais sair, foi quando o Hélio entrou na administração, que a primeira coisa que ele se colocou foi em defesa dos moradores, que ele não mexeria no povo, acontecesse o que acontecesse. Assim que ele levou o assunto pro presidente da república, colocou os fatos como eram, também houve uma decisão do presidente de alterar esse projeto, de intervir na Infraero pra mudar o projeto. Como a decisão política sempre sobrevive em favor da decisão técnica, sobreviveu a decisão política em favor da população. Vocês chegaram ao longo desses anos a apresentar um projeto alternativo para a Infraero ou não? Nós chegamos na época do Toninho a visitar algumas áreas, só que era muito mais especulação imobiliária por parte da prefeitura na época do governo do PT do que um projeto definido, um projeto de fato. Eles tinham era muita especulação de um setor que queria porque queria essa área vazia, porque essa área com certeza, com a ampliação do aeroporto, vai ser tornar uma área muito valorizada daqui a alguns anos. Então as pessoas não queriam ter essa quantidade de população na região, sem contar que a maioria desses bairros, boa parte é área de ocupação, em torno de 8 bairros são áreas de 106
ocupação, são pessoas que vieram de outras cidades, a maioria de São Paulo, de Indaiatuba, e vieram se aglomerando, como essa história de desapropriação não se definia, e se comentava que as pessoas iriam receber outra casa as pessoas vieram na perspectiva de ganhar uma casa e sair. E como a situação não saía, o problema social nosso aumentava, porque não tinha posto de saúde, não tinha escola para atender à demanda da população, então a situação social ficava ainda mais complicada, então o problema ficou maior, e a resistência também ficou maior, por um lado nós tivemos um problema social maior, mas por outro lado a vinda da população nos fortaleceu no sentido de nos mobilizar. Em que medida você acha que a mudança no projeto de expansão a partir da articulação entre o governo municipal e o governo federal possui um cunho eleitoreiro, e não realmente uma preocupação com o bem-estar da população? Eu acredito que tanto o Hélio como o presidente Lula estavam preocupados com o bemestar da população, mas nós estamos falando em torno de 30 mil votos. 30 mil votos em política é 30 mil votos, e o que interessa na política é número. Mas tanto a postura do Hélio e a postura do presidente Lula em defender a população e apoiar a não remoção das famílias, foi a história, principalmente do presidente Lula, que ganhou uma eleição voltada para aqueles que, é questão de trabalhar por aqueles que mais precisavam, e seria incoerente também por parte do presidente que passou a história defendendo contra o capitalismo e na hora que tem a oportunidade de fazer alguma coisa contra o capitalismo e em favor dos que mais precisam fosse tomar essa postura contrária, e a postura do prefeito Hélio foi uma grande surpresa pra nós, muito boa, porque teve uma grande sensibilidade com a região e a questão social. Vocês na verdade não estavam esperando uma postura tão agressiva do Hélio no sentido de peitar a Infraero e mudar esse projeto que estava colocado há anos? Muito pelo contrário, a gente realmente não esperava. A gente esperava um pouco essa postura quando o PT assumiu, mas foi totalmente o contrário, aí que aumentou os nossos problemas, que nós tivemos muita resistência e muita briga, porque tanto eu quanto o Edson nós somos filiados ao PT, e nós sempre tivemos muita briga interna no partido por causa da postura do governo. Então quando o Hélio assumiu, antes mesmo dele assumir ele já havia se comprometido que ia defender a população, e realmente cumpriu as promessas de campanha, que ia defender a população, até porque também 107
ele não queria esse rojão na mão dele, porque isso é um problema que, se começasse a mexer, podia até começar, mas não sabia como terminava, e alguém ia pagar o preço político por um projeto mal sucedido né? Era melhor deixar esse projeto do jeito que estava, sendo que havia uma outra alternativa do projeto, mais fácil comprar uma briga política interna na Infraero do que uma briga política com uma população desse tamanho. Justino, você mencionou a questão da especulação imobiliária. Com relação à ação movida pelo promotor José Roberto Albejante, para que a justiça impedisse a prefeitura de investir nos bairros enquanto não fosse realizado o EIA-RIMA da outra área ou enquanto não fosse revogado o decreto de desapropriação pelo governo do estado, você acha que existem interesses maiores em torno dessa ação ou o promotor está preocupado realmente com a questão ambiental? Olha, essa ação, eu não tenho a menor dúvida, primeiro que nós conhecemos o Albejante, o passado do Albejante como promotor público ambiental, e ele sempre foi um promotor bastante ligado à questão do setor imobiliário. Então nós sabemos que essa ação do promotor foi articulação de um setor da cidade, um setor que tava mobilizado com a questão imobiliária aqui do entorno, que houve uma grande especulação aqui nessa região, e muitos deles eram ligados à questão do Albejante, mas a gente tem plena convicção disso. Essa ação do Albejante, nossa sorte, nossa sorte não, primeiro que nós tava muito bem articulado e sabia o caminho que nós tava percorrendo. Primeiro que ele formulou uma ação muito mal formulada, que ele não mencionava em nenhum momento na ação dele a questão ambiental, e sim só a questão da população, que tinha que preservar a área, caso a Infraero não conseguisse o EIARIMA. Em nenhum momento ele mencionava a questão ambiental. Então num primeiro momento aqui em Campinas ele foi bem sucedido na ação, mas no TJ em São Paulo nós ganhamos por 3x0, que nós tava muito bem articulado também, e que era disputa política, nós não temos a menor dúvida, que era um setor da cidade que se organizou, procurou algum meio pra poder tentar barrar essa situação. Você acha que houve uma articulação do promotor com o governo do estado, porque o governo do estado, evidentemente, não gostou de ser excluído das discussões sobre a mudança no projeto. Houve uma articulação entre a esfera municipal e a esfera federal para mudar o projeto, mas o governo do estado foi 108
excluído desse processo. Ou seja, era também uma disputa política, envolvendo o PT e o PSDB, os dois maiores adversários políticos do país. Você acha que, por causa disso, houve uma articulação entre a esfera estadual e o MP de Campinas, ou essa articulação se deu apenas no âmbito municipal? Olha, eu acredito que foi no âmbito municipal essa articulação. Não teve um alcance tão grande pra chegar ao governo estadual, mas essa disputa PT e PSDB é o que sempre travou nesses últimos tempos a questão de Viracopos, e o que tá travando nesse momento a questão da ampliação pro lado de lá. Porque a Infraero ta necessitando do EIA-RIMA pra ampliar o aeroporto pro lado de lá e algumas licenças ambientais, e o Daesp e a Secretaria de Meio Ambiente lá em São Paulo ainda não liberou essas ações, meramente, quase certeza que é questões políticas na disputa política mesmo. Se o governo do estado estivesse nas mãos do PT, provavelmente essas licenças já teriam sido emitidas? Eu não tenho a menor dúvida, ou senão de um outro governo que não fosse oposição também, mas eu acho que não tem como barrar mais. Campinas necessita do aeroporto, a ampliação do aeroporto é vital não só para Campinas, mas para a região metropolitana, para o Estado de São Paulo, se faz necessária hoje, o que não tinha cabimento era a gente ter uma desapropriação de uma quantidade enorme de famílias, tendo uma área rural tão grande, que chega a ter o dobro do tamanho da área de onde as famílias iam ser removidas, são 58 propriedades rurais que vão ser removidas e menos de 500 famílias. Então o custo-benefício, a Infraero nesse processo economiza mais de 150 milhões de reais, tanto de indenização, de investimentos, então o custo-benefício é muito alto. O que havia realmente era um grande interesse pra remover essa massa de população do entorno de Viracopos, porque quem conhece a região, vê que Indaiatuba, a gente faz limite com Indaiatuba, Itupeva e Vinhedo. Tá crescendo de condomínios em volta dessa região, principalmente de Vinhedo e Itupeva pra cá, já ta quase encontrando o limite de Campinas com condôminos, um novo Alphavile tá sendo criado ali logo na divisa de Campinas com Vinhedo. Então são coisas que a especulação imobiliária é muito grande, sem contá que os sítios aqui em volta, que faz divisa com Valinhos, tavam todos sendo vendidos pra grandes imobiliárias de São Paulo, todos contando com a remoção dessas famílias por causa da ampliação do aeroporto. Então aqui tem uma grande especulação imobiliária, e quem apostou nessa ampliação, perdeu. Então nós sabemos de um processo político que tá em jogo, nós sabemos que existe gente que 109
acredita ainda que se o Serra ganhar, se o Alckmim ganhar, esse processo pode voltar à tona, mas nós temos plenas convicções de que os investimentos que vão ser feitos nessa região vai transformar a qualidade de vida dessa população, que merece. E a popularidade do Hélio junto à população, aumentou bastante depois dos anúncios dos investimentos? Ah, não tenho dúvida. Pelo menos pra essa população, apesar de que o tempo vai dizer, mas não tenho dúvida que ele será lembrado como o prefeito que acabou com a desapropriação em defesa da população dessa região. E olha que ele sempre foi um deputado federal da cidade que nunca teve voto nessa região, mas eu não tenho dúvida que nos próximos anos essa região vai se voltar pro Hélio porque ela terá uma dívida muito grande com o prefeito da cidade. Você acha que é a primeira vez, na verdade, que essa população está se sentindo amparada pelo poder público? Eu não tenho a menor dúvida. Ainda existe algumas pessoas que ainda não acreditam, porque as obras às vezes demoram, porque até se elaborar projetos, fazer licitação, as obras demoram pra acontecer. Então a população ainda tinha dúvidas, mas agora as obras já iniciaram, tão iniciando a todo vapor, nós esperamos até 2008 estar com pelo menos 50% dos investimentos já concluídos.
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Entrevista - Vereadora Leonice da Paz (12/06/06) Vereadora, a senhora é presidente da Comissão da Câmara Municipal de Campinas que estuda a questão da desapropriação e da expansão do Aeroporto de Viracopos. Quando essa comissão foi criada? Quais os seus objetivos e como a comissão trabalha? Leonice da Paz – A comissão foi criada no dia 21/03/05 e tem como principais objetivos viabilizar a realização da expansão do aeroporto, já que a obra trará benefícios indiscutíveis para a cidade de Campinas e para a região, mas fundamentalmente levar em conta o desejo e a necessidade da população que habita o entorno do aeroporto, já que a princípio essas famílias são as principais influenciadas com a questão. A comissão tem como objetivo intermediar essa relação de debate entre a Infraero, o poder legislativo e as famílias que estarão sendo envolvidas no projeto. O objetivo é respaldar a população. Como você avalia essa solução que está se desenhando para a questão de Viracopos, especificamente no que se refere à mudança no plano diretor de expansão, que redireciona o sentido das obras e possibilita que as famílias permaneçam onde estão? Essa foi uma decisão tomada pelas famílias em conjunto com a prefeitura e Infraero, intermediadas e discutidas pela comissão, o que me deixa feliz, vendo que a comissão cumpriu o seu papel, sendo todas as partes ouvidas e todas as opiniões ponderadas. Essa solução mostra que esse tipo de iniciativa, quando bem conduzida, traz resultados surpreendentes, confirmando que esse tipo de política pública traz resultados efetivos, tendo a preocupação de realmente beneficiar a grande maioria da população. Vereadora, na sua opinião, existem interesses maiores em torno da ação civil pública movida pelo promotor José Roberto Albejante, que impede a prefeitura de investir nos bairros até que seja realizado o EIA-RIMA das duas áreas? Essa questão dos estudos de impacto ambiental foram questões levantadas em debates públicos realizados pela comissão de estudos e devem ser levadas em conta. Sempre prezo e prezei, para que todas as partes interessadas tivessem oportunidade de expor seu ponto de vista. O promotor José Roberto Albejante chamou a atenção para um ponto de
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extrema importância e por esse motivo deve ser respeitado. Ele foi convidado a participar de um dos debates públicos que a comissão realizou, para expor qualquer esclarecimento sobre o assunto, mas por motivos de compromissos agendados anteriormente, não pôde comparecer, mas se deixou à disposição da comissão. Sinceramente não posso afirmar que existam maiores interesses por parte do promotor. A única certeza que tenho é que quanto mais tempo passar, mais pessoas continuarão sofrendo pela falta de estrutura e de melhores condições de vida. Mas no dia 18/05/2006 o TJ cassou a liminar que inviabilizava os investimentos na região. Quais seriam os principais motivos que levaram o governo municipal a articular a mudança do plano diretor junto à Infraero? São diveros os motivos para que fosse alterado o local da desapropriação, o valor gasto com a desapropriação da antiga área era de 360 milhões, e da nova área se reduziu para 90 milhões, incluindo os investimentos nos bairros. Mas o que mais pesou na decisão da prefeitura foi que as famílias residentes no entorno não tinham interesse em deixar suas casas, que a tanto custo demoraram construir. Isso sensibilizou o governo municipal e a comissão que, junto com a Infraero e o governo federal, concluíram ser mais viável a não desapropriação. A comissão se sente extremamente gratificada por ter possibilitado vários debates públicos, reuniões junto à Infraero, várias visitas na região, dialogando principalmente com as lideranças, intermediando os diálogos entre as partes envolvidas e dando respaldo de forma especial às famílias. Vereadora, o relacionamento da Infraero com a Prefeitura de Campinas mudou muito da gestão de FHC para a gestão de Lula? Não tenho como afirmar com certeza essa questão, mas o que posso dizer seguramente é que há 30 anos, pessoas da região almejavam ou aguardavam por uma solução, felizmente o governo atual busca soluções efetivas para os problemas enfrentados pelas famílias residentes nos bairros do entorno do aeroporto.
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