Ampliação do Acesso a Terra e a Integração Urbana da Habitação de Interesse Social Campinas, 07,08 e 09 de dezembro de 2000
expositor(es):Ari Vicente Fernandes e Ernestina G. do Oliveira
trabalho: Subsídios para a regularização do Parque Oziel e Jardim Monte Cristo face à Legislação Urbana e Ambiental
ASPECTOS LEGAIS A relação entre gestão da terra urbana e habitação de interesse social pode ser analisada a partir de diferentes enfoques. Sob a ótica legal, entendemos que a problemática a ser privilegiada deve ser a ação do Estado na regulamentação da propriedade, que se expressa na produção de legislação urbanística para ordenação dos espaços habitáveis, competência que tradicionalmente tem sido exercida pelo poder local1. A regulamentação da propriedade fundiária tem seu marco legal na Lei nº 601 de 1850, conhecida como Lei de Terras. Ao disciplinar a ocupação territorial do país, essa lei determina que as terras devolutas só podem ser ocupadas por meio de título de compra, impedindo, dessa forma, o acesso dos trabalhadores à terra. A transposição dessa perspectiva para o espaço urbano se consolidará ao longo do processo de expansão da cidade industrial, acirrando-se o conflito entre habitação popular e propriedade fundiária urbana, que é intensificado com a conformação do “Brasil urbano” a partir da década de 70. Ao analisar a evolução da legislação urbanística no Brasil2 a partir do marco legal acima identificado, podemos verificar que essa legislação está estreitamente associada à noção dominante de propriedade que permeia o processo de expansão urbano industrial do país. Nessa evolução identificamos três diferentes momentos. No primeiro, centrado na concepção do caráter absoluto do direito de propriedade, a disciplina desse direito por parte do Estado se dá apenas em termos de relações privadas. Essa concepção tem sua origens na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, norteando a legislação urbanística no Brasil ao longo de todo o período Colonial e no Império. No segundo momento, que se inicia nas primeiras décadas do século XX, predomina a noção de propriedade dissociada de seu uso, conferindo-se ao Estado poder de intervenção3. Na década de 1960 configura-se um 1 As origens dessa competência podem ser encontradas nas Ordenações do Reino, que conferem aos vereadores as funções de ordenamento das povoações. Entretanto, as primeiras normas jurídicas urbanísticas, expressas nas leis de desapropriação, são emanadas do poder central. 2 Deixamos aqui de considerar as regulamentações presentes nas posturas municipais do Brasil colonial. 3 A Constituição de 1934 pode ser vista como um marco dessa nova visão.
novo momento quando se condiciona a propriedade ao cumprimento de sua função social4. A partir desse princípio imprime-se à propriedade uma função pública que transcende as limitações administrativas, impondo-se ao proprietário não apenas condições para o exercício de um direito (de propriedade), mas a obrigação de exercer esse direito em benefício de um interesse social. As intervenções do Estado no espaço urbano ao longo desse processo refletem essas diferentes visões. Assim, sob a justificativa do discurso higienista, as regulamentações urbanísticas e ações do poder público no primeiro período promovem uma ocupação do espaço urbano excludente e segregacionista, atendendo à proposta da elite dominante5, que cria “uma rotina de intervenções públicas nos cortiços a partir do século XIX” (Lopes, 1997). A emergência de uma nova visão, que confere ao o Estado o poder de intervir na propriedade através do disciplinamento de seu uso, não altera essa lógica de produção do espaço. A ação “racionalista” do Estado interventor e planejador, que se pretende neutra, prossegue promovendo a segregação nas cidades. Na expansão da cidade de Campinas essa lógica não é diferente. Os problemas de habitação popular se manifestam desde a década de 1920, em decorrência do desenvolvimento industrial e crescente urbanização. Ocupada sob controle da municipalidade até meados da década de 20, a área urbana de Campinas sofre grande expansão a partir da ação de empresas privadas de loteamento. A necessidade de ordenar o crescimento da cidade leva a Prefeitura a contratar, em 1934, os serviços do engenheiro Prestes Maia para a elaboração de um plano urbanístico, que ficaria pronto em 1938. A aprovação e implementação do Plano de Melhoramentos Urbanos6 não se faz acompanhar de normatização referente ao uso do solo, provocando a intensificação do processo de especulação (Santos, 1999). O alto custo dos terrenos municipais na área urbanizada leva os trabalhadores a buscarem alternativas de moradia nos cortiços ou em áreas mais distantes. A resposta do poder público ao problema se expressa no Código de Construções de 1934 que, além de proibir a construção de cortiços, estabelece padrões mínimos de construção muito elevados para a aprovação de habitações populares (Badaró, 1996). Entretanto, a necessidade de estimular o desenvolvimento industrial garantindo a disponibilidade de mão-de-obra, aliada à preocupação com a insalubridade dos cortiços, levou o poder municipal a rever essa legislação em 19407e 19488, definindo padrões construtivos mais acessíveis aos trabalhadores e prestando assistência técnica para a construção de habitações populares. A insuficiência das iniciativas oficiais no enfrentamento do problema habitacional em Campinas se acentua na década de 50 em função da intensidade da urbanização. A 4 A função social da propriedade é prevista como princípio da Ordem Econômica do país na Constituição de 1967 e mantida na Emenda de 1969, embora só na Constituição de 1988 seja explicitamente extensiva à propriedade urbana. 5 Como exemplo típico desse tipo de intervenção, podemos citar a reforma urbana realizada pelo Prefeito Pereira Passos no Rio de Janeiro no começo do século, que se fez acompanhar do Decreto 4956 de 9.9.1903, segundo o qual a aprovação de planos e plantas de obras determinariam automaticamente a desapropriação de prédios e áreas necessários à sua execução. 6 Conhecido como Plano Prestes Maia, este plano foi aprovado pelo Ato Municipal nº 118, de 1938. 7 Lei municipal nº 82, de 22.12.1940. 8 Lei municipal nº 19, de 23.06.1948.
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implantação do Plano de Melhoramentos Urbanos estimula a ação do capital especulativo imobiliário, promovendo uma expansão sem precedentes da área urbana, com o conseqüente ônus para a municipalidade de dotar essas novas áreas de infraestrutura adequada. Como tentativa de conter a especulação, em 1948 é aprovado o Código Tributário do Município, que institui a taxa de contribuição de melhoria. Nesse mesmo ano é constituída uma comissão para elaborar um código de obras e urbanismo, que só será aprovado em 19599[9]. Em 1951 é aprovada a revisão do Plano de Melhoramentos Urbanos através da Lei nº 640, que introduz normas de zoneamento com a finalidade de restringir a expansão vertical do centro da cidade sem, contudo, disciplinar sua expansão horizontal. Entretanto, além de não conseguir conter a expansão vertical do centro, essa lei induz a ação especulativa a empreender grande quantidade de novos loteamentos, fazendo com que o número de lotes edificáveis em Campinas crescesse numa proporção três vezes maior que sua população urbana. Essa situação levou a alterações na legislação em 1953 e 1957, com a exigência de maior reserva de áreas livres nos novos loteamentos e obrigação de execução de redes de água por conta do loteador (Badaró, 1996). Com a aprovação do Código de Obras e Urbanismo, em 1959, são definidas diretrizes urbanísticas para loteamentos e criadas zonas urbanas diferenciadas, determinandose índices máximos de ocupação e limites de altura para cada uma delas. Entretanto, a capacidade de controle da Prefeitura sobre a abertura de loteamentos fora do perímetro urbano permanece limitada até 1979, com a promulgação de lei federal disciplinando os parcelamentos do solo urbano10. Nos anos 60, grandes contingentes de trabalhadores expulsos do campo são atraídos para Campinas em função do crescimento industrial da cidade. A expansão da população não se faz acompanhar do necessário investimento em habitação, acarretando o surgimento de inúmeras favelas. Enfrentado inicialmente como caso de polícia, o agravamento do processo de favelização levou à fundação da COHAB que, entretanto, não soluciona o problema habitacional da cidade. Em 1969, em parceria com a Secretaria de Bem-Estar Social, a COHAB lança o Projeto Casas Transitórias, que consistia na remoção dos favelados para residências provisórias por período suficiente para habilitá-los à aquisição de uma casa financiada pelo BNH. Esse projeto é incorporado ao Plano Diretor de 1971 como modelo no combate às favelas e, segundo Lopes (1997), serviu para que os favelados fossem removidos de espaços da cidade que se pretendia valorizar. A política de habitacional implantada pela COHAB, como nas demais cidades brasileiras, teve um papel decisivo na formação da periferia de Campinas, contribuindo para a expansão da mancha urbana. Nesse sentido, embora a região Sudoeste seja desaconselhada como vetor de expansão física da cidade pelo Plano Diretor de 1971, é exatamente nessa região que a COHAB implantará, em 1974, grandes conjuntos habitacionais. Essa região concentra hoje grande parte da população de baixa renda e as maiores invasões do município. 9 Lei municipal nº 1993, de 29.01.59. 10 Lei federal 6766, conhecida como Lei Lehmann.
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A crise política e econômica do país nos anos 70 provoca um acirramento nas lutas dos diversos setores de oposição, em especial dos moradores de periferia, que passam a se mobilizar em torno de questões como transporte, saneamento, saúde e moradia. Em Campinas o movimento de favelados11, que vinha concentrando seus esforços na luta por infra-estrutura urbana, acrescenta às suas reivindicações a questão da posse da terra. A Prefeitura resiste a essa reivindicação com a regulamentação do PROFILURB - Programa de Financiamento para Lotes Urbanizados, que prevê a remoção da população favelada para núcleos distantes. A oposição dos favelados à remoção, exigindo o loteamento dos seus locais de moradia fundamentava-se juridicamente em dois dispositivos legais: a Lei federal nº 4132, de 10.02.62, que institui a Concessão do Direito Real de Uso por interesse social de terras públicas, e no princípio da função social da propriedade, reconhecido pela Constituição então vigente. Vitoriosa a luta dos favelados sob forte oposição da Câmara de Vereadores, em 1981 é promulgada a Lei municipal nº 5079, conhecida como Lei da Terra. O quadro pós-Constituição Os movimentos sociais urbanos se intensificam na década de 80 e procuram exercer influência na elaboração da nova Constituição. Entretanto, não obstante as conquistas políticas e sociais obtidas com a Constituição Federal de 1988, o texto final frustrou as expectativas dos movimentos sociais mais avançados, especialmente no que se refere à política urbana. Além da reafirmação do princípio da função social da propriedade, agora explicitamente estendido à propriedade urbana, a grande conquista se resume às disposições do parágrafo 4º do artigo 182, que estabelece a possibilidade de desapropriação de propriedade cujo aproveitamento não esteja adequado ao Plano Diretor, com pagamento mediante títulos da dívida pública. Esse dispositivo, entretanto, ainda não foi regulamentado. As Constituições Estaduais pouco avançaram no que diz respeito às políticas urbanas. No caso do estado de São Paulo, a regularização de terras urbanas ocupadas é dificultada a partir da Constituição de 1989, que proíbe destinação diferente da estabelecida no projeto de loteamento às áreas definidas como áreas verdes ou institucionais. As Leis Orgânicas municipais e os Planos Diretores que se seguiram à promulgação da Constituição Federal, avançaram no sentido de contemplar os instrumentos defendidos pelo Movimento de Reforma Urbana mas, da mesma forma que a Constituição Federal, a regulamentação desses instrumentos ainda está por ser realizada. Com relação à Lei Orgânica de Campinas, embora abrigue o princípio da função social da propriedade, dispositivo contido no mesmo artigo12 proíbe a alteração de uso de áreas públicas, institucionais, verdes ou patrimoniais, excetuando as ocupadas e cadastradas até sua promulgação, ou seja, até 1990. Emenda à Lei Orgânica aprovada 11 Organizando-se em 1979 sob a denominação de Assembléia do Povo. 12 artigo 172, VI.
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em 1992 estende o prazo de ocupação e cadastramento até 1995. Os demais instrumentos, como parcelamento ou edificação compulsórios, IPTU progressivo e desapropriação com pagamento de títulos da dívida pública, não foram até hoje regulamentados. Da mesma forma, os instrumentos previstos no Plano Diretor de Campinas13 de 1996 foram em boa parte suprimidos já na discussão do ante projeto, em função das pressões exercidas pelo setor imobiliário, que detém poder considerável na definição das políticas definidoras do processo de ocupação e apropriação do solo no município. A Lei de Uso e Ocupação do Solo14de Campinas, promulgada em 1988, além de desconsiderar a existência de favelas, estabelece parâmetros de uso e ocupação que dificultam a regularização de habitações populares, contribuindo para a segregação da cidade. Para contornar esse entrave legal na produção de suas unidades habitacionais, a COHAB passou a se valer de lei aprovada para empreendimentos públicos15 que permite a redução desses parâmetros. Atualmente essa lei tem beneficiado a produção de moradias do programa “Minha Casa”, uma parceria da COHAB com empreendedores da construção civil para a produção de lotes urbanizados e unidades habitacionais para a população de baixa renda. Os empreendimentos se localizam em terrenos de propriedade privada e a comercialização dos produtos é feita pela COHAB. O surgimento de novas ocupações e o salto qualitativo das reivindicações dos movimentos populares a partir de meados da década de 90 tiveram como efeito a formulação, em 1996, de projeto de lei para regular empreendimentos de interesse social. Aprovada em 1997 e reformulada ano 200016, essa lei possibilita a regularização de ocupações cadastradas pela Secretaria de Habitação até a data de sua edição, definindo a adoção de parâmetros diferenciados de uso e ocupação do solo, que deverão ser estabelecidos por decreto após estudos técnicos realizados pela Secretaria de Planejamento. AS OCUPAÇÕES ORGANIZADAS O espaço urbano habitacional das classes trabalhadoras configura-se de modos distintos e variados a partir da era industrial. No Brasil essas configurações surgem tardiamente em relação às cidades dos países que se industrializaram a partir da primeira metade do século XIX, e apresentam similaridades com outros países latinoamericanos. Em linhas gerais e ao longo do tempo, essas configurações podem ser: simulacros dos empreendimentos imobiliários de mercado voltados para as classes média e alta; modelos e tipos específicos projetados como habitações populares ou soluções informais - cuja origem é ilegal ou irregular face às disposições vigentes. Ressalvadas as peculiaridades (quantitativas e qualitativas) próprias de cada cidade, Campinas
13 Lei Complementar nº 04 de 17.01.1996. 14 Lei municipal 6031, de 1988. 15 Lei municipal nº 6681, de 1991. 16 Lei municipal nº 10.410 de 2000.
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expressa um crescimento urbano na segunda metade do século XX marcado pela ocorrência simultânea e sucessiva dessas três classes de configurações17, a saber: formação da primeira periferia urbana entre 1950 e 1964 formação da segunda periferia urbana de 1964 a 1980 grandes conjuntos habitacionais planejados de 1965 a 1993 favelas em áreas predominantemente públicas (1968 a 1995) ocupações organizadas em vazios urbanos (1992 a 2000) As duas primeiras correspondem a loteamentos empreendidos por empresas imobiliárias em glebas dispersas nos arredores da cidade e em geral separadas da área urbanizada contínua existente. Seus desenhos eram convencionais com arruamento e parcelamento de dimensões mínimas permitidas. A primeira periferia foi bastante influenciada pela nova matriz de circulação rodoviária que tem seu marco original com o traçado e inauguração da rodovia Anhangüera em 1950. Combina uma nova ordenação territorial, com a faixa de domínio da rodovia e as propriedades lindeiras tornadas potencialmente urbanas ou urbanizáveis, a uma ideologia industrial desenvolvimentista que exigia a produção em grande escala de lotes para a moradia operária dos milhares de trabalhadores que viriam atraídos pelo emprego industrial das novas fábricas que se instalariam à beira das rodovias. Centenas de loteamentos são abertos ao longo de estradas vicinais aproveitando-se da fragilidade da legislação e de uma intensa procura pela classe média de Campinas e, nos anos seguintes, de outras cidades grandes de São Paulo e de outros estados do país. O preço relativamente baixo desses lotes, pagos em prestações com base na tabela price, possibilitava lucros elevados pois os investimentos em infra-estrutura urbana eram mínimos graças à permissividade do poder público. O ritmo de efetiva urbanização dessas áreas foi lento e algumas dessas configurações permanecem parcial ou totalmente vazias até hoje. Quando a Lei 1993/59 entrou em vigor a maior parte dos loteamentos careciam da infra-estrutura mínima e/ou dos espaços públicos exigidos para a sua regularização. Como a maioria dos lotes foi comprada na expectativa de valorização futura, a edificação, pelos que não possuíam outra alternativa de moradia, foi clandestina e em regime de auto-construção e os fragmentos de bairros possuem densidades populacionais baixas. O predomínio de tipos habitacionais auto-construídos e a precariedade dos loteamentos quanto ao atendimento das disposições legais, são as principais semelhanças entre as duas periferias. No mais, a formação da segunda periferia ocorre em um quadro distinto da anterior. Após o golpe militar de março de 64 a “ideologia da casa própria” inicia a reversão da Lei do Inquilinato rumo a uma espécie de “livre formação de preços no mercado” (que se torna explícita três décadas depois com o Plano Real) e foi extinta a estabilidade no emprego com a criação do Fundo de 17 Atualiza-se aqui o estudo feita pelo autor como contribuição ao Plano Local de Gestão Urbana da Região do Campo Grande (PMC/SEPLAMA 1996) referenciada em texto anterior (FERNANDES 1983).
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Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) cujos recursos passariam a ser a principal fonte do Sistema financeiro Habitacional (SFH). Como conseqüência, dissocia-se mais o local de moradia do local de trabalho e a opção de moradia de aluguel torna-se cada vez menor para o poder aquisitivo das classes trabalhadoras. A nova periferia configura-se em glebas mais distantes das áreas centrais consolidadas, a venda de lotes é dirigida a adquirentes de renda baixa que recebem como “brinde” alguns milheiros de tijolos como incentivo à auto-construção imediata de suas casas. Desse modo, o ritmo da urbanização e o adensamento populacional da segunda periferia são maiores do que os da primeira e, consequentemente, a necessidade de solução dos problemas de infra-estrutura é mais urgente e exige pressões coletivas que correspondem à eclosão dos movimentos sociais urbanos nas décadas de 70 e 80. A produção da segunda periferia torna-se um problema de âmbito nacional a ponto de exigir a aprovação de Lei Federal (a 6766/79, Lei Lehmann) coibindo a sua proliferação a partir da década de 80 e ameaçando os empreendedores até com penas de prisão. Em Campinas, os loteamentos clandestinos somam-se aos não regularizados (e vazios) anteriores criando um amplo espaço urbano periférico de condições bastante precárias. A situação de irregularidade generalizada permanece dominante até hoje. Apesar de algumas experiências anteriores (década de 50) financiadas pela Fundação da Casa Popular ou promovidas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões18, os conjuntos habitacionais planejados surgem em maior escala em Campinas a partir da criação da Companhia Habitacional (COHAB) pela Prefeitura, em 1965. Até a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH) em 1986, foram empreendidas mais de 20.000 unidades habitacionais em conjuntos de médio e grande porte pela COHAB, destacando-se a Cidade Industrial - conhecida como DIC - com mais de 7.000 unidades, executadas em seis partes (DIC I a VI) com 14 fases de obra, ao longo de 18 anos (1977 a 1995). O maior conjunto de Campinas, construído em uma só fase, é a Vila União com 5.233 unidades - casas, apartamentos e lotes urbanizados promovido pelo INOCOOP Bandeirantes entre 1990 e 1994 e originado por uma grande ocupação da gleba ocorrida em 1988, durante o período de eleições municipais. Como parte da produção da política nacional do BNH, os conjuntos foram projetados com unidades padrão voltadas à população de baixa renda, financiadas em até 25 anos, para serem adquiridos por pretendentes previamente inscritos na COHAB. Estes deviam estar adequados aos requisitos de emprego e renda de cada empreendimento, no momento em que fossem chamados para a comercialização das unidades, tornando-se mutuários do SFH. Após o fechamento do BNH o acesso aos recursos do FGTS para novos empreendimentos passou a ser direto com a Caixa Econômica Federal (CEF). Os recursos de cada programa serão destinados às COHABs e aos empreendedores privados, com evidente privilégio dos últimos, fato que levou à redução substancial das atividades da COHAB como empreendedora e a uma sensível diminuição da oferta de unidades deste tipo de configuração para as faixas de renda mais baixa em Campinas. As primeiras favelas surgem em Campinas no final da década de 60, ocupando os espaços destinados a sistema de recreação e lazer (áreas verdes) e a equipamentos públicos (áreas institucionais) de loteamentos convencionais da classe média, mas principalmente dos irregulares da primeira periferia. São fruto da grande onda de 18 A respeito das experiências realizadas a nível nacional, ver “A Produção da Habitação Social no Brasil” (Bonduki, 1999).
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migração atraída pelo crescimento do emprego industrial e terciário, combinado com o clientelismo político da época. Constitui uma alternativa inicial de moradia para a força de trabalho não qualificada e/ou não empregada formalmente, cujo acesso aos programas oficiais de conjuntos planejados era dificultado pelas regras do SFH. A formação de cada núcleo inicia-se com alguns barracos justapostos e desenvolve-se organicamente em formações predominantemente lineares ao longo de trilhas ou vielas de dimensões reduzidas e geralmente impróprias ao tráfego de veículos. As dimensões do núcleo eram definidas pelos limites dos terrenos públicos originais (regulares ou não). O surgimento de movimentos organizados - associações de moradores - que lutam por melhores condições de qualidade de vida urbana é posterior e associado à perda do caráter provisório inicial apesar da precariedade dos tipos habitacionais se manter por muitos anos face à ameaça constante de remoção (Lopes, 1997). As ocupações organizadas surgem na metade da década de 80 como alternativa quase única de solução do problema habitacional para a população de renda baixa e/ou inconstante. A exemplo das favelas, são configurações resultantes de “soluções informais e ilegais” na sua origem, sem contar com promotores institucionais. As ocupações diferem bastante das favelas quanto aos seus efeitos urbanos pois resultam da organização anterior dos grupos ou, pelo menos, de um núcleo inicial, que desenha uma estratégia de ocupação com um desenho prévio de arruamento e parcelamento da área a ser ocupada. Em Campinas, as ocupações organizadas ocorrem em vazios urbanos cuja forma legal anterior é de propriedade pública ou institucional não utilizados, de propriedade privada de glebas sem uso ou em disputa, ou de remanescentes de loteamentos da periferia (principalmente da primeira) que não prosperaram. Algumas ocupações combinam duas (ou as três) situações apontadas. Começam pela execução de barracas, posteriormente barracos de madeira (similares aos das favelas) e, à medida que se reduz o risco de remoção, transformam-se em casas de alvenaria. ASPECTOS AMBIENTAIS — AS MICRO-BACIAS DE CAMPINAS A área urbana original de Campinas situava-se no divisor de água das bacias dos rios Piracicaba e Capivari, a primeira dividida nas sub-bacias do rio Atibaia e do ribeirão Quilombo. A caixa d’água do Castelo é o ponto de divisão das 3 bacias. Essa divisão natural do território só é considerada pela Administração Municipal para efeito do planejamento das redes de serviços de água. Os mapas e instrumentos legais municipais que estabelecem “partes” ou áreas da cidade - Plano Diretor, Zoneamento e outros - pouco ou nada se referenciam nos divisores de águas das bacias. O processo histórico de crescimento da cidade desde o sítio urbano original fundado sobre nascentes - até o seu crescimento periférico mais recente, evidencia a omissão com a proteção dos recursos hídricos. Só recentemente, a partir da constituição do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos rios Piracicaba e Capivari (CIBRPC) em 1989 e da emergência de ONGs, movimentos e campanhas
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ambientalistas, surge uma preocupação com os territórios das micro-bacias no planejamento e gestão urbana19. No âmbito municipal, falta uma legislação específica para o planejamento e ocupação de micro-bacias, A Lei do Plano Diretor de Campinas (1996) divide a cidade em macrozonas ambientais (MA), áreas de planejamento (AP) e unidades territoriais básicas (UTB) e recomenda a realização de Planos Locais. Nos planos locais produzidos e em produção (Barão Geraldo, Souzas e Joaquim Egídio e região do Campo Grande) as micro-bacias poderiam ser adotadas como unidades de intervenção e serem regulamentadas através de lei específica. Até agora, somente o Plano de Barão Geraldo resultou em Lei Municipal com algumas propostas e instrumentos de manejo de cursos d’água tributários do rio das Pedras, porém sem tratar da micro-bacia inteira, pois sua cabeceira está fora do distrito. A pressão por realização de grandes empreendimentos nos arredores da área urbana muitas vezes em zonas rurais - aumenta o risco de maior comprometimento de novas micro-bacias. As conseqüências para as bacias dos dois rios principais - Atibaia e Capivari - são graves, pois a contribuição dos afluentes é cada vez mais exígua. A micro-bacia do córrego Taubaté, onde estão situadas as ocupações objeto do presente trabalho, está contida na bacia do Capivari, delimitada ao norte com o córrego Piçarrão, a oeste com o córrego do Lixão e a leste e nordeste com o Sete Quedas. O córrego S. Vicente junta-se ao Sete Quedas na fazenda Sete Quedas, a cerca de 900 m da foz no Capivari, constituindo uma micro-bacia dupla delimitada a oeste com a do córrego Taubaté, ao norte com o córrego Piçarrão. A leste e sudeste, o S. Vicente delimita-se com o ribeirão Pinheiros - principal micro-bacia urbana de Valinhos e afluente do rio Atibaia. Esta micro-bacia, portanto, está no limite do divisor de águas das bacias do Capivari e Atibaia. A ocupação urbana dessas micro-bacias ocorreu de forma distinta sendo hoje maior na do córrego Taubaté (cerca de 80 %) do que na do Sete Quedas, (cerca de 38%). O comprometimento das nascentes é significativo nas duas micro-bacias. Até a década de 50 a ocupação urbana atingia nascentes do Sete Quedas e do S. Vicente em função da expansão do vetor sul de Campinas com os loteamentos Jardim. S. Vicente, Vila Ypê, Jardim. Nova Europa, entre outros. A conurbação Campinas / Valinhos deuse inicialmente ao longo da estrada velha de São Paulo . Com a inauguração da rodovia Anhangüera (1950), a urbanização atingiu as nascentes do Taubaté junto ao acesso principal a Campinas - Av. São Paulo posteriormente denominada Prestes Maia. Aí os loteamentos Jardim do Trevo, Jardim do Lago e Parque das Figueiras alteraram o relevo e a posição das nascentes do Sete Quedas e do Taubaté. A transposição do córrego Sete Quedas na altura do km 90 da Anhangüera foi feita com tubos de concreto exigindo parcial retificação do córrego nesse trecho e contenção de margens em função do aterro do leito da estrada ter sido 19 A criação do CIBRPC não trouxe de imediato a micro-bacia como unidade territorial de análise e planejamento; o que acontece dentro das áreas urbanas permanece até hoje, 11 anos depois, como uma espécie de responsabilidade exclusiva de cada município associado, fato que retarda a utilização da divisão territorial em micro-bacias urbanas. O Plano Diretor de Piracicaba, tornado Lei em 1994 é pioneiro sob esse aspecto (ver PMP 1992).
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executado para receber a segunda pista que seria construída alguns anos depois. A estrada para Indaiatuba cortava a Anhangüera em nível algumas centenas de metros ao norte dessa transposição. Após a execução da segunda pista foi completado o acesso principal de Campinas com uma rotatória de raio de 120 m. A partir dela foi feita uma alça de acesso à estrada de Indaiatuba, com grande impacto da terraplanagem das obras viárias sobre as cabeceiras das duas micro-bacias. Nos anos 60 consolida-se um “modelo” de ocupação urbana periférica associada à implantação de indústrias ao longo das rodovias, cujos efeitos sobre as micro-bacias em estudo foram bastante expressivos. A modernização do aeroporto de Viracopos ensejou o traçado de uma nova ligação rodoviária - a atual rodovia Santos Dumont cujas diretrizes já figuram nos mapas de restituição da foto aérea de 1965. Novos loteamentos, como o Parque Aerocontinental, Jardim das Bandeiras, Vila Mimosa, Jardim São José, são lançados e ocupados ainda nos moldes das configurações da primeira periferia, com algumas indústrias que começam a localizarse ao longo da futura rodovia Santos Dumont. Outros loteamentos permanecem sem urbanização, a exemplo do Jardim do Lago II devido às dificuldades de abastecimento e outros impedimentos legais advindos da nova legislação urbanística (Lei 1993/59), que procurava inibir a febre de loteamentos ocorrida nos anos 50. O comprometimento das duas micro-bacias foi acelerado nesse período, até a execução da primeira pista da rodovia Santos Dumont em 1969. A nova rodovia transpõe dois córregos formadores à margem direita do Taubaté repetindo a técnica utilizada na Anhangüera, ou seja, leito rodoviário elevado nos trechos, com saias de aterro de 2 a 3 m de altura, retificação e canalização dos trechos dos córregos sob a estrada. Quando a segunda pista foi executada (1978) e, posteriormente, restaurada (1993), os dois córregos canalizados passaram a receber volumosos despejos de drenagem da rodovia no canteiro central por uma “janela” superior da tubulação. A partir da inauguração da rodovia Santos Dumont, a parte das micro-bacias entre as rodovias adquiriu a característica de um “setor” da cidade, a ser ocupado, geometricamente formado pela convergência da Santos Dumont com a Anhangüera que constituem barreiras urbanas. Ao entrar em operação, a Santos Dumont passou a comportar os fluxos da estrada das Amoreiras para Viracopos - a oeste - e da estrada para Indaiatuba - a leste. Com isso, a primeira transformou-se em avenida, corredor de transportes e viabilizou a extensão periférica dos loteamentos da segunda periferia. A segunda passou a ser a “estrada velha” para Indaiatuba e manteve até hoje seus entornos agrícolas, em parte transformados em chácaras de recreio e poucos novos loteamentos de segunda periferia. As configurações de favelas ocorreram em maior número na micro-bacia do córrego Taubaté. O mesmo se verifica quanto às configurações de conjuntos habitacionais planejados e as áreas de ocupação organizada (comumente chamadas de invasões) mais recentes. A partir dos anos 90 o curso alto do córrego S. Vicente passou a ser mais comprometido com empreendimentos verticais - Parque Prado, Chácaras Eglantina - e loteamentos de classe média como o Parque. Jambeiro, porém nos seus cursos inferiores predominam ainda os usos rurais. 10
O processo de conurbação Campinas Valinhos intensifica-se ao longo da estrada velha para São Paulo, transformada em avenida, mas não se dá ao longo da Via Anhangüera. Isso se deve à existência de grandes propriedades - como a “Remonta” e coudelaria do exército, a Fazenda Sete Quedas - e da atividade agrícola nas pequenas e médias propriedades. No momento, entretanto, diversos empreendimentos habitacionais estão projetados nessa área rural. É notória também a influência dos grandes equipamentos terciários a par das ocupações residenciais e industriais, sobre as referidas micro-bacias, como o Colégio Porto Seguro em Valinhos (1990), o hotel Royal Palm Plaza (1992) o Centro Esportivo do Trabalhador (1993), o shopping Outlet (1995), o Carrefour Valinhos (1996) e outros. Destaca-se ainda a rodovia dos Bandeirantes (1978) e a dinamização do aeroporto de Viracopos20[20], principal receptor de importações (1995) que aumentaram o carregamento de tráfego da rodovia Santos Dumont, hoje um dos mais movimentados acessos rodoviários de Campinas. A legislação municipal de Campinas contempla aspectos de proteção e preservação ambiental - em tese - mas não forjou instrumentos claros de aplicação, manejo e controle dos impactos decorrentes da urbanização. Essa deficiência das leis é sensivelmente maior nas ações preventivas, ou seja na falta de meios para impedir ou redirecionar certos empreendimentos que irão provocar danos ambientais. Esse problema é evidente no que se refere aos recursos hídricos, ou, mais especificamente, no planejamento da ocupação das micro-bacias urbanas. A hipótese de delimitação do perímetro urbano a partir dos divisores de água das bacias é inviável no caso dos córregos Taubaté, Sete Quedas e S. Vicente, cujo comprometimento parcial ou total do território já começou há décadas. Resta ao planejamento municipal a tarefa de ordenar o melhor possível as ocupações consolidadas e fornecer diretrizes ambientalmente corretas aos novos empreendimentos previstos. Essas duas formas de ação do poder municipal estão dadas na área compreendida pelas citadas micro-bacias. A urbanização das ocupações do Parque Oziel e Jardim Monte Cristo, a partir da declaração da área como de interesse social para fins de desapropriação, e as diretrizes para o plano de desenvolvimento da fazenda Sete Quedas, empreendimento em fase final de licenciamento que prevê a implantação de cerca de 18 mil habitações na área da fazenda ao longo de 20 anos, são exemplos desse fato21. Essas duas intervenções do poder público, no entanto, pouco ou nada se referem aos cursos d’água, à proteção dos recursos hídricos ou a manejo ambiental de um modo geral. No caso das ocupações, o poder público desenvolverá projeto de drenagem e de infra-estruturas em geral, ainda não definidos; no caso da fazenda Sete Quedas, os impactos ambientais foram analisados no processo de licenciamento ambiental, através do EIA-RIMA.
20 A ampliação planejada do aeroporto até 2015 deverá transformá-lo no maior complexo do tipo em área ocupada e volume de carga do país (ver PMC-SEHAB 1999). 21 As duas ocupações são contíguas ocupando uma área de 78 há; a fazenda Sete quedas tem mais de 500 ha.
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Considerando a urbanização das micro-bacias em questão como fato irreversível, resta propor medidas para o controle e proteção das vizinhas, retomando a hipótese inicial de associação do limite do perímetro urbano aos divisores de águas - tarefa de difícil consecução face à posição geográfica da área, dentro de um eixo de conurbação Campinas-Valinhos já bastante avançada. A Região Metropolitana de Campinas (RMC), por último, pode trazer alguns elementos favoráveis à proteção ambiental da região, caso venha a ser adotada a alternativa de “metrópoles autônomas” com a definição de territórios não urbanizáveis entre São Paulo, Jundiaí e Campinas, desenhando-se um “cinturão verde” ao redor da última. Também aqui a legislação metropolitana deve ser produzida de forma criteriosa para contemplar, de fato, as variáveis e, principalmente, os instrumentos de controle ambiental22. REGULAÇÃO & REGULARIZAÇÃO A regulação das ocupações organizadas é hoje o desafio maior a ser enfrentado pela política habitacional municipal. Dados da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) de 1999 apontam a existência de 234 núcleos com 157.648 moradores (16,4% da população do município) e 38.758 unidades, incluídos nesses totais 6.984 moradores de favelas já consideradas urbanizadas. Existem 10 ocupações em fase de regularização com uma população total de 4.800 moradores. Tecnicamente a SEHAB considera “em regularização” as ocupações cujos moradores estão cadastrados, a propriedade (um ou muitos proprietários) está identificada, havendo interesse de negociação para a transferência (compra e venda) e existe um projeto preliminar de urbanização. Não existe um método ou normas e procedimentos definidos para o encaminhamento da regularização - cada caso é tratado em separado. A COHAB é encarregada de realizar a “intermediação”, que poderia ser entendido como o papel de agente promotor da regularização. Isso ocorre porque existem ocupações em áreas de sua propriedade - remanescentes de conjuntos e/ou áreas de uso institucional porém não urbanizadas - as quais foram objeto de negociações iniciadas há alguns anos com os ocupantes. Não há um critério de prioridades de regularização. Em geral a intermediação é provocada por pressões políticas ou pela identificação do(s) seu(s) proprietário(s) que manifesta(m) interesse de negociar. Por outro lado, a regulação de uma ocupação não pode ser restrita à sua regularização. Esta última decorre de fato consumado enquanto a regulação deve ser uma ação mais abrangente, incidindo também no conjunto dos vazios urbanos passíveis de serem ocupados, bem como na identificação de grupos e comunidades para os quais a ocupação é a única alternativa de solução de moradia. Pode-se argumentar que uma regulação das ocupações seja um chamariz de contingentes de “sem teto” de municípios e regiões vizinhas, ou seja, que ao promover essa solução de
22 A Lei Estadual Complementar que institui a RMC não prevê a existência desse cinturão verde.
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moradia a Prefeitura provoque um processo crescente e incontrolável de graves conseqüências sociais. Porém a gravidade do problema habitacional está dada. A origem desse descontrole de uso e ocupação do solo vem de muitas décadas atrás e cabe a responsabilização se não judicial, pelo menos social - dos proprietários e “empreendedores” imobiliários que lotearam indiscriminadamente milhares de glebas, muitas das quais até hoje sem condições de regularização. Também é sabido que em áreas declaradas de utilidade pública (o melhor exemplo é o da ampliação do aeroporto de Viracopos), prepostos dos proprietários das glebas costumam estimular ocupações visando bloquear o processo ou, no mínimo, transferir (vendendo lotes) parte ou o todo de sua área, antes da consumação da desapropriação. Um último argumento a favor da regulação refere-se à abrangência regional do problema social. Com a aprovação recente da Lei Estadual que cria a Região Metropolitana de Campinas, estão dadas as condições institucionais de abordar o problema das ocupações na escala intermunicipal e as possibilidades de criar uma regulação instituída pelo Estado. Na ausência de perspectivas de superar a defasagem entre renda e custo de moradia produzida pelos métodos convencionais, que caracteriza a atual conjuntura, a solução das ocupações organizadas desponta como alternativa econômica quase única da questão da moradia. Ainda sob o ponto de vista econômico, transformar vazios urbanos sem utilização em áreas habitacionais providas de infra-estrutura, gera o necessário aumento da densidade média populacional, condição de governabilidade do amplo - e hoje rarefeito - tecido urbano de Campinas, reduzindo os custos per capita dos serviços públicos e gerando aumento de receitas tributárias, como no caso do IPTU. Em síntese, a aplicação destas considerações ao caso da regulação das ocupações do Parque Oziel e Jardim Monte Cristo, subentende as seguintes conclusões: 1. É fundamental preservar o arruamento, a forma das quadras e as áreas de uso não residencial do loteamento anterior pois este foi regularizado por decreto municipal. As dimensões e divisas de lotes dentro das quadras, no entanto, devem ser alteradas conforme a ocupação de fato de modo a manter o adensamento maior obtido (ao redor de 300 hab/ha). 2. A possibilidade de verticalização - construção de blocos de apartamentos com até 5 andares - visando a liberação de algumas quadras com remoção de parte das famílias de seus lotes atuais deve ser vista como remota ou quase impossível. O acesso da população da ocupação a financiamentos para compra dos apartamentos é extremamente improvável pela sua condição de baixa renda e instabilidade de emprego, ou exigiria um volume de subsídio por parte do poder público muito elevado. 3. Por outro lado, é fundamental impedir a configuração de um gueto ou bolsão de pobreza extenso ocupando toda a área. Para tanto, o plano de urbanização deve incluir a gleba vizinha a leste - remanescente da fazenda Taubaté - onde se encontram as nascentes ainda não urbanizadas do córrego. Essa área possui cerca de 96 ha. 13
Nesse caso é possível o reassentamento de parte da população em empreendimentos de casas térreas ou sobrados construídos em regime de mutirão. 4. O plano para a área “expandida” das cabeceiras do córrego deve contemplar diretrizes viárias estruturadoras - como a ligação a partir do Jardim do Lago por sobre a Santos Dumont até a transposição da Anhanguera por avenida desenhada no projeto do empreendimento da fazenda Sete Quedas. As áreas destinadas a parques, recreação, faixas de proteção dos córregos devem ser amplas e contínuas assegurando não somente as matas ciliares como tambem parques e corredores de vegetação arbórea. O número de unidades destinadas a baixa renda da fazenda Sete Quedas deve ser muito maior do que o previsto; do mesmo modo, na área adicionada uma parte das novas unidades deve ser destinada a atender público de renda média. 5. As drenagens naturais devem ser recuperadas e desimpedidas de modo a reduzir substancialmente o escoamento superficial de águas pluviais que hoje se faz quase apenas pelas ruas. O projeto paisagístico deve ser abrangente das 3 áreas ocupações, remanescente e fazenda Sete Quedas - integrando-as conforme o traçado dos recursos hídricos e incorporando ainda outros loteamentos vizinhos (Jardim Icaraí, Jardim São José, Jardim das Bandeiras e outros. O vale do Taubaté deve ser o elemento morfológico estruturador de todo o projeto. 6. A área adicionada deverá abrigar a maior parte da população dos 8 núcleos de favelas existentes há anos na micro-bacia, predominantemente localizada nas faixas de proteção dos córregos e, portanto, sobre áreas de risco. A remoção e reassentamento dessa população deve obedecer a um plano rigoroso assegurando a imediata recuperação paisagística de cada trecho das margens logo após a remoção. 7. Associado ao manejo habitacional e ambiental, o plano urbanístico geral da microbacia deve assegurar localização adequada e em número suficiente dos equipamentos comunitários necessários. Não se trata apenas de “cumprir” a exigência legal de 5% no mínimo de área para uso institucional, mas de pré-estabelecer o uso de cada uma dessas áreas. 8. Os equipamentos de comércio e serviços também devem ser planejados não apenas quanto aos terrenos destinados a esse fim, mas associados aos trajetos de transporte coletivo, ao viário estruturador e ao sistema de parques, praças e corredores de vegetação propostos. Os macro-equipamentos destinados a esse fim já existem nos entornos ou projetados para a fazenda Sete Quedas. 9. Por último, deve ser enfatizado o papel essencial do poder público municipal como agente principal dessa operação. É por força disso que se adota a idéia de Regulação, com sentido e territorialidade mais abrangente do que uma Regularização que só poderia ser feita gleba a gleba, loteamento a loteamento, amarrada à estrutura de propriedades dada.
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