Governo do RS entra com ação no STF para cobrar leitos da União

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

URGENTE Distribuição por Dependência às Ações Cíveis Originárias 3473/MA, 3474/SP e 3475/BA: omissões da União na adoção de medidas de combate à pandemia.

Progressivo abandono do auxílio financeiro à manutenção de leitos de UTI destinados a pacientes de COVID-19

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pessoa jurídica de direito público interno, por meio do Procurador-Geral do Estado e dos Procuradores do Estado abaixo assinados, com endereço em Porto Alegre, na Avenida Borges de Medeiros, nº 1.555/18º andar, Bairro Praia de Belas, CEP 90.110-130, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 102, I, “f”, da Constituição Federal, para ajuizar

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face da UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelo Advogado-Geral da União, com endereço no Setor de Autarquias Sul, Quadra 3, Lotes 5 e 6, Brasília-DF, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

I – DO OBJETO DA DEMANDA

O Estado do Rio Grande do Sul ajuíza a presente ação em face da União visando a condená-la ao cumprimento de obrigações de fazer consistentes: a) na retomada de custeio de todos os leitos de UTI do Estado d o 1

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Rio Grande do Sul destinados ao tratamento de pacientes com COVID 19 que foram requeridos pela Secretaria Estadual da Saúde ao Ministério da Saúde e que anteriormente contavam com esse suporte financeiro da União; e b) no pronto exame e atendimento das solicitações já encaminhadas pelo Estado do Rio Grande do Sul para habilitação de novos leitos de UTI destinados ao tratamento de pacientes de COVID-19, considerando as necessidades decorrentes dos efeitos da pandemia no território estadual.

A tutela judicial aqui buscada se faz urgentemente necessária no atual contexto em que a União deixou de prestar auxílio financeiro para a manutenção de 576 leitos para pacientes de COVID-19 no Estado do Rio Grande do Sul, que haviam sido anteriormente habilitados e foram temporariamente custeados pelo ente central, e está na iminência de deixar de financiar 159 leitos (que vencem na competência do mês corrente).

Além de retroceder no financiamento de leitos que haviam sido por ela habilitados, repassando todo esse encargo à responsabilidade dos Estados e Municípios, a União ainda não analisou as solicitações do Estado do Rio Grande do Sul para a habilitação de 359 novos leitos de UTI para o acolhimento de pacientes de COVID-19, gerando graves dificuldades e riscos ao sistema de saúde local, especialmente no atual momento de recrudescimento dos números de contágios, internações e mortes decorrentes da COVID-19.

Nesse cenário, ao Estado do Rio Grande do Sul – atento à sua missão constitucional de proteção à vida e à saúde da população e às competências do modelo federativo cooperativo delineado na Constituição Federal – não resta alternativa senão aforar a presente ação judicial para compelir a União a cumprir suas obrigações constitucionais e legais de contribuir para a disponibilização e manutenção de leitos para tratamento de pacientes com COVID-19 no Estado.

Tratando-se de demanda judicial que envolve nítido conflito federativo entre o Estado autor e a União – relacionado à controvérsia abrangendo a definição e o exercício de competências constitucionais dos entes políticos, especialmente no que concerne ao financiamento de ações da área de saúde pública imprescindíveis ao enfrentamento da pandemia que assola o país –, firmada está a competência dessa e. Suprema Corte para o processamento e julgamento da causa, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “f”, da Constituição 2

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da República.

Registre-se, ainda, a necessidade de distribuição por conexão com as Ações Cíveis Originárias 3473/MA, 3474/SP e 3475/BA, em razão da interligação das matérias nelas versadas.

II – DOS FATOS É fato público e notório a magnitude da extensão e da gravidade da pandemia da COVID-19: no mundo, até a data de hoje, foram contabilizados mais de 115 milhões de infectados e cerca de 2,5 milhões de mortos. No Brasil, são mais de 10,7 milhões de pessoas contagiadas e mais de 260 mil mortes, sendo que no Estado do Rio Grande do Sul são mais de 660 mil casos confirmados e 13.021 mortes.

Os números em questão evidenciam as dificuldades e os desafios que a pandemia trouxe para o sistema de saúde global, especialmente no tocante à capacidade de atendimento médico-hospitalar das pessoas que dele necessitam. Aproximadamente 20% dos indivíduos contaminados pelo novo coronavírus precisam de internação hospitalar para tratamento da doença 1, o que revela a imprescindibilidade de adequado planejamento para dotar o aparato de saúde pública com a estrutura necessária apta a acolher e a tratar a demanda.

Infelizmente, mundo afora não faltam exemplos de colapso na capacidade de atendimento emergencial a pessoas acometidas pela COVID-19, que acabaram falecendo nas portas de hospitais, em casa e até mesmo nas ruas, à míngua do devido tratamento, impossibilitado pela insuficiência do instrumental médico necessário, como leitos, respiradores, oxigênio – de que é exemplo, no âmbito nacional, o triste e recente caso de Manaus/AM -, e outros insumos.

Nesse contexto, entre as diversas medidas de enfrentamento aos problemas e desafios impostos pela COVID-19, sempre foi consenso a especial importância da garantia de leitos de UTI disponíveis para possibilitar o acolhimento dos acometidos da doença que necessitam de tratamento médico1

https://summitsaude.estadao.com.br/novos-medicos/covid-19-quais-sao-oscriterios-para-internacao-em-uma uti/

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hospitalar.

Desde o início da pandemia em território nacional, o Estado do Rio Grande do Sul adotou postura proativa e responsável, compatível com a gravidade da situação que se apresenta. A disponibilidade de leitos hospitalares para acolhimento de pacientes acometidos pela COVID-19 sempre foi objeto de atenção e de medidas efetivas para ampliação da estrutura pública, de modo a garantir a capacidade de atendimento do sistema de saúde para fazer frente à demanda que se avizinhava crescente.

Em fevereiro de 2020, o Estado do Rio Grande do Sul contava com 933 leitos de UTI adulto SUS à disposição da população, sendo que atualmente (dado de 04/03/2021) conta com 2.249 leitos de UTI adulto SUS já cadastrados no Sistema de Monitoramento de Leitos do Rio Grande do Sul (https://covid.saude.rs.gov.br/), conforme segue:

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O quadro abaixo demonstra o aumento do número de leitos desde o início do cadastramento de informações no Sistema de Monitoramento de Leitos do RS:

Em razão da manifesta importância de dotar as unidades de saúde de todo o país dos leitos necessários para o atendimento do crescente número de pessoas acometidas pela COVID-19, a União, a partir de março de 2020, instituiu regras específicas para habilitação de leitos de UTI para pacientes de COVID-19, sendo as diárias custeada pelo Ministério da Saúde no valor de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) por leito2.

No entanto, a despeito da crescente severidade da crise sanitária em nosso país, em especial no Estado do Rio Grande do Sul, que vive o seu momento mais trágico, e da alta da demanda de terapia intensiva para seus pacientes, o Ministério da Saúde, surpreendentemente e na contramão dos dados, vem reduzindo substancialmente o suporte financeiro para o custeio de leitos de UTI para pacientes de COVID-19, com perspectivas de 2

A sistemática em questão foi disciplinada nas seguintes Portarias do Ministério: Portaria nº 237/SAES/MS, de 18 de março de 2020, Portaria nº 414/GM/MS, de 18 de março de 2020, Portaria nº 568/GM/MS, de 26 de março de 2020, e Portaria 1.802/GM/MS, de 20 de julho de 2020.

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agravamento caso a tendência não seja revertida.

Atualmente o Estado do Rio Grande do Sul possui: (i) 576 leitos que já perderam o financiamento até a competência de fevereiro/2021, relativamente aos quais houve pedido de prorrogação de habilitação, cujas propostas cadastradas no Sistema de Apoio à Implementação de Políticas em Saúde (SAIPS) ainda não foram analisadas pela área técnica do MS; (ii) 159 leitos habilitados na iminência de perder o financiamento (vigência até a competência março de 2021); (iii) e 359 leitos pendentes de habilitação e com proposta inserida no SAIPS aguardando avaliação da área técnica, conforme tabela em anexo.

Com a publicação da Portaria GM/MS 373 de 02 de março de 2021, o Estado possui 144 leitos de UTI COVID habilitados com prorrogação vigente e 64 novos leitos com habilitação vigente, totalizando 208 leitos efetivamente financiados pelo MS, enquanto durar a pandemia, e não mais por prazo determinado como nas habilitações anteriores, o que vem causando a descontinuidade do financiamento de diversos leitos.

A posição da União de se afastar da obrigação de contribuir para a manutenção de leitos de UTI para pacientes da COVID-19, habilitados pelo próprio ente central, não se restringe ao Estado do Rio Grande do Sul, constatando-se que se trata de postura de caráter geral do Ministério da Saúde, em prejuízo a todo o país e incondizente com o papel constitucional do ente central na garantia do direito fundamental à saúde dos brasileiros.

Conforme relatado em nota pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS, houve drástica redução dos leitos custeados pela União: em dezembro 2020, dos 20.770 leitos então em uso, 12.003 encontravam-se habilitados, isto é, contavam com o financiamento do Ministério da Saúde para sua manutenção. Em janeiro/2021, esse número reduziu para 7.017 e em fevereiro será de apenas 3.187. Disponível em:https://www.conass.org.br/nota-a-imprensa-habilitacao-de-leitos-de-utipara-covid-19/ Importa consignar, por outro lado, que, além da tentativa de afastar a sua responsabilidade pelo custeio de leitos que habilitara e aceitara financiar, o Ministério da Saúde se encontra inerte quanto ao exame dos pedidos 7

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de novas habilitações ou respectivas prorrogações.

Trata-se, como se percebe, de situação de extrema gravidade, uma vez que a União, ao se afastar da responsabilidade de custeio de leitos de UTI para pacientes de COVID-19, repassando-a quase que integralmente aos Estados e Municípios – entes federativos que sabidamente não possuem a capacidade econômica e os instrumentos de maleabilidade financeira do ente central –, acaba por colocar em risco a própria higidez do sistema de atendimento médico-hospitalar.

Cabe destacar que a União adota tal conduta omissiva no pior dos momentos possíveis, qual seja, de notório recrudescimento dos números de infecções, internações e mortes pela COVID-19, como pode ser observado no seguinte quadro evolutivo da ocupação de leitos de UTI no Estado, revelando que o número de leitos livres já se encontra atualmente esgotado e com fila de espera (fonte: https://ti.saude.rs.gov.br/covid19/, acesso em 05 de março de 2021):

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Diante desse cenário de severo agravamento dos efeitos da pandemia da COVID-19 no Brasil, com relevante alta dos casos de internação, a demandar maior cobertura e amplitude dos serviços de atendimento de saúde, aliado ao verdadeiro abandono, pela União, da necessária contribuição, a seu cargo, para o custeio de leitos de UTI nos Estados e Municípios – relegando quase que exclusivamente esse encargo aos combalidos orçamentos dos entes regionais e locais –, é que se propõe a presente ação judicial, com o fito de impor à União o comando de cumprir suas responsabilidades e obrigações constitucionais e legais e, em cooperação com os Estados e Municípios, retomar 9

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e ampliar a habilitação e o custeio de leitos de UTI para que o sistema público de saúde possa estar preparado para bem acolher os casos graves da COVID-19 que precisarem de internação, o que não vem ocorrendo, pois, sabidamente, a situação das UTIs, em especial no Estado do Rio Grande do Sul, é de absoluto desespero, com superlotação e óbitos de pacientes que nem sequer conseguem um leito de terapia intensiva 3.

III – DO DIREITO

À partida, cumpre recordar que a Constituição Federal dispõe ser a saúde direito fundamental (artigo 6º) de todos e dever do Estado (artigo 196), garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Literalmente, assim dispõem os artigos 6º e 196 da Lei Maior: Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desemparados, na forma desta Constituição.

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Vale pontuar, nesse passo, que, quando o texto constitucional trata a saúde como dever do Estado, é certo que esta expressão não representa o dever exclusivo dos entes federativos estaduais propriamente ditos, referindo-se sim ao Poder Público (estado brasileiro) de modo geral, englobando as três esferas de pessoas políticas existentes na Federação Brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

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A esse respeito, a seguinte notícia do site G1: https://g1.globo.com/rs/rio-grandedo-sul/noticia/2021/03/02/rs-ultrapassa-os-100percent-de-lotacao-dos-leitos-de-uti.ghtml

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A Constituição Federal é expressa ao estabelecer a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, CR), bem como cuidar da saúde e assistência pública (art. 23, II, CR), prevendo, assim, verdadeira solidariedade legislativa e administrativa em matéria de saúde. Desse modo, todos os entes federativos são responsáveis pela promoção das ações de saúde no âmbito de suas capacidades e competências - trata-se do fenômeno denominado federalismo cooperativo, no qual todos os entes da Federação devem colaborar na execução e na prestação de serviços dotados de relevância social, em especial, para o que aqui se pretende, com a saúde.

A propósito do tema, esse c. Supremo Tribunal Federal já se debruçou em diversas oportunidades sobre a questão da delimitação e da repartição das competências dos entes federativos relativamente às ações de saúde relacionadas ao combate à pandemia do novo coronavírus, como são exemplos as decisões proferidas na ADI-MC 6431 e na ADPF 672, assentando em todas as vezes o caráter concorrente das atribuições e responsabilidades da União, Estados e Municípios relativamente à adoção das providências necessárias ao enfrentamento da emergência em saúde que assola o país desde meados de março de 2020.

A Constituição Federal, portanto, além de definir a saúde como direito subjetivo fundamental de todos, contempla de forma especial o caráter impositivo desse direito, direcionando a sua concretização ao Poder Público, que tem o dever de adotar políticas sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e outros agravos, bem como à promoção do acesso universal e igualitário às ações que lhe são inerentes.

Para a consecução de tal desiderato, previu a institucionalização de um sistema, unificado através da organização e da integração das ações e serviços públicos de saúde, formado por uma rede regionalizada e hierarquizada, denominado Sistema Único de Saúde – SUS, baseado na descentralização, com direção única em cada esfera de governo.

A regulamentação infraconstitucional do SUS ocorreu por meio da Lei n. 8.080/1990, a qual estipula a concorrência de deveres e atribuições das três esferas federativas na área de saúde, estabelecendo como princípio basilar do sistema a “conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e 11

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humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população” (art. 7º, XI).

Tem-se, portanto, que a ordem jurídica brasileira, nos planos constitucional e legal, impõe ao Poder Público a obrigação de concretizar, de forma efetiva e eficiente, o pleno exercício do direito fundamental à saúde, sendo dever de todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) agir de forma cooperativa na criação e implementação de condições objetivas que viabilizem ao cidadão o efetivo acesso ao direito.

Feitas essas considerações, afigura-se evidente que a União, no contexto narrado no tópico II, supra, ao abandonar o auxílio financeiro aos Estados e aos Municípios na manutenção de leitos de UTI para pacientes de COVID-19, está violando o seu dever constitucional e legal de cooperar e contribuir para as ações indispensáveis à promoção, proteção e recuperação do direito à saúde dos brasileiros. A situação se mostra ainda mais grave por se tratar de verdadeiro abandono de política pública, pois, conforme visto, contraditoriamente ao avanço do número de casos de COVID-19, o auxílio financeiro para seu enfrentamento se vê drasticamente reduzido sem qualquer justificativa plausível - com consequências sabidamente irreparáveis.

Conforme já mencionado, a disponibilização de leitos de UTI é a medida certamente mais urgente e importante para lidar com o maior e imediato problema causado pela disseminação da COVID-19: a necessidade de internação e tratamento intensivo de grande parte das pessoas contaminadas, que está causando o real colapso na capacidade de acolhimento do sistema médicohospitalar e todas as tristes e indesejáveis repercussões dele decorrentes.

Reconhecendo-se que a disponibilização de mais leitos de UTI no sistema de saúde é a medida de enfrentamento direto não preventivo de maior relevância para o atual momento de agravamento das infecções e internações causadas pela COVID-19, essa postura da União é manifestamente violadora do dever imposto ao Poder Público pelo artigo 196 da Constituição Federal, prejudicando a realização dessa ação necessária e indispensável para a salvaguarda da saúde e da vida dos brasileiros.

Dada a extrema gravidade da situação, convém reiterar o quanto já exposto: no momento mais grave da pandemia, o Estado do Rio Grande do Sul 12

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possui 576 leitos que ainda não tiveram as suas propostas cadastradas no Sistema de Apoio à Implementação de Políticas em Saúde (SAIPS) analisadas pela área técnica do MS (habilitação com vigência até a competência fevereiro de 2021), 159 leitos habilitados na iminência de perder o financiamento (vigência até a competência março de 2021) e 359 leitos pendentes de habilitação e com proposta inserida no SAIPS aguardando avaliação da área técnica, conforme tabela em anexo.

Importa enfatizar que a implementação, por parte da União, de ações de cooperação e auxílio financeiro aos Estados e Municípios para a adequada manutenção de leitos de UTI para doentes da COVID-19 não constitui medida afeta a juízo de discricionariedade do ente federal, configurando medida cuja adoção consiste numa imposição vinculante de ordem constitucional e legal, marcadamente no atual contexto de agravamento da pandemia e de imprescindibilidade de disponibilização de mais leitos para atender a crescente demanda de pacientes que diuturnamente batem às portas dos hospitais estaduais e municipais em busca de tratamento emergencial.

Nesse sentido, muito embora as Portarias do Ministério da Saúde que tratam do procedimento de habilitação de leitos exclusivos para pacientes de COVID 19 se refiram à temporalidade de vigência das habilitações, bem como à possibilidade de prorrogação, tais normativas são orientações gerais de caráter regulamentar – ostentam natureza infralegal –, disciplinando aspectos meramente procedimentais e burocráticos do trâmite do processo de habilitação sem se sobrepor à lei ou à Constituição, na medida em que, por evidente, não podem servir para deixar de concretizar a obrigação constitucional, como vem ocorrendo no presente caso.

Com efeito, é pertinente asseverar que a temporalidade e a possibilidade de prorrogação das habilitações de leitos de UTI exclusivos para a COVID-19 (que, segundo as normativas do Ministério da Saúde, teriam prazo de 90 dias, podendo ser prorrogado) são aspectos que devem ser examinados sistematicamente, à luz da disciplina normativa como um todo – especialmente a constitucional e legal – e da realidade sobre a qual incide, sob pena de reconhecer o poder da União de definir, de acordo com as regras que ela mesma estipula, o momento e as situações em que vai cumprir os seus deveres constitucionais.

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Realizada essa análise sistemática, percebe-se que a previsão regulamentar do caráter temporário das habilitações por 90 dias e a possibilidade de prorrogação devem ser interpretadas no sentido de que as habilitações têm prazo certo, cuja prorrogação fica a critério do órgão federal, desde que as circunstâncias fáticas se apresentem em sua ordinariedade cotidiana, conferindo assim espaço decisório para que a União verifique a oportunidade e a conveniência da dilação da habilitação, inexistindo opção de desacolhimento de situações de extrema necessidade, o que representaria a institucionalização do desamparo público e deliberado da população.

Assim, em casos extremos, como situações de calamidade pública, nos quais é notória a necessidade de prorrogação da disponibilização dos leitos custeados pelo Ministério da Saúde para atender de forma adequada o direito à saúde da população, inexiste discricionariedade do órgão federal em decidir pela prorrogação da habilitação dos leitos, constituindo tal medida ato administrativo vinculado da União, em razão das circunstâncias fáticas e da manifesta necessidade de prorrogação como única forma de cumprir o dever constitucional e legal de proteção e promoção da saúde pública.

A cogência da obrigação da União em retomar e ampliar o auxílio financeiro aos Estados e Municípios para o custeio de leitos de UTI para pacientes da COVID-19 é extraída, além do texto constitucional (artigos 6º, 196 e seguintes), de diversos e expressos dispositivos da Lei federal nº 8080/90, que estabelece como princípio do SUS a “integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços” (art. 7º, II); a atribuição da União de “fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de atendimento emergencial” (art. 15, XXI); a competência da direção nacional do SUS de “prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional” (art. 16, XIII), entre outros.

Ademais, faz-se relevante mencionar ato do próprio Ministério da Saúde que regulamenta as medidas de enfrentamento à COVID-19 (Portaria nº 356, de 11 de março de 2020) e prevê que “o encerramento da aplicação das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional em decorrência da infecção humana pelo coronavírus (COVID- 19) fica condicionada à situação de Emergência de 14

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Saúde Pública de Importância Nacional, declarada por meio da Portaria nº 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020”. Nesse aspecto, cabe pontuar que segue vigente a situação de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional declarada na Portaria nº 188 do Ministério da Saúde, razão pela qual as medidas de enfrentamento à pandemia continuam válidas, dentre as quais se encontra a habilitação, pela União, de leitos de UTI destinados exclusivamente ao tratamento de pacientes da COVID-19, constituindo, portanto, ação que não poderia ter sido abandonada como o foi pelo ente central.

Também se deve recordar que o órgão federal exerce a posição de direção nacional do SUS (artigo 16 da Lei Federal n.º 8.080/90), competindolhe a definição e a coordenação das redes integradas de alta complexidade, como são os leitos de UTI: Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete: (...)

III - definir e coordenar os sistemas: a) de redes integradas de assistência de alta complexidade;

Veja-se o que dispõe a Portaria MS n.º 1.802, de 20 de julho de 2020 quanto às competências de cada integrante do SUS no processo de habilitação de leitos de UTI COVID-19: Art. 1º Fica autorizada, em caráter excepcional, a habilitação temporária de novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva - UTI Adulto COVID-19 para atendimento exclusivo dos pacientes SRAG/COVID-19.

Parágrafo único. As habilitações temporárias de leitos de Unidade de Terapia Intensiva Adulto COVID-19 (Código de habilitação 26.12), para atendimento exclusivo dos pacientes SRAG/COVID-19, deverão ser solicitadas para estabelecimentos que disponham de leitos disponíveis e prontos para serem utilizados.

Art. 2º Para pleitear a habilitação supracitada, considerando os critérios epidemiológicos e a rede assistencial disponível nos territórios, devem ser encaminhados por meio do SAIPS - Sistema de Apoio à Implementação de Políticas em Saúde (http://saips.saude.gov.br/), com os documentos a seguir descritos: I - Ofício da Secretaria Estadual de Saúde, solicitando a habilitação, assinado pelo gestor de saúde estadual e municipal, (quando o 15

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO estabelecimento estiver sob a gestão do município), constando: (...)

Parágrafo único. Os Estabelecimentos temporários que não possuírem o CNES deverão obter as orientações específicas do Ministério da Saúde, disponível em Wiki CNES (wiki.datasus.gov.br).

Art. 3º A habilitação e a prorrogação dos leitos de UTI COVID-19 será condicionada à avaliação técnica, emitida pela Coordenação-Geral de Atenção Hospitalar e Domiciliar - CGAHD/DAHU/SAES/MS, nos seguintes itens: I - o estabelecimento e os leitos de UTI devem constar nos Planos de Contingência Estaduais; II - a necessidade dos Municípios e Estado, baseada em critérios epidemiológicos (incidência, prevalência, letalidade da COVID-19); III - rede assistencial disponível e taxa de ocupação dos leitos; e IV - a alimentação do sistema e-SUS Notifica - Internações pelo estabelecimento hospitalar.

Art. 4º Os leitos de Unidade de Terapia Intensiva Adulto COVID-19 habilitados para atendimento exclusivo dos pacientes SRAG/COVID-19, serão habilitados pelo período excepcional de 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogados a cada 30 (trinta) dias, mediante solicitação dos gestores do SUS, elencando os itens descritos no art. 2º desta Portaria.

Parágrafo único. As habilitações de que trata o caput poderão ser prorrogadas, a depender da situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19, mediante solicitação no SAIPS. (...)

Art. 7º O custeio da habilitação de novos leitos de UTI COVID-19, considerará o valor do procedimento 08.02.01.029-6 - Diária de UTI-II Adulto Covid 19, conforme definido na Portaria nº 237/SAES/MS, de 18 de março de 2020.

Art. 8º Os recursos orçamentários, objeto desta Portaria, correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar o Programa de Trabalho 10.122.5018.21C0.6500 - Enfrentamento da 16

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus.

Como se vê, às Secretarias Estaduais da Saúde compete solicitar a habilitação de leitos, ao passo que o Ministério da Saúde tem o poder/dever de habilitar e prorrogar as habilitações de leitos de UTI COVID-19, com base, entre outros fatores, em critérios epidemiológicos (incidência, prevalência, letalidade da COVID-19) e na taxa de ocupação dos leitos.

Ora, no momento em que o Estado do Rio Grande do Sul está com seu sistema hospitalar extremamente saturado (https://covid.saude.rs.gov.br/), não se vislumbra qualquer legítima escusa para que a União, a partir dos critérios que ela mesma estabeleceu com base no seu papel de órgão central do SUS, deixe de apreciar ou de habilitar leitos no território gaúcho.

Não é demais lembrar que o principal papel da União no combate à pandemia encontra-se descrito no artigo 21, inciso XVIII, da Constituição da República, o qual corresponde à indeclinável tarefa de planejar e promover, em caráter permanente – ou seja, constantemente e sem solução de continuidade –, a defesa de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País – ou mesmo outros que nele se encontrem de passagem – contra as calamidades públicas. A leitura conjunta desta competência constitucional com o disposto no artigo 198 da Constituição Federal permite deixar estreme de dúvidas que compete à União assumir a coordenação das atividades do setor, incumbindo-lhe, em especial, “executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional”, conforme estabelece o disposto no artigo 16, inciso III, alínea “a”, e parágrafo único, da Lei federal nº 8.080/1990.

A excepcionalidade que permeia a atuação do Poder Judiciário na concretização dos chamados direitos positivos, dos quais a saúde é o mais claro exemplo, não deve constituir, na situação extrema que se está vivendo, impeditivo da atuação jurisdicional diante de manifesta inércia do Poder Executivo, especialmente em se tratando de saúde pública e de medidas de combate à Covid-19.

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Neste sentido, no que tange à dispensação de fármacos, esse c.

Supremo Tribunal Federal recentemente superou o antigo entendimento firmado em 2009 na Antecipação de Tutela nº 175 – que estabelecia que medicamento não registrado na Anvisa não poderia ser dispensado ou fornecido à população – para preconizar, em sede de repercussão geral, que é possível a intervenção do Poder Judiciário, inclusive por meio da determinação de prestações positivas, para garantir a normatividade e a efetividade das disposições constitucionais em relação ao direito à saúde, tendo a Anvisa o poder-dever de avaliar os pedidos a ela dirigidos e sobre eles decidir. É a inteligência do RE nº 657.718/MG para o Tema nº 500, do ementário da repercussão geral, cujo v. acórdão foi recentemente publicado (DJe 09.11.2020).

Portanto, o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas concretas, assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da saúde, consoante precedentes dessa e. Corte a seguir colacionados: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito à saúde. Portador de doença grave. Determinação para que o Estado forneça fraldas descartáveis. Possibilidade. Caracterização da necessidade. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade.

Precedentes. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas concretas, assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da saúde. 2. A Corte de origem consignou ser necessária a aquisição das fraldas descartáveis, em razão da condição de saúde do agravado e da impossibilidade de seu representante legal de fazê-lo às suas expensas. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 4. Agravo regimental não provido.

(ARE 743841 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 20/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 16-10-2013 PUBLIC 17-10-2013) DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER 18

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo.

Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.

(AI 734487 AgR, Relator(a): ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 2008-2010 EMENT VOL-02411-06 PP-01220 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 158-162) E M E N T A: DIREITO À VIDA E À SAÚDE – NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DE PESSOAS CARENTES – DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, “CAPUT”, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO – CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS – REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA QUE O PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RECONHECEU NO JULGAMENTO DO RE 855.178- RG/SE, REL. MIN. LUIZ FUX – REAFIRMAÇÃO, QUANDO DA APRECIAÇÃO DE MENCIONADO RECURSO, DA JURISPRUDÊNCIA QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIRMOU NO EXAME DESSA CONTROVÉRSIA – SUCUMBÊNCIA RECURSAL – NÃO DECRETAÇÃO, NO CASO , ANTE A INADMISSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA, POR TRATAR-SE DE PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA (SÚMULA 512/STF E LEI Nº 12.016/2009, ART. 25) – AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (ARE 1102821 AgR / PI – PIAUÍ AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 07/05/2018) 19

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO AGRAVOS REGIMENTAIS. SUSPENSÃO DE LIMINAR. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS. SAÚDE PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TRATAMENTO SEM OS RESULTADOS ESPERADOS. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTO QUE SE MOSTRA IMPRESCINDÍVEL PARA A MELHORIA DA SAÚDE E MANUTENÇÃO DA VIDA DO PACIENTE. MEDICAÇÃO SEM REGISTRO NA ANVISA. FÁRMACO REGISTRADO EM ENTIDADE GOVERNAMENTAL CONGÊNERE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. NÃO COMPROVAÇÃO DO RISCO DE GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DE DANO INVERSO. SUSPENSÃO DE LIMINAR INDEFERIDA. AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Decisão que deferiu o fornecimento de medicamentos não disponíveis na rede pública de saúde para o tratamento do vírus da Hepatite genótipo “C”. II – Tratamento oferecido no âmbito do Sistema Único de Saúde que não surtiu o efeito esperado. Prescrição da utilização combinada dos medicamentos Sofosbuvir 400 mg, Simeprevir 150 mg e Ribravirina 250 mg, única forma viável de evitar o agravamento da doença. III – Discussão sobre a possibilidade do custeio pelo Estado de medicamento ainda não registrado pela ANVISA. IV – Repercussão Geral da matéria reconhecida nos REs 566.471/RN e 657.718/MG, ambos de relatoria do Ministro Marco Aurélio. V – Eficácia do fármaco atestada aprovada por entidade governamental congênere à ANVISA. VI – Decisão de indeferimento da suspensão que preserva a vida do paciente, ante a constatação da não comprovação do grave risco de lesão à ordem e à economia públicas. VII – Agravos regimentais a que se nega provimento. (SL 815 AgR / SP - SÃO PAULO AG.REG. NA SUSPENSÃO DE LIMINAR. Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente) Julgamento: 07/05/2015)

Ademais, conforme pontuado pelo e. Ministro Celso de Mello na ADPF nº 45-MC/DF, não seria lícito ao Poder Judiciário omitir-se quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais ou coletivos impregnados de estatura constitucional. É justamente o que ocorre no caso aqui ventilado.

Este é o entendimento que permeou a recente decisão 20

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tomada na ADPF nº 756 (Min. Rel. Ricardo Lewandowski), em que se determinou à União a promoção imediata de ações aptas a debelar a crise sanitária derivada da Covid 19 que se alastrava e ainda se alastra no Estado do Amazonas.

Demonstrado que a União se afastou quase inteiramente do dever de auxiliar o Estado do Rio Grande do Sul e os demais entes estaduais e municipais no custeio de leitos de UTI destinados a pacientes de COVID-19 – o que se afigura evidente violação ao dever constitucional e legal de cooperação, promoção e proteção relativo à saúde e à vida da população –, torna-se necessária a intervenção dessa e. Corte, para determinar que a União cumpra sua obrigação de implementar efetivamente as seguintes medidas de proteção à saúde da população, relacionadas à disponibilização de leitos na rede hospitalar do Estado: a) analisar e aprovar todas as propostas atuais e que vierem a ser inseridas no SAIPS, tanto de prorrogação (576 leitos na presente data) quanto de nova habilitação (359 leitos); b) publicar as portarias de prorrogação e habilitação de leitos de UTI COVID com seu respectivo impacto financeiro, viabilizando o custeio federal dos referidos leitos.

IV - DA TUTELA DE URGÊNCIA Estão presentes os pressupostos do artigo 300, do Código de Processo Civil, uma vez que se afiguram evidentes a probabilidade do direito invocado pelo autor (fumus boni iuris) e o risco de dano irreparável ao Estado e à população, bem como ao resultado útil do processo (periculum in mora).

Com efeito, o fumus boni iuris resta evidenciado na manifesta inconstitucionalidade, ilegalidade e arbitrariedade de postura da União de abandonar o custeio de 576 leitos de UTI para pacientes com COVID-19 no Estado do Rio Grande do Sul - que foram por ela habilitados e temporariamente financiados –, repassando todo o ônus financeiro desses leitos para o ente estadual. Trata-se, conforme amplamente exposto nos tópicos anteriores, de atitude que, mais do que violar, nega existência ao dever de 21

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cooperação federativa para proteção e promoção da vida e saúde da população, conduta que merece ser rechaçada por essa E. Corte.

Por outro lado, avulta também o periculum in mora, consistente no perigo de dano irreparável ao Estado e à população gaúcha e brasileira em geral.

Isso porque a atitude da União em reduzir drasticamente a participação no financiamento da manutenção de leitos de UTI para pacientes de COVID-19, justamente em momento no qual há um aumento significativo do número de infectados, internações e mortes pela doença, tem o condão de ocasionar verdadeiro colapso no sistema de saúde, com falta de leitos para atendimento emergencial da população, como, a exemplo do que ocorreu recentemente em Manaus-AM, ocorre no Estado do Rio Grande do Sul, que na presente data apresenta taxa de ocupação de 101,9% (https://covid.saude.rs.gov.br/, acessado em 05/03/2021), configurando situação onde a demanda por leitos é superior à capacidade de atendimento do sistema de saúde.

Nesse passo, não é possível, sem verdadeira desconsideração ao valor da vida e da dignidade humana, cogitar a existência de dano inverso suficiente a não recomendar a concessão da medida de urgência, uma vez que, de um lado, está a busca pela máxima proteção da vida e, de outro, somente é possível vislumbrar a ocorrência de prejuízo financeiro, possivelmente sem impactos negativos relevantes.

Por fim, convém ressaltar que os Estados do Maranhão, de São Paulo e da Bahia apresentaram pedidos similares a essa Suprema Corte (Ações Cíveis Originárias 3473/MA, 3474/SP e 3475/BA), os quais foram deferidos pela e.

Ministra Rosa Weber, com a seguinte fundamentação: A tutela provisória de urgência pressupõe, nos termos do artigo 300 do CPC/2015, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Reputo evidenciado os requisitos no presente caso.

O recrudescimento das taxas de contaminação, internação e letalidade em decorrência da pandemia da COVID-19 é 22

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incontroverso e notório (CPC/2015, art. 374, I e III). O momento atual vem se mostrando ainda mais desafiador diante das evidências científicas de novas cepas, mutações e variantes do Coronavírus.

Em condições tais, de recrudescimento da pandemia no território nacional, não é constitucionalmente aceitável qualquer retrocesso nas políticas públicas de saúde, como por exemplo, no ponto em que aqui importa, a que resulta em um decréscimo no número de leitos de UTI habilitados (custeados) pela União.

A diminuição do número de leitos em um cenário de recrudescimento da pandemia é o bastante para o reconhecimento do interesse processual do Estado autor.

Portanto, não me convencem, ao menos nesse juízo cautelar, as alegações da União de que não há pretensão resistida à habilitação de novos leitos. Os próprios argumentos de mérito articulados pela União contra o pedido de tutela de urgência evidenciam a necessidade da intervenção judicial para equalizar o impasse federativo que ora se apresenta. (...)

Ocorre que as vidas em jogo não podem ficar na dependência da burocracia estatal ou das idiossincrasias políticas, ainda que se reconheça que o decréscimo do financiamento de leitos possa ser circunstancial -, decorrente do próprio dinamismo e imprevisibilidade da evolução da pandemia-, ou motivado por protocolos orçamentários os quais a União é obrigada a cumprir.

Em xeque, na pandemia do Coronavírus, cláusulas vitais de saúde coletiva. Juridicamente repelidas por esta Suprema Corte, por inócuas, medidas de improviso e sem comprovação científica para combater a pandemia do Coronavírus. Firmado em recentes precedentes que o caminho para combater uma pandemia dessa natureza passa, prioritariamente, à luz da Constituição Federal, pelo estado da arte das evidenciais científicas . O discurso negacionista é um desserviço para a tutela da saúde pública 23

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nacional. A omissão e a negligência com a saúde coletiva dos brasileiros têm como consequências esperadas, além das mortes que poderiam ser evitadas, o comprometimento, muitas vezes crônico, das capacidades físicas dos sobreviventes que são significativamente subtraídos em suas esferas de liberdades.

Em defesa da população no ensejo da pandemia, ‘a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde, amparada em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde’ (ADI N. 6341, Rel. Min. Marco Aurélio, redator p/acórdão Min. Edson Fachin, Plenário). À União compete planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas (art. 21, XVIII, da CF) - v.g. ADPF 756, ADI 6.586 e 6.587, todas de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski; e ADPF 709-MC, Rel. Min. Roberto Barroso.

Em tema de saúde coletiva, o elã do federalismo de cooperação impõe ao Governo Federal ‘atuar como ente central no planejamento e coordenação de ações integradas (...), em especial de segurança sanitária e epidemiológica no enfrentamento à pandemia da COVID-19, inclusive no tocante ao financiamento e apoio logístico aos órgãos regionais e locais de saúde pública’ (ADPF 672, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário).

Nesse contexto, uma vez identificada omissão estatal ou gerenciamento errático em situação de emergência, como aparentemente ora se apresenta, é viável a interferência judicial para a concretização do direito social à saúde, cujas ações e serviços são marcadas constitucionalmente pelo acesso igualitário e universal (CF, arts. 6º e 196).

De fato, é restrita a margem de discricionariedade na concretização das políticas de saúde coletiva, sobrelevado, esse dever prestacional, em situação de emergência sanitária. É da jurisprudência desta Suprema Corte ‘(…) que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, 24

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qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa. Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito (RE 581.352 Agr., Rel. Min. Celso de Mello).

Portanto, é de se exigir do Governo Federal que suas ações sejam respaldadas por critérios técnicos e científicos, e que sejam implantadas, as políticas públicas, a partir de atos administrativos lógicos e coerentes. E não é lógico nem coerente, ou cientificamente defensável, a diminuição do número de leitos de UTI em um momento desafiador da pandemia, justamente quando constatado um incremento das mortes e das internações hospitalares.

Sem dúvida a programática constitucional não placita retrocessos injustificados no direito social à saúde. Especialmente em tempos de emergência sanitária, as condutas dos agentes públicos que se revelem contraditórias às evidências científicas de preservação das vidas não devem ser classificadas como atos administrativos legítimos, sequer aceitáveis. No limite e em tese, as ações administrativas erráticas que traiam o dever de preservar vidas podem configurar comportamentos reprimíveis sob as óticas criminal e do direito administrativo sancionador.

Evidenciada, portanto, nesta análise preliminar e em juízo de delibação, a presença do requisito da probabilidade do direito, a justificar a concessão do quanto almejado pelo autor em sede de tutela provisória, ainda que, ao julgamento do mérito ou com o advento de novas informações, se possa chegar a conclusão distinta, bem como caso novos fatos justifiquem a reapreciação da medida.

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Afigura-se, ainda, o perigo da demora, que se revela intuitivo frente aos abalos mundiais causados pela pandemia e, particularmente no Brasil, diante das mais de 250 mil vidas vitimadas pelo vírus espúrio. O não endereçamento ágil e racional do problema pode multiplicar esse número de óbitos e potencializar a tragédia humanitária. Não há nada mais urgente do que o desejo de viver.

Ante o exposto, defiro ad referendum do Plenário desta Corte (art.

5º, IV, c/c art. 21, V, do RISTF), a tutela de urgência para (i) determinar à União Federal que analise, imediatamente, os pedidos de habilitação de novos leitos de UTI formulados pelo Estado requerente junto ao Ministério da Saúde; (ii) determinar à União que restabeleça, imediatamente, de forma proporcional às outras unidades federativas, os leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 no Estado requerente que estavam habilitados (custeados) pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021; (iii) determinar à União Federal que preste suporte técnico e financeiro para a expansão da rede de UTI’s no Estado requerente, de forma proporcional às outras unidades federativas, em caso de evolução da pandemia.

Em consideração ao exposto, requer o Estado do Rio Grande do Sul a concessão de tutela de urgência, inaudita altera parte, para que seja determinado à União: a) analisar e aprovar todas as propostas atuais e que vierem a ser inseridas no SAIPS, tanto de prorrogação (576 leitos na presente data) quanto de nova habilitação (359 leitos); b) publicar as portarias de prorrogação e habilitação de leitos de UTI COVID juntamente com o respectivo impacto financeiro, viabilizando o custeio federal dos referidos leitos.

V - DOS PEDIDOS 26

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Ante o exposto, o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL requer: (i) a concessão de tutela liminar de urgência, inaudita altera parte, para que a que seja determinado à União, sob pena de multa diária em caso de descumprimento: i.1. analisar e aprovar todas as propostas atuais e que vierem a ser inseridas no Sistema de Apoio à Implementação de Políticas em Saúde (SAIPS), tanto de prorrogação (576 leitos na presente data) quanto de nova habilitação (359 leitos); i.2. publicar as portarias de prorrogação e habilitação de leitos de UTI COVID com seu respectivo impacto financeiro, viabilizando o custeio federal dos referidos leitos. (ii) após a concessão da liminar, seja a União citada para apresentar resposta à ação; (iii) a integral procedência do pedido, tornando-se definitiva a prestação jurisdicional concedida liminarmente, para compelir a União ao cumprimento de obrigações de fazer consistentes em: iii.1. analisar e aprovar todas as propostas atuais e que vierem a ser inseridas no SAIPS, tanto de prorrogação (576 leitos na presente data) quanto de nova habilitação (359 leitos); iii.2. publicar as portarias de prorrogação e habilitação de leitos de UTI COVID com seu respectivo impacto financeiro, viabilizando o custeio federal dos referidos leitos.

Por derradeiro, considerando-se o caráter nacional do feito e os impactos que as decisões aqui proferidas produzirão, notadamente em função da instância em que proferidas, requer o Estado do Rio Grande do Sul que, sendo esse o entendimento dessa e. Corte e após o deferimento da liminar, seja instalada instância conciliatória, com o envolvimento de todos os Estadosmembros, a fim de que a inércia da União no processo de habilitação e respectiva prorrogação dos leitos de UTI destinados ao tratamento de pacientes de COVID19 seja dirimida de maneira equânime, inclusive no que diz respeito aos aspectos orçamentários dela derivados.

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Protesta pela produção de todas as provas em Direito admitidas.

Tendo em vista do caráter inestimável do objeto da tutela ora vindicada, atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Pede deferimento.

Porto Alegre, 05 de março de 2021.

Eduardo Cunha da Costa, Procurador-Geral do Estado.

Victor Herzer da Silva, Procurador-Geral Adjunto para Assuntos Jurídicos.

Thiago Josué Ben, Procurador do Estado.

Aline Fayh Paulitsch, Procuradora do Estado.

Aline Frare Armborst, Procurador do Estado.

Luciano Juárez Rodrigues, Procurador do Estado.

Guilherme de Souza Fallavena, Procurador do Estado.

John de Lima Fraga Júnior, Procurador do Estado.

Lourenço Floriani Orlandini, Procurador do Estado.

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