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Festasuniversitáriaseoescapismo emmeioàrotina
Em um rápido questionamento a qualquer vivenciador da experiência universitária brasileira, percebe-se uma unanimidade no papel importante que as festas universitárias desempenham Com música alta e bebidas baratas, essas festas são um ingrediente indispensável à receita dos melhores anosdenossasvidas
Por mais que cada uma delas exija uma enorme preparação logística e um grande trabalho dos seus diversos envolvidos, toda a organização é paradoxalmente feita para incentivar o mais puro caos
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Em uma vida tão programada, tão estressante e tão exigente, na qual somos constantemente cobrados pelas demandas universitárias e profissionais que nos cercam, o caos das festas universitárias serve como um contraponto a toda a ordem imposta às nossas rotinas Em um ato de rebeldia, elas nos alegram,nosanimam,nosdeslocamparaumaoutra realidade na qual nossas preocupações são esquecidas e, como uma forma de escapismo, nos imergimos em um ambiente inóspito que nos confortaenosfazsentirbem.Porummomento,não ligamos mais para o próximo prazo, a próxima prova ou o próximo trabalho Nos entregamos ao mais completo caos dentro do que nos é possível, pois, no dia a dia, nosso prazer torna-se programado, contabilizado,limitado
Por um instante, nos esquecemos de tudo que nos rodeia e nos sentimos abraçados Nos sentimos abraçados pela batida de uma música pobre, com uma letra superficial que nos envolve em seu grave mal-regulado na caixa de som e satisfeitos pelo sabor de uma bebida ruim, com um gosto desgostoso e uma composição duvidosa Nos sentimos atraídos pelos designssimples dos abadás, mal costurados e que dificilmente sobrevivem a um Economíadas inteiro sem suas marcas de guerra, além de presos ao chão grudento, molhado e, por vezes, lamacento, que dá fim aos já mais destruídos tênisdonossoarmário
Rodeados pelo caos, estamos certos de que não queremos mais nada nesse momento. Apenas queremos fugir do que nos persegue, nos esmaga, nos encurrala Queremos fugir de qualquer sinal de ordem possível para encontrarmos o contraponto necessárionanossarotina
As festas universitárias não nos fazem esquecer apenas da rotina, mas também de todas as mudanças à nossa volta Em um momento, estamos na escola, adquirindo o máximo de conhecimento sobre diversas áreas com o intuito de nos tornarmos pessoas melhores, mais instruídas, mais competentes e mais civilizadas Uma generalidade de temas nos forma como cidadãos e sana nossa curiosidade, fomentando nosso crescimento Repentinamente, estamos na faculdade, e todo o conhecimento que nos é passado tem apenas o intuito de nos servir profissionalmente Não existe maisaconstruçãodeumcidadãocivilizado,massim de um profissional competente capaz de desempenhar o que é exigido no mercado de trabalho
Durante todo esse processo de adaptação, nos encontramos repletos de dúvidas: questionamos o nosso propósito, as nossas ambições e o nosso futuro. Não sabemos o que somos e se vamos nos tornar o que queremos Por trás das mudanças mais procedimentais e visíveis da vida escolar para a vida universitária, há também uma mudança metafísica. Repensamos o sentido de tudo o que fazemos e tentamos ter a certeza de que tomamos a melhor decisão sobre algo que irá nos impactar pelo resto dasnossasvidas
Essas festas não aparecem apenas como um desafogo para a rotina, mas também como um escapismo de uma vida exigente e uma dose relaten xante de prazer em meio a tantas preocupações e questionamentos. Com tantas decisões difíceis com que nunca nos deparamos antes e que, muitas vezes, não temos a maturidade para tomar, buscamos, na maior futilidade, esquecer de tudo por um momento e nos concentrar no gosto de uma bebida extremamente doce e na batida de uma músicaruim
Mais do que um simples prazer momentâneo ou uma alegria fugaz, as festas universitárias fazem parte da nossa vida por serem, em sua futilidade, uma válvula de escape necessária para que consigamos suportar todas as mudanças que acontecemànossavolta.
Casa
Desde pequena, sempre mudando de lugar, aprendi a chamar qualquer lugar de casa Já no primeiro dia de viagem com a família, voltar para o hotel era “voltar para casa”; ir para a casa de meus avós, onde estávamos hospedados, depois de algum passeio, era “voltar para casa”; o Airbnb da praia, após mergulho no mar, era "voltar para casa". Bastava que estivéssemos todos juntos, a família reunida, e era uma casa, um lar.
Ao entrar na faculdade, mudei de cidade e de apartamento. Minha família não veio junto e eu tive o desafio de montar uma casa só. Acho que fui mais ou menos bemsucedida Gosto de voltar para lá depois da aula, de cozinhar no meu apartamento e me orgulho quando a casa está limpinha depois de uma faxina bem-feita Até sinto falta dali quando estou de férias, de volta à casa dos meus pais
Mas a casa de São Paulo não é bem a minha casa Não tem provocações com os meus irmãos, nem o beijo da minha mãe ou o abraço do meu pai É bom ter tudo isso de volta nas férias e feriados, mesmo que temporariamente. O que dói é saber que vai ser sempre assim, cada vez mais assim: voltar para a casa dos meus pais apenas como uma pausa na minha vida de adulta. Olha só, já é a casa dos meus pais, não a minha casa.