TFG | 2010 | Uma Nova Sede para o Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos | caderno

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Uma nova sede para o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, Tatuí-SP: projetando para a preservação do patrimônio industrial paulista.

TFG 2010

Aluna: Maíra de Camargo Barros Orientadora: Profª Drª Regina Andrade Tirello



AGRADECIMENTOS

A todos os funcionários do Conservatório Dramático

e Musical “Dr. Carlos de Campos” que tão atenciosamente me receberam e me permitiram as frequentes visitas e questionamentos, indispensáveis para conhecer um pouco desse mundo tão amplo e complexo da música.

Aos muitos tatuianos que me apoiaram no desenvolvimento

deste estudo, com livros, histórias e a vontade de reavivar este patrimônio esquecido na cidade de Tatuí.

Aos professores Daniel Moreira, Stellamaris Rolla e Francisco

Borges Filho, pelo apoio e pronto atendimento nos momento de dúvidas.

A todos os meus, que respeitaram os momentos difíceis, de

isolamento e de ausências.

A minha mãe, Dona Marisa, que esteve sempre tão presente,

nas visitas à campo, nas correções dos textos, nos questionamentos e nas incertezas.

A professora Regina Tirello, por ter acreditado desde 2008

neste trabalho, pela dedicação constante e por ter me ensinado a amar o patrimônio.

5



SUMÁRIO Apresentação ......................................................................................................................................................................................................................09 Introdução ..........................................................................................................................................................................................................................11 Capítulo 1: Síntese teórica e metodologia de projeto

1.1 Linhas de Abordagem Teórica............................................................................................................................................................................15

1.2 Proposta............................................................................................................................................................................................................17

1.3 Metologia..........................................................................................................................................................................................................19

Capítulo 2: A cidade de Tatuí

2.1 A cidade de Tatuí e seu passado fabril.................................................................................................................................................................25

2.2 A cidade de Tatuí e a música...............................................................................................................................................................................29

2.3 A cidade de Tatuí hoje........................................................................................................................................................................................38

2.4 A situação do patrimônio na cidade de Tatuí......................................................................................................................................................40

Capítulo 3: O conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.1 Os “tipos”que compõem a Companhia..............................................................................................................................................................45

3.2 A divisão do processo fabril..............................................................................................................................................................................65

3.3 Mosaicos Fotográficos.......................................................................................................................................................................................67

3.4 Levantamento Métrico......................................................................................................................................................................................74

3.5 Legislação incidente sobre o patrimônio ............................................................................................................................................................79

Capítulo 4: Projetando para a preservação do pré-construído

4.1 A área de intervenção: conclusões.....................................................................................................................................................................84

4.2 Programa de Necessidades................................................................................................................................................................................87

4.3 Referências Projetuais.......................................................................................................................................................................................89

4.4 Diretrizes...........................................................................................................................................................................................................95

4.5 O Projeto...........................................................................................................................................................................................................97

Capítulo 5: Referências Bibliográficas e Créditos de Imagens 7



APRESENTAÇÃO

decorrência de pesquisas realizadas em 2008 no âmbito de uma iniciação

Este Trabalho Final de Graduação tem como interesse a restauração

científica1 intitulada “Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho,

e revitalização do conjunto das históricas edificações fabris que compõem

Tatuí- SP: pré-inventário arquitetônico das habitações do conjunto fabril”,

a Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, localizada na área

na qual realizei o levantamento das edificações residenciais, que somam

central da cidade de Tatuí-SP, adequando-as para novos usos. Para tanto,

41 construções, as quais nunca antes tinham sido estudadas sob o ponto

visando à preservação destes bens e ao exercício de projeto sobre o pré-

de vista arquitetônico.

construído, proponho a instalação, neste conjunto fabril, de uma nova sede

para o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, também

fachadas das construções relacionadas à sede da fábrica, bem como a

localizado na cidade de Tatuí.

tipologia formal e programáticas características, os elementos componentes

O projeto proposto une a necessidade de uma nova sede para a escola de

principais dessas edificações, deixando de fora o grande prédio principal,

música à preservação do patrimônio fabril, os principais marcos histórico e

cujo acesso não me foi permitido.

cultural da cidade de Tatuí.

no ano de 2008, atentando-me de modo especial aos galpões fabris da

A Companhia é composta de 43 edifícios, distribuídos em uma

A época, registrei e avaliei o estado de conservação geral das

Com este trabalho, dou continuidade aos estudos iniciados

área de aproximadamente 47.000m², que juntos representam um raro e

Companhia.

importante conjunto fabril paulista do final do século XIX. De excepcional

interesse arquitetônico, este conjunto testemunha a organização industrial

pré- construído a que este Trabalho Final de Graduação se propõe, está

e modos de construir da época do processo de industrialização do estado

o levantamento métrico- arquitetônico e avaliação crítica das reformas

de São Paulo.

de adequação predial que a sede da fábrica sofreu ao longo de sua vida.

Atualmente, apesar do abandono, este conjunto ainda encontra-se em

Esta premissa é fundamental para o desenvolvimento de uma proposta

razoável estado de conservação, podendo ser perfeitamente aproveitado

de intervenção baseada nas diretrizes internacionais de restauração

para outras atividades contemporâneas e reinserido na vida da cidade.

Meu interesse pela recuperação destes antigos edifícios é

1

Entre os muitos desafios representados pelo projeto sobre o

Esta iniciação científica teve apoio da agência financiadora PIBIC-UNICAMP/SAE e

orientação da Prof. Dr. Regina Andrade Tirello.

9


arquitetônica.

Os objetivos principais do trabalho são: recuperar e requalificar

o patrimônio arquitetônico-cultural existente em Tatuí, hoje em completo abandono, evidenciando a importância histórica desse conjunto fabril como marco crucial para o desenvolvimento e configuração atual da cidade; e ao mesmo tempo, dar instalações melhores e mais adequadas para o desenvolvimento das atividades artísticas e didáticas do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, uma instituição de referência internacional, que “fisicamente” espalha-se em quase uma dezena de construções inadequadas e improvisadas na cidade.

Acredita-se que este projeto possa proporcionar um pleno

uso cultural desta grande área central da cidade, hoje improdutiva, assegurando a preservação das construções históricas e, ao mesmo tempo, uma estrutura física melhor e mais adequada à escola de música.


INTRODUÇÃO

específicos e pesquisas acadêmicas para individualizar diretrizes para

tratamento e preservação dos bens remanescentes e desenvolvimento de

Nas últimas décadas tem aumentado progressivamente o número

de áreas fabris abandonas. As causas deste processo são diversas e tangem

projetos arquitetônicos para o pré-construído.

as esferas econômica, política e social.

Neste sentido, a proposta de trabalho que apresentamos sobre

de

a Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho tem como interesse

testemunharem o processo industrial protagonizado pelo estado de São

auxiliar na conservação de bens do patrimônio industrial. Este conjunto

Paulo, estão fadados ao desuso, contribuindo assim, para a formação de

fabril, o primeiro a se instalar na cidade de Tatuí, apresenta, em geral, uma

áreas degradadas, ociosas e ermas. Exemplos de tal situação são os bairros

arquitetura bastante expressiva tanto em sua tipologia de implantação

da Mooca e do Brás na cidade de São Paulo e, mais recentemente, a região

quanto em suas estruturas fabris. Poucos são os estudos a seu respeito e

das indústrias automobilísticas do Grande ABC paulista.

os existentes, dedicam-se à história de seus fundadores.

Estes

conjuntos

fabris,

agora

improdutivos,

apesar

Tais áreas, por geralmente se localizarem em regiões de expansão

Sendo assim, o levantamento deste grande aglomerado de

territorial, são freqüentemente alvo de especulação imobiliária, o que

edificações atualmente improdutivas, bem como o projeto de adequação

acaba por impossibilitar ainda mais a adaptação destes edifícios para

de suas construções para um novo uso, feito à luz das diretrizes

novos usos. Afinal, para o proprietário, é mais vantajoso deixar o edifício se

contemporâneas para o restauro do patrimônio arquitetônico, é relevante,

deteriorar à espera da valorização.

pois permite a perpetuação deste significativo conjunto para as futuras

gerações e assegura a requalificação deste espaço urbano.

Dentre tantos conjuntos industriais abandonados, as excepcionais

iniciativas de restauração, acabam por não preservar as características

inerentes ao patrimônio fabril- edifícios brutos, de estruturas aparentes.

Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, a necessidade de

uma nova sede para o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de

Tais iniciativas de preservação, amadorísticas, contribuem

significativamente

para

a

progressiva

e

maciça

destruição

e

Do mesmo modo que a restauração do conjunto fabril da

Campos” se faz urgente. Hoje, além da sede, vários edifícios são alugados

descaracterização do patrimônio industrial paulista.

na cidade para atender as demandas da instituição, o que não oferece aos

estudantes, um ambiente propício ao aprendizado em plenitude.

Diante desta realidade, faz-se necessário o aumento de estudos

11





1.1 Linhas de abordagem teórica

devem ser considerados monumentos e portanto preservados, mas todos os que de alguma forma narram a história humana: “Para Riegl, monu-

“O valor afetivo e simbólico associado a determinadas atividades produ-

mentos históricos não eram somente as obras de arte, mas qualquer obra

tivas e ao trabalho, a vinculação de variadas comunidades com seu passado in-

humana com certa antiguidade, ou seja, os testemunhos da operosidade

dustrial e o potencial político e econômico das transformações, possuem grande

humana”.2

relevância e devem ser devidamente examinados e ponderados.”1

Beatriz Mugayar Külh

A Carta de Nizhny Tagil , neste sentido, afirma que: (...) “o pat-

rimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico” e que

O patrimônio industrial edificado no estado de São Paulo tem

(...) “os exemplos mais significativos e característicos devem ser inventari-

sido amplamente descaracterizado e destruído nos últimos anos, principal-

ados, protegidos e conservados”3.

mente pela falta de competência profissional e pelo interesse especulativo.

Deste modo, faz-se urgente a preservação deste patrimônio

Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, composto por 43 edi-

apoiada nas linhas contemporâneas de restauro arquitetônico, calcadas

fições com quatro tipologias distintas, uma das dez primeiras indústrias do

em princípios estabelecidos pelos orgãos competentes. Pois, tal tipo de

estado de São Paulo e a primeira da cidade de Tatuí, é digno de destaque,

construção- edifícios fabris- não são somente testemunho da arquitetura

estudo e preservação, pois é um “testemunho das tradições seculares”4.

que se praticava em finais do XIX ou marco do apogeu industrial paulista.

Estes remanescentes industriais também permitem compreender o siste-

ento urbano daquela localidade, alterando significativamente o curso de

ma de produção, trabalho, o modo de viver da época, e ainda, conhecer

sua história.

um pouco da história da localidade em que está inserido.

Neste sentido, não apenas os edifícios de caráter extraordinário

do apogeu industrial paulista do início do século XX, encontra-se parcial-

1

KUHL.

quitetônico

da

Beatriz

Mugayar.

Industrialização.

Preservação Cotia-SP:

do Ateliê

Patrimônio Editorial,

Ar2009.

2

3 4

Tendo como base tais conceitos, o conjunto arquitetônico da

CAPÍTULO 1- Síntese Teórica e Metodologia de Projeto

Sua instalação na cidade foi determinante para o desenvolvim-

Hoje, o conjunto fabril, um dos poucos exemplos ainda existentes

idem, pág. 34. Carta de Nizhny Tagil sobre o patrimônio industrial, TICCIH, 2003. Carta de Veneza, ICOMOS, 1964.

15


mente abandonado, fadado a depreciação.

Portanto, concluímos que o complexo arquitetônico da Compan-

hia de Fiação e Tecelagem São Martinho agrega valores histórico- culturais ao conjunto de edifícios, que precisam ser preservados também para as futuras gerações. São destacados também os valores simbólicos deste conjunto, enquanto bem cultural, conforme, na medida em que significam e representam um pouco da história da própria industrialização do Estado de São Paulo das últimas décadas do século XIX. Industrialização essa que alterou o curso da história econômica e social não só daquela região, mas

CAPÍTULO 1- Síntese Teórica e Metodologia de Projeto

também do país.

Logo, para o exercício de projeto para a preservação do pré-con-

struído- a adequação do conjunto fabril para sediar o Conservatório de Tatuí- exige-se um aprofundado e cauteloso estudo de permanências e alterações de fachadas, volumetria e divisões internas. Só assim será possível conceber um espaço adequado a seus novos usos, porém que assegure a leitura da arquitetura fabril da época para seus visitantes e usuários, tendo como base a mínima intervenção neste bem cultural.


1.2 Proposta

da mesma maneira, deterioração. Portanto, o patrimônio só tem verdadeiro valor se há identificação entre ele e o público que o utiliza.

“A cultura é concebida como um segmento da vida à parte, embora nobil-

itado e nobilitante, e que, por isso, deve receber atenção e uso “compatível”.”1

Ulpiano T. Bezerra de Menezes.

Deste modo, quando se trata da preservação de um bem cultural

tão importante para a cidade de Tatuí, como é a Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, ainda hoje, apesar de abandonado, valorado pela população local, é preciso cautela. Qualquer apropriação indevida do pat-

Bem cultural trata-se de algo que possui valor atribuído pela sua re-

rimônio pode fadá-lo a morte.

lação com a cidade, com seus habitantes e com a história de cada localidade.

vatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, outro grande orgulho

No entanto, apesar do senso comum de “bem” como algo positivo

Por isso, propõem-se a instalação de uma nova sede para Conser-

e que deve ser preservado- preceitos estes inerentes ao conceito de pat-

da cidade, nos galpões fabris da Companhia.

rimônio- boa parte das pessoas tendem ainda a considerar os objetos da

história intocáveis.

em todo o país, uma instituição tão reconhecida, geradora de cultura e lazer.

Não são poucos os exemplos de edifícios relevantes para a história

O Conservatório de Tatuí é a única escola livre de música pública No entanto, seja pela falta de divulgação, de hábito ou pela dificul-

e a arquitetura brasileira, que são tombados, protegidos, restaurados e que

dade de acesso por parte da população a este tipo de cultura, a maior parte

tem novo uso. No entanto, este novo uso sempre esbarra numa certa “mitifi-

dos tatuianos, pouco conhece ou freqüenta os eventos promovidos pela es-

cação” com relação ao patrimônio. Na maior parte das vezes ele restringe-se

cola.

a atividades que pouco se aproximam da população.

Desta forma, mesmo que protegido pelos meios legais e tendo uso,

da cidade, será possível valorar e permitir a apropriação deste bem cultural

o patrimônio acaba fadado à morte. Afinal, apesar de o espaço ter memória

pela população local e ainda fornecer um espaço de melhor qualidade física

e história, a falta de apropriação deste, pela ausência de identificação, gera,

e acústica para os usuários do Conservatório de Tatuí.

1 rimônio

MENESES. Ulpiano T. B. De. A cidade como bem cultural. In: PatCultural.

Práticas,

métodos,

políticas.

São

Paulo:

CONDEPHAAT,

CAPÍTULO 1- Síntese Teórica e Metodologia de Projeto

Portanto, acreditamos que, unindo-se os dois principais marcos

Com este passo inicial, cria-se um maior dinamismo na área, contri-

buindo para um ambiente seguro, propício ao estudo e fundamentalmente

2003.

17


CAPÍTULO 1- Síntese Teórica e Metodologia de Projeto

tatuiano.


1.3 Metodologia

Na pesquisa histórica e arquitetônica do patrimônio, as maiores

da Companhia, datadas de 1910, as quais foram de grande valia para a

Neste momento da pesquisa foram encontradas duas fotografias1

dificuldades são a falta de informações sobre o tema estudado e o difícil

elaboração do estudo cronológico que será comentado na etapa 02.

acesso ao escasso material existente, seja por se tratarem de acervos

privados ou por burocracias existentes.

o conjunto do ponto de vista do patrimônio, foram: a tese de mestrado

Tendo em vista tais circunstâncias, que por vezes impedem o

da arquiteta Helena Saia e a livre docência da Prof. Eva Blay. No entanto,

estudo de determinado objeto, buscou-se elaborar uma metodologia

ambos atinham-se à importância deste como marco histórico no processo

de trabalho e pesquisa para este Trabalho Final de Graduação, afim

de industrialização que ocorreu no estado de São Paulo, não abrangendo os

de conhecer profundamente a Companhia de Fiação e Tecelagem São

aspectos físico-construtivos e arquitetônicos das construções componentes

Martinho, e assim, desenvolver-se o exercício de projeto sobre o pré-

do conjunto fabril.

Os únicos trabalhos acadêmicos encontrados, que abordavam

construído de maneira plena.

Tal metodologia foi dividida em quatro etapas:

PRODUÇÃO DE MOSAICOS FOTOGRÁFICOS DO CONJUNTO

Neste

período

foram

elaborados

mosaicos

fotográficos,

ETAPA 01- RECONHECIMENTO DO EDIFÍCIO.

com o mínimo de distorções possíveis, usando-se dos princípios da

PESQUISA HISTÓRICA E ICONOGRÁFICA

fotogrametria digital, importante ferramenta no levantamento métrico

Na busca de documentação acerca da Companhia, foram visitados

e na documentação dos edifícios. Tal técnica exige métodos específicos.

na cidade de Tatuí: o 2° Cartório de Notas, a biblioteca e a prefeitura

Para tanto, além da experiência que havia adquirido através da iniciação

CAPÍTULO 1- Síntese Teórica e Metodologia de Projeto

municipais.

As poucas publicações, textos e estudos encontrados, elaborados

por moradores locais, tinham como foco Manoel e Martinho Guedes Pinto de Mello, fundadores da antiga tecelagem.

1 Tais fotos pertencem ao acervo pessoal do falecido Sr. Erasmo Peixoto, comerciante local, conhecido por sua vasta coleção de fotografias que registram um pouco da história da cidade de Tatuí.

19


CAPÍTULO 1- Síntese Teórica e Metodologia de Projeto

científica desenvolvida em 2008, busquei aperfeiçoamento nesta área2 .

da fábrica, tais como alterações de esquadrias, argamassas, revestimentos

O material produzido através desta técnica tornou-se importante

e materiais, além de patologias diversas, que não só sinalizaram alterações

instrumento de análise crítica das fachadas do edifício fabril, viabilizando os

de envasaduras e caixilharia, como também contribuíram significativamente

estudos cronológico e de envasaduras, que serão comentados a posteriori.

para o desenvolvimento do estudo cronológico.

LEVANTAMENTO MÉTRICO

Do ponto de vista construtivo e arquitetônico, não há qualquer

ESTUDO CRONOLÓGICO O estudo da cronologia arquitetônica do edifício baseou-se na

tipo de documentação. Até mesmo a prefeitura de Tatuí não dispõem de

comparação entre os mosaicos e registros fotográficos do estado atual

quaisquer plantas ou mapas do conjunto em seu arquivo, que indiquem

do conjunto, com as duas fotos antigas encontradas. A análise crítica dos

alguma reforma ou ampliação. Deste modo, todo o levantamento técnico

documentos de 1910, com os atuais, produzidos ao longo deste trabalho,

existente nesta pesquisa, fundamental para o desenvolvimento do projeto

foi determinante para que se entendesse como as alterações e anexações

sobre o pré-construído, é fruto de medições, desenhos e comparações

ao edifício fabril se deram.

realizados pela autora.

Devido ao pouco material existente, foi impossível precisar a

data de cada uma das intervenções a que os galpões industriais foram submetidos, conseguindo-se apenas estabelecer quatro períodos

ETAPA 02- DIAGNÓSTICO DE CONSERVAÇÃO

ESTUDO DE ENVASADURAS

Tendo como ponto de partida os mosaicos fotográficos elaborados

na primeira etapa do trabalho, foi possível encontrar indícios nas fachadas 2 Participei do curso “Tecnologias Digitais na documentação do Patrimônio Arquitetônico”, em maio de 2010, ministrado pelo Prof. Arivaldo Amorim, na UNICAMP, como parte da disciplina IC-076/E, de responsabilidade da Profª. Drª. Regina A. Tirello, orientadora desse Trabalho Final de Graduação.

construtivos (que serão apresentados no capítulo 03).

ETAPA 03- DIRETRIZES PROJETUAIS

A partir do estudo cronológico elaborado na etapa 02, estabeleceu-

se as diretrizes projetuais, buscando-se assegurar a preservação do patrimônio fabril existente na cidade de Tatuí e também oferecer um


professores do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”. ETAPA 01

ETAPA 04- DESENVOLVIMENTO DO PROJETO PARA O PRÉ-

reconhecimento do edifício

CONSTRUÍDO

Com a conclusão das etapas 01, 02 e 03, partiu-se para o

desenvolvimento do projeto para o pré-construído, a partir das diretrizes de projeto pré-estabelecidas (capítulo 04).

ETAPA 02 diagnóstico de conservação

1.2.1 Conclusões

O estabelecimento de princípios metodológicos, que norteassem

a pesquisa e o levantamento acerca da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, foi fundamental para que se conseguisse um resultado final

ETAPA 03 diretrizes projetuais

CAPÍTULO 1- Síntese Teórica e Metodologia de Projeto

ambiente propício ao aprendizado em plenitude para os alunos e

satisfatório.

Deste modo, acreditamos que o levantamento aqui apresentado

tem informações e qualidades suficientes para o desenvolvimento pleno

ETAPA 04

do exercício projetual proposto, ponderando-se que existem imprecisões

desenvolvimento de projeto

decorrentes da falta de equipe, maquinário e softwares especializados, imprescindíveis em pesquisas dessa natureza.

Figura 1. Etapas metodológicas usadas para o desenvolvimento deste trabalho final de graduação

21





2.1 A Cidade de Tatuí e seu passado fabril

A cidade de Tatuí tem suas origens no povoado de São João

do Benfica. Sua fundação data de 11 de agosto de 1826, a partir do parcelamento das terras doadas por Brigadeiro Jordão, militar reformado do exército imperial.

Na década de 1860, chegaram à cidade as primeiras sementes

do algodão herbáceo, importadas dos Estados Unidos da América, que mudariam para sempre sua história. Devido a boa adaptação ao clima e a pronta aceitação por parte dos agricultores, em pouco tempo aquela localidade tornou-se, segundo os historiadores locais, a maior produtora

Figura 2. Vista frontal da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, 1910.

do chamado “Ouro Branco”1 ou ainda “Algodão Tatuí”2 no sul do país.

Em consequência desta próspera cultura surgiram em Tatuí,

Figura 3. Fiação Campos Irmãos

três importantes tecelagens: a “Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho” , a “Fiação Santa Cruz”- também conhecida como Campos Irmãos- e a “Fiação Santa Izabel” (Figura 02-Figura 04), as quais foram, por muitos anos, responsáveis pela manufatura do algodão produzido na cidade.

A partir da instalação da Companhia São Matinho, a primeira

tecelagem da cidade e uma das dez primeiras do estado, a produção

Figura 4. Fiação Santa Izabel

1 CAMARGO, Renato Ferreira de. Almanach Tatuhyense. Rotary Club de Tatuí. Tatuí: 1998. 2 idem.

25


algodoeira se desenvolve tão rápida e vultuosamente que em 1889 a

as primeiras sementes de algodão herbáceo, vindas dos Estados Unidos

Estrada de Ferro Sorocabana chegou à Tatuí, facilitando o transporte da

da América, distribuindo-as entre os agricultores locais. Dava-lhes as

produção, antes feito em lombos de burros até o Porto de Santos.

sementes, ensinava-lhes o plantio e dividia com eles os lucros da produção.

No entanto, com o passar dos anos, a produção algodoeira deixou

Sua primeira fazenda produtora de algodão, a Fazenda Pederneiras,

de representar parte significativa da econômia nacional, e tal situação

pertence hoje à Ford do Brasil S.A.

refletiu-se também na cidade de Tatuí, as tecelagens locais entraram em

franco declínio, fechando suas portas na década de 1970.

cultivado, mecanizou o beneficiamento do algodão, produzindo maquinaria

adequada para limpeza e pesagem. Era o início de seu projeto de construção

Apesar da atual desindustrialização da cidade, parte do patrimônio

Para facilitar o manuseio da grande quantidade de algodão

fabril edificado no final do século XIX e início do século XX ainda encontra-se

de uma fábrica de fios e tecidos em Tatuí.

lá- em razoável estado de conservação, apesar das alterações e mutilações

sofridas- a testemunhar fisicamente o pioneirismo industrial da cidade.

filhos, assume os negócios da família e, mantendo o empreendedorismo

Com o falecimento de Martinho Guedes, Manoel, um de seus seis

de seu pai, contrata o engenheiro Otto Andersen3 para dar início a CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

2.1.1 A Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho: sua

história e de seus fundadores

construção da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho em 1881, “(...)a primeira fábrica paulista a ostentar tanto nas soluções de espaços internos quanto nos desenhos de fachadas, uma linguagem que identifica

A história do crescimento de Tatuí é indissociável do personagem

o uso industrial.”4 (Figura 05) .

que a promoveu, o Sr. Martinho Guedes Pinto de Mello, responsável pela

introdução da cultura do algodão herbáceo na cidade.

os manufaturados do algodão em 1883, cresceu até formar um grande

Nascido em 1827 na Freguesia de Sobre- Tamega, Portugal,

Martinho Guedes refugiou-se no Brasil devido ao quadro político de seu país na época. Instala-se em Tatuí e inicia o comércio de manufaturados.

Com o passar dos anos, a fábrica inicial, que começou a produzir

Foi na década de 1860 que Pinto de Mello começou a importar

3 CAMARGO, Renato Ferreira de. Achegas para a História Tatuiense. Gráfica PJ, Tatuí: 2000. Pág. 64. 4 SAIA, Helena. Arquitetura e Indústria – Fábricas de Tecido de Algodão em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989. Pág. 170.


proprietário, a casa de morada do administrador e 39 casas operárias destinadas ao abrigo dos funcionários mais antigos e de melhor cargo (Figura 06).

Técnicos norte-americanos foram contratados para implantar

a indústria têxtil na cidade, todo o maquinário comprado para sua inauguração foi transportado em carros-de-boi de Santos até Tatuí; trajeto este que levava até seis meses.

Manoel Guedes foi também quem criou a primeira máquina de

tração motorizada do país que se tem notícia. A “Maxambuxa”, como era

CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

conjunto fabril na área central da cidade: diversos galpões, o casarão do

conhecida, fazia o transporte de suprimentos para a fábrica dentro da Figura 5. Entrada de funcionários na Companhia, 1902.

cidade.

Desde o início de seu funcionamento, a tecelagem tinha como

funcionários apenas homens livres, pois Manoel Guedes era um notório ativista do movimento abolicionista.

Segundo dados do Almanach Tatuhyense5 a indústria começou

sua produção com 54 teares e em 1900 já possuia 264 funcionários, sendo 60 homens, 144 mulheres e 60 crianças, quase todos tatuianos, os quais trabalhavam dez horas diárias.

Os conhecidos médicos Emílio Ribas e Marcondes Machado

residiram em Tatuí, trabalhando no atendimento dos operários da Figura 6. Maquete vitual do conjunto de edificações que compõem da Companhia.

CAMARGO, Renato Ferreira de. Almanach Tatuhyense. Rotary Club de Tatuí. Tatuí: 1998. Pág. 56. 5

27


Companhia.

A Companhia de Força e Luz (Figura 07), inaugurada em 1911,

foi outro empreendimento promovido por Guedes para modernizar a sua fábrica, com o uso da energia elétrica. Esta iniciativa terminou beneficiando toda a cidade e, em 1920, as vizinhas Pereiras e Conchas também passaram a ser atendidas pela companhia elétrica localizada na Fazenda Vitória, na cidade de Cerquilho.

Além da Companhia de Força e Luz e da Companhia de Fiação

e Tecelagem São Martinho, Guedes ainda possuía a Fábrica de Manilhas, que fornecia tubos para a instalação do esgoto na cidade de São Paulo, a Fábrica de Sabão e Óleo Vitória, que aproveitava os resíduos da produção têxtil, a Fábrica de Telhas Francesas e Cerâmicas, além de um armazém CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

para atender a seus funcionários.

Como grande empreendedor que foi, Manoel Guedes adquiriu o

primeiro projetor de filmes do estado e o segundo automóvel do Brasil. Doou à Santa Casa de Misericórdia de Tatuí o terreno onde até hoje ela se encontra instalada e proveu a construção do Teatro São Martinho, demolido em 1953. As apresentações de filmes, peças de teatro eram corriqueiras no auditório, sendo bastante conhecido no meio artístico da época.

Em 1927, Manoel Guedes falece, deixando seus filhos na adminstração

da Companhia. Posteriormente todo o conjunto fabril foi vendido para a Família de Dario Meirelles. Atualmente toda a área é de propriedade da Família

Chammas, que na década de 1980 fechou a indústria, após franco declínio.


2.2 A cidade de Tatuí e a música

servatório dramático e musical em Tatuí virá beneficiar todo o sul paulista cujas cidades (Tatuí, Apiaí, Porangaba, Porto Feliz, Tietê, etc) ora mandam

A cidade se insere no panorama nacional atualmente a partir do

estudantes para a Capital, superlotadas as escolas freqüentáveis, o que re-

Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, o maior centro

dunda em prejuízo para os educandos”2 .

público de estudos de música da América Latina. Este, instalado naquela

localidade há 54 anos, conferiu a ela o titúlo de “Capital da Música”, o qual

em um casarão antigo, à Rua José Bonifácio, nº245, cedido pela prefeitura

foi oficializado em 30 de janeiro de 2007, através da lei estadual 12.554.

local que o alugava e ali permaneceu até que os espaços tornaram-se insu-

ficientes para as atividades da instituição.

O Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” foi

A primeira sede da escola de música foi improvisada. Instalou-se

criado por lei estadual, em 13 de abril de 1951 e oficialmente inuagurado

em 11 de agosto de 1954- data do aniversário da cidade de Tatuí.

Conservatório, agora o recém-construído prédio da câmara dos vereadores,

situado a Rua São Bento, nº 415, que apesar de maior era igualmente inad-

O deputado estadual Narciso Pieroni, detentor de grande eleito-

No ano de 1968, novamente a prefeitura oferece um imóvel ao

rado em Tatuí, teve papel decisivo para tornar a cidade a “Capital da Músi-

equado para o exercício da música.

ca”. Em seu projeto de lei diz: “Tatuí é uma das cidades interioranas que

com mais carinho se cultiva a arte entre seus filhos. Grande é o número

o passar dos anos, além de reformas e adequações, recebeu anexos em

de jovens tatuianos que buscam entre os poucos e modestos professores

seu lote, formando improvisado conjunto de três edificações que compõe,

da localidade aprimorar seus conhecimentos artísticos. Findo os estudos

ainda hoje, a sede da escola de música.

rudimentares com grande sacrifício, dispêndio de tempo e dinheiro em

viagens, se locomovem duas ou três vezes por semana, para a capital, bus-

excelência em ensino, o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de

cando nos conservatórios particulares ou no oficial, concluir os estudos

Campos” tornou-se, no decorrer de sua história, o maior e um dos mais

iniciados.”1 .

bem conceituados conservatórios de música da América Latina.

E ainda declara: “É de notar, também que a criação de um con-

1 Projeto de Lei 694/1950. In: www.conservatoriodetatui.org.br/historico. php, acesso em 13 de abril de 2010.

CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

O que antes era a câmara dos vereadores (Figura 7) recebeu, com

No entanto, apesar da deficiência de seu espaço físico, por sua

Em passado recente, o Conservatório chegou a ter cerca de 3000

2 Projeto de Lei 694/1950. In: www.conservatoriodetatui.org.br/historico. php, acesso em 13 de abril de 2010.

29


estudantes anualmente. No entanto, conforme relato do assessor pedagógico da instituição, Professor Antônio Ribeiro, a escola optou, após a troca de sua diretoria em 2006, por uma nova política: priorizar a formação de artistas profissionais. Para tanto, além de aumentar a exigência quanto a freqüência e notas, também se decidiu por trabalhar com um número menor de alunos, o que possibilita um atendimento mais individualizado e também otimização do espaço.

Hoje a instituição, que é uma O.S.- Organização Social- gerida pela

“Associação dos Amigos do Conservatório de Tatuí”, conta com 49 cursos Figura 7. Antiga câmara dos vereadores de Tatuí, cedida para a escola de Música em 1968.

livres e 16 cursos de aperfeiçoamento, que contemplam as áreas de música, canto, artes cênicas, luteria e educação musical, e atendem a 2669 alunos (dados do ano de 2010).

CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

O O Conservatório possui, ao lado do prédio-sede, o Teatro

“Procópio Ferreira” (Figura 8), com capacidade para 406 pessoas, reconhecido pelas suas excelentes instalações e acústica.

Este é usado para apresentações de recitais, peças de teatro e de

orquestras da escola, além de cedido para eventos culturais e populares da cidade.

Como sua própria história demonstra, apesar do bom ensino ofe-

recido, além de instrumentos, salas de aula e alojamento para os alunos, o edifício sede da instituição está longe de atender completamente às neFigura 8. O Teatro Procópio Ferreira, instalado ao lado da sede do Conservatório

cessidades específicas que este tipo de escola exige, tais como salas acus-


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

ticamente tratadas, áreas de convívio e espaços suficientes para estudos e ensaios (Figura 9).

No presente, a escola conta com seis edifícios, entre casas e pré-

dios alugados para atender suas demandas educacionais. Estes, inadequados à educação musical, apresentam espaços pequenos, com tratamento acústico ineficiente ou inexistente (Figura 10).

Destaca-se ainda o problema do alojamento de estudantes, que

apesar de ser propriedade da instituição, localiza-se à beira da Rodovia Antônio Romano Schincariol (SP 127), a cerca de 4,5 quilômetros de sua sede com apenas 100 vagas.

Esta situação gera despesas, dificulta a administração da escola e,

Figura 9. Sala de instrumentos do edifício sede do Conservatório.

principalmente, não oferece condições ideais de ensino, aprendizagem e moradia aos estudantes.

31


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

Figura 10.

A sede do Conservatório de Tatuí e seus anexos dispersos pela cidade.


2.2.1 Os cursos, as demandas e o perfil dos estudantes

Conforme mencionado, o Conservatório de Tatuí possui 49 cursos

livres destinados à formação de artistas profissionais e ainda 16 outros de aperfeiçoamento. Os cursos livres tem duração entre 10 e 18 semestres, enquanto os de aperfeiçoamento duram, geralmente, 4 semestres.

Segundo informações cedidas pelo próprio Conservatório, apesar

de hoje a instituição ter 2669 alunos, apenas 622 são da cidade de Tatuí. Os demais provêm de vinte estados brasileiros- incluindo-se aqui o estado de São Paulo- e também de outros sete países sendo, na maioria, jovens.

CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

Os cursos mais procurados são os de guitarra, violão e piano.

Boa parte dos alunos da instituição são de baixa renda, sendo que

muitos deles estudam com bolsa, hoje por volta de 450 reais, oferecida pela instituição. Em troca, os alunos tocam nas bandas e orquestras da escola.

33


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ 35


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ 37


2.3 A cidade de Tatuí hoje

A Tatuí de hoje, outrora fabril, tem cerca de 110 mil habitantes, os

quais vivem, em sua maioria do comércio, de serviços e da agropecuária.

A cidade localizada no centro-oeste do estado de São Paulo, tem

524,16Km², e fica a aproximadamente 140Km da capital paulista, fazendo divisa com as cidades de Boituva, Itapetininga, Capela do Alto e Cesário Lange.

Apesar de ser uma cidade de médio porte, ainda apre-

senta ares de interior, com o comércio bastante concentrado, a praça da Igreja Matriz (Figura 11) e o Largo do Mercado (Figura 12).

Em contrapartida, alguns problemas sociais na cidade lem-

bram as cidades grandes. A violência, decorrente do tráfico de dro-

Figura 11. Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, primeira igreja matriz da cidade de Tatuí.

CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

gas, tem crescido nos últimos anos, assustando os moradores locais.

Do ponto de vista econômico, a cidade tem progredido, com a chegada

de novas empresas de grande porte, no entanto muitos tatuianos instalamse em outras localidades em busca de melhores oportunidades de emprego.

A infra-estrutura local foi ampliada, com a construção

de novos postos de saúde e creches. Mas, a cidade ainda é bastante carente no que diz respeito a equipamentos públicos, tais como parques, praças e áreas para a prática esportiva e o lazer.

Figura 12.

O Mercado Municipal da cidade de Tatuí.


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ 39


2.4 A situação do patrimônio na cidade de Tatuí

Atualmente a cidade tem passado por um processo de

renovação de suas edificações. Muitos dos edifícios com valor histórico ou arquitetônico, não protegidos pelos orgãos competentes, vem sendo demolidos para dar lugar a outros.

Em geral tratam-se de casas ou edifícios de propriedade particular,

dos anos 1940 a 1950.

No entanto os edifícios institucionais de valor patrimonial

relevante, também sem proteção legal, em pleno funcionamento,

CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ

apresentam-se, no geral, bastante conservados.


CAPÍTULO 2- A CIDADE DE TATUÍ 41 Figura 13.

Os edifícios de valor histórico e arquitetônico da cidade de Tatuí.




CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho


3.1 Os “tipos” que compõem a Companhia “Pode-se afirmar, sem muita dúvida, que a fábrica São Martinho (...), na cidade de Tatuí, corresponde ao exemplar mais significativo da moderna indústria têxtil paulista”1.

Helena Saia

O conjunto arquitetônico da Companhia, está implantado na área

central da cidade de Tatuí, ocupando cerca de 47.000m²; dos quais 13000m² correspondem aos galpões fabris principais. Os restantes somam 39 casas operárias, a casa de morada dos técnicos/administrador, o casarão do proprietário (Figura 13) e terrenos vazios.

O majestoso conjunto de 43 edifícios, distribuídos ao longo de seis

quadras em grande declive, ainda é capaz de testemunhar as relações sociais hierárquicas determinadas pela produção fabril à época. Ao centro localizamse os grandes galpões fabris, com suas portadas e torreão principal.

O casarão do proprietário e a casa do administrador, também destinada

ao abrigo de técnicos e médicos da fábrica, localizam-se na parte mais alta do terreno. Delas era possível observar tanto a movimentação no pátio de entrada da tecelagem, como também nas casas operárias, demonstrando-se o controle 1 SAIA, Helena. Arquitetura e Indústria – Fábricas de Tecido de Algodão em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.

Figura 14. O conjunto da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho e sua divisão tipológica. Casas operárias Casa do administrador Casarão do proprietário Galpões fabris

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

45


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

que exercia o proprietário, detentor do capital, sob seus subordinados, tanto no ambiente de trabalho, quanto fora dele (Figura 14).

O aluguel destas habitações a baixos preços, o armazém que provinha

os mantimentos e o médico que cuidava dos operários doentes, também são exemplos desta relação.

Sob o ponto de vista formal e construtivo, as edificações apresentam

diferenças relacionadas ao programa de uso. As moradias operárias são bastante modestas, sem ornatos ou detalhes decorativos nas fachadas. Já a casa de morada dos técnicos e do administrador, além de ser bem mais ampla Figura 15. Fotografia tirada em 1926 do torreão da Companhia. Em destaque a casa do administrador, no ponto mais alto do terreno.

e confortável, localiza-se em um terreno de esquina, tendo um tratamento de fachada mais rebuscado, com alguns elementos decorativos. O casarão do proprietário, de tendência estilística afiliada ao ecletismo, é bastante imponente, apresentando uma grande riqueza de detalhes e ornamentos.

Todas as construções do conjunto, incluindo-se os galpões fabris, são

edificadas em alvenaria de tijolos portantes rebocados, material regional- a cidade de Tatuí destaca-se ainda hoje pelo grande número de cerâmicas e olarias- características típicas dos espaços fabris.

No que diz respeito ao estudo cronólogico do processo de construção

deste conjunto, todo ele foi baseado em indícios, tais como a análise críticocomparativa de fotos atuais e antigas e também na análise visual do perímetro e da volumetria das edificações em seu estado atual.

A seguir, descrevem-se as principais características programáticas

e arquitetônicas das construções que integram o conjunto da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho.


3.1.1 As habitações do conjunto fabril

3.1.1a As casas operárias

As 39 moradias que compõem o grupo de casas operárias

distribuem-se

ao

longo

de

três

quadras,

parte

implantadas

em terrenos planos, parte em terrenos em declive (Figura 15).

Construídas em alvenaria de tijolos portantes, suas fachadas

não têm ornatos ou detalhes decorativos relevantes, destacando-se apenas na superfície murarias, demarcadoras da estrutura (Figura 16). Figura 16.

Em destaque as casas operárias do conjunto fabril.

As

portas

e

janelas

de

madeira

perfazem

vãos

de

cerca de 90cm, que conferem ritmos previsíveis ao conjunto de casinhas operárias, as quais, apesar do tempo transcorrido de sua construção, não apresentam descaracterizações irreversíveis.

A estrutura dos telhados é em madeira serrada, a cobertura

(sem forro), em telhas francesas e o beiral do tipo cimalha de alvenaria.

Quanto à tipologia, apesar de plantas bastante assemelhadas, pode-

se distinguir dois grupos distintos de construção, conforme suas características de implantação no lote: as casas de meio de quadra e as casas de esquina.

Figura 17.

Vista de algumas das casas operárias do conjunto.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

47


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

AS CASAS DE MEIO DE QUADRA

As moradas deste grupo somam 35 construções térreas

geminadas,

sem

recuos

frontais,

com

porão

para

respiro

e

amplo quintal, que ocupa quase metade da área total do lote. Têm

planta

simples:

com

três

dormitórios

sem

janelas

(alcovas), cozinha, sala e uma fossa séptica ao fundo do lote.

Do ponto de vista construtivo são, quase que na totalidade,

edificadas em alvenaria de tijolos revestidos por argamassa tendo, no entanto, alguns vedos em taipa de pilão. O telhado, em duas águas, com cumieira paralela a fachada, é estruturado em madeira serrada e coberto por telhas francesas, com beiral de cimalha de alvenaria.

Tanto as portas, quanto as janelas eram, originalmente, de

madeira, sendo as portas de duas folhas e janelas tipo guilhotina.

No que diz respeito a fachada, elas podem ser divididas em dois

outros sub-grupos:

Sub-grupo 01: Estas casas apresentam uma fachada que não

ultrapassa os cinco metros, com dois vãos: uma porta e uma janela

Subgrupo 02: A fachada chega a ter 6 metros de extensão, com

uma porta e duas janelas (Figura 17).

Figura 18.

Casa pertencente ao sub-grupo 02.


AS CASAS DE ESQUINA

Este grupo compreende três casas, cujo único recuo é com o

fundo do lote.

Com a mesma planta das casas de meio de quadra- térreas, com

porões não habitáveis, três dormitórios, cozinha, sala e uma fossa séptica ao fundo do lote- e dimensões bastante semelhantes, este grupo difere-se no número de envasaduras e ao telhado (Figura 18).

Estas habitações têm janelas laterais nos dormitórios, o que

proporciona uma melhor iluminação e areação, e consequentemente maior salubridade aos ambientes.

São construídas em alvenaria de tijolos revestidos por argamassa.

Figura 19.

Uma das casas de esquinas.

Têm telhado, em quatro águas, com estrutura de madeira serrada, coberto por telhas francesas com cumieira no sentido longitudinal do terreno e beiral de cimalha de alvenaria.

Todas as casas dessa tipologia têm fachada frontal de cerca de seis

metros de comprimento, com duas janelas tipo guilhotina, sendo a entrada da edificação pela fachada lateral.

Um dos exemplares deste grupo tem, na fachada frontal, ao invés

das janelas, duas portas de madeira com folha dupla, que indicam uso misto, ou seja, comercial e residencial, que teria originalmente (Figura 19).

Figura 20. Casa operária com duas portas frontais, indicativo de possível uso misto.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

49


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

ESTADO DE CONSERVAÇÃO DAS CASAS OPERÁRIAS

A maioria das casas operárias do conjunto hoje estão locadas para

moradia, sendo que pequena parte foi adquirida pelos proprietários atuais por usucapião.

Internamente, as alterações são de ordem diversa, boa parte

decorrente das necessidades de cada morador, bem como das mudanças no modo de morar ocorridas do início do século passado para os tempos atuais.

Externamente, boa parte das fachadas sofreram modificações

(Figura 20). No entanto, estas se atem a troca de esquadrias, o que

Figura 21. Em amarelo, exemplo de modificações a que foram submetidas as casas operárias.

apesar de alterem um pouco as dimensões das envasaduras originais, não compromete a leitura do conjunto de casas. Não sendo severas, no caso de uma intervenção de restauro, pode-se recuperar as aberturas primitivas.

PECULIARIDADES DAS CASAS OPERÁRIAS

Estas moradas operárias, têm uma característica bastante

peculiar, quanto a sua forma de disponibilização. Diversamente da maioria das habitações operárias da época, de aluguel , essas eram providas pelo próprio proprietário da indústria.

Poucos são os exemplos deste tipo de habitação no Brasil, dos

quais destacam-se a Vila Maria Zélia (Figura 21), no Bairro Belenzinho e

Figura 22. Vista de algumas das casas da Vila Maria Zélia, São Paulo-SP, atualmente bastante alteradas


de São Paulo e conhecidas por terem como provedor um personagem tão empreendedor quanto o senhor Manoel Guedes.

Figura 23. Vila para funcionários das fábricas Matarazzo, São Paulo-SP.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

a vila para operários da Matarazzo (Figura 22), no Brás, ambas na cidade

51


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

A CASA TIPO

Tendo em vista os dois grupos de casas encontrados, procurou-se

selecionar uma casa emblemática, que pudesse representar o conjunto de casas operárias sintetizando suas principais características. Para tanto se selecionou o exemplar com características consideradas mais próximas de um estado construtivo original e que também mais se assemelhassem a casas operárias contemporâneas (Figura 23).

A casa selecionada está localizada em meio de quadra, com duas

janelas guilhotina e uma porta em madeira, solução facilmente encontrada em construções das primeiras décadas do século XX.

A planta, também se aproxima muito da original, afinal, segundo

informações do morador, que vive na casa desde criança, a única intervenção pela qual a casa passou foi a anexação de um sanitário aos fundos da construção (Figura 24).

Figura 24. Casa identificada com características mais próximas de um estado original.

Figura 25.

Planta da casa operária tipo.


3.1.1b A casa do proprietário

Não há documentação atendível que ateste o ano de construção

do casarão do proprietário. As informações que obtivemos a esse respeito são indiretas, resumindo-se a poucas fotografias e a um indício construtivo. Em seu interior, junto a porta principal, há um taco de madeira com a inscrição “1900”. Sabe-se que antigamente era comum a troca da data de construção de uma edificação em homenagem à virada do século, fato que impossibilita que se estabeleça uma data precisa para a mesma.

Este casarão, localizado defronte a fábrica, ocupa um terreno de

aproximadamente 3000m², dividindo-se em três pavimentos: porão, térreo e superior (Figura 25).

Figura 26. Em destaque o casarão do proprietário e suas dependências de serviço.

Destaca-se na residência, o grande refinamento construtivo, de

característica eclética: a monumentalidade da construção, a fachada com ritmo e simetria de portas e janelas, a riqueza e minúcia dos detalhes ornamentais, a cobertura escondida pela platibanda, a hierarquização dos espaços internos (Figura 26).

O telhado, em quatro águas, é estruturado em madeira serrada,

e recoberto por telhas francesas, com cumieira perpendicular a fachada principal da construção.

Os vedos são todos em alvenaria de tijolos argamassados.

No piso térreo, a porta de entrada é o início de um longo corredor

Figura 27. A casa do proprietário com sua riqueza de detalhes de vertente eclética.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

53


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

por onde se acessam as duas salas de recebimento e a sala de jantar.

Estes ambientes têm piso de tábuas de madeira que formam

interessantes desenhos geométricos e inscrições, como iniciais, estrelas e engrenagens (Figura 28). O forro, em estuque1, é bastante decorado, com acabamento em cambotas (Figura 29).

Ainda neste piso estão as escadas que dão acesso ao terceiro

pavimento; a cozinha e também uma ampla varanda. Esta merece especial atenção, pois circunda a fachada frontal e uma das laterais da edificação, com pilares de sustentação, gradil e portas de acesso, pré-fabricados em ferro fundido com grande requinte de detalhes (Figura 31 e 32).

Figura 28. Piso de madeira de uma das salas de recebimento: detalhe para a engrenagem.

As duas escadas em madeira- uma de uso social e outra de uso

dos empregados- mostram o grande refinamento desta construção. A escada social, mais ampla, e entalhada, apresenta em toda a sua extensão pinturas florais (Figura 33).

No piso superior, são 8 dormitórios; todos com piso em madeira

com tabúas corridas, e forros em estuque, com desenhos simples e com arremate em cambotas . Tanto as portas de uma folha quanto as janelas de duas, tipo veneziana, são em madeira.

Há também neste piso, quatro sanitários, nítidamente mais

recentes(Figura 34). 1 Tipo de argamassa usada para confeccionar detalhes decorativos e forros, a base de cal, água e areia.

Figura 29. Forro em estuque com arremate em cambotas de um dos dormitórios da residência.


Figura 31. Uma das portas, em madeira e ferro fundido, que dá acesso da sala de jantar para a varanda.

Figura 32. Pintura floral da escada social,que dá acesso ao segundo piso, hoje bastante desgastada.

Figura 33. Um dos sanitários encontrados no terceiro pavimento da edificação.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Figura 30. Ampla varanda que circunda parte do pavimento térreo da residência.

55


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Ainda destaca-se a riqueza dos pisos hidráulicos, muito belos

e coloridos, que revestem as áreas molhadas e a grande varanda do pavimento térreo (Figura 35-Figura 37).

Na área externa, há uma construção bastante simples, destinada

ao abrigo dos empregados da casa, um orquidário, com estrutura em ferro fundido e uma piscina, possivelmente da década de 1950 (Figura 38 e 39).

ESTADO ATUAL DE CONSERVAÇÃO

Há mais de 25 anos, a edificação encontra-se a completamente

Figura 34.

Piso hidráulico da varanda

abandonada, fator que contribui significativamente para a deterioração do bem e consequente ruína.

As poucas alterações existentes são fruto de melhorias para

moradia, tais como o uso de sanitários dentro da construção e uma piscina no jardim lateral. Mesmo assim, a fachada apresenta sua integridade formal e estilística preservadas.

Figura 35.

Figura 36.

Piso hidráulico da cozinha

Piso hidráulico do corredor de serviços


Figura 38.

Piscina da década de 1950.

Orquidário existente no quintal do casarão.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Figura 37.

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CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Plantas baixas do casarão do proprietário


3.1.1c A casa de morada do administrador

A casa de morada do administrador e dos técnicos está implan-

tada num grande terreno de esquina, com cerca de 850m² (Figura 29 e Figura 30).

É uma casa de médio porte, com dois pavimentos: porão habitável

e térreo.

Sua fachada, já apresenta elementos decorativos rebuscados,

bem como platibanda e ritmo nas envasaduras, características de linha eclética.

A caxilharia é toda em madeira, sendo as portas de duas folhas e

as janelas tipo guilhotina recobertas por duas folhas venezianas.

Figura 39.

Em detaque, a casa de morada do administrador.

A estrutura do telhado é toda em madeira serrada, com cober-

tura em telhas francesas em quatro águas com cumieira no perpendicular a fachada principal da habitação.

ESTADO DE CONSERVAÇÃO ATUAL

Como as casas operárias, este exemplar encontra-se alugado.

Mesmo assim, a fachada da habitação apresenta-se com poucas alterações, tendo sua integridade formal completamente preservada.

Figura 40.

A casa de morada do administrador

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

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CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.1.2 Os galpões fabris da Companhia

Sabe-se que os primeiros galpões fabris, que deram origem a Com-

panhia, tiveram sua construção iniciada em 1881 e concluída em 1883, ano em que se iniciaram as primeiras atividades fabris naquela localidade.

O conjunto de galpões hoje constituído forma externamente um

grande volume, denso e único, implantado em um terreno em declive, com mais de 18.000m².

Destaca-se a fachada frontal, com a torre do relógio, marco do

ritmo de trabalho e dos turnos da indústria.

Nas fachadas laterais é possível notar as diversas fases de amplia-

ções e reformas a que o edifício foi submetido, devido aos diferentes ritmos e modelos de envasaduras.

Internamente, estas intervenções tornam-se ainda mais eviden-

tes, através das muitas soluções estruturais e de coberturas adotadas.

A partir da análise destes indícios, bem como da documentação

existente, chegou-se a divisão do conjunto de galpões fabris em quatro fases construtivas.

Tais fases marcam as reformas e ampliações, sofridas pelo edifí-

cio ao longo de sua história, processos comuns neste tipo de indústria, reflexo da prosperidade, do aumento, da diversificação e da mecanização da produção têxtil.

Figura 41.

Em destaque, os galpões fabris da tecelagem.


3.1.2a Primeiro período

Iniciada no ano de 1881, esta fase marca as primeiras atividades

fabris tanto na Companhia, quanto na cidade de Tatuí.

Possivelmente, os galpões que fazem parte deste período, à épo-

ca da construção, eram térreos, edificados em alvenaria de tijolos argamassada e com telhados estruturados em madeira e cobertos por telhas de barro. No entanto, a ampliação para um segundo pavimento os atribui hoje lajes e pilares em concreto.

Apenas a área administrativa, que não foi alvo de ampliações, tem

ainda hoje características mais próximas de um estado original, com estrutura do telhado em madeira, recoberto por telhas francesas e forro tipo paulistinha (década de 1950).

O piso em todos os ambientes desta fase é cimentício e as janelas

em ferro fundido tipo basculante.

Merecem destaque o cômodo destinado ao maquinário de gera-

ção de energia à vapor- primeira força motriz usada no funcionamento da Companhia- e a torre do relógio, tão emblemática na fachada frontal e que marca a entrada da edificação.

Figura 42.

Em vermelho, primeiro período construtivo da Companhia.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

61


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.1.2b Segundo período

Esta fase trata das ampliações ocorridas em relação a fachada

frontal, e principal, da fábrica, sendo dois blocos, um a direita e outro a

bloco A

esquerda dela.

O bloco à direita é de alvenaria de tijolos cobertos por argamassa,

piso cimentício, telhados estruturados em madeira, coberto por.telhas francesas com forro em madeira tipo pau-

bloco B

listinha.

O bloco à esquerda também é de alvenaria em tijolos argamassa-

dos e telhado com estrutura em madeira e cobertura em telhas francesas. Porém, os pilares deste bloco são em madeira, o piso de tijolos cozidos e não há forros.

Apesar deste conjunto de galpões não ser o mais antigo, como

ele não sofreu alterações posteriores, pode-se considerá-lo, atualmente, o mais próximo de um grau de originalidade inicialmente existente.

Figura 43.

Em verde, segundo período de construção da tecelagem.


3.1.2c Terceiro período

A terceira fase compreende os blocos do segundo pavimento da

fábrica e também um grande bloco que corta o terreno de uma fachada a outra.

Apesar de possuírem características comuns aos outros períodos,

tais como o uso de alvenaria de tijolos argamassados nos vedos e piso cimentício, nestes trechos as estruturas do telhado são mistas- uso de estrutura metálica e madeira- e a cobertura é toda em telhas metálicas.

Estes dois últimos aspectos, bem como os vãos maiores existentes

nestes galpões, sinalizam sua construção mais recente Figura 44.

Em roxo, o terceiro período construtivo da Companhia

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

63


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.1.2d Quarto período

Esta último período difere-se significativamente dos demais

galpões fabris que formam a Companhia.

Estão implantados ao fundo, em três blocos. Os dois menores,

sem qualquer expressividade construtiva, são edificados em alvenaria de tijolos argamassada, com estrutura do telhado em madeira e cobertura em telhas francesas.

O terceiro deles, já de maior porte, é também o mais destoante

dos três. Construído em alvenaria de tijolos argamassa, possui estrutura metálica em todo o telhado. A cobertura, curva, merece especial destaque, tendo em vista que todas as

Figura 45.

demais do conjunto são em duas ou quatro águas.

contrastante com o restante do conjunto.

Em marrom, o quarto período construtivo, bastante


3.2 A divisão do Processo Fabril

Afim de facilitar o compreendimento da evolução construtiva da

Companhia, procurou-se, por meio de vestígios construtivos e entrevistas com antigos trabalhadores, distinguir a função original dos espaços internos do edifício no processo de produção fabril.

Não foi possível se descobrir a função de alguns blocos, principal-

mente pelas alterações internas descaracterizantes de diversas ordens.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

65


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.3 Mosaicos Fotográficos

Com o intuito de registrar o estado atual do conjunto fabril e es-

tudá-lo do ponto de vista físico, construtivo, foram elaborados mosaicos fotográficos baseados nos princípios da fotogametria digital.

Em seguida, apresentam-se os resultados obtidos.


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho 67


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho 69


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho 71


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho 73


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.4 LEVANTAMENTO MÉTRICO

Foram realizadas constantes visitas ao objeto de estudo

com o intuito de, em um primeiro momento, levantar o desenho de plantas da edificação fabril, e posteriormente para aperfeiçoar e conferir as medidas encontradas.

Para facilitar a compreensão do edifício, que divide-se em 3

níveis, usaremos a seguinte nomenclatura:

NÍVEL 1- cota 0,00

NÍVEL 2- cota 3,65

NÍVEL 3- cota 7,65


Nível 1- cota 0,00 Escala 1:500 Figura 46.

Levantamento Métrico- nível 1

Em vermelho, nível 1.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Figura 47.

75


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Figura 49.

Em vermelho- nível 2

Nível 2- cota 3,65 Escala 1:500

Figura 48.

Levantamento Métrico- nível 2


Em vermelho- nível 3

Nível 3- cota 7,65 Figura 50.

Levantamento Métrico- nível 3

Escala 1:500

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Figura 51.

77


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.5 LEGISLAÇÃO INCIDENTE SOBRE O PATRIMÔNIO

3.5.1 Quanto ao patrimônio fabril

O conjunto arquitetônico correspondente à Companhia de Fiação

e Tecelagem São Martinho esta tombado pelo Governo Estadual, através de publicação no Diário Oficial em 28 de dezembro de 2007 , após mais de 13 anos de trâmites no CONDEPHAAT- Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Governo do Estado de São Paulo.

A fábrica, bem como as casas operárias, estão tombadas em Grau

de Proteção 2 (GP-2) que lhes assegura a preservação da volumetria e das fachadas das edificações.

Já a casa de morada do proprietário, está protegida pelo Grau de

Protação 1 (GP-1), que prevê, além da preservação da volumetria e das fachadas, também a manutenção dos espaços internos originais.

A minuta do processo de tombamento determina os gabaritos

máximo permitidos para as futuras construções na área envoltória do conjunto (Figura 53).

Porém este documento também assegura que, conforme o decreto

nº 48.137 de 7 de outubro de 2003, a área definida como envoltória pode ser flexibilizada, desde que cada caso seja previamente analisado pelos orgãos competentes.

Figura 52. do conjunto.

Em destaque os diferentes gabaritos permitidos na envoltória


3.5.2 Quanto ao zoneamento urbano

De acordo com a lei Municipal nº 4228, de 27 de julho de 2009, no

que se refere ao zonemento urbano, a área pertencente a Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho encontra-se no limite entre duas zonas urbanas, a ZU3 e a ZU6, que tratam das seguintes determinações:

ZU3- Zona Predominantemente Residencial 2- áreas de média

e alta densidade demográfica, com habitações uni e multifamiliares, admitindo-se comércios locais, geradores de tráfegos de média intensidade e de ruído diurno.

ZU6- Zona Mista- local em que uma parte destina-se a unidades

habitacionais e a outra parte a unidades comerciais, de serviços ou institucionais (ver figura 60).

Para ambas as zonas admite-se taxa máxima de ocupação de 0,70,

taxa mínima de permeabilidade de 0,10 e recúo frontal mínimo de 4 metros.

Para a ZU3- a testada do lote deve ter 8 metros e área de 240m²,

no mínimo .

Já para a ZU6- a testada deverá ter 10 metros e área de 250m², no

mínimo .

Portanto, pela lei vigente no município de Tatuí, a instalação da

nova sede do Conservatório no conjunto fabril da Companhia fica permitida.

Figura 53. Nota-se que o conjunto fabril encontra-se em uma área de transição entre duas zonas urbanas, no entanto, ambas permitem o funcionamento da escola de música no local.

CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

79


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

3.5.3 Quanto ao uso do solo

A área entorno do conjunto fabril apresenta comércio e serviços

concentrados nas vias principais, de maior fluxo de pedestres e automóveis (Figura 55).

Quanto ao comércio local, em sua maioria, trata-se de mercear-

ias, oficinas automotivas e micro empresas do ramo alimentício, como pizzarias, restaurantes e empórios.

Os edifícios institucionais correspondem a um Posto de Saúde

da Prefeitura Municipal, uma sede dos Correios e Telégrafos, duas igrejas evangélicas, o campo de futebol do Clube São Martinho, o IDHKL- Instituto de Desenvolvimento Humano Kathia Lessa- e uma escola de inglês.

Os serviços restrigem-se à Sede da Elektro- companhia de força e

luz que atende a cidade- a um escritório de arquitetura e engenharia e a algumas oficinas mecânicas.

Portanto, é possível notar que a maior parte das edificações da

área são habitações unifamiliares, as quais apresentam entre um e dois pavimentos (Figura 56).

Figura 54. Destaca-a grande quantidade de áreas verdes na área, potenciais praças e novos edifícios complementares ao programa da escola de música


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho

Figura 55. Nota o predomínio de construções de um pavimento na área mais próxima ao centro, e de dois pavimentos na periferia.

81


CAPÍTULO 3- conjunto arquitetônico da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho



4.1 A área de intervenção: conclusões

patrimônio industrial paulista edificado na cidade de Tatuí e oferecer um ambiente propicio ao estudo da música, também oferecer uma trajeto

Hoje, a área proposta para o desenvolvimento deste trabalho final

de graduação, o conjunto fabril da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, encontra-se parcialmente abandonado, em constante processo de degradação.

Este grande complexo, de aproximadamente 47.000m², localizado

Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído

na região central de Tatuí, apesar de testemunhar seu passado fabril, tornou-se uma grande cicatriz urbana, uma região erma e sem vida. Sua localização é bastante privilegiada, pois se encontra no limite entre a região central e a periferia da cidade.

É nítido o movimento pendular que existe na área no amanhecer

e entardecer, são pessoas que vão ao centro a pé pela manhã, para trabalhar, e retornam a suas casas no fim do dia.

Este caminho, um grande aclive, é totalmente inóspito. As pes-

soas caminham entre blocos fabris abandonados, sem qualquer tipo de infra-estrutura. Não há sequer uma calçada adequada no trajeto.

Deste modo, apesar da situação atual da área, nota-se que ela

apresenta grande potencial devido, principalmente, a sua localização privilegiada e ao fluxo de pedestres já existente na área.

Portanto, tem-se como objetivo, a partir do desenvolvimento do

projeto de preservação a que se destina este trabalho, Além de valorar o

mais seguro e agradável aos pedestres que andam pela área todos os dias e moradores do entorno próximo.


CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído

Figura 56. SITUAÇÃO ATUAL: O conjunto parcialmente abandonado é um espaço ermo e sem vida no limite entre a região central e a periferia de Tatuí. Isso ocasiona um intenso movimento pendular: as pessoas locomovem-se, em geral à pé, da periferia para trabalhar no centro pela manhã, retornando ao final da tarde.

Figura 57. OBJETIVOS: com o novo uso dado ao conjunto fabril, será possível, além de promover um espaço mais completo para o aprendizado, ainda preservar o patrimônio industrial existente na cidade de Tatuí e oferecer as passantes, um ambiente mais agradável e seguro.

85


Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído


4.2 Programa de Necessidades

de seus usuários e ainda o edital hoje existente para uma concorrência aberta para uma futura nova sede para a escola em mãos, fez-se uma análise

Para a elaboração do programa de necessidades, foram feitas

crítica que priorizou, um programa amplo, condizente com a grandiosidade

várias visitas ao Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Cam-

da escola e que tivesse como foco principal seus professores, alunos e fun-

pos”, visando compreender as atividades, dinâmicas e necessidades desta

cionários.

instituição.

A partir de observações in loco e entrevistas informais com alu-

nos, professores e funcionários, nota-se que suas maiores deficiências da escola dizem respeito a falta de salas de aula e de estudos ideais ao aprendizado e ensino de música: mais amplas, em maior número e acusticamente tratadas.

Hoje, o único espaço comum que existe na escola é uma cantina,

bastante simples, que atende os usuários de maneira insatisfatória. Faltam todo tipo de espaços de convívio, como sala de professores, praças para ensaio, estudo e descanso, estabelecimentos de alimentação, tendo em

CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído

vista que a maior parte dos freqüentadores da instituição não residem em Tatuí e acabam tendo que passar todo o dia na escola.

A biblioteca da instituição, bem como os espaços para leitura e

estudo teórico estão muito a quem do que merece e necessita uma uma instituição com 2669 alunos e excelência em ensino como o Conservatório de Tatuí.

Tendo este conhecimento sobre as necessidades da instituição e 87


Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído

4.2.1 Organograma


4.3 Referências Projetuais

Afim de intervir no edifício fabril de maneira consciente, dando

ênfase a sua história e a seu valor arquitetônico atribuído e ao mesmo tempo, promover espaços interessantes e ideais ao ensino e estudo de música, procurou-se por referências que apropriassem da edificação pré-existente de maneira cautelosa ou então que apresentassem espaços fluídos, contemplativos, mas ou mesmo tempo dinâmicos.

CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído

89


4.3.1 Referências de Patrimônio Edificado

Tate Modern Gallery

Herzog & Meuron, Londres, 2000.

A antiga Central Elétrica Londrina foi adaptada, pelos arquitetos

suíços Herzog & De Meuron para abrigar uma das quatro galerias do grupo

Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído

Tate Gallery, a Tate Modern Gallery, em 2000.

Para este projeto, que destacou estes arquitetos no cenário mun-

dial, foi proposta uma intervenção minamista, sendo que poucos fluxos e acessos foram alterados.

Figura 58.

Imagem da antiga central elétrica

Figura 59. seu novo uso

Vista interna da antiga central elétrica em

Uma nova cobertura em vidro, com a altura de dois pavimentos,

foi usada para fornecer a iluminação zenital necessária para tornar os ambientes internos mais propicios para a boa percepção das obras de arte. Esta tornou-se um dos grandes atrativos do projeto, instigando os visitantes a fazer todo o percurso da galeria para conhecê-la.

A Casa das Turbinas, que tem cerca de 152 metros de altura, é,

além da entrada do edifício, ponto de referência durante toda a visitação.


Le Silo Auditorium

Studio Andrew Todd, Marselha, 2010.

Este projeto teve como intuito preservar a fachada original deste

grande silo de grãos da década de 1920.

Dentro o espaço é bastante flexível, podendo apresentar-se como:

uma sala para conferências, shows de música e dança para 1000 pessoas, um espaço de 1500 lugares para concertos de ópera e também um amplo ambiente para 2200 visitantes com preparação acústica para shows de rock.

Figura 61. proposto.

Figura 60.

Atenção para os balcões inseridos nos antigos silos.

Os materiais simples servem de inspiração para o projeto

CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído

91


Parque Paisagistico Duisburg Nord Latz + Partner, Duisburg, Alemanha. Este projeto fazem parte de um amplo programa de revitalização

da área industrial degradada as margens do Rio Emscher, pertencente a bacia do Rio Ruhr.

A proposta trata-se do desenvolvimento de um grande parque

Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído

que englobem os galpões da antiga siderúrgica que existia no local, dandolhes novos usos: equipamentos e serviços do parque.

Tal combinação- patrimônio industrial e parque público- propor-

cionou áreas exuberantes e acolhedoras que atraem muitos visitantes a área antigamente degradada e hoje berço de biodiversidade e consciência

Figura 62.

Belíssimo jardim sinaliza a intervenção no patrimônio.

ecológica.

Figura 63.

Extensão do jardim contemplativo.


Auditorium Paganini

Renzo Piano, Parma, 1997.

O Auditorium Paganini faz parte de um grande projeto de revital-

ização urbana, baseado na adaptação de áreas fabris a novos usos.

A antiga fábrica de açúcar, datada de 1968, foi adaptada para abri-

gar uma sala de concertos de 780 lugares pelo arquiteto Renzo Piano.

Certas construções do complexo foram demolidas para propiciar

uma melhor visão do parque público, com peculiar paisagismo, proposto em seus arredores.

O delicado tratamento acústico promovido na sala, fez dela uma

das mais reconhecidas do mundo.

Figura 64. Em destaque as alterações de envasaduras a que o edifício pré-existente foi submetido.

Figura 65.

Estrutura do telhado exposta.

CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído

93


Sesc Pompéia

Lina Bo Bardi, São Paulo, 1982.

Neste projeto, Lina Bo Bardi adaptou uma antiga indústria para o

um centro de lazer e cultura do SESC.

Com primazia, ela optou pela substituição dos antigos caixilhos,

por materiais simples e puros.

Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído

A troca de parte das telhas cerâmicas por telhas de vidro, é

a grande chave do projeto, oferecendo espaços muito iluminados e agradáveis ao público.

O mobiliário simples, bem como as soluções práticas de espaços,

são os pontos que fazem o local muito freqüentado. Figura 66.

Porta em madeira, projetada por Lina Bo Bardi.


4.4 Diretrizes

Complexo de entretenimento e lazer: casarão do proprietário;

Escola de música: galpões fabris principais; Auditório de câmara e espaço para eventos: galpões fabris

4.4.1 Diretrizes de Projeto

A complexidade do programa do Conservatório de Tatuí, com as

secundários

muitas especificidades inerentes a uma instituição deste porte- salas que

vão desde o estudo individual até ensaios para 60, 80 pessoas, biblioteca,

strução em terrenos da própria Companhia.

aulas teóricas, administração, convívio, moradia- exige uma hierarquização

de espaços.

este trabalho final se propõe, atentaremos aos galpões fabris da tecela-

gem, tendo em vista a complexidade do programa estudado, a vasta área

Para tanto, propõem-se que a escola seja desmembrada em seis

blocos que, acredita-se, não prejudicarão sua administração pela setorização proposta e também pela proximidade entre os edifícios.

No entanto, as áreas necessárias ao bom funcionamento da es-

cola de música, extrapolam as edificações hoje existentes no conjunto da Companhia. Buscando sanar esse déficit e oferecer espaços de qualidade para os freqüentadores do Conservatório, indica-se a construção de um

Estacionamento, sala de aulas teóricas, refeitório: nova conPara o desenvolvimento do projeto sobre o pré-construído a que

da Companhia e os limites estabelecidos pelo tempo.

CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído

novo edifício, no terreno da própria Companhia, atrás dos galpões da fábrica. Neste estariam abrigados o refeitório e suas dependências, salas de aula teórica, estacionamento e uma ampla praça de convívio.

Deste modo, o programa apresenta-se disposto da seguinte for-

ma:

Moradias estudantis: casas operárias;

Biblioteca: casa do administrador; 95


4.4.2 Diretrizes de Intervenção

estes apresentam características bastante distintas do restante do conjunto, comprometendo inclusive sua unidade formal.

Após a análise crítica das envasaduras atualmente encontradas na

Por outro lado, a fachada principal da indústria será completa-

edificação fabril e do estabelecimento de uma cronologia construtiva, am-

mente preservada, com alterações apenas de caixilhos, já que nela estão

bas baseadas em indícios construtivos e comparação do estado atual com

os referenciais arquitetônicos mais expressivos do conjunto.

fotos antigas, foi possível se estabelecer as diretrizes de intervenção sobre

Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído

o pré-construído baseada na mínima intervenção sobre o objeto:

PRESERVAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS FABRIS E ARQUITETÔNICAS

USO DE MATERIAIS CONTEMPORÂNEOS:

Todas as intervenções propostas têm linguagem contemporânea,

buscando distingui-las das características fabris encontradas anterior-

MARCANTES

mente no edifício fabril.

Foram selecionadas as características emblemáticas do edifício,

No entanto, tais materiais, o alumínio com pintura tipo aço córten

afim de preservar as características e peculiaridades fabris, ressaltando a

usado nos novos caixilhos propostos e as chapas de madeira laminada que

importância da indústria como raro exemplo do apogeu industrial do es-

revestem as salas acusticamente tratadas, não devem se sobressair ao pré-

tado de São Paulo ocorrido em fins do dezenove e início do século XX e

existente, mas sim ter o mesmo peso, formando um conjunto harmônico e

ainda, a significância desta indústria para o desenvolvimento urbano da

visualmente agradável.

cidade de Tatuí.

Foram priorizadas características arquitetônicas tais como: a

grande caldeira, primeira fonte de energia motriz da Companhia, a laje protendida, com peculiar travamento, encontrada no segundo piso, os acessos e os materiais brutos.

Para alguns blocos de edifícios locados mais ao fundo do lote e

nítidamente mais recentes, foi proposta a demolição, tendo em vista que


4.5 O Projeto

Nível 02- cota 3,65

Para o desenvolvimento do projeto de adequação do principal

Neste nível encontra-se o acesso principal do edifício, por isto,

edifício fabril da Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho à nova

decidiu-se por atribuir a ele um caráter mais público. Ficam neste piso:

sede do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, pro-

administração, secretaria escolar e suas dependências, praça de entrada

curou-se tirar partido das qualidades arquitetônicas da edificação: ilumi-

(completamente permeável), espaço de exposições, recepção, loja de sou-

nação e ventilação natural, espaços amplos e simples e diferentes níveis.

venires e depósito de instrumentos, áreas de maior fluxo e pessoas, inclu-

sive visitantes exporádicos.

Assim, optou-se por concentrar a circulação e as áreas de con-

vívio nas áreas externas e próximas as janelas, criando espaços agradáveis, bem ventilados e iluminados, tendo em vista que as salas de aula e es-

Nível 03- cota 7,65

tudo, devido a suas especificidades, necessitam ser enclausuradas.

No terceiro nível, dedicado as atividades de estudo e menor fluxo

Os níveis possibilitaram a setorização dos espaços, conforme o

de pessoas, foram locadas as salas de aula e estudo para pequenos grupos-

número de usuários, a movimentação e os ruídos gerados pelos instru-

tercetos, quartetos, quintetos entre outros- salas de estudo individual eq-

mentos.

uipadas com piano vertical e uma sala de estudo coletivo com capacidade

Deste modo, dividiu-se os usos da edificação da seguinte ma-

para 63 pessoas.

neira:

CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído

Como os pés-direitos da edificação são modestos, não ultrapas-

Nível 01- cota 0,00

sam os 4 metros, em alguns pontos, nos quais não se considerou necessária

Acreditando-se os maiores geradores de ruídos na escola são os

a preservação íntegra das características arquitetônicas originais, optou-se

instrumentos de peles e as salas de ensaios, optou-se por colocar as salas

pela abertura de lajes, criando-se assim um novo eixo de circulação vertical

de percussão e uma sala de ensaio com capacidade para 90 pessoas neste

que abriga, além de escadas, um elevador panorânico em local estratégico,

nível, visando a menos dissipação possível de ruídos, tendo em vista que

que permite acesso aos três níveis da edificação.

mais difícil o som subir.

Ainda a fim de assegurar a acessibilidade universal na edificação 97


buscou-se criar novos percursos rampados quando viável, os quais não ultrapassam os seis por cento de inclinação.

Alguns vãos foram abertos, para dar lugar a saídas de emergência,

indispensáveis em construções deste tamanho e desta natureza.

Aproveitando-se dos pátios internos já existentes no edifício,

propõem-se espaços contemplativos e de estar, com embelezamento paisagístico. Estes articulam os diferentes blocos do complexo fabril conferindo

Capítulo 4- Projetando para a preservação do pré-construído

fluidez e leveza, se contrapondo a idéia do bloco monolítico que se vê externamente.

Acredita-se que tais decisões, árduas e criteriosas, foram determi-

nantes para conferir ao projeto para o pré-construído além da preservação de suas características emblemáticas, a contemporaneidade necessária para a adaptação ao novo uso: o estudo da música.

OS USOS NO INTERIOR DO EDIFICIO FABRIL


CAPÍTULO 4- projetando para a preservação do pré-construído 99




REFERÊNCIAS PROJETUAIS

Da redação. Cultura efetiva tombamento de fábricas: Processo inestimável

Capítulo 5- Referências projetuais e créditos de imagens

abrange o complexo das extintas Santa Adélia e São Martinho. In: O Progresso de História

Tatuí. Tatuí-SP, 06 de janeiro de 2008, pág. 03.

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CRÉDITOS DE IMAGENS

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Pelotense. Pelotas: Palotti, 2002, 2a ed.

Fig. 02 a 05- Acervo pessoal Erasmo Peixoto Fig. 06- base: Google Earth

Referências de Projeto

montagem: da autora

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Fig. 07-09: In: www.tatui.sp.gov.br

19 de abril de 2010.

Fig.10: base: Google Earth

www.tate.org.uk/, acessado em 18 de abril de 2010.

montagem: da autora

www.studioandrewtodd.com/#/projects/17/, acessado em 18 de abril de 2010.

Fig. 11: autor: João Batista das Dores, In: www.paronamio.com/photo/2443955

www.thinklab360.com/parma-virtual-tour/auditorium-paganini-parma-360.html,

Fig. 12: In: www.tatui.sp.gov.br/pontos_turisticos.php

acessado em 18 de abril de 2010.

Fig. 13: base: Google Earth

www.latzundpartner.de/projects/detail/17, acessado em 19 de abril de 2010. LOS, Sergio. Carlo Scarpa. Taschen, 1994.

montagem: da autora Fig. 14: da autora Fig. 15: Acervo pessoal Erasmo Peixoto

Referências Acústicas

Fig.16-57: da autora

SILVA, Perídes. Acústica Arquitetônica & Condicionamento de Ar. Belo

Fig. 58 a 59- In: www.google.com.br, acessado em 18 de abril de 2010

Horizonte:EDTAL, 2002.

Fig. 60 a 61- In: www.studioandrewtodd.com, acessado em 18 de abril de 2010.

www.sonex.com.br/ideatec.asp, acessado em 30 de setembro de 2010.

Fig 62 a 63- In: www.latzundpartner.de/projects/detail/17, acessado em 19 de

www.knauf.com.br, acessado em 30 de setembro de 2010.

abril de 2010. Fig. 64 a 65- www.google.com.br, acessado em 19 de abril de 2010 Fig. 66- acervo da autora. * Mosaicos Fotográficos: da autora *Organograma: www-958.ibm.com/software/data/cognos/manyeyes/

Capítulo 5- Referências projetuais e créditos de imagens

MOURA. Rosa M. G. R. SCHLEE, Andrey Rosenthal. 100 Imagens da Arquitetura


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