A menina sem cor

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A MENINA SEM COR De Fernanda Emediato Ilustrado por Yasmin Mundaca


Fernanda Emediato Ilustraçþes de

Yasmin Mundaca


Sylvia queria muito ser mãe, desde criança sua

brincadeira preferida era brincar com sua bonequinha. Quando cresceu, casou-se com Silvio. Mas depois de muito tentarem, descobriram que não podiam ter filhos. Adotaram, então, uma menininha que se chamava Micaela. Todos a chamavam pelo carinhoso apelido de Mica.

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Mica era uma garotinha linda, de cabelos volumosos e negros, sua pele tinha uma cor de chocolate meio amargo; ela era uma menina muito doce e encantadora. Quando fez seis anos de idade, Mica perguntou a seus pais o porquê de ela ser diferente deles. Afinal, eles eram brancos como leite. Então explicaram a ela toda a história da adoção. Mica não ficou muito chateada por ser filha adotiva, amava seus pais imensamente; mas desejava de modo profundo ter a mesma cor que eles.

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Na escola, Mica começou a notar que todas as crianças de sua sala eram brancas, e que ela era a única daquela cor.

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Num domingo, quando foi passear no parque, ao olhar todas aquelas pessoas, notou uma família que exibia a pele mais amarelada e os olhos puxadinhos. Em outra família havia também dois irmãos de pele cor de mel e cabelinhos bem lisos, em forma de tigelinha. Viu também uma mãe e sua filha, ambas bem branquinhas, com olhos azuis e cabelos louros. Mica ficou olhando toda aquela variedade de cor de pele e foi sentindo um desejo enorme de ser de outra cor, qualquer cor, menos a sua.

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Perguntou então à sua mãe: — Mamãe, quando você toma sol, fica com a pele um pouquinho mais escura; eu queria ficar da cor daquela menininha... O que eu posso fazer, tomar banho de lua?

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— Minha filha! Qual o problema com sua cor? Você é perfeita do jeito que é. — Mas eu não gosto da minha cor. Na minha escola não tem ninguém dessa cor, aqui no parque também, e aí me sinto diferente. Por que só eu sou assim? — Não é só você que é assim, existem muitas pessoas com cor igual à sua. Além disso, existem várias e várias cores diferentes, tonalidades diferentes; isto, porque nosso povo é todo misturado por causa das colonizações e imigrações que aconteceram no passado. Mas mesmo depois de muita conversa, Mica não se convenceu, ainda queria ser de outra cor.

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Um dia, no balanço do parque, estava pensando que já que era para ser diferente, que poderia ser azul ou vermelha, ou quem sabe da cor do arco-íris. Nesse momento Mica viu uma garotinha sentada debaixo de uma árvore e ficou embasbacada com a cor dela. Na verdade não era só sua cor, mas tudo nela. A pele era a mais clara que já havia visto; os olhos eram lilases; os cabelos, quase brancos de tão louros; as sobrancelhas e cílios quase não se viam.

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Mica correu em sua direção, descobriu que seu nome era Alice, e antes que a menina pudesse dizer qualquer coisa, começou a fazer elogios sobre sua cor, como ela era linda, disse que queria ser igual a ela, que queria ter os cabelos dela, os olhos dela; enfim, qualquer coisa sua, desde que fosse igual. Alice sorriu timidamente, nunca havia escutado isso de ninguém.

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As duas conversaram por muito tempo. Alice explicou então para Mica que ela sofria de uma anomalia genética que se caracteriza pela ausência da pigmentação da pele, dos pelos e dos olhos. E era isso que a fazia ser assim, toda branquinha. Alice contou também que por ser albina não podia tomar sol diretamente, que precisava usar protetor solar todos os dias e que em dias mais quentes evitava sair de casa. Explicou também que os albinos eram mais propensos a terem problemas de vista, podendo até ficar cegos.


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Na visĂŁo de Alice, Mica tinha muita sorte por ter uma pele mais escura. E na sua opiniĂŁo, parecia ser muito mais resistente ao sol. Disse que daria de tudo para ser como ela.

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— E seus cabelos? São tão negros... Se os meus fossem assim, meus laços dourados iriam aparecer muito mais — reclamou Alice. Mica disse que não gostava de ser a única desta cor, que nunca havia visto ninguém assim. Alice começou a gargalhar e então lhe disse: — Então ou você tem mais problemas nos olhos do que eu, ou quase não sai de casa. — Como assim? Você já viu alguém como eu? — perguntou Mica. — Só todos os dias!

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Alice então pegou Mica pelas mãos, correu com ela até o outro lado do parque e lhe apresentou seus pais, que eram da mesma cor que Mica. — Você também é adotada? — perguntou Mica. — Não, sua boba! Em minha família, só eu nasci com esse problema. Na verdade, eu também sou negra, digamos que quando nasci a tinta havia acabado.

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Mica não acreditava no que via. Os pais de Alice aram tão bonitos quanto ela. Possuiam os mesmos traços, só que de outra cor. Percebeu então que esta

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histĂłria de cor era tudo uma grande bobagem, que o bom da vida era ter uma famĂ­lia que a amasse. Fazer novos amigos e ser feliz.

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Fernanda Emediato Fernanda Emediato foi uma menina perdida no seu quintal, a Serra da Cantareira, na Grande São Paulo. Os seus primeiros amigos foram macacos, cachorros, tucanos, quatis, esquilos, cigarras e garante que tinha uma amiguinha especial, uma onça que cismava em aparecer no quintal justamente quando ela estava sozinha. Outro fi

el escudeiro era o gato vira-lata Tico. Num ataque de um lobo ele a defendeu e perdeu o rabo na briga. A menina cresceu, formou-se em publicidade e atualmente é editora-executiva da Geração Editorial, onde trabalha desde os 15 anos, mas ainda não esqueceu dos amigos especiais e todo fi nal de semana sobe a serra para encontrá-los.

Yasmin Mundaca Yasmin Mundaca nasceu no Chile, mas vive no Brasil desde criança – em Indaiatuba, interior de São Paulo. É ilustradora formada pela Quanta Academia de Artes de São Paulo e tem livros publicados no Brasil e no exterior. Vive desde pequenina entre lápis de cor e desenhos. Cria tudo

à moda antiga, usando as mãos, lápis, tinta e papel, sem computador. É definitivamente autora de cada linha, ponto, traço e cor. Yasmin adora ilustrar, e à noite, quando está tudo quieto, gosta de imaginar que seus personagens ganham vida e se divertem em loucas aventuras.


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